Cunha e Silva Filho
CONSIDERAÇÕES GERAIS. Não obstante este artigo, a princípio, não tenha por objetivo desenvolver uma discussão mais ampla da fase em que se encontra a produção da literatura brasileira contemporânea, alguns tópicos me instigam a fazer comentários que julgo pertinentes no que respeita aos gêneros ficcionais - romance, novela, conto e, de passagem, à poesia, conforme posso vislumbrar a partir do que tenho lido, notadamente quanto a questões do tema e forma, entendida esta como linguagem e técnicas narrativas.
Grande parte das melhores e mais recentes histórias da literatura brasileira de que hoje dispomos, quando publicadas em sucessivas edições, não têm dado conta, com maior amplitude e urgência, da novíssima produção literária, aqui considerando o interregno dos anos noventa até agora. Estou pensando particularmente nas mais famosas delas, a obra coletiva, dirigida por Afrânio Coutinho, A literatura no Brasil, em seis volumes, a História da literatura brasileira, de Massaud Moisés, em três volumes, a História concisa da literatura brasileira, de Alfredo Bosi, A literatura brasileira, de José Aderaldo Castelo, em dois volumes, a também coletiva, dirigida por Sílvio Castro, História da literatura brasileira, em três volumes. Ao que tudo indica, os seus autores , com exceção talvez, de Sílvio Castro, parecem que deram por encerrada sua missão.
Sabemos que Bosi, autor talvez da mais lida das mencionadas acima, não deu continuidade, nas mais recentes edições, e foram tantas, da produção literária daquele período, ou seja, final do século 20 e primeira década do século atual. É uma pena que as coisas assim tenham ocorrido. É bem verdade que a contribuição da historiadora italiana, Luciana Stegagno-Picchio, autora de uma valiosa obra sobre nossos autores, a sua História da literatura brasileira, cuja segunda da edição, revista e ampliada, data de 2004, infelizmente não poderá brindar-nos com uma nova edição, ainda mais atualizada, por haver falecido. Há algum tempo, me confidenciaram que Eduardo Portella estava preparando uma história da literatura brasileira, assim como Gilberto Mendonça Telles teria dito que estava escrevendo um estudo abrangente de nossa literatura. O poeta Carlos Nejar, tendo escrito sua recente História da literatura brasileira: da carta de Pero Vaz de Caminha à contemporaneidade, prometeu também dar-lhe continuidade enfocando autores da década de sessenta do século passado até nossos dias. Aguardo, pois, que nosso historiadores literários possam dar sua contribuição necessária de, pelo menos, duas décadas para cá.
Convém salientar que, na ficção, felizmente, alguns passos já se deram nesta direção, como é exemplo do pequeno ensaio Ficção brasileira contemporânea (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, 174 p.) de Karl Erik Schollhammer, docente da PUC-Rio. Neste livro o ensaísta competentemente aborda as mais recentes produções ficcionais da literatura de nosso dias, analisando alguns de nossos autores mais novos e fazendo, alem disso, um mapeamento das últimas gerações, cobrindo não somente os autores principais da chamada geração 90 como ainda da chamada “geração 00” (não sei se a expressão foi cunhada pelo autor do ensaio). Autores dessa “geração 00” entre outros, são Daniel Galera, Santiago Nazarian, Michel Laub, Cecília Giannetti , Verônica Stigger, i. e., um grupo de autores com livros editados já no século atual.
No ensaio, Karl Erik faz sua exposição tendo como premissa a questão do conceito de autor “contemporâneo” e de todas as implicações complexas e por vezes fugidias que o termo evoca provenientes da dificuldade de lidar com aquele conceito, seja do ponto de vista histórico-social, sejas do ponto de vista da situação dos autores em elaborar sua produção diante das opções de visão atual ou não da realidade brasileira, sobretudo quando ainda se tem em vista um outro conceito de alcance também movediço, que é o de “pós-moderno”.
Digno de acentuar no ensaio de Karl Erik é o seu sentido de oportunidade e de atualização (veja-se-lhe a fundamental bibliografia de ficção, no final do volume, onde estão relacionados, a par de autores mais velhos e ainda plenamente produzindo, aqueles da “geração de 90” e da ‘geração 00”, bem como de obras teóricas e críticas), pondo o leitor especializado, estudantes universitários e pesquisadores em sintonia com o que de mais atuante existe agora no panorama heterogêneo da criação literária do país.
Seu ensaio é positivo na medida da em que traz para o debate a questão dos relações entre os novos autores e a realidade editorial brasileira, assim como são prestimosos seus juízos acerca dos novos meios eletrônicos em que a literatura se faz presente, como os blogs de literatura, abrindo um vasto espaço virtual no campo da ficção e, diria, da poesia. A produção literária hoje em dia não pode descartar a interatividade entre autor, leitor, crítico e a atividade editorial, uns e outros não dispensando, na ponta, todas as mídias de que dispomos nos conturbados dias que vivemos.
No tocante ao gênero poético, não conheço ainda uma síntese em livro, semelhante ao trabalho de Erik Karl, que, pelo menos, enfoque, num mapeamento seletivo, os novíssimos poetas da “geração 90 e da geração 00”, para usar as duas classificações que aparecem no ensaio. De certo tal mapeamento de conjuntos de autores mais representativos será um trabalho que exigirá tremendo esforço devido à grande quantidade de poetas novos e novíssimos espalhados pelo país inteiro e muitos, provavelmente, de boa qualidade, a se ver pela leitura de alguns que nos chegam ao conhecimento. O livro de Alexei Bueno, Uma história da poesia brasileira, de 2007, já foi um bom passo nesta direção. Só assim dotar-se-á o leitor ou leitor especializado de um lúcida visão em conjunto do que se tem publicado no país nas duas últimas décadas. A própria Coleção Contemporânea, da Civilização Brasileira, que tem Evando Nascimento como organizador, bem poderia pensar num empreendimento cultural deste porte.
O que se nos apresenta no momento atual é a constatação de que o historiador literário, o crítico e o ensaísta têm pela frente uma tarefa hercúlea dado que a copiosidade de autores de poesia, mais do que na prosa, ou tanto quanto esta, não para de crescer, segundo o próprio Erik Karl declara no estudo.
UM TEMA E UMA FORMA. Após essas considerações gerais, quero, agora, me deter em dois aspectos importantes na construção das obras ficcionais de nossos dias: 1) um certo excesso de personagens desempenhando na narrativa o papel da figura de escritor ou de um professor universitário de letras escritor; 2) um excessivo uso do recurso metaficcional em romances, decorrente, muitas vezes, daquele papel do personagem narrador às voltas com as vicissitudes de quem lida com a criação literária. Uma das consequências disso seria um problema conectado com a função do leitor, reduzindo este a um seleto e elitista grupo de especialistas e teóricos da literatura, e afastando, por outro lado, o leitor comum ou médio que não alcançariam, em geral, os complexos e intrincados mecanismos ou estratégias metaficcionais. Seria isso uma espécie de crise de assunto ou tema no âmbito da narratividade?
Posto sejam recursos explicitamente contemporâneos, segundo aparecem em autores como Ítalo Calvino, Milan Kundera, Doris Lessing em The golden notebook (1962), John Fowles, em The French lieutenant’s woman (1969) Guimarães Rosa, num bom exemplo que é o conto “Corpo fechado” da obra Sagarana ou mesmo de remota data, como, entre outros, podem-se ver em Lawrence Sterne, Machado de Assis, ou implicitamente já possamos encontrá-los em Miguel de Cervantes, em Don Quixote de la Mancha. Esses recursos, predominantemente focados no metatexto, de resto, notáveis como elementos novos acrescidos às técnicas narrativas, na realidade, aprofundam o conhecimento epistemológico do que sejam os fundamentos da criação literária. No entanto, se empregado abusivamente, podem ter efeito negativo na recepção do leitor médio, tendo-se em vista o pressuposto de que a nenhum escritor interessas só o leitor ideal que esteja teoricamente sintonizado com o escritor. Afastam por isso o interesse do leitor comum, que frui e aprecia narrativas mais focadas em tramas da vida humana e na perspectiva existencial como representação de mundos possíveis.
Veja bem, a minha ressalva não se assenta absolutamente na recusa desse tipo - o que seria de minha parte um reducionismo de natureza conservadora -, de narrativa pela narrativa. O que me preocupa é o emprego indiscriminado que alguns escritores de hoje têm feito desses recursos internos tanto no país quanto no exterior, de tal sorte que chega ao cansaço e este se afigura um meio caminho para a exaustão que a ninguém positivamente interessa.
Até me parece, em algumas vezes, que o ficcionista, para ser bem visto pela comunidade literária, o esprit de corps do meio acadêmico-universitário, para dar prova de atualização, de modernidade, deva por obrigação testar sua experiência de docente de literatura (em geral, tais autores são professores de letras) a fim de mostrar-se, reafirmo, em sintonia, ademais, com alguns autores do exterior. Lembro a este escritor no entanto, que uma ficção bem articulada e sem fazer concessões anacrônicas ao Romantismo, Realismo e Naturalismo ou a outros estilos literários, muito bem pode explorar, em linguagem renovada e com originalidade de composição, os velhos (eternos) e novos temas da humanidade, sem que, com isso, possa ser rotulado de passadista. Recorde-se que o antigo e o atual – haja vista o sucesso que têm tido bons autores de romances históricos - podem ser temas do escritor de hoje, desde que a habilidade do artista transforme o antigo em formas novas e até transgressoras, e mais, sem prejuízo de legibilidade do leitor em contato com a obra.
Se a literatura, em qualquer parte hoje, persiste na imitação da imitação, no modismo pelo modismo, creio que chegará a impasses que nenhum crítico ou leitor desejarão para o futuro da narrativa. Quanto mais persistir na estratégia de expressar-se literariamente por hermetismos, a condição literária vai seguramente perder leitores, os quais irão procurar sem dúvida as leituras mais excitantes, como a ficção policial e os apelos e facilidades dos bestsellers estrangeiros.
Ao girar em demasia sobre um mesmo eixo temático do próprio ato de narrar e seus inúmeros percalços, o escritor de ficção tenderá a perder contato com a realidade dos leitores, os quais dele fugirão, uma vez pressentindo tratar-se de obras que para eles não passam de quebra-cabeças ou charadas metaficcionais. O autocentramento, no campo da literatura, não irá resolver todos os impasses epistemológicos sobre as aporias de Sísifo, incapazes de responder plenamente e de vez aos enigmas da criação literária, tal como os surrados problemas da origem da vida ou da existência , ou não, de um Criador do Universo.
Os temas discutidos neste blog se concentram sobretudo na área de Literatura Brasileira, mas se estendem a outros temas e áreas culturais afins. Os gêneros literários da preferência da produção do autor são crítica literária, ensaios e crônicas. tradução de poesia estrangeira. Áreas de pesquisa e interesse do autor: teoria literária,história literária, vida literária.relação entre literatura, pobreza e violência, literatura universal e literatura de autores piauienses
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
domingo, 5 de dezembro de 2010
Folheando o jornal do dia
Cunha e Silva Filho
Pego um exemplar de hoje, dia 27 de novembro, de O Globo e começo a folhear-lhe todas as seções, como de costume. Procuro primeiro o caderno de literatura, o Prosa e& Verso que passei a ler cm mais assiduidade. Antes, fazia mais com o caderno Ideias de sábado, do JB, que não existe mais impresso. Grande perda para os leitores que, como eu, o acompanhava há tantos anos nas suas varias modificações de formato e de corpo editorial. No domingo, leio o antigo Mais da Folha de São Paulo. Gostava mais do antigo formato e da matéria e alguns colunistas cativos. A gente vai se acostumando com algumas colunas e tem a tendência de não querer delas separar-se. No Ilustríssima, substituto do Mais, há coisas de que gosto, como a oportunidade diversificada que se dá aos colaboradores, mas sinto que há um espaço de preferência do responsável pelo caderno cultural – os artistas das áreas de designers, cartunistas, e assemelhados. Poderia haver mais resenhas de literatura, teatro, cinema, por exemplo.
Depois dessa digressão, tenho uma sensação de que as horas passam mais rápido atualmente em consonância com a pressa dos tempos de agora, quando tudo parece que deve ser resolvido para ontem. O sentido do presente é o do instantâneo. Para onde toda essa pressa quer se dirigir, como se não bastassem os males inerentes aos tempos que correm, dilacerando os convívios e os diálogos vivos entre as pessoas e substituindo-os pelos insípidos contatos virtuais?
Vejo, agora, a manchete, em primeira página, de O Globo aludindo aos tanques e blindados vindos em socorro do Rio de Janeiro aflito. Não era sem tempo essa presença das forças armadas entre nós para assegurarem uma trégua de paz. Oxalá consigam sem muito derramamento de sangue, de parte a parte, e sobretudo de uma parte, a mais sofrida, que é a das camadas humildes dos morros cariocas, mais sujeitas a balas perdidas e a fatalidades.
Fotos de soldados em trajes de guerra contra bandidos da mesma nacionalidade. É trágico, mas é real o momento presente no Rio. Estamos, sim, numa guerra entre filhos da mesma terra, da mesma língua. Aquela cena de marginais em fuga, correndo em disparada, sem norte, quase em fila indiana, pelas ampla e bela vegetação no alto do morro do Cruzeiro, na Penha, bairro da antiga Leopoldina, na tela da TV me lembravam as figuras - às avessas -, molambentas de Antônio Conselheiro.. Aqueles jovens facínoras, vestindo apenas bermudas e sandálias sujas, com os peitos nus e os corpos geralmente esguios, cabeças quase raspadas segundo a moda atual entre os que não podem etnicamente exibir cabelos lisos e longos, formavam um quadro tétrico e patético de seres desarvorados, cujo denomina dor comum é o exemplo sintomático da alienação social. Nas suas cabeças só uma idéia fervilhava: a da fuga desvairada tendo como companheiro um fuzil e comparsas do mesmo destino sem volta e sem esperança.
Lá embaixo, as forças legalistas que tardaram a chegar num país de decisões quase sempre tímidas e adiadas. Governos e governos por aqui passaram. Todavia, as sementes da marginalidade que se estavam plantando insidiosamente em todas as direções do espaço urbano carioca, deram seus frutos que não foram extirpados em tempo certo. Acumularam-se por falta de vontade política. Permitiram-se as construções indiscriminadas nos morros e até na horizontalidade espacial rarefeita dos asfaltos. As sementes tomaram proporções gigantescas com o aumento desordenado de contingentes em série de migrantes, principalmente do Nordeste diante do silêncio e complacência ambígua dos órgãos públicos responsáveis pela política habitacional de planejamento da cidade do Rio de Janeiro.
Perdeu-e, portanto, o controle da ocupação do solo urbano que se estendia, ao arrepio das leis, pelos morros e nos rincões suburbanos e periféricos. Nada quase se fez pra conter as ondas humanas migratórias que, além disso, em obediência natural, posto inconsciente e irresponsável, do “crescei e multiplicai” tomado literalmente do conselho bíblico, inflaram espantosamente a demografia urbana da acidade. As comunidades carentes, construídas, muitas vezes, em espaços promíscuos, separados por vielas e passagens estreitas e perigosas – locus ideal para ali se homiziarem criminosos, foram, desta forma, se avolumando com demandas cada vez maiores de mínima infraestrutura em todos os aspectos. O resultado: a escalada da alta criminalidade do narcotráfico, solta e ubíqua, pipocando sem dó nem piedade de vítimas inocentes no asfalto e nos próprios morros e outros espaços urbanos periféricos. Um parêntese: fica pairando no ar um questionamento sobre as reais origens dos grandes responsáveis por esses molambentos marginais que atuam no mercado ilegal das drogas e dos assaltos. Pergunte-se à população responsável e trabalhadora e ela certamente dirá quem são os chefões e chefetes dessas organizações criminosas. Enquanto o país não debelar essas fontes do alto crime tudo o mais não passará de exibição e paliativo.
A ausência do poder constituído fez tradicionalmente vista grossa a toda essas situação de indigência da lei mesmo diante do caos urbano há tempos instalado na vida carioca. Daí os morros, principalmente, encherem-se de marginais com vontades própria e prepotência. Tomaram ares de superioridade em relação à estrutura da máquina de repressão do Estado brasileiro e mesmo, nos últimos anos, desafiando debochadamente os órgãos de segurança representados pelas polícias militar e civil e até pelas Forças Armadas.
O fato é que a cidade partiu-se em duas, só pra lembrar o título de uma obra de Zuenir Ventura. Os monstros do crime e do narcotráfico não são criações espontâneas. São manifestações da degenerescência do tecido social diante, segundo já referi, das grandes falhas e omissões do poder público que não é o caso aqui de aprofundar, porém muito conectadas à vida dos brasileiros ainda em estado de extrema carência de recursos, de bem-estar social, de desintegração familiar, de educação ainda deficiente, de falta de moradia minimamente humana, e de perspectivas de uma vida decente.
Só quando a situação chegou a níveis do que se poderia chamar terrorismo urbano, como a que está vivendo a cidade do Rio de Janeiro agora, com repercussão ampla e desabonadora no exterior e sinalizando para as consequências do papel da cidade do Rio de Janeiro como local escolhido para sediar a próxima Copa Mundial e as Olimpíadas, é que o governo brasileiro se lembrou de que algo mas sério se devia fazer para evitar desastres maiores e irremediáveis.
Por tudo isso, torço para que desta vez os governos federal, estadual e municipal consigam finalmente exercer suas prerrogativas devolvendo ao sofrido povo carioca a antiga tranquilidade em seu cotidiano e, assim, minimizando consideravelmente umas das mais deletérias chagas sociais contemporâneas, não só no país mas em vários lugares do mundo, que têm atormentado a paz e a alegria da Cidade Maravilhosa: o narcotráfico e suas derivações tão de nós conhecidos.
Pego um exemplar de hoje, dia 27 de novembro, de O Globo e começo a folhear-lhe todas as seções, como de costume. Procuro primeiro o caderno de literatura, o Prosa e& Verso que passei a ler cm mais assiduidade. Antes, fazia mais com o caderno Ideias de sábado, do JB, que não existe mais impresso. Grande perda para os leitores que, como eu, o acompanhava há tantos anos nas suas varias modificações de formato e de corpo editorial. No domingo, leio o antigo Mais da Folha de São Paulo. Gostava mais do antigo formato e da matéria e alguns colunistas cativos. A gente vai se acostumando com algumas colunas e tem a tendência de não querer delas separar-se. No Ilustríssima, substituto do Mais, há coisas de que gosto, como a oportunidade diversificada que se dá aos colaboradores, mas sinto que há um espaço de preferência do responsável pelo caderno cultural – os artistas das áreas de designers, cartunistas, e assemelhados. Poderia haver mais resenhas de literatura, teatro, cinema, por exemplo.
Depois dessa digressão, tenho uma sensação de que as horas passam mais rápido atualmente em consonância com a pressa dos tempos de agora, quando tudo parece que deve ser resolvido para ontem. O sentido do presente é o do instantâneo. Para onde toda essa pressa quer se dirigir, como se não bastassem os males inerentes aos tempos que correm, dilacerando os convívios e os diálogos vivos entre as pessoas e substituindo-os pelos insípidos contatos virtuais?
Vejo, agora, a manchete, em primeira página, de O Globo aludindo aos tanques e blindados vindos em socorro do Rio de Janeiro aflito. Não era sem tempo essa presença das forças armadas entre nós para assegurarem uma trégua de paz. Oxalá consigam sem muito derramamento de sangue, de parte a parte, e sobretudo de uma parte, a mais sofrida, que é a das camadas humildes dos morros cariocas, mais sujeitas a balas perdidas e a fatalidades.
Fotos de soldados em trajes de guerra contra bandidos da mesma nacionalidade. É trágico, mas é real o momento presente no Rio. Estamos, sim, numa guerra entre filhos da mesma terra, da mesma língua. Aquela cena de marginais em fuga, correndo em disparada, sem norte, quase em fila indiana, pelas ampla e bela vegetação no alto do morro do Cruzeiro, na Penha, bairro da antiga Leopoldina, na tela da TV me lembravam as figuras - às avessas -, molambentas de Antônio Conselheiro.. Aqueles jovens facínoras, vestindo apenas bermudas e sandálias sujas, com os peitos nus e os corpos geralmente esguios, cabeças quase raspadas segundo a moda atual entre os que não podem etnicamente exibir cabelos lisos e longos, formavam um quadro tétrico e patético de seres desarvorados, cujo denomina dor comum é o exemplo sintomático da alienação social. Nas suas cabeças só uma idéia fervilhava: a da fuga desvairada tendo como companheiro um fuzil e comparsas do mesmo destino sem volta e sem esperança.
Lá embaixo, as forças legalistas que tardaram a chegar num país de decisões quase sempre tímidas e adiadas. Governos e governos por aqui passaram. Todavia, as sementes da marginalidade que se estavam plantando insidiosamente em todas as direções do espaço urbano carioca, deram seus frutos que não foram extirpados em tempo certo. Acumularam-se por falta de vontade política. Permitiram-se as construções indiscriminadas nos morros e até na horizontalidade espacial rarefeita dos asfaltos. As sementes tomaram proporções gigantescas com o aumento desordenado de contingentes em série de migrantes, principalmente do Nordeste diante do silêncio e complacência ambígua dos órgãos públicos responsáveis pela política habitacional de planejamento da cidade do Rio de Janeiro.
Perdeu-e, portanto, o controle da ocupação do solo urbano que se estendia, ao arrepio das leis, pelos morros e nos rincões suburbanos e periféricos. Nada quase se fez pra conter as ondas humanas migratórias que, além disso, em obediência natural, posto inconsciente e irresponsável, do “crescei e multiplicai” tomado literalmente do conselho bíblico, inflaram espantosamente a demografia urbana da acidade. As comunidades carentes, construídas, muitas vezes, em espaços promíscuos, separados por vielas e passagens estreitas e perigosas – locus ideal para ali se homiziarem criminosos, foram, desta forma, se avolumando com demandas cada vez maiores de mínima infraestrutura em todos os aspectos. O resultado: a escalada da alta criminalidade do narcotráfico, solta e ubíqua, pipocando sem dó nem piedade de vítimas inocentes no asfalto e nos próprios morros e outros espaços urbanos periféricos. Um parêntese: fica pairando no ar um questionamento sobre as reais origens dos grandes responsáveis por esses molambentos marginais que atuam no mercado ilegal das drogas e dos assaltos. Pergunte-se à população responsável e trabalhadora e ela certamente dirá quem são os chefões e chefetes dessas organizações criminosas. Enquanto o país não debelar essas fontes do alto crime tudo o mais não passará de exibição e paliativo.
A ausência do poder constituído fez tradicionalmente vista grossa a toda essas situação de indigência da lei mesmo diante do caos urbano há tempos instalado na vida carioca. Daí os morros, principalmente, encherem-se de marginais com vontades própria e prepotência. Tomaram ares de superioridade em relação à estrutura da máquina de repressão do Estado brasileiro e mesmo, nos últimos anos, desafiando debochadamente os órgãos de segurança representados pelas polícias militar e civil e até pelas Forças Armadas.
O fato é que a cidade partiu-se em duas, só pra lembrar o título de uma obra de Zuenir Ventura. Os monstros do crime e do narcotráfico não são criações espontâneas. São manifestações da degenerescência do tecido social diante, segundo já referi, das grandes falhas e omissões do poder público que não é o caso aqui de aprofundar, porém muito conectadas à vida dos brasileiros ainda em estado de extrema carência de recursos, de bem-estar social, de desintegração familiar, de educação ainda deficiente, de falta de moradia minimamente humana, e de perspectivas de uma vida decente.
Só quando a situação chegou a níveis do que se poderia chamar terrorismo urbano, como a que está vivendo a cidade do Rio de Janeiro agora, com repercussão ampla e desabonadora no exterior e sinalizando para as consequências do papel da cidade do Rio de Janeiro como local escolhido para sediar a próxima Copa Mundial e as Olimpíadas, é que o governo brasileiro se lembrou de que algo mas sério se devia fazer para evitar desastres maiores e irremediáveis.
Por tudo isso, torço para que desta vez os governos federal, estadual e municipal consigam finalmente exercer suas prerrogativas devolvendo ao sofrido povo carioca a antiga tranquilidade em seu cotidiano e, assim, minimizando consideravelmente umas das mais deletérias chagas sociais contemporâneas, não só no país mas em vários lugares do mundo, que têm atormentado a paz e a alegria da Cidade Maravilhosa: o narcotráfico e suas derivações tão de nós conhecidos.
sábado, 4 de dezembro de 2010
A coméda e a política
Cunha e Silva Filho
Custa-me acreditar no tragicômico desfecho da votação dada ao humorista Tiririca. Verdadeiro cenário humano e social de uma comédia de nosso Martins Pena (1815-1848). O humorista se elegeu com um milhão de votos pelo estado de São Paulo para o mandato de deputado federal – o mais votado na última eleição, no que eu chamaria de maior embuste praticado pelo eleitorado paulista.
A princípio, se dizia que não poderia tomar posse porque era analfabeto funcional. Não tinha diploma do fundamental nem nada. A Justiça Eleitoral o convocou a fazer um exame de escolaridade para saber se o fato era verdadeiro. Fez o exame e, para resumir, foi considerado apto a exercer o importante cargo no Congresso Nacional. A imprensa divulgara, antes do exame mencionado, um bilhete do humorista e, logo depois, se tomou conhecimento de que não tinha sido escrito por ele. Caracterizou-se a atitude dele como falsidade ideológica. Entretanto, nada disso, após o exame a que se submeteu, foi levado em conta. Estranha a posição e conclusão da Justiça Eleitoral que o investiu do direito à diplomação no início do próximo ano.
Vejo a conclusão da Justiça Eleitoral como um passo extravagante, mais parecendo estar fazendo ouvidos moucos à irresponsabilidade desse gigantesco número de eleitores de São Paulo que, no caso de Tiririca, deu inquestionável prova de descaso com as instituições democráticas, sem a mínima parcela de ética para com o sagrado direito do voto. Alegar-se que o fizeram por protesto só faz reiterar a dimensão de usar o voto de forma leviana, amolecada e destituída de qualquer resquício de dignidade e de cidadania comprometida com a melhoria das práticas de eleições. De Gaulle tem razão, Pelé, idem.
Se o milhão de eleitores, que elegeram o Tiririca, quisesse protestar de verdade contra as mazelas de nossa política, não seria melhor que o fizesse através de abaixo-assinados com propostas que – isso sim - servissem ao aperfeiçoamento de nossas instituições a fim de que novos governos se dessem conta de que políticas de fachada devem ser eliminadas do cenário nacional?
Um simples exame da questão de ser lícita ou não a posse do artista popular facilmente – e nem é preciso ser jurista para perceber essas particularidades -, nos mostra a contraditória decisão da Justiça Eleitoral . Todo eleitor mais ou menos informado e com alguma escolaridade sabe bem que Tiririca não é o único candidato eleito sem ter pelo menos o diploma do primário. Nem tampouco mandatos de políticos sem instrução formal são exemplos só da atualidade. No passado já os houve, é só dar um pulo pelos estados brasileiros para conferir essa realidade. Todavia, o problema que envolve Tiririca não é só constituído desse fator. É mais profundo e está entrelaçado à nossa formação social e cultural.
O meu reparo à atitude da Justiça Eleitoral prende-se ao fato de que o humorista em pauta não possui o mínimo necessário para ser um representante de um estado da magnitude de São Paulo. E o pior é que o exemplo dele poderá contaminar outros pretendentes que procuram a política apenas para benefício próprio. Neste mesmo caso, outros oportunistas, mesmo com formação educacional melhor, mas tendo a seu favor a iconicidade popular, se sentirão estimulados a fazer o mesmo. Na práxis política, são necessários competência, integridade moral e talento para a vida pública.
A raiz do problema aqui nada tem a ver com a performance artística do humorista, mas com a absoluta ausência de preparo geral a um mandato de deputado. É fácil prever que ele será manipulado partidariamente. Sua função, como a de outros exemplos iguais ao dele, será somente de aparência, uma vez que a sua atuação passará pelo crivo e filtro de seus assessores políticos e jurídicos diante de projetos futuros a serem submetidos a plenário.
Na realidade, a raiz do problema situar-se-ia - vale reforçar –, na atitude caricata e carnavalizada por parte de quem nele votou. Essa falta de compromisso do eleitor do humorista, a meu ver, constitui a peça central a fim de que a Justiça Eleitoral, se fosse mais coerente, pudesse, utilizar como argumento irrefutável para sustar a diplomação do artista a um mandato no Poder Legislativo.
Outro argumento que poderia ser usado pela Justiça Eleitoral se relacionaria à área midiática, ou seja, basta que alguém do mundo artístico brasileiro, se elevasse ao estrelato, seja da cultura popular, seja da cultura erudita, ganhando, assim, visibilidade da “sociedade de espetáculo”, para que encontre meio caminho andado a uma vaga no executivo e principalmente no legislativo. São muitos os exemplos que poderíamos mencionar.
Essa forma de eleger-se tem muito mais possibilidade de vitória do que por vezes candidatos com inequívoca vocação para a atividade política que não dispõem da mídia a seu favor.
Por conseguinte, as duas situações afloradas acima seguramente seriam úteis a uma correta, amadurecida e isenta decisão da Justiça Eleitoral.
Custa-me acreditar no tragicômico desfecho da votação dada ao humorista Tiririca. Verdadeiro cenário humano e social de uma comédia de nosso Martins Pena (1815-1848). O humorista se elegeu com um milhão de votos pelo estado de São Paulo para o mandato de deputado federal – o mais votado na última eleição, no que eu chamaria de maior embuste praticado pelo eleitorado paulista.
A princípio, se dizia que não poderia tomar posse porque era analfabeto funcional. Não tinha diploma do fundamental nem nada. A Justiça Eleitoral o convocou a fazer um exame de escolaridade para saber se o fato era verdadeiro. Fez o exame e, para resumir, foi considerado apto a exercer o importante cargo no Congresso Nacional. A imprensa divulgara, antes do exame mencionado, um bilhete do humorista e, logo depois, se tomou conhecimento de que não tinha sido escrito por ele. Caracterizou-se a atitude dele como falsidade ideológica. Entretanto, nada disso, após o exame a que se submeteu, foi levado em conta. Estranha a posição e conclusão da Justiça Eleitoral que o investiu do direito à diplomação no início do próximo ano.
Vejo a conclusão da Justiça Eleitoral como um passo extravagante, mais parecendo estar fazendo ouvidos moucos à irresponsabilidade desse gigantesco número de eleitores de São Paulo que, no caso de Tiririca, deu inquestionável prova de descaso com as instituições democráticas, sem a mínima parcela de ética para com o sagrado direito do voto. Alegar-se que o fizeram por protesto só faz reiterar a dimensão de usar o voto de forma leviana, amolecada e destituída de qualquer resquício de dignidade e de cidadania comprometida com a melhoria das práticas de eleições. De Gaulle tem razão, Pelé, idem.
Se o milhão de eleitores, que elegeram o Tiririca, quisesse protestar de verdade contra as mazelas de nossa política, não seria melhor que o fizesse através de abaixo-assinados com propostas que – isso sim - servissem ao aperfeiçoamento de nossas instituições a fim de que novos governos se dessem conta de que políticas de fachada devem ser eliminadas do cenário nacional?
Um simples exame da questão de ser lícita ou não a posse do artista popular facilmente – e nem é preciso ser jurista para perceber essas particularidades -, nos mostra a contraditória decisão da Justiça Eleitoral . Todo eleitor mais ou menos informado e com alguma escolaridade sabe bem que Tiririca não é o único candidato eleito sem ter pelo menos o diploma do primário. Nem tampouco mandatos de políticos sem instrução formal são exemplos só da atualidade. No passado já os houve, é só dar um pulo pelos estados brasileiros para conferir essa realidade. Todavia, o problema que envolve Tiririca não é só constituído desse fator. É mais profundo e está entrelaçado à nossa formação social e cultural.
O meu reparo à atitude da Justiça Eleitoral prende-se ao fato de que o humorista em pauta não possui o mínimo necessário para ser um representante de um estado da magnitude de São Paulo. E o pior é que o exemplo dele poderá contaminar outros pretendentes que procuram a política apenas para benefício próprio. Neste mesmo caso, outros oportunistas, mesmo com formação educacional melhor, mas tendo a seu favor a iconicidade popular, se sentirão estimulados a fazer o mesmo. Na práxis política, são necessários competência, integridade moral e talento para a vida pública.
A raiz do problema aqui nada tem a ver com a performance artística do humorista, mas com a absoluta ausência de preparo geral a um mandato de deputado. É fácil prever que ele será manipulado partidariamente. Sua função, como a de outros exemplos iguais ao dele, será somente de aparência, uma vez que a sua atuação passará pelo crivo e filtro de seus assessores políticos e jurídicos diante de projetos futuros a serem submetidos a plenário.
Na realidade, a raiz do problema situar-se-ia - vale reforçar –, na atitude caricata e carnavalizada por parte de quem nele votou. Essa falta de compromisso do eleitor do humorista, a meu ver, constitui a peça central a fim de que a Justiça Eleitoral, se fosse mais coerente, pudesse, utilizar como argumento irrefutável para sustar a diplomação do artista a um mandato no Poder Legislativo.
Outro argumento que poderia ser usado pela Justiça Eleitoral se relacionaria à área midiática, ou seja, basta que alguém do mundo artístico brasileiro, se elevasse ao estrelato, seja da cultura popular, seja da cultura erudita, ganhando, assim, visibilidade da “sociedade de espetáculo”, para que encontre meio caminho andado a uma vaga no executivo e principalmente no legislativo. São muitos os exemplos que poderíamos mencionar.
Essa forma de eleger-se tem muito mais possibilidade de vitória do que por vezes candidatos com inequívoca vocação para a atividade política que não dispõem da mídia a seu favor.
Por conseguinte, as duas situações afloradas acima seguramente seriam úteis a uma correta, amadurecida e isenta decisão da Justiça Eleitoral.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Um poema de Phillips Brooks (1835-1893)
O little town of Bethlehem
O little town of Bethlehem,
How still we see thee lie!
Above thy deep and dreamless sleep
The silent hours go by.
Yet in thy dark street shineth
The everlasting Light;
The hopes and fears of all the years
Are met in thee tonight.
For Christ is born of Mary
And gathered all above,
While mortals sleep the Angels keep
Their watch of wondering love.
O morning stars, together
Proclaim the holy birth!
And praises sing to God the King,
And peace to men on earth.
How silently, how silently,
The wondrous gift is given!
So God imparts to human hearts
The blessings of His Heaven,
No ear may hear his coming;
But in this world of sin ,
Where meek souls will receive Him still,
The dear Christ enters in.
Where children pure and happy
Pray to the blessed Child,
Where Misery cries out to Thee,
Son of the Mother mild.
Where Charity stands a watching,
And Faith holds wide the door,
The dark night wakes, the glory breaks,
And Christmas comes once more.
O holy child of Bethlehem,
Descend to us we pray!
Cast out our sin and enter in ,
Be born in us today.
We hear the Christmas Angels
The great glad tidings tell;
O, come to us, abide with us,
O Lord Emmanuel!
Oh, cidadezinha de Belém
Oh, cidadezinha de Belém,
Em igual silêncio e lugar te vejo!
Acima de teu profundo sono sem sonhos
Mudas, as horas passam.
No entanto, brilha, na tua rua escura,
A Luz perene;
De todos os anos as esperanças e os receios
Em ti se depositam nesta noite.
Pois Cristo de Maria nasceu
E do Altíssimo escolhido foi,
Enquanto dormem os mortais, os Anjos
Sobre eles mantêm sua amorosa e admirável vigília.
Oh, manhãs estreladas, juntas
O santificado nascimento anunciam!
Ao Cristo-Rei louvores cantam ,
E paz desejam na Terra aos homens.
No silêncio, no profundo silêncio
Se concede a dádiva grandiosa!
Deus, assim, no corações humanos infunde
Dos Céus as bênçãos.
Provável seja que ninguém Sua chegada perceba;
Neste mundo, porém, de pecados,
Onde ainda almas humildes O recebem,
Nelas o amado Cristo, presente, se faz.
Onde crianças puras e felizes
Pela Criança abençoada orem,
Onde por Vós a miséria clama,
Oh, filho da Mãe gentil.
Onde a Caridade em espera põe-se,
E a Fé sua porta abre,
Desperta a noite espessa, a glória irrompe,
E o Natal uma vez mais chega.
Oh, santa criança de Belém,
Vinde a nós, vos rogamos!
Do pecado livrai-nos, e entrai,
Em nós, hoje, nasceis.
Do Natal os Anjos ouvimos
As boas e álacres novidades anunciarem;
Oh, vinde a nós, em nós habitai,
Oh, Emanuel!
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
* Phillips Brooks, poeta, escritor e sacerdote americano (1835-1893).
O little town of Bethlehem,
How still we see thee lie!
Above thy deep and dreamless sleep
The silent hours go by.
Yet in thy dark street shineth
The everlasting Light;
The hopes and fears of all the years
Are met in thee tonight.
For Christ is born of Mary
And gathered all above,
While mortals sleep the Angels keep
Their watch of wondering love.
O morning stars, together
Proclaim the holy birth!
And praises sing to God the King,
And peace to men on earth.
How silently, how silently,
The wondrous gift is given!
So God imparts to human hearts
The blessings of His Heaven,
No ear may hear his coming;
But in this world of sin ,
Where meek souls will receive Him still,
The dear Christ enters in.
Where children pure and happy
Pray to the blessed Child,
Where Misery cries out to Thee,
Son of the Mother mild.
Where Charity stands a watching,
And Faith holds wide the door,
The dark night wakes, the glory breaks,
And Christmas comes once more.
O holy child of Bethlehem,
Descend to us we pray!
Cast out our sin and enter in ,
Be born in us today.
We hear the Christmas Angels
The great glad tidings tell;
O, come to us, abide with us,
O Lord Emmanuel!
Oh, cidadezinha de Belém
Oh, cidadezinha de Belém,
Em igual silêncio e lugar te vejo!
Acima de teu profundo sono sem sonhos
Mudas, as horas passam.
No entanto, brilha, na tua rua escura,
A Luz perene;
De todos os anos as esperanças e os receios
Em ti se depositam nesta noite.
Pois Cristo de Maria nasceu
E do Altíssimo escolhido foi,
Enquanto dormem os mortais, os Anjos
Sobre eles mantêm sua amorosa e admirável vigília.
Oh, manhãs estreladas, juntas
O santificado nascimento anunciam!
Ao Cristo-Rei louvores cantam ,
E paz desejam na Terra aos homens.
No silêncio, no profundo silêncio
Se concede a dádiva grandiosa!
Deus, assim, no corações humanos infunde
Dos Céus as bênçãos.
Provável seja que ninguém Sua chegada perceba;
Neste mundo, porém, de pecados,
Onde ainda almas humildes O recebem,
Nelas o amado Cristo, presente, se faz.
Onde crianças puras e felizes
Pela Criança abençoada orem,
Onde por Vós a miséria clama,
Oh, filho da Mãe gentil.
Onde a Caridade em espera põe-se,
E a Fé sua porta abre,
Desperta a noite espessa, a glória irrompe,
E o Natal uma vez mais chega.
Oh, santa criança de Belém,
Vinde a nós, vos rogamos!
Do pecado livrai-nos, e entrai,
Em nós, hoje, nasceis.
Do Natal os Anjos ouvimos
As boas e álacres novidades anunciarem;
Oh, vinde a nós, em nós habitai,
Oh, Emanuel!
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
* Phillips Brooks, poeta, escritor e sacerdote americano (1835-1893).
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Violência urbana: o Rio pede socorro
Cunha e Silva Filho
A situação da violência na bela urbe carioca está passando dos limites. Ainda não foi suficiente a implantação das UPPs para debelar ou arrefecer o terror de que se vê cercado o povo carioca ou aquelas pessoas de outras partes do país e do exterior que aqui escolheram para viverem a sua vida e elegeram o Rio de Janeiro como a cidade do seu coração.
A estratégia de importância inegável que são as UPPs alcançou um objetivo : afastar a bandidagem de alguns morros que compõem as favelas. Acontece, contudo, que nem todos os morros foram beneficiados pela instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora. O número de favelas na cidade é alto e, se não incorro em erro, são quase mil. Nem todas as favelas se situam em morros. Algumas são horizontais e se localizam nos subúrbios e nas periferias.
Os criminosos, geralmente, grupos de traficantes e de outras atividades ilícitas, vendo-se acuados, se deslocaram para outras favelas ainda não ocupadas pela Polícia. A solução fica ainda difícil para a tomada de controle mais amplo da criminalidade. Os marginais, por sua vez, mudam os seus ataques e os seus alvos a fim de compensarem as perdas financeiras de seu capital espúrio com o alto tráfico e o resultado é essa novidade que vem ultimamente atemorizando todos os habitantes da Cidade Maravilhosa, ações de natureza terrorista aqui chamadas de arrastões. Estes costumam ocorrer nas situações de engarrafamentos de vias de acesso à cidade ou em outras vias de trânsito, como a Linha Vermelha, além de bairros tanto da zona norte quanto da zona sul. A audácia dos facínoras é tão grande que praticamente se alastra pela cidade toda em qualquer hora do dia.
Homens fortemente armados de metralhadoras e outras armas potentes, muitas vezes superiores às da Força de Segurança, fazem parar o fluxo dos veículos e, apontando armas para motoristas indefesos, lhes retiram pertences de toda sorte: dinheiro, jóias, celulares, rádios etc, o que houver diante dos seus olhos de predadores. Parecem mais animais famintos à procura de caça para a sobrevivência de espécie. A única diferença é que os animais selvagens o fazem segundo as leis da natureza, ao passo que os delinquentes são levados à prática da barbárie tanto pela facilidade que encontram diante das vítimas que, no momento atual, se vêem abandonadas pela ausência de segurança pública , quanto pela impunidade já por demais conhecida da sociedade brasileira. Ora, se eles, os marginais não encontram obstáculos para as suas ações covardes e desumanas, a possibilidade de agirem mais vezes vai-se multiplicando.
Urge, que as punições de nosso Código Penal sejam revistas sob pena de a paz na cidade do Rio de Janeiro virar um sonho malogrado, sem volta, numa fase de risco urbano em escala de terrorismo, com consequências imprevisíveis para a vida econômica do estado, para a área do turismo e hotelaria e para todas as atividades sociais e culturais dos habitantes da metrópole carioca.
Outro aspecto de alta relevância para a solução do problema seria o controle cíclico das migrações indiscriminadas de contingentes oriundos de diferentes estados brasileiros, que vão inchando os bairros cariocas, à procura de sobrevivência, ondas essas migratórias que, não atingindo seus objetivos, muitas vezes se tornam presas fáceis de aliciadores que as encaminham para engrossar o narcotráfico. As políticas públicas devem partir para ações efetivas, como realizando acordos entre os estados quanto à questão das migrações, de molde a reduzir e controlar melhor o fluxo de entradas nos principais estados que as recebem, o Rio de Janeiro e São Paulo.
Não estou advogando um controle semelhante ao que ocorre entre países, mas uma forma não coercitiva de melhor distribuir as entradas e saídas de populações de estados menos desenvolvidos. Por exemplo:
1) dificultar a migração no que diz respeito aos objetivos da viagem para outros estados 2) razões da viagem; 3) perspectiva de emprego; 4) tempo de permanência 5) data de regresso;6) nível de escolaridade;7) meios de sobrevivência na nova cidade: habitação, alimentação, transporte ;8) desenvolvimento, por parte dos governos locais, de políticas públicas agressivas, visando ao crescimento de mão-de-obra qualificada, no campo e na cidades, e, ao mesmo tempo, dotando o sistema educacional regional de possibilidades de acesso às novas tecnologias da área da informática. Só desta forma os jovens poderiam sentir-se atraídos para permanecerem nos seus lugares de origem e não mais aventurar-se na procura da sobrevivência das grandes metrópoles. Por outro lado, reduziriam com isso os impactos sociais nas comunidades carentes, lugares para os quais em geral se deslocariam, fazendo crescer de forma tentacular as suas já inviáveis demandas de infraestrutura, notadamente, o Rio de Janeiro e São Paulo.
Acredito que essas sugestões são apenas subsídios para que os governos municipais, estaduais e federal, em conjunto, possam limitar, segundo já aludimos, ciclicamente, dependendo da conjuntura, esse contingente populacional que vai seguramente exigir, no seu todo, maiores demandas futuras de infraestrutura urbana, maiores gastos públicos e maior incidência de crimes por razões diversas, inclusive de superpopulação.
Estados brasileiros, como o eixo-Rio-São Paulo, só podem é serem espaços superinchados, com aumento descontrolado de nascimentos, sobretudo nos segmentos sociais de renda baixa, sem escolaridade suficiente, sem visão adequada na condução da vida em família. Só com uma educação mais aprimorada, com habitação melhor, com lazer é que camadas menos favorecidas poderão contribuir para que a criminalidade seja reduzida.
Os recentes arrastões que amedrontam e inviabilizam a vida normal de uma grande cidade, acompanhados de incêndios contra carros particulares e públicos, são uma resposta da criminalidade a um país que, até hoje, não se mostrou capaz de enfrentar a impunidade, o combate sem trégua ao narcotráfico, nem conseguiu pôr termo à entrada, por nossas fronteiras, de armas que irão parar nas mãos da marginalidade.
A ação do Estado brasileiro não pode postergar medidas, de âmbito nacional, que possam a vir minimizar de imediato todas essas chagas sociais que estão nos encurralando cada vez mais para um a vida sem proteção, mesmo que não saiamos às ruas a fim de resolvermos algum problema de nossa vida pessoal ou para alcançarmos o trabalho com o qual ganhamos o pão nosso de cada dia. Impedir o brasileiro de fazer tudo isso é sequestrar-lhe o direito de viver.
A situação da violência na bela urbe carioca está passando dos limites. Ainda não foi suficiente a implantação das UPPs para debelar ou arrefecer o terror de que se vê cercado o povo carioca ou aquelas pessoas de outras partes do país e do exterior que aqui escolheram para viverem a sua vida e elegeram o Rio de Janeiro como a cidade do seu coração.
A estratégia de importância inegável que são as UPPs alcançou um objetivo : afastar a bandidagem de alguns morros que compõem as favelas. Acontece, contudo, que nem todos os morros foram beneficiados pela instalação de uma Unidade de Polícia Pacificadora. O número de favelas na cidade é alto e, se não incorro em erro, são quase mil. Nem todas as favelas se situam em morros. Algumas são horizontais e se localizam nos subúrbios e nas periferias.
Os criminosos, geralmente, grupos de traficantes e de outras atividades ilícitas, vendo-se acuados, se deslocaram para outras favelas ainda não ocupadas pela Polícia. A solução fica ainda difícil para a tomada de controle mais amplo da criminalidade. Os marginais, por sua vez, mudam os seus ataques e os seus alvos a fim de compensarem as perdas financeiras de seu capital espúrio com o alto tráfico e o resultado é essa novidade que vem ultimamente atemorizando todos os habitantes da Cidade Maravilhosa, ações de natureza terrorista aqui chamadas de arrastões. Estes costumam ocorrer nas situações de engarrafamentos de vias de acesso à cidade ou em outras vias de trânsito, como a Linha Vermelha, além de bairros tanto da zona norte quanto da zona sul. A audácia dos facínoras é tão grande que praticamente se alastra pela cidade toda em qualquer hora do dia.
Homens fortemente armados de metralhadoras e outras armas potentes, muitas vezes superiores às da Força de Segurança, fazem parar o fluxo dos veículos e, apontando armas para motoristas indefesos, lhes retiram pertences de toda sorte: dinheiro, jóias, celulares, rádios etc, o que houver diante dos seus olhos de predadores. Parecem mais animais famintos à procura de caça para a sobrevivência de espécie. A única diferença é que os animais selvagens o fazem segundo as leis da natureza, ao passo que os delinquentes são levados à prática da barbárie tanto pela facilidade que encontram diante das vítimas que, no momento atual, se vêem abandonadas pela ausência de segurança pública , quanto pela impunidade já por demais conhecida da sociedade brasileira. Ora, se eles, os marginais não encontram obstáculos para as suas ações covardes e desumanas, a possibilidade de agirem mais vezes vai-se multiplicando.
Urge, que as punições de nosso Código Penal sejam revistas sob pena de a paz na cidade do Rio de Janeiro virar um sonho malogrado, sem volta, numa fase de risco urbano em escala de terrorismo, com consequências imprevisíveis para a vida econômica do estado, para a área do turismo e hotelaria e para todas as atividades sociais e culturais dos habitantes da metrópole carioca.
Outro aspecto de alta relevância para a solução do problema seria o controle cíclico das migrações indiscriminadas de contingentes oriundos de diferentes estados brasileiros, que vão inchando os bairros cariocas, à procura de sobrevivência, ondas essas migratórias que, não atingindo seus objetivos, muitas vezes se tornam presas fáceis de aliciadores que as encaminham para engrossar o narcotráfico. As políticas públicas devem partir para ações efetivas, como realizando acordos entre os estados quanto à questão das migrações, de molde a reduzir e controlar melhor o fluxo de entradas nos principais estados que as recebem, o Rio de Janeiro e São Paulo.
Não estou advogando um controle semelhante ao que ocorre entre países, mas uma forma não coercitiva de melhor distribuir as entradas e saídas de populações de estados menos desenvolvidos. Por exemplo:
1) dificultar a migração no que diz respeito aos objetivos da viagem para outros estados 2) razões da viagem; 3) perspectiva de emprego; 4) tempo de permanência 5) data de regresso;6) nível de escolaridade;7) meios de sobrevivência na nova cidade: habitação, alimentação, transporte ;8) desenvolvimento, por parte dos governos locais, de políticas públicas agressivas, visando ao crescimento de mão-de-obra qualificada, no campo e na cidades, e, ao mesmo tempo, dotando o sistema educacional regional de possibilidades de acesso às novas tecnologias da área da informática. Só desta forma os jovens poderiam sentir-se atraídos para permanecerem nos seus lugares de origem e não mais aventurar-se na procura da sobrevivência das grandes metrópoles. Por outro lado, reduziriam com isso os impactos sociais nas comunidades carentes, lugares para os quais em geral se deslocariam, fazendo crescer de forma tentacular as suas já inviáveis demandas de infraestrutura, notadamente, o Rio de Janeiro e São Paulo.
Acredito que essas sugestões são apenas subsídios para que os governos municipais, estaduais e federal, em conjunto, possam limitar, segundo já aludimos, ciclicamente, dependendo da conjuntura, esse contingente populacional que vai seguramente exigir, no seu todo, maiores demandas futuras de infraestrutura urbana, maiores gastos públicos e maior incidência de crimes por razões diversas, inclusive de superpopulação.
Estados brasileiros, como o eixo-Rio-São Paulo, só podem é serem espaços superinchados, com aumento descontrolado de nascimentos, sobretudo nos segmentos sociais de renda baixa, sem escolaridade suficiente, sem visão adequada na condução da vida em família. Só com uma educação mais aprimorada, com habitação melhor, com lazer é que camadas menos favorecidas poderão contribuir para que a criminalidade seja reduzida.
Os recentes arrastões que amedrontam e inviabilizam a vida normal de uma grande cidade, acompanhados de incêndios contra carros particulares e públicos, são uma resposta da criminalidade a um país que, até hoje, não se mostrou capaz de enfrentar a impunidade, o combate sem trégua ao narcotráfico, nem conseguiu pôr termo à entrada, por nossas fronteiras, de armas que irão parar nas mãos da marginalidade.
A ação do Estado brasileiro não pode postergar medidas, de âmbito nacional, que possam a vir minimizar de imediato todas essas chagas sociais que estão nos encurralando cada vez mais para um a vida sem proteção, mesmo que não saiamos às ruas a fim de resolvermos algum problema de nossa vida pessoal ou para alcançarmos o trabalho com o qual ganhamos o pão nosso de cada dia. Impedir o brasileiro de fazer tudo isso é sequestrar-lhe o direito de viver.
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
O lado oculto
O LADO OCULTO
“Sinite parvulos venire ad mihi.”
Aquela família continuava levando a vidinha de sempre desde quando a linda criança, divina criança, nascida após tantos riscos e dores, cada dia que passava dava demonstrações de sua singularidade, se comparada com os amiguinhos da mesma idade.
Lá fora, no chão de barro, brincava com os companheirinhos, seus vizinhos mais próximos. As brincadeiras eram as mesmas das crianças de toda parte, mas nem sempre de todos os tempos.
“Jesus! Jesus!” Quase gritando, chamava-o Maria, aquela jovem suave, de pele clara, de olhos azuis, vinda do Nordeste. O menino de cinco anos, muito claro e com um rostinho fino um tanto vermelho de pegar sol aberto de final da manhã, parou com a brincadeira, que consistia em apostar corrida, de um lado a outro, numa extensão de trinta metros, num terreno que mais parecia um pequeno campo de futebol, desses que, nos subúrbios cariocas, fazem a alegria da criançada.
A criança, arregalando os olhos mais azuis que já se viu na face da Terra, despediu-se dos coleguinhas e correu em direção à mãe.
“Jesus, é hora de almoçar. Você está queimado do sol. Veja como está suado.” Os olhos da criança pareciam brancos de tão azuis. A fisionomia era séria e o olhar dava sinais de quem queria falar alguma coisa importante. Entretanto, permanecia mudo, até distante. Ao exame atento da mãe não escapou toda essa disposição estranha de ânimo da criança. Não teria algo mesmo digno de revelar ?
À mesa simples daquela casa de carpinteiro, sentaram-se para a refeição mãe e filho, cada um com seu prato. Comiam uma pequena posta de peixe que fora fritado atravessado por um pedaço de lenha como se fosse um espeto com fogo crepitando nas brasas por baixo numa pequena área descoberta, que ficava logo atrás da cozinha. O peixe fora comprado na noite anterior por José no supermercado do bairro mais próximo.
Daí a pouco, entra na sala principal um homem magro, de estatura média, com uma barba meio longa e bigode, num rosto crestado pelo sol. Seus olhos denunciavam cansaço. O olhar, sereno e o rosto harmonioso, um tanto largo, tornavam-no uma figura do Novo Testamento, que se completava com uma cabeleira não muito longa emoldurada com belos cachos negros e sedosos.
“Maria, que Deus seja louvado e abençoe nosso filho amado. A manhã foi trabalhosa, mas consegui terminar de fazer quatro bancos e seis cadeiras, que me deram, aliás, muita canseira, porque a madeira desta vez não era de tão boa qualidade. O sucesso dependeu da minha habilidade para tornar esses objetos seguros e ao mesmo tempo confortáveis. O Seu Simeão, que foi quem fez a encomenda, ficou contente com o trabalho. Ainda bem”.
“Venha, José, pra mesa. Já fiz seu prato, está coberto pra não esfriar. Jesus, como vê, está devorando o prato. Brincou a manhã toda, chegou faminto das brincadeiras. “Que bom que tenha sempre essa disposição para comer”, acrescentou o jovem carpinteiro.
José, no almoço, não dispensava tomar meio copo de vinho doce umas três vezes por semana, vinho comprado na vendinha do Seu João. Maria não bebia senão água, refresco ou refrigerante. O marido, porém, era metódico e sabia até onde podia tomar sua bebida preferida.
Jesus, terminado de almoçar, pediu para ir até ao seu pequeno cômodo. Pequeno, sim, mas arejado com uma janela para fora, que dava para os fundos de outra casa. Nele havia uma caminha sempre arrumada e, mais perto da janela, um bercinho que, até aos quatro anos, lhe servia de cama. O quarto era de cor branca. Tudo ali indicava asseios e cuidados maternos. O berço tinha sido feito pelo pai com desvelo e muito amor. Havia ainda um pequeno guarda-roupa para as roupinhas de Jesus e, de um lado, um espaço reservado para alguns brinquedos: bolas, carrinhos de plástico, lápis pretos, lápis de cores diferentes, borrachas, folhas brancas para rabiscos e desenhos do pequeno. Como muita criança, Jesus, com frequência, dormia no quarto dos pais, deitava-se de lado, na cama entre eles. O sono era muito mais doce e protegido.
A casa de Jesus era do tipo popular, com dois quartos, sala, um banheiro, cozinha e área. Construção igualzinha às demais daquela comunidade do morro urbanizado. A palavra “favela” ia cedendo lugar àquela, que não exprimia nenhuma conotação depreciativa. José, todavia, via, no emprego dessa palavra, um modo burguês de designar a mesma ideia para a mesma coisa. Dizia que isso não passava de modismos sociológicos com o fito de suavizar a realidade nua e crua. Apesar de carpinteiro, José era um homem que lia muito jornal e até livros que tratavam de assuntos sociais e históricos. Tinha noções claras sobre estratos sociais, pirâmides sociais, conceitos de mais-valia, sistemas de governo, Era um leitor assíduo de jornais populares, visto que não podia comprar os jornais das elites, estes só lia quando lhe caíam por acaso nas mãos calosas.
Jesus, com cinco aninhos, frequentava a creche da prefeitura, localizada a três esquinas de sua casa. Naquela manhã que corria no descampado, o fazia porque a diretora da creche já havia avisado que, naquela dia, não ia funcionar. Iam fazer reparos na caixa d’água. As crianças, pois, não podiam ficar sem água. Foram dispensadas.
De segunda a sexta, sua mãe o levava à Creche “Menino Jesus”. Lá tomava o café, almoçava, tomava o banho, jantava, passava a manhã e a tarde brincando com outras crianças e aprendendo alguns hábitos saudáveis, sobretudo socializando-se. Tinha até tempo para tirar uma soneca. Além disso, ensinavam as crianças a cantar pequenas canções infantis, algumas brincadeiras sob a vigilância e supervisão das professoras.
Maria ficava descansada, confiante em que seu filho estava seguro e era bem tratado na creche. Não tinha reclamação a fazer, ao contrário só elogios. Além do mais, era uma forma de permitir que ela trabalhasse fora como faxineira em casa de família, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Jesus era superdotado. Embora na creche a maior parte do tempo só brincasse, já estava praticamente lendo sozinho A criança tinha a mania de pegar o jornal e ver as palavras, as fotos, a seção de quadrinhos e adorava ver os cartuns que provavelmente não entendia. Contudo, os desenhos lhe chamavam a atenção. Conhecia algumas letras. Diferenciava as maiúsculas das minúsculas, as letras manuais das impressas e todo esse auto-aprendizado já deixava os pais admirados e perplexos.
É bem verdade que José, em casa, quando lia o jornal, chamava a criança e lhe mostrava as letras, pronunciando os sons, juntando-os até tornarem-se palavras faladas. O menininho o acompanhava atento e curioso. Logo se familiarizou com todas as letras e, de certa forma, já estava lendo alguma coisa. O mesmo ocorria com os números, já os sabia dizer até cinquenta.
Essa precocidade da criança enchia de orgulho os corações dos pais.
“Jesus, leia esta frase aqui”. Era um jornal. A criança esperta dizia então: “AMANHÃ HAVERÁ MISSA NA IGREJA DE SÃO MATEUS.” As letras eram grandes e facilitavam a leitura e o aprendizado.
José trabalhava numa fábrica de móveis em Bento Ribeiro, subúrbio da antiga Central do Brasil. Homem trabalhador, íntegro, tudo fazia pela família. Maria não ficava para trás. Esfalfava-se para contentar sua patroa, uma professora universitária de renome. Não havia ninguém que não gostasse daquela faxineira muito asseada, cuidadosa, honesta e pontual.
Um dia, José recebeu uma ligação da creche, pedindo-lhe que comparecesse urgente ao local. Maria, também, recebeu outra ligação. Eram três e meia da tarde de uma sexta-feira.
Os pais de Jesus chegaram ao local com uma diferença de meia hora. Maria chegou primeiro e logo estranhou um aglomerado de gente à frente da creche, que ficava num terreno em plano elevado com relação à rua estreita que a cortava.
“O que foi”? indagou Maria nervosa e com voz rouca no meio daquela gente.
“Houve tiroteio há pouco menos de meia hora entre policiais e traficantes”, dissera alguém ali presente. “Bala perdida.”
“Quem é a criança”, perguntou novamente Maria já desesperada. Só agora, ligou uma coisa com outra. O telefonema!. Se me chamaram aqui era porque algo de muito ruim aconteceu com meu filho. Desvario da vida. Maria mal se aguentava nas pernas, mas, mesmo assim, entrou como um raio na creche. A diretora logo veio ao seu encontro, muito pálida e, gaguejando, contou-lhe o que a santa mãe jamais queria ouvir em toda a sua vida. Bala perdida! Um tiro, saindo de alguma arma de policial ou de bandido entrou pelo buraco de uma janela com vidraça quebrada e foi atingir a cabeça da criança precoce.
Maria caiu desmaiada. José chegava à cena da tragédia, aos prantos, clamando por Deus. Nada mais havia a fazer. O pequeno Jesus jazia inânime com um furo no olho direito. O rosto inchado e desfigurado. Uma chuva repentina caiu sobre a creche. Sangue sobre o rostinho inocente. Seu corpinho ainda estava descoberto. A mãe e o pai gritavam de dor.
Um morador da comunidade balbuciou atônito: “A polícia já informou que o projétil, durante o confronto, partiu de um traficante do morro vizinho.”
A chuva engrossou. Relâmpagos e raios fulminavam no alto do céu repentina e misteriosamente. Tudo escureceu estranhamente no espaço ameaçador daquela tarde. Lá embaixo, na sala principal da creche, o choro era infinito de dor e de desesperança de dois corpos vivos prostrados sobre o corpo imóvel e indefeso do pequeno Jesus.
“Sinite parvulos venire ad mihi.”
Aquela família continuava levando a vidinha de sempre desde quando a linda criança, divina criança, nascida após tantos riscos e dores, cada dia que passava dava demonstrações de sua singularidade, se comparada com os amiguinhos da mesma idade.
Lá fora, no chão de barro, brincava com os companheirinhos, seus vizinhos mais próximos. As brincadeiras eram as mesmas das crianças de toda parte, mas nem sempre de todos os tempos.
“Jesus! Jesus!” Quase gritando, chamava-o Maria, aquela jovem suave, de pele clara, de olhos azuis, vinda do Nordeste. O menino de cinco anos, muito claro e com um rostinho fino um tanto vermelho de pegar sol aberto de final da manhã, parou com a brincadeira, que consistia em apostar corrida, de um lado a outro, numa extensão de trinta metros, num terreno que mais parecia um pequeno campo de futebol, desses que, nos subúrbios cariocas, fazem a alegria da criançada.
A criança, arregalando os olhos mais azuis que já se viu na face da Terra, despediu-se dos coleguinhas e correu em direção à mãe.
“Jesus, é hora de almoçar. Você está queimado do sol. Veja como está suado.” Os olhos da criança pareciam brancos de tão azuis. A fisionomia era séria e o olhar dava sinais de quem queria falar alguma coisa importante. Entretanto, permanecia mudo, até distante. Ao exame atento da mãe não escapou toda essa disposição estranha de ânimo da criança. Não teria algo mesmo digno de revelar ?
À mesa simples daquela casa de carpinteiro, sentaram-se para a refeição mãe e filho, cada um com seu prato. Comiam uma pequena posta de peixe que fora fritado atravessado por um pedaço de lenha como se fosse um espeto com fogo crepitando nas brasas por baixo numa pequena área descoberta, que ficava logo atrás da cozinha. O peixe fora comprado na noite anterior por José no supermercado do bairro mais próximo.
Daí a pouco, entra na sala principal um homem magro, de estatura média, com uma barba meio longa e bigode, num rosto crestado pelo sol. Seus olhos denunciavam cansaço. O olhar, sereno e o rosto harmonioso, um tanto largo, tornavam-no uma figura do Novo Testamento, que se completava com uma cabeleira não muito longa emoldurada com belos cachos negros e sedosos.
“Maria, que Deus seja louvado e abençoe nosso filho amado. A manhã foi trabalhosa, mas consegui terminar de fazer quatro bancos e seis cadeiras, que me deram, aliás, muita canseira, porque a madeira desta vez não era de tão boa qualidade. O sucesso dependeu da minha habilidade para tornar esses objetos seguros e ao mesmo tempo confortáveis. O Seu Simeão, que foi quem fez a encomenda, ficou contente com o trabalho. Ainda bem”.
“Venha, José, pra mesa. Já fiz seu prato, está coberto pra não esfriar. Jesus, como vê, está devorando o prato. Brincou a manhã toda, chegou faminto das brincadeiras. “Que bom que tenha sempre essa disposição para comer”, acrescentou o jovem carpinteiro.
José, no almoço, não dispensava tomar meio copo de vinho doce umas três vezes por semana, vinho comprado na vendinha do Seu João. Maria não bebia senão água, refresco ou refrigerante. O marido, porém, era metódico e sabia até onde podia tomar sua bebida preferida.
Jesus, terminado de almoçar, pediu para ir até ao seu pequeno cômodo. Pequeno, sim, mas arejado com uma janela para fora, que dava para os fundos de outra casa. Nele havia uma caminha sempre arrumada e, mais perto da janela, um bercinho que, até aos quatro anos, lhe servia de cama. O quarto era de cor branca. Tudo ali indicava asseios e cuidados maternos. O berço tinha sido feito pelo pai com desvelo e muito amor. Havia ainda um pequeno guarda-roupa para as roupinhas de Jesus e, de um lado, um espaço reservado para alguns brinquedos: bolas, carrinhos de plástico, lápis pretos, lápis de cores diferentes, borrachas, folhas brancas para rabiscos e desenhos do pequeno. Como muita criança, Jesus, com frequência, dormia no quarto dos pais, deitava-se de lado, na cama entre eles. O sono era muito mais doce e protegido.
A casa de Jesus era do tipo popular, com dois quartos, sala, um banheiro, cozinha e área. Construção igualzinha às demais daquela comunidade do morro urbanizado. A palavra “favela” ia cedendo lugar àquela, que não exprimia nenhuma conotação depreciativa. José, todavia, via, no emprego dessa palavra, um modo burguês de designar a mesma ideia para a mesma coisa. Dizia que isso não passava de modismos sociológicos com o fito de suavizar a realidade nua e crua. Apesar de carpinteiro, José era um homem que lia muito jornal e até livros que tratavam de assuntos sociais e históricos. Tinha noções claras sobre estratos sociais, pirâmides sociais, conceitos de mais-valia, sistemas de governo, Era um leitor assíduo de jornais populares, visto que não podia comprar os jornais das elites, estes só lia quando lhe caíam por acaso nas mãos calosas.
Jesus, com cinco aninhos, frequentava a creche da prefeitura, localizada a três esquinas de sua casa. Naquela manhã que corria no descampado, o fazia porque a diretora da creche já havia avisado que, naquela dia, não ia funcionar. Iam fazer reparos na caixa d’água. As crianças, pois, não podiam ficar sem água. Foram dispensadas.
De segunda a sexta, sua mãe o levava à Creche “Menino Jesus”. Lá tomava o café, almoçava, tomava o banho, jantava, passava a manhã e a tarde brincando com outras crianças e aprendendo alguns hábitos saudáveis, sobretudo socializando-se. Tinha até tempo para tirar uma soneca. Além disso, ensinavam as crianças a cantar pequenas canções infantis, algumas brincadeiras sob a vigilância e supervisão das professoras.
Maria ficava descansada, confiante em que seu filho estava seguro e era bem tratado na creche. Não tinha reclamação a fazer, ao contrário só elogios. Além do mais, era uma forma de permitir que ela trabalhasse fora como faxineira em casa de família, em Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro.
Jesus era superdotado. Embora na creche a maior parte do tempo só brincasse, já estava praticamente lendo sozinho A criança tinha a mania de pegar o jornal e ver as palavras, as fotos, a seção de quadrinhos e adorava ver os cartuns que provavelmente não entendia. Contudo, os desenhos lhe chamavam a atenção. Conhecia algumas letras. Diferenciava as maiúsculas das minúsculas, as letras manuais das impressas e todo esse auto-aprendizado já deixava os pais admirados e perplexos.
É bem verdade que José, em casa, quando lia o jornal, chamava a criança e lhe mostrava as letras, pronunciando os sons, juntando-os até tornarem-se palavras faladas. O menininho o acompanhava atento e curioso. Logo se familiarizou com todas as letras e, de certa forma, já estava lendo alguma coisa. O mesmo ocorria com os números, já os sabia dizer até cinquenta.
Essa precocidade da criança enchia de orgulho os corações dos pais.
“Jesus, leia esta frase aqui”. Era um jornal. A criança esperta dizia então: “AMANHÃ HAVERÁ MISSA NA IGREJA DE SÃO MATEUS.” As letras eram grandes e facilitavam a leitura e o aprendizado.
José trabalhava numa fábrica de móveis em Bento Ribeiro, subúrbio da antiga Central do Brasil. Homem trabalhador, íntegro, tudo fazia pela família. Maria não ficava para trás. Esfalfava-se para contentar sua patroa, uma professora universitária de renome. Não havia ninguém que não gostasse daquela faxineira muito asseada, cuidadosa, honesta e pontual.
Um dia, José recebeu uma ligação da creche, pedindo-lhe que comparecesse urgente ao local. Maria, também, recebeu outra ligação. Eram três e meia da tarde de uma sexta-feira.
Os pais de Jesus chegaram ao local com uma diferença de meia hora. Maria chegou primeiro e logo estranhou um aglomerado de gente à frente da creche, que ficava num terreno em plano elevado com relação à rua estreita que a cortava.
“O que foi”? indagou Maria nervosa e com voz rouca no meio daquela gente.
“Houve tiroteio há pouco menos de meia hora entre policiais e traficantes”, dissera alguém ali presente. “Bala perdida.”
“Quem é a criança”, perguntou novamente Maria já desesperada. Só agora, ligou uma coisa com outra. O telefonema!. Se me chamaram aqui era porque algo de muito ruim aconteceu com meu filho. Desvario da vida. Maria mal se aguentava nas pernas, mas, mesmo assim, entrou como um raio na creche. A diretora logo veio ao seu encontro, muito pálida e, gaguejando, contou-lhe o que a santa mãe jamais queria ouvir em toda a sua vida. Bala perdida! Um tiro, saindo de alguma arma de policial ou de bandido entrou pelo buraco de uma janela com vidraça quebrada e foi atingir a cabeça da criança precoce.
Maria caiu desmaiada. José chegava à cena da tragédia, aos prantos, clamando por Deus. Nada mais havia a fazer. O pequeno Jesus jazia inânime com um furo no olho direito. O rosto inchado e desfigurado. Uma chuva repentina caiu sobre a creche. Sangue sobre o rostinho inocente. Seu corpinho ainda estava descoberto. A mãe e o pai gritavam de dor.
Um morador da comunidade balbuciou atônito: “A polícia já informou que o projétil, durante o confronto, partiu de um traficante do morro vizinho.”
A chuva engrossou. Relâmpagos e raios fulminavam no alto do céu repentina e misteriosamente. Tudo escureceu estranhamente no espaço ameaçador daquela tarde. Lá embaixo, na sala principal da creche, o choro era infinito de dor e de desesperança de dois corpos vivos prostrados sobre o corpo imóvel e indefeso do pequeno Jesus.
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Um poema de Gamaliel Bradford (1863-1932)
The rider
I wave my cap., I shake my reins,
I flit across the heather.
The light blood sparkles in my veins,
Mine and my steed’s together.
What turn of fortune’s giddy wheel
Awaits us as we wander,
I do not know. I only feel
Something that calls me yonder.
A merry-hearted maid to woo,
A fox to chase with ardor,
Perchance the flash of bright steel too –
“Strike, boy, and I’ll strike harder.”
I know not, care not, what remains,
I flit across the heather,
The light blood sparkles in my veins,
Mine and my steed’s together.
O cavaleiro
Com o boné aceno, as rédeas sacudo,
A urze, rápido, cruzo.
Em minhas veias brilha fino sangue,
Nas minhas e nas do meu corcel.
Da roda instável da sorte que mudança sem rumo
Nos espera enquanto andamos,
Não sei. Sinto apenas
Que algo pra frente me leva.
De uma donzela divertida enamorar-me,
Uma raposa bravamente perseguir,
Quem sabe, o brilho repentino da espada –
“Ataque, rapaz, e assim o faço com mais firmeza.”
Não sei, pouco me importa, o que resta ainda,
A urze, rápido, cruzo,
Em minhas veias brilha fino sangue,
Nas minhas e nas do meu corcel.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Nota: Gamaliel Bradford, poeta, biógrafo, crítico e dramaturgo americano.
I wave my cap., I shake my reins,
I flit across the heather.
The light blood sparkles in my veins,
Mine and my steed’s together.
What turn of fortune’s giddy wheel
Awaits us as we wander,
I do not know. I only feel
Something that calls me yonder.
A merry-hearted maid to woo,
A fox to chase with ardor,
Perchance the flash of bright steel too –
“Strike, boy, and I’ll strike harder.”
I know not, care not, what remains,
I flit across the heather,
The light blood sparkles in my veins,
Mine and my steed’s together.
O cavaleiro
Com o boné aceno, as rédeas sacudo,
A urze, rápido, cruzo.
Em minhas veias brilha fino sangue,
Nas minhas e nas do meu corcel.
Da roda instável da sorte que mudança sem rumo
Nos espera enquanto andamos,
Não sei. Sinto apenas
Que algo pra frente me leva.
De uma donzela divertida enamorar-me,
Uma raposa bravamente perseguir,
Quem sabe, o brilho repentino da espada –
“Ataque, rapaz, e assim o faço com mais firmeza.”
Não sei, pouco me importa, o que resta ainda,
A urze, rápido, cruzo,
Em minhas veias brilha fino sangue,
Nas minhas e nas do meu corcel.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Nota: Gamaliel Bradford, poeta, biógrafo, crítico e dramaturgo americano.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Da importância de ser avô
Cunha e Silva Filho
Na Rodoviária de Curitiba, estávamos aguardando que meu filho, Francisco Neto, me apanhasse de carro. Minha mulher e eu acabávamos de desembarcar do ônibus. Era uma manhã de sol acolhedor. A cidade pra mim sorri e é um sorriso que não sei explicar do ângulo meramente pragmático, materialista. Você sabia, leitor, que as cidades falam a sua própria língua?. É só atentar pra esse lado de sentir a natureza, quer artificial, quer a natural, composta do solo, das árvores, dos lagos, dos rios, dos pássaros, enfim, de tudo com que a Providência nos prodigalizou. A manhã de uma cidade psicologicamente é diferente da tarde ou da noite. Cada qual nos comunica alguma coisa que se vai instilar no recôndito de nossa alma. Em literatura, há um termo para exprimir melhor essa ideia, a “atmosfera,” sentimento de emoção exercida sobre o nosso ser em determinado lugar ou ambiência.
De repente, assomam lá na extremidade da porta de entrada de quem vem do estacionamento, duas criaturas queridas, meu filho e Amanda, a netinha mais nova, de cinco anos apenas. Lá vêm os dois com passos apressados. Amanda, desvencilha-se da mão paterna e vem correndo ao encontro dos avós paternos. Toda sorrisos que se vão refletir no brilho dos seus olhos verdes. Cada vez que a vejo me dá a impressão de que está maior. A mais velha, Isabella, de dez anos, não pôde vir. Está na escola.
Nos abraçamos e ela logo me entrega duas folhas de papel sem pauta, dobradas em forma de envelope. Abro-os e neles vejo, desenhados, com tinta azul, duas figuras humanas. Nos dois “envelopes”, um nome da remetente que dispensou os protocolos dos Correios: Amanda. Logo descubro quem são os representados nos desenhos: a imagem do avô e da avó. São traços simples mas eloquentes de uma criança de cinco anos que desejou homenagear e dar as boas-vindas à avó e avô. Não lhe interessou fazer as duas imagens de corpo inteiro, mas só do rosto. A avó ali está figurada nos cabelos em forma de uma maçã, no olhar de esguelha e numa linha curva simbolizando a boca. O avô de imediato se descobre: tem um rosto másculo, meio alongado (o meu é arredondado), com alguns fios de cabelos encaracolados ( os meus são levemente ondulados) e o desenho do avô, feito com amor e perspicácia infantil, não esquecera um detalhe importante: nos olhos a presença dos óculos com os quais se acostumou a ver a minha figura.
Em casa, já com a irmãzinha de volta da escola, com os cuidados da mãe, do meu filho e dos avós, a rotina da família era quebrada com aquela amistosa troca de informações sobre o dia-a-dia de uma família reunida. Agora, só brincadeiras do avô com a netinha mais nova, perguntas feitas à mais velhas sobre a vida escolar, os livros lidos por ela (levei-lhe um livro de literatura infantil), os passeios que iria fazer ou que já fizera recentemente e tantas outras coisas aprazíveis que constituem as delícias do mundo infantil.
Há dez anos tenho vivido a experiência de ser avô e por isso posso mesmo adiantar algumas conclusões sobre essa nova fase de minha vida. A condição de avô nos pega de surpresa. Nela nos mergulhamos por inteiro. De certa maneira, ser avô é momento apropriado para refletirmos sobre a existência e o sentido tanto da efemeridade da vida quanto da importância da necessidade da perpetuidade dos seres sobre a Terra. Isto é, o ser avô nos leva à consciência plena da vida entendida na sua totalidade, ou melhor, na sua complementaridade, onde o finito se funde ao infinito formando a unidade do ser. Não é um elo perdido, mas um encadeamento de mistura e de permanência de genes cuja compreensão só pode ser lobrigada com mais clareza à medida que avançamos na nossa vida adulta e adentramos na velhice.
Ao nos tornarmos avô, não se pode negar que há uma nova transformação de nossa natureza psíquica e humana. Passamos da condição de seres que orientam para seres que orientam duas vezes, nossos filhos e nossos netos. Porém, não é uma orientação com o rigor de pai ou mãe. Antes, é uma orientação tolerante, conciliadora, sábia, modelo de dignidade passado adiante, própria de quem já pode ter um olhar mais distanciado, sem os deslizes dos jovens pais, sem os arroubos da paternidade mais diretamente comprometida. A experiência dos avós geralmente se faz proveitosa sem o antigamente chamado “conflito das gerações.” Não, nada disso. O conhecimento que os avós transmitem assenta-se no diálogo seguro, aberto e resultante da combinação do amor incondicional e da vontade de ver o bem-estar dos seus descendentes. Por essa razão, frisei atrás que a maior herança dos avós aos netos é o exemplo de dignidade familiar que – isso sim -, pode ser transmitido através das gerações da mesma família que, com outras famílias, pelo mundo afora, constituirão uma cadeia de união, felicidade e duradoura paz.
Na Rodoviária de Curitiba, estávamos aguardando que meu filho, Francisco Neto, me apanhasse de carro. Minha mulher e eu acabávamos de desembarcar do ônibus. Era uma manhã de sol acolhedor. A cidade pra mim sorri e é um sorriso que não sei explicar do ângulo meramente pragmático, materialista. Você sabia, leitor, que as cidades falam a sua própria língua?. É só atentar pra esse lado de sentir a natureza, quer artificial, quer a natural, composta do solo, das árvores, dos lagos, dos rios, dos pássaros, enfim, de tudo com que a Providência nos prodigalizou. A manhã de uma cidade psicologicamente é diferente da tarde ou da noite. Cada qual nos comunica alguma coisa que se vai instilar no recôndito de nossa alma. Em literatura, há um termo para exprimir melhor essa ideia, a “atmosfera,” sentimento de emoção exercida sobre o nosso ser em determinado lugar ou ambiência.
De repente, assomam lá na extremidade da porta de entrada de quem vem do estacionamento, duas criaturas queridas, meu filho e Amanda, a netinha mais nova, de cinco anos apenas. Lá vêm os dois com passos apressados. Amanda, desvencilha-se da mão paterna e vem correndo ao encontro dos avós paternos. Toda sorrisos que se vão refletir no brilho dos seus olhos verdes. Cada vez que a vejo me dá a impressão de que está maior. A mais velha, Isabella, de dez anos, não pôde vir. Está na escola.
Nos abraçamos e ela logo me entrega duas folhas de papel sem pauta, dobradas em forma de envelope. Abro-os e neles vejo, desenhados, com tinta azul, duas figuras humanas. Nos dois “envelopes”, um nome da remetente que dispensou os protocolos dos Correios: Amanda. Logo descubro quem são os representados nos desenhos: a imagem do avô e da avó. São traços simples mas eloquentes de uma criança de cinco anos que desejou homenagear e dar as boas-vindas à avó e avô. Não lhe interessou fazer as duas imagens de corpo inteiro, mas só do rosto. A avó ali está figurada nos cabelos em forma de uma maçã, no olhar de esguelha e numa linha curva simbolizando a boca. O avô de imediato se descobre: tem um rosto másculo, meio alongado (o meu é arredondado), com alguns fios de cabelos encaracolados ( os meus são levemente ondulados) e o desenho do avô, feito com amor e perspicácia infantil, não esquecera um detalhe importante: nos olhos a presença dos óculos com os quais se acostumou a ver a minha figura.
Em casa, já com a irmãzinha de volta da escola, com os cuidados da mãe, do meu filho e dos avós, a rotina da família era quebrada com aquela amistosa troca de informações sobre o dia-a-dia de uma família reunida. Agora, só brincadeiras do avô com a netinha mais nova, perguntas feitas à mais velhas sobre a vida escolar, os livros lidos por ela (levei-lhe um livro de literatura infantil), os passeios que iria fazer ou que já fizera recentemente e tantas outras coisas aprazíveis que constituem as delícias do mundo infantil.
Há dez anos tenho vivido a experiência de ser avô e por isso posso mesmo adiantar algumas conclusões sobre essa nova fase de minha vida. A condição de avô nos pega de surpresa. Nela nos mergulhamos por inteiro. De certa maneira, ser avô é momento apropriado para refletirmos sobre a existência e o sentido tanto da efemeridade da vida quanto da importância da necessidade da perpetuidade dos seres sobre a Terra. Isto é, o ser avô nos leva à consciência plena da vida entendida na sua totalidade, ou melhor, na sua complementaridade, onde o finito se funde ao infinito formando a unidade do ser. Não é um elo perdido, mas um encadeamento de mistura e de permanência de genes cuja compreensão só pode ser lobrigada com mais clareza à medida que avançamos na nossa vida adulta e adentramos na velhice.
Ao nos tornarmos avô, não se pode negar que há uma nova transformação de nossa natureza psíquica e humana. Passamos da condição de seres que orientam para seres que orientam duas vezes, nossos filhos e nossos netos. Porém, não é uma orientação com o rigor de pai ou mãe. Antes, é uma orientação tolerante, conciliadora, sábia, modelo de dignidade passado adiante, própria de quem já pode ter um olhar mais distanciado, sem os deslizes dos jovens pais, sem os arroubos da paternidade mais diretamente comprometida. A experiência dos avós geralmente se faz proveitosa sem o antigamente chamado “conflito das gerações.” Não, nada disso. O conhecimento que os avós transmitem assenta-se no diálogo seguro, aberto e resultante da combinação do amor incondicional e da vontade de ver o bem-estar dos seus descendentes. Por essa razão, frisei atrás que a maior herança dos avós aos netos é o exemplo de dignidade familiar que – isso sim -, pode ser transmitido através das gerações da mesma família que, com outras famílias, pelo mundo afora, constituirão uma cadeia de união, felicidade e duradoura paz.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Saudades da Cesgranrio
Cunha e Silva Filho
Hoje, passando por uma banca de jornal, vi, com espanto, na página de rosto de um exemplar de um jornal carioca, uma manchete que me assustou : “Alunos que fizeram prova do ENEM dão nota zero ao MEC”. Ora, com os constantes disparates dos responsáveis pela preparação das provas, o Inep, órgão do próprio Ministério da Educação, cometidos, se não me engano, desde, pelo menos, o ano passado, fica difícil a situação do Ministério de Educação.
Primeiro, os alunos concorrentes se queixaram, com justiça e por direito, dos quiproquós ( que até parecem uma comédia shakesperiana) da prova no que respeita à marcação das opções nos cadernos correspondentes às matérias. Os fiscais, tendo recebido as reclamações dos estudantes, vieram, então, por ordem dos responsáveis, dirimir as dúvidas e explicar como os alunos deveriam proceder na marcação das respostas. Logo, em seguida, houve nova contra-ordem, e, assim, o caos se instalou
. Na TV, o responsável pela organização do certame veio a público acrescentar novos esclarecimentos e reforçar um pedido aos estudantes solicitando, meio desengonçado e titubeante, que se prejudicados, encaminhassem, via internet, na emana seguinte à primeira prova, suas dúvidas relativas ao exame Mais uma vez, fico perplexo com a posição do organizador do concurso e me pergunto o que faz agora o MEC que não me parece ter reconhecido os desacertos, as confusões diante de fatos que só vêm prejudicar a vida dos jovens aspirantes às universidades após um ano de canseiras e de sacrifícios financeiros e intelectuais.
O MEC, um órgão federal que merece todo o meu respeito, não pode dar exemplo de incompetência precisamente nos tempos atuais onde a tecnologia se encontra bem avançada no trabalho de impressão com perfeição e rapidez sem precedente.
Estamos retrocedendo? Nem na época dos concursos vestibulares feitos sob a responsabilidade da Fundação Cesgranrio, sobretudo quando era seu presidente o Carlos Alberto Serpa de Oliveira houve tanta desorganização.Muito ao contrário. Esta fundação tinha a sua própria gráfica e, além disso, durante bom tempo, publicava um excelente revista chamada Contato, que conheceu vários números nas áreas de português, educação, inglês e estudos socais, a cargo de um competentíssimo corpo responsável. Publicação que tanto ajudou a professores, alunos secundários e universitários. Dela guardo comigo alguns exemplares. Isso apenas é para mostrar o contraste entre a competência daquela época, anos oitenta, na preparação e organização dos vestibulares e o ENEM que está aí atordoando e confundindo os candidatos ao ensino superior.
Não tenho certeza, mas é bem provável que o ENEM tenha sido inspirado no sistema americano de seleção para ingresso na universidade. Só que nos Estados Unidos, a seleção acontece mesmo antes de o estudante concluir o senior high school (equivalente ao nosso ensino médio) ou seja, quando ainda estão no junior high school (equivalente ao nosso ensino fundamental) Esse exame se chama lá SAT (sigla para Scholastic Aptitude Test). As escolas, em que estão os alunos, após realizarem aquele tipo de exame, enviam os resultados a faculdades da escolha dos alunos. Na avaliação entram diversos componentes, a aptidão do discente em habilidades verbais, numéricas e analíticas. Se aceitos, o aluno já fica sabendo em que faculdade irá cursar o ensino superior. Há também universidades que exigem um outro tipo de SAT, denominado achievement test, que consiste em avaliar o candidato através de algumas disciplinas específicas: matemática, física, química, biologia etc. Uma universidade pode ainda exigir um histórico escolar, onde se vê o desempenho em notas do estudante.
Os estudantes brasileiros não podem ser vítimas da inoperância do órgão que zela pela organização do ENEM e dele cuida. Providências devem ser tomadas urgentemente pelo Ministro da Educação atual sob pena de o exame em vigor cair no descrédito dos milhares de alunos que nele procuram, esperançosos, o caminho de sua futura vida profissional, o seu destino e a sua integração na sociedade. Não podemos negar-lhes isso, sobretudo nessa fase decisiva da juventude. Aguardamos com urgência urgentíssima - urge acentuar -, a solução desse impasse pelas autoridades do MEC.
Hoje, passando por uma banca de jornal, vi, com espanto, na página de rosto de um exemplar de um jornal carioca, uma manchete que me assustou : “Alunos que fizeram prova do ENEM dão nota zero ao MEC”. Ora, com os constantes disparates dos responsáveis pela preparação das provas, o Inep, órgão do próprio Ministério da Educação, cometidos, se não me engano, desde, pelo menos, o ano passado, fica difícil a situação do Ministério de Educação.
Primeiro, os alunos concorrentes se queixaram, com justiça e por direito, dos quiproquós ( que até parecem uma comédia shakesperiana) da prova no que respeita à marcação das opções nos cadernos correspondentes às matérias. Os fiscais, tendo recebido as reclamações dos estudantes, vieram, então, por ordem dos responsáveis, dirimir as dúvidas e explicar como os alunos deveriam proceder na marcação das respostas. Logo, em seguida, houve nova contra-ordem, e, assim, o caos se instalou
. Na TV, o responsável pela organização do certame veio a público acrescentar novos esclarecimentos e reforçar um pedido aos estudantes solicitando, meio desengonçado e titubeante, que se prejudicados, encaminhassem, via internet, na emana seguinte à primeira prova, suas dúvidas relativas ao exame Mais uma vez, fico perplexo com a posição do organizador do concurso e me pergunto o que faz agora o MEC que não me parece ter reconhecido os desacertos, as confusões diante de fatos que só vêm prejudicar a vida dos jovens aspirantes às universidades após um ano de canseiras e de sacrifícios financeiros e intelectuais.
O MEC, um órgão federal que merece todo o meu respeito, não pode dar exemplo de incompetência precisamente nos tempos atuais onde a tecnologia se encontra bem avançada no trabalho de impressão com perfeição e rapidez sem precedente.
Estamos retrocedendo? Nem na época dos concursos vestibulares feitos sob a responsabilidade da Fundação Cesgranrio, sobretudo quando era seu presidente o Carlos Alberto Serpa de Oliveira houve tanta desorganização.Muito ao contrário. Esta fundação tinha a sua própria gráfica e, além disso, durante bom tempo, publicava um excelente revista chamada Contato, que conheceu vários números nas áreas de português, educação, inglês e estudos socais, a cargo de um competentíssimo corpo responsável. Publicação que tanto ajudou a professores, alunos secundários e universitários. Dela guardo comigo alguns exemplares. Isso apenas é para mostrar o contraste entre a competência daquela época, anos oitenta, na preparação e organização dos vestibulares e o ENEM que está aí atordoando e confundindo os candidatos ao ensino superior.
Não tenho certeza, mas é bem provável que o ENEM tenha sido inspirado no sistema americano de seleção para ingresso na universidade. Só que nos Estados Unidos, a seleção acontece mesmo antes de o estudante concluir o senior high school (equivalente ao nosso ensino médio) ou seja, quando ainda estão no junior high school (equivalente ao nosso ensino fundamental) Esse exame se chama lá SAT (sigla para Scholastic Aptitude Test). As escolas, em que estão os alunos, após realizarem aquele tipo de exame, enviam os resultados a faculdades da escolha dos alunos. Na avaliação entram diversos componentes, a aptidão do discente em habilidades verbais, numéricas e analíticas. Se aceitos, o aluno já fica sabendo em que faculdade irá cursar o ensino superior. Há também universidades que exigem um outro tipo de SAT, denominado achievement test, que consiste em avaliar o candidato através de algumas disciplinas específicas: matemática, física, química, biologia etc. Uma universidade pode ainda exigir um histórico escolar, onde se vê o desempenho em notas do estudante.
Os estudantes brasileiros não podem ser vítimas da inoperância do órgão que zela pela organização do ENEM e dele cuida. Providências devem ser tomadas urgentemente pelo Ministro da Educação atual sob pena de o exame em vigor cair no descrédito dos milhares de alunos que nele procuram, esperançosos, o caminho de sua futura vida profissional, o seu destino e a sua integração na sociedade. Não podemos negar-lhes isso, sobretudo nessa fase decisiva da juventude. Aguardamos com urgência urgentíssima - urge acentuar -, a solução desse impasse pelas autoridades do MEC.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Um poema de Henry W. Longfellow (1807-1882)
The old house by the lindens
Stood silent in the shade,
And on the graveled pathway
The light and shadow played.
I saw the nursery windows
Wide open to the air;
But the faces of the children,
They were no longer there.
The large Newfoundland house-dog
Was standing by the door;
He looked for his little playmates,
Who would return no more.
They walked no under the lindens,
They played no in the hall;
But shadow, and silence, and sadness
Were hanging over all.
The birds sang in the branches,
With sweet familiar tone;
But the voices of the children
Will be heard in dreams alone!
And the boy that walked beside me,
He could not understand
Why closer in mine, ah! closer,
I pressed his warm, soft hand.
A janela aberta
Ao pé das tílias, a velha casa
À sombra, silenciosa, continuava,
E, no caminho cascalhento,
Brincavam luz e sombra.
Dos quartos das crianças, janelas via
Bem abertas, arejadas;
Mas os rostos infantis,
Não mais ali se viam.
Do Terra-nova o amplo canil
Junto à porta situava-se;
Pelos pequeninos companheiros procurava ele,
Que não mais voltavam.
Sob as tílias, não mais caminhavam,
Nem mais no saguão já brincavam;
Contudo, só sombra, silêncio e tristeza
Por toda a parte ficavam.
Nos ramos cantavam os pássaros,
Com conhecida e doce melodia;
As vozes infantis, porém,
Só em sonhos ouvidas são!
E aquele menino que comigo andava,
Entender nada podia
Por que, junto a mim, ah! bem juntinho,
A suave, calorosa mão lhe apertava.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Stood silent in the shade,
And on the graveled pathway
The light and shadow played.
I saw the nursery windows
Wide open to the air;
But the faces of the children,
They were no longer there.
The large Newfoundland house-dog
Was standing by the door;
He looked for his little playmates,
Who would return no more.
They walked no under the lindens,
They played no in the hall;
But shadow, and silence, and sadness
Were hanging over all.
The birds sang in the branches,
With sweet familiar tone;
But the voices of the children
Will be heard in dreams alone!
And the boy that walked beside me,
He could not understand
Why closer in mine, ah! closer,
I pressed his warm, soft hand.
A janela aberta
Ao pé das tílias, a velha casa
À sombra, silenciosa, continuava,
E, no caminho cascalhento,
Brincavam luz e sombra.
Dos quartos das crianças, janelas via
Bem abertas, arejadas;
Mas os rostos infantis,
Não mais ali se viam.
Do Terra-nova o amplo canil
Junto à porta situava-se;
Pelos pequeninos companheiros procurava ele,
Que não mais voltavam.
Sob as tílias, não mais caminhavam,
Nem mais no saguão já brincavam;
Contudo, só sombra, silêncio e tristeza
Por toda a parte ficavam.
Nos ramos cantavam os pássaros,
Com conhecida e doce melodia;
As vozes infantis, porém,
Só em sonhos ouvidas são!
E aquele menino que comigo andava,
Entender nada podia
Por que, junto a mim, ah! bem juntinho,
A suave, calorosa mão lhe apertava.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Um conto e uma conjunção
Cunha e Silva Filho
Era na Rua Arlindo Nogueira, espaço da minha memória recorrente por motivos já por muitas vezes mencionados nos meus escritos. Apesar da pouca idade, fiz boa amizade com um senhor idoso, de cujo nome não me lembro mais. Vou deixar mais pra frente e seguir o conselho de Álvaro Lins (1912-1970)
O meu amigo, pela distância do tempo, vejo mais agora como um personagem saído de um romance ou conto regionalista dos anos trinta. Poderia ser José Lins do Rego (1901-1957), Graciliano Ramos (1892-1953), Raquel de Queiroz (1910-2003) ou outro.
Vou me explicar com o leitor por que essa lembrança me vêm à tona. Há muitos anos, depois que deixei Teresina, um dia me despertou a ideia – melhor dizendo, uma tentativa - de escrever uma narrativa, um conto inspirado naquele senhor velho.
O fio do conto situava-se no domínio da gramática. Sem ter, àquela época, a consciência do que hoje denominamos metalinguagem, o fulcro da história centrava-se numa função jakobsoniana. Toda vez que entretinha conversa com ele, meu amigo costumava repetir a conjunção “ao passo que”. O uso exaustivo que dela fazia me chamou logo a atenção. Não era algo que pudesse passar despercebido. O homem tinha mesmo especial mania ou predileção pelo conectivo, agora mais conhecido, pelos linguistas modernos, como conector.
Como era engraçado o amigo velho reiterar a dita conjunção naqueles diálogos cheios de experiência interiorana, recheados de histórias que passavam oralmente de geração para geração! De engraçado chegava a virar histriônico. Mal continha a vontade picaresca de um riso, ou mesmo gargalhada. “Ao passo que.., ao passo que..., ao passo que..” O abuso da conjunção parecia ecoar pelos quatros cantos daquela acanhada Teresina. Ah, meu velho amigo velho, como me divertia aquele vaivém em cena da conjunção! “Ao passo que” era, com efeito, a súmula da proporção ou do contraste do idioleto do amigo velho!
Hoje, penso que meu amigo e vizinho da mesma rua, sem menos dar conta do real sentido da expressão, a usava infinitamente como forma de dar alguma aparência de bom usuário da língua. O certo é que a expressão conectora, de tão repisada, passou a ser parte inseparável de sua figura simplória e cordial.
Se não me engano, tinha vindo de Piripiri, cidade piauiense. Era casado e tinha um filho, um rapazola, e duas filhas moças.
Morava numa casa simples e acolhedora. A porta sempre aberta como se quisesse dar boas vindas a todos que ali fossem bater .Eu próprio o visitava com assiduidade.
O amigo velho, quando não estava ocupado dentro de casa, às tardezinhas, tinha o hábito de sentar-se numa cadeira rústica na calçada, em frente de sua casa. Ali via a passagem de todos, recebia os cumprimentos de conhecidos e amigos. Se eu por acaso ali passasse, ali ficava por uma boa meia hora, indo, depois, me encontrar com colegas, mais adiante, na outra esquina.
Sua fisionomia era típica daquele homem do interior, semiletrado, mas dono da sabedoria dos mais velhos. Era disso que eu gostava. Homem afeito a acordar cedo quando vivia em Piripiri, a ver os primeiros raios da manhã em contraponto com a leve brisa que soprava dentro de sua casa de tijolo, mas com telhado de palha.Os cabelos lisos e brancos, a barba sempre por fazer. O corpo magro. A simpatia em pessoa.
No entanto, o que me ficou dele foi aquele uso da conjunção e um outro fato nada agradável. Essas duas coisas me levaram a escrever o conto com o título “Ao passo que”.
Um dia qualquer do nosso convívio, o filho do meu amigo, o Piripiri, aos prantos, veio até à minha casa avisar que seu pai acabara de falecer. Que eu desse um pulo na casa dele. Lá fui, nervoso e apavorado com a notícia intempestiva. Meu amigo estava deitado na cama do quarto do casal. A esposa, ao lado, chorando e passando-lhe as mãos nos cabelos. As duas filhas não sabiam o que fazer. Só havia choro e tristeza. Inânime, pálido, com os olhos fechados, ali estava o meu amigo. A casa, agora, estava apinhada de vizinhos, amigos, curiosos de passagem pela rua.
Seu filho, Piripiri, apelido familiar daquele rapazinho da minha idade, me pediu um favor: que ajudasse a vestir o pai com roupa nova, uma blusa de manga comprida, cor de rosa, e uma calça de gabardine azul, se não me falha a memória. Aceitei o encargo. Piripiri me agradeceu enternecido, em lágrimas. Não me recordo do seu nome de batismo. Voltei pra casa desolado. Só me lembro de que a morte do meu amigo foi, se não a primeira, a mais forte experiência daquela época e por uma razão a mais, a que já fiz referência: ajudei a tirar a roupa do meu amigo. Nunca pensei que tivesse coragem de fazê-lo. Vê-lo despido e morto foi muito difícil e trágico pra mim naquela idade.
Vestimo-lo da melhor forma possível. Piripiri penteou-lhe os cabelos, arrumou-lhe carinhosamente as vestes. Tudo em silêncio. Estava pronto para receber o carro funerário. Não fui ao cemitério pra lhe dirigir o último adeus e as minhas preces.Todos esses fatos procurei transfundir literariamente no conto, com algumas tintas de tragicidade e de lirismo. Assim, se construiu o conto. Um amigo escritor o leu aqui no Rio. Gostou do entrecho, mas fez sérios reparos quanto à técnica narrativa. O conto nunca foi publicado e, ademais, o perdi em mudanças.
Era na Rua Arlindo Nogueira, espaço da minha memória recorrente por motivos já por muitas vezes mencionados nos meus escritos. Apesar da pouca idade, fiz boa amizade com um senhor idoso, de cujo nome não me lembro mais. Vou deixar mais pra frente e seguir o conselho de Álvaro Lins (1912-1970)
O meu amigo, pela distância do tempo, vejo mais agora como um personagem saído de um romance ou conto regionalista dos anos trinta. Poderia ser José Lins do Rego (1901-1957), Graciliano Ramos (1892-1953), Raquel de Queiroz (1910-2003) ou outro.
Vou me explicar com o leitor por que essa lembrança me vêm à tona. Há muitos anos, depois que deixei Teresina, um dia me despertou a ideia – melhor dizendo, uma tentativa - de escrever uma narrativa, um conto inspirado naquele senhor velho.
O fio do conto situava-se no domínio da gramática. Sem ter, àquela época, a consciência do que hoje denominamos metalinguagem, o fulcro da história centrava-se numa função jakobsoniana. Toda vez que entretinha conversa com ele, meu amigo costumava repetir a conjunção “ao passo que”. O uso exaustivo que dela fazia me chamou logo a atenção. Não era algo que pudesse passar despercebido. O homem tinha mesmo especial mania ou predileção pelo conectivo, agora mais conhecido, pelos linguistas modernos, como conector.
Como era engraçado o amigo velho reiterar a dita conjunção naqueles diálogos cheios de experiência interiorana, recheados de histórias que passavam oralmente de geração para geração! De engraçado chegava a virar histriônico. Mal continha a vontade picaresca de um riso, ou mesmo gargalhada. “Ao passo que.., ao passo que..., ao passo que..” O abuso da conjunção parecia ecoar pelos quatros cantos daquela acanhada Teresina. Ah, meu velho amigo velho, como me divertia aquele vaivém em cena da conjunção! “Ao passo que” era, com efeito, a súmula da proporção ou do contraste do idioleto do amigo velho!
Hoje, penso que meu amigo e vizinho da mesma rua, sem menos dar conta do real sentido da expressão, a usava infinitamente como forma de dar alguma aparência de bom usuário da língua. O certo é que a expressão conectora, de tão repisada, passou a ser parte inseparável de sua figura simplória e cordial.
Se não me engano, tinha vindo de Piripiri, cidade piauiense. Era casado e tinha um filho, um rapazola, e duas filhas moças.
Morava numa casa simples e acolhedora. A porta sempre aberta como se quisesse dar boas vindas a todos que ali fossem bater .Eu próprio o visitava com assiduidade.
O amigo velho, quando não estava ocupado dentro de casa, às tardezinhas, tinha o hábito de sentar-se numa cadeira rústica na calçada, em frente de sua casa. Ali via a passagem de todos, recebia os cumprimentos de conhecidos e amigos. Se eu por acaso ali passasse, ali ficava por uma boa meia hora, indo, depois, me encontrar com colegas, mais adiante, na outra esquina.
Sua fisionomia era típica daquele homem do interior, semiletrado, mas dono da sabedoria dos mais velhos. Era disso que eu gostava. Homem afeito a acordar cedo quando vivia em Piripiri, a ver os primeiros raios da manhã em contraponto com a leve brisa que soprava dentro de sua casa de tijolo, mas com telhado de palha.Os cabelos lisos e brancos, a barba sempre por fazer. O corpo magro. A simpatia em pessoa.
No entanto, o que me ficou dele foi aquele uso da conjunção e um outro fato nada agradável. Essas duas coisas me levaram a escrever o conto com o título “Ao passo que”.
Um dia qualquer do nosso convívio, o filho do meu amigo, o Piripiri, aos prantos, veio até à minha casa avisar que seu pai acabara de falecer. Que eu desse um pulo na casa dele. Lá fui, nervoso e apavorado com a notícia intempestiva. Meu amigo estava deitado na cama do quarto do casal. A esposa, ao lado, chorando e passando-lhe as mãos nos cabelos. As duas filhas não sabiam o que fazer. Só havia choro e tristeza. Inânime, pálido, com os olhos fechados, ali estava o meu amigo. A casa, agora, estava apinhada de vizinhos, amigos, curiosos de passagem pela rua.
Seu filho, Piripiri, apelido familiar daquele rapazinho da minha idade, me pediu um favor: que ajudasse a vestir o pai com roupa nova, uma blusa de manga comprida, cor de rosa, e uma calça de gabardine azul, se não me falha a memória. Aceitei o encargo. Piripiri me agradeceu enternecido, em lágrimas. Não me recordo do seu nome de batismo. Voltei pra casa desolado. Só me lembro de que a morte do meu amigo foi, se não a primeira, a mais forte experiência daquela época e por uma razão a mais, a que já fiz referência: ajudei a tirar a roupa do meu amigo. Nunca pensei que tivesse coragem de fazê-lo. Vê-lo despido e morto foi muito difícil e trágico pra mim naquela idade.
Vestimo-lo da melhor forma possível. Piripiri penteou-lhe os cabelos, arrumou-lhe carinhosamente as vestes. Tudo em silêncio. Estava pronto para receber o carro funerário. Não fui ao cemitério pra lhe dirigir o último adeus e as minhas preces.Todos esses fatos procurei transfundir literariamente no conto, com algumas tintas de tragicidade e de lirismo. Assim, se construiu o conto. Um amigo escritor o leu aqui no Rio. Gostou do entrecho, mas fez sérios reparos quanto à técnica narrativa. O conto nunca foi publicado e, ademais, o perdi em mudanças.
domingo, 31 de outubro de 2010
Um morto ilustre não pode se defender
Cunha e Silva Filho
Não se pode falar de Monteiro Lobato (1882—1921) sem associá-lo à literatura infantil. Isso é já é muita coisa e o suficiente para reconhecê-lo como figura de proa das letras brasileiras. Seu personagem Jeca Tatu foi logo objeto da atenção do jurista Rui Barbosa que nele via um símbolo negativo dos males da nação brasileira: o do homem caipira, abandonado e maltratado pelos poderes públicos, cheio de verminose, vivendo de cócoras, descalço, preguiçoso por conta dos próprios vermes que lhe roíam por dentro.
Essa figura ganhou popularidade pelo país afora, porém uma popularidade que se prestava também para debates políticos, antropológicos sociológicas da constituição do nosso povo no que concerne ao problema da raça e de seus elementos formadores num país que longe estava de identificar e corrigir seus defeitos e suas exclusões, quer dizer, Euclides da Cunha (1866-1909), Lima Barreto(1881-1922), Monteiro Lobato e Graça Aranha (1868-1931), na fase literária a que se convencionou chamar Pré-Modernismo, contribuíram, cada qual à sua maneira, com uma ponderável visão social para melhor aprofundar, pelo viés ficcional, aspectos da realidade brasileira que estavam a exigir mudanças de interpretação isentas de ufanismos e de nacionalismos míopes que só serviam para escamotear as velhas chagas sociais, políticas e culturais que, no mínimo, vinham da República Velha. A vertente social desse período da literatura brasileira é um divisor de águas de estilos literários e de temas relevantes quando a confrontamos com o Parnasianismo e o Simbolismos, movimentos estes por excelência absenteísta nos temas e requintadamente formal na língua.
A primeira vez que tomei contato com a ficção lobatiana foi através do conhecido livro de contos, Urupês (1918), que pertencia à biblioteca de meu pai. Na época, não li o livro. Deixaria pra depois, porém um conto dele, “Negrinha”, o primeiro de um livro de título homônimo, li num manual didático já quando professor do ensino hoje chamado fundamental e médio. Fantástico o conto, e fantástico justamente porque toca num tema polêmico e ainda atual: a personagem central do primeiro conto, ”Negrinha,” que dá nome ao título da obra, é a vítima dos maus tratos da patroa. Nem é preciso dizer por que motivos a patroa a trata assim. Pois bem, essa história põe o dedo na ferida, a do preconceito não só em razão de Negrinha ser pobre, mas também por ser preta.
Numa reportagem de ontem, dia 30 de outubro, no jornal O Globo, leio, estarrecido, uma notícia de um parecer aprovado pelos membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão subordinado ao MEC. Segundo esse parecer, a personagem de Lobato, a tia Nastácia, tão conhecida por gerações de brasileiros que se tornaram, desde crianças, fiéis leitores do criador de tantas figuras estimadas por crianças (e adultos), é, agora, vista como um exemplo de construção literária vítima do preconceito racial da perspectiva do “autor.” Ou seja, os membros do CNE, ab initio, cometeram um erro imperdoável, o de confundir autor de carne e osso, no caso, Monteiro Lobato, e narrador, que representa apenas a configuração imaginária que deve ser compreendida do ângulo da narratividade e não a partir da realidade empírica ou referencial.
No mesmo erro incidiu a Secretaria do de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), que, numa “nota técnica” emitiu opinião contrária ao livro Caçadas de Pedrinho,” argumentando que ele só deveria ser utilizado caso o professor esteja preparado(!?)) para fazer a necessária contextualização histórica das causas que provocaram o abominável regime escravagista no país e suas sequelas futuras, as quais resultaram na estigmatização racista ainda de alguma forma resistente entre nós.
Vejo esse incidente lamentável como um sinal perigoso, ou melhor, obscurantista, para que novos casos semelhantes possam ocorrer com os autores brasileiros. Me lembro de que, certa vez, o escritor Darcy Ribeiro foi também vitima de leitura deformada, que via, na fala de um personagem de uma de suas obras ficcionais, conceitos inadequados do ponto de vista “moral”.
Situações como estas devem receber o repúdio dos que prezam a livre expressão do pensamento, sobretudo em se tratando de obra ficcional. Não estamos mais na Idade Média, nem vivemos num país fascista ou numa ditadura comunista, onde se costumava levar livros às fogueiras, apreendê-los ou punir os autores com prisões ou deportações para os Gulags da vida. O Santo Ofício é coisa para ser sepultada de forma definitiva. O Index librorum prohibitorum, que me perdoe o Vaticano, não foi bom exemplo para países que respeitam os direitos de expressão oral e escrita. Acredito até que os Nihil obstat nem mais aparecem nas páginas do verso de livros didáticos dos maristas. Ainda bem.
Por conseguinte, o Parecer do CNE, que deverá ser ou não homologado pelo Ministro da Educação, após a análise da Secretaria de Educação Básica, não pode ser deferido pelo Ministro, porque isso seria um retrocesso para a democracia que se afirma estar vivendo o Brasil.
O livro de Lobato, afirma a reportagem, já tinha sido distribuído a escola públicas do ensino fundamental através do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), entre 1998 e 2003. Cumpre lembrar, segundo a citada reportagem, que a liberação desses livros só se efetuou após seleção aprovada por especialistas recomendados pelo MEC. Como explicar essa mudança agora? Em questões que dizem respeito a seleção de obras para os alunos, cabe aos professores habilitados na área de literatura o encargo de cuidarem de assuntos dessa natureza. Não é porque algum estudante, mesmo de mestrado, com deficiência flagrante dos pressupostos práticos e teóricos de leitura e de conhecimentos sólidos de literatura, venha a fazer leitura unilateral e, aí si, preconceituosa de um autor, que seja levado em conta por órgãos da administração pública na área da educação, e provoque dissonâncias prejudiciais à memória de um dos escritores mais respeitados da história da literatura brasileira, autor querido do público infantil, aplaudido, certa vez, em Buenos Aires por seus méritos de autor para a infância. E não estamos ainda falando do seu papel em defesa do petróleo brasileiro, do ferro, da sua atividade de editor de à frente da Companhia A Editora Nacional. E de outras experiências editoriais, como a Revista do Brasil,
Se observarmos atentamente a condição da escola pública brasileira, quantas mazelas, quantas metas devem ser atingidas para que saia de um situação praticamente crônica que a tornou, aos olhos da sociedade, motivo de piada, de descrédito, tanto em relação à estrutura das escolas em si, a salientar sobretudo a baixa qualidade de ensino e de condições de trabalho, quanto no que tange aos vis salários ainda pagos aos professores brasileiros.Por que o MEC não se volta, isso sim, para esses graves problemas enfrentados pela educação do país? Se o fizesse, não haveria tempo e ócios bem remunerados por técnicos e coordenadores de universidades públicas e de órgãos do MEC para, em leituras apressadas e mal assimiladas, encontrar interpretações literais para textos que exigem um aparato mais complexo além das referencialidades extra-contextuais. É preciso atentar para o fato que não é apenas a aprovação de uma lei contra o racismo entre nós que vai mudar o interior das pessoas. O buraco está mais embaixo, quer dizer, está simplesmente no preparo cívico-moral de nossas crianças, desde a mais tenra a idade, para saber conviver com as diferenças de cor sem que isso implique inferioridade uma ou outra. Instilar a prática da convivência harmônica entre etnias me parece a melhor forma de se cumprir uma lei. O estigma do preconceito deve ser extirpado em definitivo do nosso mundo interior, de nossa ética de cidadania e respeito às alteridades.
Não se pode falar de Monteiro Lobato (1882—1921) sem associá-lo à literatura infantil. Isso é já é muita coisa e o suficiente para reconhecê-lo como figura de proa das letras brasileiras. Seu personagem Jeca Tatu foi logo objeto da atenção do jurista Rui Barbosa que nele via um símbolo negativo dos males da nação brasileira: o do homem caipira, abandonado e maltratado pelos poderes públicos, cheio de verminose, vivendo de cócoras, descalço, preguiçoso por conta dos próprios vermes que lhe roíam por dentro.
Essa figura ganhou popularidade pelo país afora, porém uma popularidade que se prestava também para debates políticos, antropológicos sociológicas da constituição do nosso povo no que concerne ao problema da raça e de seus elementos formadores num país que longe estava de identificar e corrigir seus defeitos e suas exclusões, quer dizer, Euclides da Cunha (1866-1909), Lima Barreto(1881-1922), Monteiro Lobato e Graça Aranha (1868-1931), na fase literária a que se convencionou chamar Pré-Modernismo, contribuíram, cada qual à sua maneira, com uma ponderável visão social para melhor aprofundar, pelo viés ficcional, aspectos da realidade brasileira que estavam a exigir mudanças de interpretação isentas de ufanismos e de nacionalismos míopes que só serviam para escamotear as velhas chagas sociais, políticas e culturais que, no mínimo, vinham da República Velha. A vertente social desse período da literatura brasileira é um divisor de águas de estilos literários e de temas relevantes quando a confrontamos com o Parnasianismo e o Simbolismos, movimentos estes por excelência absenteísta nos temas e requintadamente formal na língua.
A primeira vez que tomei contato com a ficção lobatiana foi através do conhecido livro de contos, Urupês (1918), que pertencia à biblioteca de meu pai. Na época, não li o livro. Deixaria pra depois, porém um conto dele, “Negrinha”, o primeiro de um livro de título homônimo, li num manual didático já quando professor do ensino hoje chamado fundamental e médio. Fantástico o conto, e fantástico justamente porque toca num tema polêmico e ainda atual: a personagem central do primeiro conto, ”Negrinha,” que dá nome ao título da obra, é a vítima dos maus tratos da patroa. Nem é preciso dizer por que motivos a patroa a trata assim. Pois bem, essa história põe o dedo na ferida, a do preconceito não só em razão de Negrinha ser pobre, mas também por ser preta.
Numa reportagem de ontem, dia 30 de outubro, no jornal O Globo, leio, estarrecido, uma notícia de um parecer aprovado pelos membros do Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão subordinado ao MEC. Segundo esse parecer, a personagem de Lobato, a tia Nastácia, tão conhecida por gerações de brasileiros que se tornaram, desde crianças, fiéis leitores do criador de tantas figuras estimadas por crianças (e adultos), é, agora, vista como um exemplo de construção literária vítima do preconceito racial da perspectiva do “autor.” Ou seja, os membros do CNE, ab initio, cometeram um erro imperdoável, o de confundir autor de carne e osso, no caso, Monteiro Lobato, e narrador, que representa apenas a configuração imaginária que deve ser compreendida do ângulo da narratividade e não a partir da realidade empírica ou referencial.
No mesmo erro incidiu a Secretaria do de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), que, numa “nota técnica” emitiu opinião contrária ao livro Caçadas de Pedrinho,” argumentando que ele só deveria ser utilizado caso o professor esteja preparado(!?)) para fazer a necessária contextualização histórica das causas que provocaram o abominável regime escravagista no país e suas sequelas futuras, as quais resultaram na estigmatização racista ainda de alguma forma resistente entre nós.
Vejo esse incidente lamentável como um sinal perigoso, ou melhor, obscurantista, para que novos casos semelhantes possam ocorrer com os autores brasileiros. Me lembro de que, certa vez, o escritor Darcy Ribeiro foi também vitima de leitura deformada, que via, na fala de um personagem de uma de suas obras ficcionais, conceitos inadequados do ponto de vista “moral”.
Situações como estas devem receber o repúdio dos que prezam a livre expressão do pensamento, sobretudo em se tratando de obra ficcional. Não estamos mais na Idade Média, nem vivemos num país fascista ou numa ditadura comunista, onde se costumava levar livros às fogueiras, apreendê-los ou punir os autores com prisões ou deportações para os Gulags da vida. O Santo Ofício é coisa para ser sepultada de forma definitiva. O Index librorum prohibitorum, que me perdoe o Vaticano, não foi bom exemplo para países que respeitam os direitos de expressão oral e escrita. Acredito até que os Nihil obstat nem mais aparecem nas páginas do verso de livros didáticos dos maristas. Ainda bem.
Por conseguinte, o Parecer do CNE, que deverá ser ou não homologado pelo Ministro da Educação, após a análise da Secretaria de Educação Básica, não pode ser deferido pelo Ministro, porque isso seria um retrocesso para a democracia que se afirma estar vivendo o Brasil.
O livro de Lobato, afirma a reportagem, já tinha sido distribuído a escola públicas do ensino fundamental através do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), entre 1998 e 2003. Cumpre lembrar, segundo a citada reportagem, que a liberação desses livros só se efetuou após seleção aprovada por especialistas recomendados pelo MEC. Como explicar essa mudança agora? Em questões que dizem respeito a seleção de obras para os alunos, cabe aos professores habilitados na área de literatura o encargo de cuidarem de assuntos dessa natureza. Não é porque algum estudante, mesmo de mestrado, com deficiência flagrante dos pressupostos práticos e teóricos de leitura e de conhecimentos sólidos de literatura, venha a fazer leitura unilateral e, aí si, preconceituosa de um autor, que seja levado em conta por órgãos da administração pública na área da educação, e provoque dissonâncias prejudiciais à memória de um dos escritores mais respeitados da história da literatura brasileira, autor querido do público infantil, aplaudido, certa vez, em Buenos Aires por seus méritos de autor para a infância. E não estamos ainda falando do seu papel em defesa do petróleo brasileiro, do ferro, da sua atividade de editor de à frente da Companhia A Editora Nacional. E de outras experiências editoriais, como a Revista do Brasil,
Se observarmos atentamente a condição da escola pública brasileira, quantas mazelas, quantas metas devem ser atingidas para que saia de um situação praticamente crônica que a tornou, aos olhos da sociedade, motivo de piada, de descrédito, tanto em relação à estrutura das escolas em si, a salientar sobretudo a baixa qualidade de ensino e de condições de trabalho, quanto no que tange aos vis salários ainda pagos aos professores brasileiros.Por que o MEC não se volta, isso sim, para esses graves problemas enfrentados pela educação do país? Se o fizesse, não haveria tempo e ócios bem remunerados por técnicos e coordenadores de universidades públicas e de órgãos do MEC para, em leituras apressadas e mal assimiladas, encontrar interpretações literais para textos que exigem um aparato mais complexo além das referencialidades extra-contextuais. É preciso atentar para o fato que não é apenas a aprovação de uma lei contra o racismo entre nós que vai mudar o interior das pessoas. O buraco está mais embaixo, quer dizer, está simplesmente no preparo cívico-moral de nossas crianças, desde a mais tenra a idade, para saber conviver com as diferenças de cor sem que isso implique inferioridade uma ou outra. Instilar a prática da convivência harmônica entre etnias me parece a melhor forma de se cumprir uma lei. O estigma do preconceito deve ser extirpado em definitivo do nosso mundo interior, de nossa ética de cidadania e respeito às alteridades.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
Saudade, tempo e memória
Ai do homem sem saudade!
Alceu Amoroso Lima, Meditação sobre o mundo interior
Para M. Paulo Nunes
Cunha e Silva Filho
Não concebo como intelectuais, escritores, supostamente indivíduos sensíveis aos sentimentos, emoções, possam dar pouca importância a assuntos conexionados à saudade, tempo e memória, fundamentais veios hoje largamente investigados nos estudos literários por pesquisadores acadêmicos ou não acadêmicos.
O tempo é um a categoria literária no qual estão embutidas a memória e a saudade. Se alguém, por deficiência de sensibilidade, não valoriza o passado do prisma memorialístico nem sobretudo a saudade, é porque não habituou os ouvidos às ressonâncias estéticas que só nos podem vir do que se fixou indelevelmente na memória. Por conseguinte, sempre que o escritor recaptura memórias imaginadas ou mesmo vividas, ele o faz, não para simplesmente denunciar os erros pretéritos, mas principalmente para tentar recapturar aquilo que, para algumas pessoas, está sepultado.
Os mais proeminentes memorialistas, quer nacionais, quer estrangeiros, não reconstroem o passado, através da escrita, só motivados a cotejá-lo com o presente, sempre uma duração de natureza temporal instável e fugidia. Ao contrário, o passado vale na medida em que recompõe o que está disperso abstratamente. A função do memorialista se reveste da maior importância e, muitas vezes, muito pode ajudar os historiadores que, na memória literária, vão encontrar subsídios relevantes a fim de preencherem gaps históricos muitas vezes mais habilidosamente narrados ou recriados pela imaginação criadora. Os romances históricos estão aí não só para deleite estético, mas como alternativas fecundas para um outra visada dos acontecimentos históricos.
O tema da saudade, sentimento de fundo tão visceralmente romântico, cujas raízes mais delicadas podemos remontar à literatura galega, o qual, a partir dessa origem, se espalhou admiravelmente por várias literaturas do Ocidente, com relevo sobretudo para as literaturas portuguesa, espanhola e brasileira, numa influência poderosa e recorrente até aos tempos atuais, dificilmente não se torna um dos mais prezados pela alma brasileira, dessa alma que, para Ronald de Carvalho (1893-1935) “nascia de três grandes melancolias, sendo uma delas a saudade portuguesa (Cf.CARVALHO, Ronald de . Estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A./MEC, p.71). O próprio termo “saudade” que, para os filólogos de procedência lusitana, não tem equivalência semântica rigorosa em outras línguas, constituindo para eles um exemplo de idiomatismo da língua portuguesa, encontrou entre nós um vasto campo temático a ser explorado, sobretudo a partir do introdutor do Romantismo brasileiro, o poeta Gonçalves de Magalhães (1811-1882), com a obra inaugural desse estilo literário, Suspiros poéticos e saudades (1836) e, em especial, com as obras de Gonçalves Dias (1823-1864) e Casimiro de Abreu ( 1839-1860) O mesmo tema da saudade magistralmente foi retomado, na literatura brasileira, por do Da Costa e Silva (1885-1950), poeta piauiense da fase epigônica do Simbolismo, de resto, poeta que escrevia em estilos múltiplos com inegável abertura para as formas modernas, sendo ele mesmo o autor do mais belo soneto em língua portuguesa sobre a saudade..
Subestimar o tempo, a memória e a saudade como possibilidades para o desenvolvimento da produção literária brasileira constitui, a meu ver, um reducionismo empobrecedor. Se o Romantismo é um dos estilos literários mais fecundos da literatura Ocidental, e com um papel inestimável até nos estudos filológicos assim como em outros domínios do saber humano (vide o pequeno e notável estudo de Sílvio Elia, O Romantismo em face da filologia.: [Porto Alegre]: Instituto Estadual de Cultura, Secretaria de Educação e Cultura. Cadernos), o tema da saudade, por tabela, é um dos vetores mais sólidos desse estilo, não se podendo, pois, conceber – vale frisar - a ideia de minimizar um veio dessa magnitude só porque comparações com o estado das coisas do presente não foram solucionados por desídia e falta de visão da administração pública.
A motivação de temas e gêneros literários são construções pessoais, subjetivas, cujo espaço maior e intransferível é o das afetividades, da captação da realidade através da ressignificação, pela memória do adulto, de fragmentos, pedaços e retalhos da memória, pessoal ou histórica, transformada, na complexidade da representação simbólica da escrita literária, em espécime literária de um dado gênero, que pode ser a crônica em suas várias possibilidades temáticas, o memorialismo, o romance histórico, o romance tout court, a novela, o conto, a poesia, a peça teatral.
O compromisso do escritor é, antes de tudo, com a linguagem literária e suas implicações diversas, não se excluindo o dado social que, por sua vez, é índice inequívoco de que, ao expor aspectos memorialísticos do ser do escritor, não está sonegando os desacertos do presente e seu desconforto com a destruição do que era bom do passado e podia ser preservado se não fosse a ação deletéria do homem impulsionada pela avidez econômica sem sustentabilidade. Daí sua procura do que foi tragado pelo tempo, seja do ponto de vista das relações humanas, seja do que se transformou em ruínas no presente: construções, manifestações culturais, hábitos, sociabilidades etc. As emoções agradáveis do passado não podem responder pelo desatinos da insensibilidade do presente.
Alceu Amoroso Lima, Meditação sobre o mundo interior
Para M. Paulo Nunes
Cunha e Silva Filho
Não concebo como intelectuais, escritores, supostamente indivíduos sensíveis aos sentimentos, emoções, possam dar pouca importância a assuntos conexionados à saudade, tempo e memória, fundamentais veios hoje largamente investigados nos estudos literários por pesquisadores acadêmicos ou não acadêmicos.
O tempo é um a categoria literária no qual estão embutidas a memória e a saudade. Se alguém, por deficiência de sensibilidade, não valoriza o passado do prisma memorialístico nem sobretudo a saudade, é porque não habituou os ouvidos às ressonâncias estéticas que só nos podem vir do que se fixou indelevelmente na memória. Por conseguinte, sempre que o escritor recaptura memórias imaginadas ou mesmo vividas, ele o faz, não para simplesmente denunciar os erros pretéritos, mas principalmente para tentar recapturar aquilo que, para algumas pessoas, está sepultado.
Os mais proeminentes memorialistas, quer nacionais, quer estrangeiros, não reconstroem o passado, através da escrita, só motivados a cotejá-lo com o presente, sempre uma duração de natureza temporal instável e fugidia. Ao contrário, o passado vale na medida em que recompõe o que está disperso abstratamente. A função do memorialista se reveste da maior importância e, muitas vezes, muito pode ajudar os historiadores que, na memória literária, vão encontrar subsídios relevantes a fim de preencherem gaps históricos muitas vezes mais habilidosamente narrados ou recriados pela imaginação criadora. Os romances históricos estão aí não só para deleite estético, mas como alternativas fecundas para um outra visada dos acontecimentos históricos.
O tema da saudade, sentimento de fundo tão visceralmente romântico, cujas raízes mais delicadas podemos remontar à literatura galega, o qual, a partir dessa origem, se espalhou admiravelmente por várias literaturas do Ocidente, com relevo sobretudo para as literaturas portuguesa, espanhola e brasileira, numa influência poderosa e recorrente até aos tempos atuais, dificilmente não se torna um dos mais prezados pela alma brasileira, dessa alma que, para Ronald de Carvalho (1893-1935) “nascia de três grandes melancolias, sendo uma delas a saudade portuguesa (Cf.CARVALHO, Ronald de . Estudos brasileiros. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A./MEC, p.71). O próprio termo “saudade” que, para os filólogos de procedência lusitana, não tem equivalência semântica rigorosa em outras línguas, constituindo para eles um exemplo de idiomatismo da língua portuguesa, encontrou entre nós um vasto campo temático a ser explorado, sobretudo a partir do introdutor do Romantismo brasileiro, o poeta Gonçalves de Magalhães (1811-1882), com a obra inaugural desse estilo literário, Suspiros poéticos e saudades (1836) e, em especial, com as obras de Gonçalves Dias (1823-1864) e Casimiro de Abreu ( 1839-1860) O mesmo tema da saudade magistralmente foi retomado, na literatura brasileira, por do Da Costa e Silva (1885-1950), poeta piauiense da fase epigônica do Simbolismo, de resto, poeta que escrevia em estilos múltiplos com inegável abertura para as formas modernas, sendo ele mesmo o autor do mais belo soneto em língua portuguesa sobre a saudade..
Subestimar o tempo, a memória e a saudade como possibilidades para o desenvolvimento da produção literária brasileira constitui, a meu ver, um reducionismo empobrecedor. Se o Romantismo é um dos estilos literários mais fecundos da literatura Ocidental, e com um papel inestimável até nos estudos filológicos assim como em outros domínios do saber humano (vide o pequeno e notável estudo de Sílvio Elia, O Romantismo em face da filologia.: [Porto Alegre]: Instituto Estadual de Cultura, Secretaria de Educação e Cultura. Cadernos), o tema da saudade, por tabela, é um dos vetores mais sólidos desse estilo, não se podendo, pois, conceber – vale frisar - a ideia de minimizar um veio dessa magnitude só porque comparações com o estado das coisas do presente não foram solucionados por desídia e falta de visão da administração pública.
A motivação de temas e gêneros literários são construções pessoais, subjetivas, cujo espaço maior e intransferível é o das afetividades, da captação da realidade através da ressignificação, pela memória do adulto, de fragmentos, pedaços e retalhos da memória, pessoal ou histórica, transformada, na complexidade da representação simbólica da escrita literária, em espécime literária de um dado gênero, que pode ser a crônica em suas várias possibilidades temáticas, o memorialismo, o romance histórico, o romance tout court, a novela, o conto, a poesia, a peça teatral.
O compromisso do escritor é, antes de tudo, com a linguagem literária e suas implicações diversas, não se excluindo o dado social que, por sua vez, é índice inequívoco de que, ao expor aspectos memorialísticos do ser do escritor, não está sonegando os desacertos do presente e seu desconforto com a destruição do que era bom do passado e podia ser preservado se não fosse a ação deletéria do homem impulsionada pela avidez econômica sem sustentabilidade. Daí sua procura do que foi tragado pelo tempo, seja do ponto de vista das relações humanas, seja do que se transformou em ruínas no presente: construções, manifestações culturais, hábitos, sociabilidades etc. As emoções agradáveis do passado não podem responder pelo desatinos da insensibilidade do presente.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Um poema de Patience Strong (1907-1990)
Punchinello
Do you face the future
With a breaking heart?
Be a Punchinello,
Laugh, and play your part –
Give a brave performance
When the curtains rise,
Smile, and face the music
With a gay disguise.
No one wants your sorrow,
No one wants your tears,
Let your song go ringing
Down the empty years –
Let them hear your laughter,
Let them see you act,
Though the soul within you
May be torn and racked.
Sham and fake and glamour,
Life is a circus show!
Masquerade of pleasure,
Grief, and want and woe –
Though your dreams have ended,
And Love’s has gone,
It’s a non-stop programme
- And the show goes on!
Polichinelo
Encaras o futuro
Tendo, sangrando, um coração?
Polichinelo vai ser,
Ri, o papel teu desempenha –
Ousado, mostra teu desempenho
Quando levantarem as cortinas,
Sorri e a música enfrenta
Com uma máscara de alegria.
À tua dor ninguém atenção dará,
Tuas lágrimas ninguém ver desejará,
Deixa que se espalhe a canção
Pelos vazios anos vindouros –
Que os teus risos ouçam,
Que a tua arte vejam,
Ainda que, lá no fundo d’alma,
Despedaçado, atormentado, sentir-te possas.
Simulacro, engodo e glamour,
A vida, um mundo circense!
Mascaradas de prazeres,
Aflições, carências e desgraças -
Posto mais sonhos não acalentes,
Assim como finda está do Amor a alegria,
Que nada mais é senão eterno programa
- Continuar deve o show!
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
* NOTA: Patience Strong é pseudônimo da poeta inglesa Winifred Emma.
Do you face the future
With a breaking heart?
Be a Punchinello,
Laugh, and play your part –
Give a brave performance
When the curtains rise,
Smile, and face the music
With a gay disguise.
No one wants your sorrow,
No one wants your tears,
Let your song go ringing
Down the empty years –
Let them hear your laughter,
Let them see you act,
Though the soul within you
May be torn and racked.
Sham and fake and glamour,
Life is a circus show!
Masquerade of pleasure,
Grief, and want and woe –
Though your dreams have ended,
And Love’s has gone,
It’s a non-stop programme
- And the show goes on!
Polichinelo
Encaras o futuro
Tendo, sangrando, um coração?
Polichinelo vai ser,
Ri, o papel teu desempenha –
Ousado, mostra teu desempenho
Quando levantarem as cortinas,
Sorri e a música enfrenta
Com uma máscara de alegria.
À tua dor ninguém atenção dará,
Tuas lágrimas ninguém ver desejará,
Deixa que se espalhe a canção
Pelos vazios anos vindouros –
Que os teus risos ouçam,
Que a tua arte vejam,
Ainda que, lá no fundo d’alma,
Despedaçado, atormentado, sentir-te possas.
Simulacro, engodo e glamour,
A vida, um mundo circense!
Mascaradas de prazeres,
Aflições, carências e desgraças -
Posto mais sonhos não acalentes,
Assim como finda está do Amor a alegria,
Que nada mais é senão eterno programa
- Continuar deve o show!
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
* NOTA: Patience Strong é pseudônimo da poeta inglesa Winifred Emma.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Sobre opiniões
Cunha e Silva Filho
Considerando-se todos os aspectos da vida, aí incluindo homens, objetos, coisas, meio ambiente, artes em geral religião, correntes filosóficas, teorias críticas em geral, política, modas, sexualidade, entre outros exemplos suscitados pelo momento presente da escrita, há um denominador comum permeando o conceito geral de opinião emitida: dependendo das circunstância do interlocutores, alguns indivíduos se mostram muito frágeis, muito tolerantes em relação aos outros com quem estão sustentando um diálogo, uma conversa ou mesmo um papo informal.
Se o interlocutor é conhecido, mas não chega ao nível de amizade, as informações trocadas, os juízos expressos viram muitas vezes amenidades, sem que tenham algum peso das verdades mais profundas, dos argumentos mais convincentes, das visões mais justas sobre um dado tema ou questão.
O diálogo, então, assume um nível superficial, só de convenções, avesso que fica ao tom polêmico, ao embate dos pontos de vista. Nenhum dos dois interlocutores está naquele lugar, naquela hora propenso a desavenças. Desta forma, tudo que diz ,de parte a parte, é apenas ouvido ou respondido com um sorriso, às vezes escondendo uma sutil ironia ou discordância, sem prejuízo para o agradável momento de descontração ou de atualizações de ambos sobre o passado, o presente e o futuro, que não pertence a nenhum dos dois, mas a Deus.
Sempre gostei de ouvir entrevistas com pessoas experientes e cultas expondo pensamento sobre um determinado tema. Entretanto, tenho observado que, em entrevistas, as perguntas podem ser inteligentes, porém os entrevistados, ao responderem, dão a impressão de que não desejam afirmar o que realmente pensam, tergiversam e, ao final, não revelam o que no fundo sentem ou pensam sobre isso ou aquilo. Quando a pergunta diz respeito a uma opinião sobre alguém, para elogiá-lo ou não, os entrevistados preferem o elogio cômodo.. Eximem-se, assim, das repostas que desagradam a pessoa-alvo das indagações.
Hoje, ninguém deseja mesmo enfrentar com coragem, com sinceridade e sem medo de que suas repostas acarretem melindres, reações explosivas de descontentamento, susceptibilidades em terceiros. Há um certo horror atual ao confronto, sobretudo no campo das ideias e em qualquer área do conhecimento. Lembro o leitor de que o tema que, agora, levanto se circunscreve ao âmbito das opiniões em conversas mais leves entre os indivíduos que não se situam nos rituais dos meios acadêmicos.
Até posso perceber e mesmo compreender esse lado leniente entre locutores e interlocutores. De parte a parte, não se tem em vista ferir ou ser indelicado com quem se estabelece o circuito de uma conversação. Por outro lado, não posso deixar de reconhecer que os diálogos mantidos nesse tom contemporizador tem lá suas inconsistências, seus vazios, seus silêncios, seus fiapos de hipocrisia ou de falsa concordância.
A natureza das opiniões casuais, por si mesma, se constrói de defesas implícitas, de não querer penetrar na zona do conflito. Por isso, é cuidadosa, parece perder sua personalidade e sua real essência – lugar privilegiado no qual se encontram descobertos o véu da fantasia e do convencionalismo -, quer dizer, os espaços intelectuais sem interditos, que se tornam abertos aos avanços em direção ao conhecimento produtivo nos vários domínios do conhecimento humano, seja na ciência, na técnica e nas investigações epistemológicas.
As opiniões são apenas momentos artificialmente criados a fim de que a roda do convívio interpessoal se mantenha no cotidiano da vida, sobretudo nas sociedades afluentes de hoje, onde todos correm apressados para algum lugar e indiferentes aos indivíduos à sua volta. Perto estão todos num mesmo espaço, ainda que agradável, mas ao mesmo tempo afastados estão todos uns dos outros.
Considerando-se todos os aspectos da vida, aí incluindo homens, objetos, coisas, meio ambiente, artes em geral religião, correntes filosóficas, teorias críticas em geral, política, modas, sexualidade, entre outros exemplos suscitados pelo momento presente da escrita, há um denominador comum permeando o conceito geral de opinião emitida: dependendo das circunstância do interlocutores, alguns indivíduos se mostram muito frágeis, muito tolerantes em relação aos outros com quem estão sustentando um diálogo, uma conversa ou mesmo um papo informal.
Se o interlocutor é conhecido, mas não chega ao nível de amizade, as informações trocadas, os juízos expressos viram muitas vezes amenidades, sem que tenham algum peso das verdades mais profundas, dos argumentos mais convincentes, das visões mais justas sobre um dado tema ou questão.
O diálogo, então, assume um nível superficial, só de convenções, avesso que fica ao tom polêmico, ao embate dos pontos de vista. Nenhum dos dois interlocutores está naquele lugar, naquela hora propenso a desavenças. Desta forma, tudo que diz ,de parte a parte, é apenas ouvido ou respondido com um sorriso, às vezes escondendo uma sutil ironia ou discordância, sem prejuízo para o agradável momento de descontração ou de atualizações de ambos sobre o passado, o presente e o futuro, que não pertence a nenhum dos dois, mas a Deus.
Sempre gostei de ouvir entrevistas com pessoas experientes e cultas expondo pensamento sobre um determinado tema. Entretanto, tenho observado que, em entrevistas, as perguntas podem ser inteligentes, porém os entrevistados, ao responderem, dão a impressão de que não desejam afirmar o que realmente pensam, tergiversam e, ao final, não revelam o que no fundo sentem ou pensam sobre isso ou aquilo. Quando a pergunta diz respeito a uma opinião sobre alguém, para elogiá-lo ou não, os entrevistados preferem o elogio cômodo.. Eximem-se, assim, das repostas que desagradam a pessoa-alvo das indagações.
Hoje, ninguém deseja mesmo enfrentar com coragem, com sinceridade e sem medo de que suas repostas acarretem melindres, reações explosivas de descontentamento, susceptibilidades em terceiros. Há um certo horror atual ao confronto, sobretudo no campo das ideias e em qualquer área do conhecimento. Lembro o leitor de que o tema que, agora, levanto se circunscreve ao âmbito das opiniões em conversas mais leves entre os indivíduos que não se situam nos rituais dos meios acadêmicos.
Até posso perceber e mesmo compreender esse lado leniente entre locutores e interlocutores. De parte a parte, não se tem em vista ferir ou ser indelicado com quem se estabelece o circuito de uma conversação. Por outro lado, não posso deixar de reconhecer que os diálogos mantidos nesse tom contemporizador tem lá suas inconsistências, seus vazios, seus silêncios, seus fiapos de hipocrisia ou de falsa concordância.
A natureza das opiniões casuais, por si mesma, se constrói de defesas implícitas, de não querer penetrar na zona do conflito. Por isso, é cuidadosa, parece perder sua personalidade e sua real essência – lugar privilegiado no qual se encontram descobertos o véu da fantasia e do convencionalismo -, quer dizer, os espaços intelectuais sem interditos, que se tornam abertos aos avanços em direção ao conhecimento produtivo nos vários domínios do conhecimento humano, seja na ciência, na técnica e nas investigações epistemológicas.
As opiniões são apenas momentos artificialmente criados a fim de que a roda do convívio interpessoal se mantenha no cotidiano da vida, sobretudo nas sociedades afluentes de hoje, onde todos correm apressados para algum lugar e indiferentes aos indivíduos à sua volta. Perto estão todos num mesmo espaço, ainda que agradável, mas ao mesmo tempo afastados estão todos uns dos outros.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
A verdade de cada um
A verdade de cada um
Cunha e Silva Filho
No caldeirão de tantos partidos políticos e candidatos de todas as cores, chega-se a um ponto em que a questão política ou vira fanatismo, ou credo religioso. Neste caso, torna-se impossível atingir-se um nível ideal de compreensão do que existe nos bastidores dos dois lados da campanha presidencial. Fica sempre uma dúvida que se instala na cabeça de cada um.
No fundo, não se sabe, ao final, quem está com a verdade, i.e., quem está dizendo aquilo que de concreto vai fazer em prol do país, quem é íntegro e não mistifica e, assim, várias perguntas podem vir à tona: Quem é sincero e quem é vilão? Quem realmente quer o nosso bem, individual ou coletivamente? Quem está se aproveitando da ignorância do povo? Qual a consciência política de quem vai votar? Quem manipula e quem é manipulado? Todas as classes sociais, por mais intelectualmente exigentes que sejam, não estão imunes de erros. Todos pensam que estão certos e com o candidato certo. De parte a parte, na questão político-partidária, a última palavra nem sempre é a que está certa.
A mídia aí está pronta a mostrar erros e acertos dos dois lados. A paixão cega, em matéria de política e no fogo cruzado da campanha, sobrepõe-se à razão. Só vê o que deseja ver. Ou é oito ou oitenta. Para o bem ou para o mal.
Quanto aos segmentos sociais mais elevados ou elevadíssimos, as chamadas classes média, média baixa, média alta, ou a endinheirada burguesia, vê-se que estão bem divididos e se autoproclamam da direita, da esquerda, do centro, da centro-direita, numa mixórdia de dar dor de cabeça a qualquer cientista político.Alguns debandaram-se para o Serra, outros para a Dilma, outros mais para a Marina Silva. O quadro se complicou. Tudo na campanha é possível de se ouvir e de se fazer. Um candidato é vitima de uma bolinha de papel que lhe atinge a cabeça e logo em seguida lhe atiram um objeto mais pesado. Na candidata da situação, não sei se é verdade, jogaram uma ducha d’água na cabeça ou um grupo de militantes da oposição, exaltados, lhe vieram cobrar reivindicações que a deixaram irritada.
O Presidente Lula deu uma de Nero e culpou os próprios correligionários de Serra como os mandantes dos arremessos da bola e do objeto não identificado.A decência política foi jogada no lixo.
Tenho ojeriza a fanáticos políticos de ambos os lados. São pessoas que agem tresloucadamente. Sua arma é a violência, o palavrão, a gritaria babosa, as ameaças de confrontos físicos, a batalha campal, que nada constroem. Não raciocinam, apedrejam. Não pensam, agem bestialmente. Esquecem-se de que são pessoas da mesma pátria, da mesma língua. A vitória conquistada com a barbárie não é conquista, mas retrocesso, covardia, desvario. Não une os brasileiros, divide a Nação. Aos fanáticos políticos, inimigos do diálogo e da argumentação sensata, o meu repúdio de brasileiro descontente com todos os atos impuros dessa corrida à Presidência. Que o povo brasileiro dê a vitória do candidato ao mais alto cargo do país imitando eticamente, pelo voto, a resposta, à hora da morte, de Alexandre Magno (356 a. C. – 328 a.C.), rei da Macedônia, aos generais que lhe perguntaram a qual deles daria sucessão: “ao mais digno.”
Cunha e Silva Filho
No caldeirão de tantos partidos políticos e candidatos de todas as cores, chega-se a um ponto em que a questão política ou vira fanatismo, ou credo religioso. Neste caso, torna-se impossível atingir-se um nível ideal de compreensão do que existe nos bastidores dos dois lados da campanha presidencial. Fica sempre uma dúvida que se instala na cabeça de cada um.
No fundo, não se sabe, ao final, quem está com a verdade, i.e., quem está dizendo aquilo que de concreto vai fazer em prol do país, quem é íntegro e não mistifica e, assim, várias perguntas podem vir à tona: Quem é sincero e quem é vilão? Quem realmente quer o nosso bem, individual ou coletivamente? Quem está se aproveitando da ignorância do povo? Qual a consciência política de quem vai votar? Quem manipula e quem é manipulado? Todas as classes sociais, por mais intelectualmente exigentes que sejam, não estão imunes de erros. Todos pensam que estão certos e com o candidato certo. De parte a parte, na questão político-partidária, a última palavra nem sempre é a que está certa.
A mídia aí está pronta a mostrar erros e acertos dos dois lados. A paixão cega, em matéria de política e no fogo cruzado da campanha, sobrepõe-se à razão. Só vê o que deseja ver. Ou é oito ou oitenta. Para o bem ou para o mal.
Quanto aos segmentos sociais mais elevados ou elevadíssimos, as chamadas classes média, média baixa, média alta, ou a endinheirada burguesia, vê-se que estão bem divididos e se autoproclamam da direita, da esquerda, do centro, da centro-direita, numa mixórdia de dar dor de cabeça a qualquer cientista político.Alguns debandaram-se para o Serra, outros para a Dilma, outros mais para a Marina Silva. O quadro se complicou. Tudo na campanha é possível de se ouvir e de se fazer. Um candidato é vitima de uma bolinha de papel que lhe atinge a cabeça e logo em seguida lhe atiram um objeto mais pesado. Na candidata da situação, não sei se é verdade, jogaram uma ducha d’água na cabeça ou um grupo de militantes da oposição, exaltados, lhe vieram cobrar reivindicações que a deixaram irritada.
O Presidente Lula deu uma de Nero e culpou os próprios correligionários de Serra como os mandantes dos arremessos da bola e do objeto não identificado.A decência política foi jogada no lixo.
Tenho ojeriza a fanáticos políticos de ambos os lados. São pessoas que agem tresloucadamente. Sua arma é a violência, o palavrão, a gritaria babosa, as ameaças de confrontos físicos, a batalha campal, que nada constroem. Não raciocinam, apedrejam. Não pensam, agem bestialmente. Esquecem-se de que são pessoas da mesma pátria, da mesma língua. A vitória conquistada com a barbárie não é conquista, mas retrocesso, covardia, desvario. Não une os brasileiros, divide a Nação. Aos fanáticos políticos, inimigos do diálogo e da argumentação sensata, o meu repúdio de brasileiro descontente com todos os atos impuros dessa corrida à Presidência. Que o povo brasileiro dê a vitória do candidato ao mais alto cargo do país imitando eticamente, pelo voto, a resposta, à hora da morte, de Alexandre Magno (356 a. C. – 328 a.C.), rei da Macedônia, aos generais que lhe perguntaram a qual deles daria sucessão: “ao mais digno.”
terça-feira, 19 de outubro de 2010
Umpoema de Anatole France (1844-1924)
La mort d’une libellule
Um jour que voyais ces sveltes demoiselles,
Comme nous les nommons, orgueil des calmes eaux,
Réjouissant l’air pur de l’éclat de leurs ailes,
Se fuir e se chercher par-dessus les roseaux,
Um enfant, l’oeil en feu, vint jusque dans la vase,
Pousser son filet vert, à travers les iris,
Sur une libellule; et le réseau de gaze
Emprisonna le vol de l’insecte surprise.
Le fin corsage vert fut percé d’une épingle;
Mais la frêle blessée, en un farouche effort
Se fit jour, et, prenant ce vol strident qui cingle,
Emporta vers les joncs son épingle e sa mort.
Il n’eût pas convenu que, sur une liève infame,
As beauté s’étalât aux yeux des écoliers:
Elle ouvrit pour mourir ses quatre ailes de flamme
Et son corps se sécha dans les joncs familiers.
A morte de uma libélula
Certa vez, vi essas esbeltas mocinhas,
Como as chamamos, orgulho das águas calmas,
Deliciando-se no ar puro do brilho de suas asas
Evadirem-se e se procurarem por sobre os caniços.
Uma criança, o olho afogueado, veio até ao vaso,
Através dos íris, uma rede verde estender
Sobre uma libélula e a rede de gaze
Impedir do inseto surpreendido o vôo.
Foi, por um alfinete espetado, o fino corpinho verde;
Porém, a frágil criatura ferida, com um enorme esforço,
Alento recobrou e, alçando voo, estridente singrou,
Em direção aos juncos, levando o alfinete e a morte.
Sobre uma cortiça infame, não lhe convinha,
Aos olhos dos escolares, a beleza exibir:
Abriu, então, pra morrer, as quatro asas de chama
E, nos juncos familiares, o corpo secou.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Um jour que voyais ces sveltes demoiselles,
Comme nous les nommons, orgueil des calmes eaux,
Réjouissant l’air pur de l’éclat de leurs ailes,
Se fuir e se chercher par-dessus les roseaux,
Um enfant, l’oeil en feu, vint jusque dans la vase,
Pousser son filet vert, à travers les iris,
Sur une libellule; et le réseau de gaze
Emprisonna le vol de l’insecte surprise.
Le fin corsage vert fut percé d’une épingle;
Mais la frêle blessée, en un farouche effort
Se fit jour, et, prenant ce vol strident qui cingle,
Emporta vers les joncs son épingle e sa mort.
Il n’eût pas convenu que, sur une liève infame,
As beauté s’étalât aux yeux des écoliers:
Elle ouvrit pour mourir ses quatre ailes de flamme
Et son corps se sécha dans les joncs familiers.
A morte de uma libélula
Certa vez, vi essas esbeltas mocinhas,
Como as chamamos, orgulho das águas calmas,
Deliciando-se no ar puro do brilho de suas asas
Evadirem-se e se procurarem por sobre os caniços.
Uma criança, o olho afogueado, veio até ao vaso,
Através dos íris, uma rede verde estender
Sobre uma libélula e a rede de gaze
Impedir do inseto surpreendido o vôo.
Foi, por um alfinete espetado, o fino corpinho verde;
Porém, a frágil criatura ferida, com um enorme esforço,
Alento recobrou e, alçando voo, estridente singrou,
Em direção aos juncos, levando o alfinete e a morte.
Sobre uma cortiça infame, não lhe convinha,
Aos olhos dos escolares, a beleza exibir:
Abriu, então, pra morrer, as quatro asas de chama
E, nos juncos familiares, o corpo secou.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
domingo, 17 de outubro de 2010
O intelectual e a política
Cunha e Silva Filho
O que sucintamente procuro discutir neste artigo é a relação conflitante entre o pensamento político e o intelectual. Ou seja, por que intelectuais, diante de fatos praticamente indefensáveis, se põem na defesa de algum partido e outros lhe são hostis e advogam ideias opostas?
O tema é polêmico e ao mesmo tempo implica, em princípio, uma contradição unilateralmente apresentada, que por isso mesmo se torna próxima daquele fanatismo tão comum nas discussões sobre futebol e religião.
A minha hipótese tem como fio condutor de raciocínio o seguinte: por que homens com inteligência brilhante e boa ou excelente formação cultural se mostram tão paradoxais a ponto de enxergarem apenas o lado positivo de um governo e propositadamente omitem os seus desacertos político-governamentais, aqui envolvendo lideranças, planos de governo e outros aspectos relevantes?
Alguém, então, poderia me interpelar: Isso não é pluralismo de ideias e de doutrina partidária? Não é fecunda a divergência de opiniões a que cada indivíduo tem direito? Do contrário, se todos pensassem de forma igual, não seria isso desastroso ao debate vigoroso e produtivo ?
Sim e não. A história, contudo, nos dá exemplos suficientes na elucidação dessas indagações. Veja o caso do filósofo alemão Heidegger, cujo nome terminou ficando associado ao nazismo. Veja um outro, o do poeta Jorge Luis Borges em relação à ditadura argentina. No Brasil, houve o exemplo de um dos mais completos ensaístas que o país já deu, o do crítico literário, pensador e diplomata José Guilherme Merquior, que, no governo do General Médici, foi assessor do Chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu e, mais tarde, no governo Collor, foi um dos principais assessores, para assuntos econômicos e ideológicos, introduzindo. as ideias neoliberais, o chamado “social liberalismo’ ao lado de Roberto Campos.
Essa posição de desconforto, na qual o intelectual é posto diante dos impasses políticos, não é de hoje. Haja vista o exemplo do poeta Carlos Drummond de Andrade que, em 1930, no início da ditadura Vargas, foi chefe-de-gabinete de Gustavo Capanema, assim como acompanhou este quando, durante três meses, foi Interventor Federal em Minas Gerais.
A verdade é que, em se tratando de orientação político-ideológica, não há como conciliar intelectuais e vida política. Neste sentido, o que resulta é a sensação de que posicionamentos antagônicos mostram-se quase sempre permeáveis às ambiguidades no instante em que explicitamente os intelectuais pensam sobre partidos políticos, a política e a militância política, principalmente quando escrevem livros, colaboram para jornais ou revistas com trabalhos a favor ou contra candidatos a cargos políticos. Nessa ocasião, é que revelam com nitidez o seu alinhamento político e suas próprias contradições.
Me recordo de que, no auge das divulgações do chamado “Escândalo do Mensalão”, o “Jornal do Brasil”, numa página especial, publicou magníficos artigos de Ivo Barroso, poeta e renomado tradutor, do ficcionista Antônio Torres e, na coluna de Fausto Wolf, outros tantos artigos desassombrados desse saudoso jornalista e escritor.
Eram artigos fundamentais à compreensão da realidade brasileira e, em particular, dos episódios deploráveis de escândalos e denúncias que pipocavam no governo do Presidente Lula. Além de corajosas, essas matérias vinham a se constituir, assim, como o deslanchar de outros futuros escândalos de malversação do dinheiro público, tráfico de influência, nepotismo e outros males que grassaram no governo federal. Enquanto isso, intelectuais simpatizantes ou filiados ao PT, possivelmente constrangidos com os desastres do governo, cada um a seu modo, se afastaram da militância doutrinária do partido, ou preferiram permanecer na neutralidade do silêncio. O leitor inteligente sabe a que pessoas me refiro.
A contradição – ponto crucial da minha hipótese -, consiste em verificar que, nos dois mandatos do Presidente Lula, tendo sido amplamente divulgados os já mencionados sucessivos escândalos e denúncias de corrupção, que se arrastam em outros episódios até hoje, intelectuais conhecidos e respeitados saem a campo em defesa cega do governo federal, bipolarizando, desse modo, entre eles e os da oposição, as duas posições e reforçando a contradição em causa. A partir de então, o papel do intelectual da situação, que se esperava fosse imparcial aos acontecimentos condenáveis e altamente lesivos aos interesses da nação e do estado democrático, se altera e cede vez às paixões e interesses pessoais e sectários. Passam alguns a defender o partido de sua opção com argumentos e retórica habilmente articulados e encontrando uma ardilosa fórmula de transformar erros e desacertos em procedimentos corretos.
Na minha condição de leitor, o que mais me surpreende vem a ser a capacidade que as estratégias discursivas construídas revelam de tendenciosas e de mistificadoras, fazendo silenciar verdades, fatos e acontecimentos que pertencem agora à cronologia da história política brasileira nesta primeira década de um novo milênio.
O que sucintamente procuro discutir neste artigo é a relação conflitante entre o pensamento político e o intelectual. Ou seja, por que intelectuais, diante de fatos praticamente indefensáveis, se põem na defesa de algum partido e outros lhe são hostis e advogam ideias opostas?
O tema é polêmico e ao mesmo tempo implica, em princípio, uma contradição unilateralmente apresentada, que por isso mesmo se torna próxima daquele fanatismo tão comum nas discussões sobre futebol e religião.
A minha hipótese tem como fio condutor de raciocínio o seguinte: por que homens com inteligência brilhante e boa ou excelente formação cultural se mostram tão paradoxais a ponto de enxergarem apenas o lado positivo de um governo e propositadamente omitem os seus desacertos político-governamentais, aqui envolvendo lideranças, planos de governo e outros aspectos relevantes?
Alguém, então, poderia me interpelar: Isso não é pluralismo de ideias e de doutrina partidária? Não é fecunda a divergência de opiniões a que cada indivíduo tem direito? Do contrário, se todos pensassem de forma igual, não seria isso desastroso ao debate vigoroso e produtivo ?
Sim e não. A história, contudo, nos dá exemplos suficientes na elucidação dessas indagações. Veja o caso do filósofo alemão Heidegger, cujo nome terminou ficando associado ao nazismo. Veja um outro, o do poeta Jorge Luis Borges em relação à ditadura argentina. No Brasil, houve o exemplo de um dos mais completos ensaístas que o país já deu, o do crítico literário, pensador e diplomata José Guilherme Merquior, que, no governo do General Médici, foi assessor do Chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu e, mais tarde, no governo Collor, foi um dos principais assessores, para assuntos econômicos e ideológicos, introduzindo. as ideias neoliberais, o chamado “social liberalismo’ ao lado de Roberto Campos.
Essa posição de desconforto, na qual o intelectual é posto diante dos impasses políticos, não é de hoje. Haja vista o exemplo do poeta Carlos Drummond de Andrade que, em 1930, no início da ditadura Vargas, foi chefe-de-gabinete de Gustavo Capanema, assim como acompanhou este quando, durante três meses, foi Interventor Federal em Minas Gerais.
A verdade é que, em se tratando de orientação político-ideológica, não há como conciliar intelectuais e vida política. Neste sentido, o que resulta é a sensação de que posicionamentos antagônicos mostram-se quase sempre permeáveis às ambiguidades no instante em que explicitamente os intelectuais pensam sobre partidos políticos, a política e a militância política, principalmente quando escrevem livros, colaboram para jornais ou revistas com trabalhos a favor ou contra candidatos a cargos políticos. Nessa ocasião, é que revelam com nitidez o seu alinhamento político e suas próprias contradições.
Me recordo de que, no auge das divulgações do chamado “Escândalo do Mensalão”, o “Jornal do Brasil”, numa página especial, publicou magníficos artigos de Ivo Barroso, poeta e renomado tradutor, do ficcionista Antônio Torres e, na coluna de Fausto Wolf, outros tantos artigos desassombrados desse saudoso jornalista e escritor.
Eram artigos fundamentais à compreensão da realidade brasileira e, em particular, dos episódios deploráveis de escândalos e denúncias que pipocavam no governo do Presidente Lula. Além de corajosas, essas matérias vinham a se constituir, assim, como o deslanchar de outros futuros escândalos de malversação do dinheiro público, tráfico de influência, nepotismo e outros males que grassaram no governo federal. Enquanto isso, intelectuais simpatizantes ou filiados ao PT, possivelmente constrangidos com os desastres do governo, cada um a seu modo, se afastaram da militância doutrinária do partido, ou preferiram permanecer na neutralidade do silêncio. O leitor inteligente sabe a que pessoas me refiro.
A contradição – ponto crucial da minha hipótese -, consiste em verificar que, nos dois mandatos do Presidente Lula, tendo sido amplamente divulgados os já mencionados sucessivos escândalos e denúncias de corrupção, que se arrastam em outros episódios até hoje, intelectuais conhecidos e respeitados saem a campo em defesa cega do governo federal, bipolarizando, desse modo, entre eles e os da oposição, as duas posições e reforçando a contradição em causa. A partir de então, o papel do intelectual da situação, que se esperava fosse imparcial aos acontecimentos condenáveis e altamente lesivos aos interesses da nação e do estado democrático, se altera e cede vez às paixões e interesses pessoais e sectários. Passam alguns a defender o partido de sua opção com argumentos e retórica habilmente articulados e encontrando uma ardilosa fórmula de transformar erros e desacertos em procedimentos corretos.
Na minha condição de leitor, o que mais me surpreende vem a ser a capacidade que as estratégias discursivas construídas revelam de tendenciosas e de mistificadoras, fazendo silenciar verdades, fatos e acontecimentos que pertencem agora à cronologia da história política brasileira nesta primeira década de um novo milênio.
sábado, 16 de outubro de 2010
O universitário, a avaliação e o crescimento intelectual
Cunha e Silva Filho
Um grande erro cometem alguns educadores e avaliadores acadêmicos no tocante à vida do estudante quando este, por uma razão ou outra, não apresenta, ao longo de seu curso de graduação (denominação, de resto, hoje mais usual por influência ou imitação do termo “graduate” de universidades americanas, antigamente mais conhecido entre nós pelos nomes de bacharel e licenciado) um desempenho bom ou excelente dentro de um padrão uniforme de notas ou graus.
Alterando as circunstâncias impeditivas de o discente mostrar todo o seu potencial durante o curso superior, esquecem alguns educadores que o aluno pode, anos depois, demonstrar todo o seu talento e a sua capacidade de aprimoramento, galgando posições de relevância na vida profissional e na mesma área em que concluíra seu curso escolhido.
Não se lembram alguns educadores de que os discentes podem surpreender seus antigos professores, sobretudo, os que não apostavam na competência dos ex-alunos. Lamentavelmente, os professores demonstravam estar despreparados para sentir as reais habilidades de alunos que, no juízo deles, não prenunciavam nenhum êxito profissional. Eram docentes aos quais faltava o necessário descortino para auscultar as potencialidades dos alunos sob sua orientação. Sei de alguns que chegaram ao ponto de desestimular jovens alunos que, no futuro, provaram ser justamente o contrário do julgamento deles. A história da educação brasileira precisa dar fim a essa discrepância pedagógica distorcida, nociva e apressada.
As considerações que aqui trago à atenção do leitor se devem a um aspecto da vida acadêmica ainda preso à questão da exigência, em concurso público, do histórico escolar do candidato além do respectivo diploma de graduação. A mesma exigência se estende aos diplomas de pós-graduação stricto sensu (mestrado, doutorado, pós-doutorado).
Ora, o histórico escolar de um educando graduado em universidade brasileira não é fator determinante na avaliação do candidato na situação levantada e defendida nesse artigo, quer dizer, o universitário pode ter tido um desempenho médio ou de altos e baixos na graduação e, no entanto, no histórico do mestrado ou doutorado, exibir um bom ou excelente rendimento. Ou, por outra, não é seu histórico passado, em outra fase de seus estudos superiores que balizará sua competência atual, porém o que, aos olhos do presente mostra a evolução do candidato e sua produção intelectual. Por conseguinte, o passado do estudante não deve e não pode ser tomado como fator desabonador do candidato que realizou grandes progressos na sua carreira e dentro de sua estrita área de atuação.
Desta forma, no exame de avaliação em concurso público, não vejo como imperativo e indispensável a exigência do histórico escolar da graduação que, a meu ver, não pode nem deve influenciar na avaliação do candidato desde que não se perca de vista a argumentação que aqui defendo. Reitero que muito mais pesam os anos posteriores do candidato – porque isso ilustra o quanto a inteligência e o amadurecimento do indivíduo, em determinada área do conhecimento, pode alcançar no concernente ao seu desenvolvimento intelectual - do que as circunstâncias vivenciadas pelo aluno ao tempo da sua graduação.
O aperfeiçoamento e a determinação a que chegou o candidato a concurso público antes reforça um motivo a mais para aplaudir-se a trajetória por ele percorrida. Isso mostra o quanto o ser humano é capaz de, com força de vontade e desejo de superar-se, atingir níveis muito mais complexos durante a sua vida útil como profissional, estudioso e um ser em constante transformação nos seus valores adquiridos, na sua vida produtiva e na sua condição de sujeito e agente dinâmica, ética e culturalmente considerado.
Por conseguinte, na avaliação do candidato devem-se priorizar os componentes dinâmicos e atualizados do indivíduo. Neste se devem buscar dados ponderáveis do ser na sua essência presente e na perspectiva de construtivas realizações. Que sejam minimizados aspectos da pessoa humana balizados meramente a partir da imaturidade temporária tão comum aos jovens. Importa o presente da individualidade adulta já forjada com o necessário crescimento que só os anos mais tarde se encarregaram de modificar e aproximar daquele nível ideal sonhado e, muitas vezes, a duras penas conquistado.
Um grande erro cometem alguns educadores e avaliadores acadêmicos no tocante à vida do estudante quando este, por uma razão ou outra, não apresenta, ao longo de seu curso de graduação (denominação, de resto, hoje mais usual por influência ou imitação do termo “graduate” de universidades americanas, antigamente mais conhecido entre nós pelos nomes de bacharel e licenciado) um desempenho bom ou excelente dentro de um padrão uniforme de notas ou graus.
Alterando as circunstâncias impeditivas de o discente mostrar todo o seu potencial durante o curso superior, esquecem alguns educadores que o aluno pode, anos depois, demonstrar todo o seu talento e a sua capacidade de aprimoramento, galgando posições de relevância na vida profissional e na mesma área em que concluíra seu curso escolhido.
Não se lembram alguns educadores de que os discentes podem surpreender seus antigos professores, sobretudo, os que não apostavam na competência dos ex-alunos. Lamentavelmente, os professores demonstravam estar despreparados para sentir as reais habilidades de alunos que, no juízo deles, não prenunciavam nenhum êxito profissional. Eram docentes aos quais faltava o necessário descortino para auscultar as potencialidades dos alunos sob sua orientação. Sei de alguns que chegaram ao ponto de desestimular jovens alunos que, no futuro, provaram ser justamente o contrário do julgamento deles. A história da educação brasileira precisa dar fim a essa discrepância pedagógica distorcida, nociva e apressada.
As considerações que aqui trago à atenção do leitor se devem a um aspecto da vida acadêmica ainda preso à questão da exigência, em concurso público, do histórico escolar do candidato além do respectivo diploma de graduação. A mesma exigência se estende aos diplomas de pós-graduação stricto sensu (mestrado, doutorado, pós-doutorado).
Ora, o histórico escolar de um educando graduado em universidade brasileira não é fator determinante na avaliação do candidato na situação levantada e defendida nesse artigo, quer dizer, o universitário pode ter tido um desempenho médio ou de altos e baixos na graduação e, no entanto, no histórico do mestrado ou doutorado, exibir um bom ou excelente rendimento. Ou, por outra, não é seu histórico passado, em outra fase de seus estudos superiores que balizará sua competência atual, porém o que, aos olhos do presente mostra a evolução do candidato e sua produção intelectual. Por conseguinte, o passado do estudante não deve e não pode ser tomado como fator desabonador do candidato que realizou grandes progressos na sua carreira e dentro de sua estrita área de atuação.
Desta forma, no exame de avaliação em concurso público, não vejo como imperativo e indispensável a exigência do histórico escolar da graduação que, a meu ver, não pode nem deve influenciar na avaliação do candidato desde que não se perca de vista a argumentação que aqui defendo. Reitero que muito mais pesam os anos posteriores do candidato – porque isso ilustra o quanto a inteligência e o amadurecimento do indivíduo, em determinada área do conhecimento, pode alcançar no concernente ao seu desenvolvimento intelectual - do que as circunstâncias vivenciadas pelo aluno ao tempo da sua graduação.
O aperfeiçoamento e a determinação a que chegou o candidato a concurso público antes reforça um motivo a mais para aplaudir-se a trajetória por ele percorrida. Isso mostra o quanto o ser humano é capaz de, com força de vontade e desejo de superar-se, atingir níveis muito mais complexos durante a sua vida útil como profissional, estudioso e um ser em constante transformação nos seus valores adquiridos, na sua vida produtiva e na sua condição de sujeito e agente dinâmica, ética e culturalmente considerado.
Por conseguinte, na avaliação do candidato devem-se priorizar os componentes dinâmicos e atualizados do indivíduo. Neste se devem buscar dados ponderáveis do ser na sua essência presente e na perspectiva de construtivas realizações. Que sejam minimizados aspectos da pessoa humana balizados meramente a partir da imaturidade temporária tão comum aos jovens. Importa o presente da individualidade adulta já forjada com o necessário crescimento que só os anos mais tarde se encarregaram de modificar e aproximar daquele nível ideal sonhado e, muitas vezes, a duras penas conquistado.
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Um poema de Thomas Hardy (1040-1928)
The Shadow on the Stone
I went by the Druid stone
That broods in the garden white and lone,
And I stopped and looked at the shifting shadows
That at some moments fall thereon
From the tree hard by with a rhythmic swing,
And they shaped in my imagining
To the shade that a well-known head and shoulders
Threw there when she was gardening.
I thought her behind my back,
Yea, her I long had learned to lack,
And I said: “I am sure you are standing behind me,
Though how do you get into this old track”
And there was no sound but the fall of a leaf
As a sad response; an d to keep down my grief
I would not turn my head to discover
That there was nothing in my belief.
Yet I wanted to look and see
That nobody stood at the back of me;
But I thought once more: Nay, I’ll not unvision
A shape which, somehow, there may be.”
So I went on softly from the glade,
And left her behind me throwing her shade,
As she were indeed an apparition –
My head unturned lest my dream should fade.
A Sombra na Pedra
Fui até à pedra druida
Que, branca e solitária, no jardim resiste,
Para as sombras mutáveis parei e olhei
Que, por alguns instantes, ali surgem
Da árvore vizinha num balanço rítmico,
Alguma forma toma no meu devaneio
Igual à sombra que uma cabeça e ombros
Do jardim cuidando se projetam ali.
Atrás de mim, senti-a,
Sim, dela aprendi, com o tempo, a grande ausência suportar,
Assim, lhe falei: certeza tenho que atrás de mim estás,
Como, apesar de tudo, até aqui chegar consegues?”
Silêncio absoluto quebrado apenas por uma folha caindo
Como se fora uma triste resposta; e, para meu pesar amenizar,
Vontade não senti de me voltar pra atrás a fim de descobrir
Que não havia nada do que pensava.
Entretanto, olhar queria e ver
Que, por trás de mim ninguém estava;
Contudo, uma vez mais pensei: “Não, ver não quero
Uma forma que, de algum modo, possa ali estar.”
Assim, do atalho suavemente me afasto
Deixando sua forma atrás de mim projetando-se,
Como se verdadeiramente um aparição fora –
A cabeça firmei para que do sonho não despertasse.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
I went by the Druid stone
That broods in the garden white and lone,
And I stopped and looked at the shifting shadows
That at some moments fall thereon
From the tree hard by with a rhythmic swing,
And they shaped in my imagining
To the shade that a well-known head and shoulders
Threw there when she was gardening.
I thought her behind my back,
Yea, her I long had learned to lack,
And I said: “I am sure you are standing behind me,
Though how do you get into this old track”
And there was no sound but the fall of a leaf
As a sad response; an d to keep down my grief
I would not turn my head to discover
That there was nothing in my belief.
Yet I wanted to look and see
That nobody stood at the back of me;
But I thought once more: Nay, I’ll not unvision
A shape which, somehow, there may be.”
So I went on softly from the glade,
And left her behind me throwing her shade,
As she were indeed an apparition –
My head unturned lest my dream should fade.
A Sombra na Pedra
Fui até à pedra druida
Que, branca e solitária, no jardim resiste,
Para as sombras mutáveis parei e olhei
Que, por alguns instantes, ali surgem
Da árvore vizinha num balanço rítmico,
Alguma forma toma no meu devaneio
Igual à sombra que uma cabeça e ombros
Do jardim cuidando se projetam ali.
Atrás de mim, senti-a,
Sim, dela aprendi, com o tempo, a grande ausência suportar,
Assim, lhe falei: certeza tenho que atrás de mim estás,
Como, apesar de tudo, até aqui chegar consegues?”
Silêncio absoluto quebrado apenas por uma folha caindo
Como se fora uma triste resposta; e, para meu pesar amenizar,
Vontade não senti de me voltar pra atrás a fim de descobrir
Que não havia nada do que pensava.
Entretanto, olhar queria e ver
Que, por trás de mim ninguém estava;
Contudo, uma vez mais pensei: “Não, ver não quero
Uma forma que, de algum modo, possa ali estar.”
Assim, do atalho suavemente me afasto
Deixando sua forma atrás de mim projetando-se,
Como se verdadeiramente um aparição fora –
A cabeça firmei para que do sonho não despertasse.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Momentros de spleen
Cunha e Silva Filho
Não pense o leitor que o spleen dos românticos do século 19 acabou em definitivo. Não, não acabou, pelo menos pra mim, de quando em quando, me bate à porta e vem com toda a força. Da mesma forma, não sei se o verdadeiro spleen romântico que assolou os espíritos dos jovens poetas ocidentais daquele século só a eles dizia respeito.
Julgo que não, pois com intensidade ele me vem ao meu pequeno mundo interior, e me deixa em desalento à maneira do “mal do século”. Vem de uma tristeza que não tem uma explicação maior, já que o sentimento de descrença se nutre do instante presente, do fortuito, de certas ilusões e desilusões inconfessáveis nos períodos difíceis da existência.
O Brasil é um país que atualmente vai melhor na economia, na vida dos menos favorecidos, e tão quanto ou mais na dos favorecidos pelo berço de ouro, pelo grande capital.
No entanto, o país não vai bem politicamente, sobretudo porque, avaliando ângulos da vida brasileira, o quadro que dele tenho é patético. Essa avaliação me leva à seguinte constatação: cada vez mais sinto que os homens, que deviam unir forças em direção a genuínas convicções, se dividem inescrupulosamente, falseando verdades e fatos de quem está no poder, e o mais grave é que, de lado a lado, pouco de grandeza humana se oferece de bom.
Os homens estão divididos, a sociedade está se tornando errática do ponto de avista político. Isso não é um fato novo. Vem de longe. Vem de sempre, aqui e além-fronteiras.. Sem limites e sem tempo. Questão universal. O país, em todos os seus momentos mais problemáticos, sempre mostrou divisões espúrias, contraditórias, inconciliáveis. Todos pensam a partir do seu próprio umbigo, e o umbigo humano é pleno de vaidades.
Não há, a meu ver, saída para essa clivagem político-ideológica – raiz da condição irreconciliável. As duas margens do rio não se entendem. Há que procurar uma saída para uma “terceira margem”, a daquele personagem roseano. Não se confunda terceira margem com terceira via.
A pós-modernidade cada vez mais está confusa, pois ela se alimenta das superposições espaciais, temporais, das assimetrias, da indiferença e, principalmente, do individualismo exacerbado. E mais: ela sobrevive não da transparência, mas das zonas cinzentas. Não aprecia a claridade solar, mas a penumbra, o lusco-fusco. Filia-se ao caos, promove-o e, assim, mantém-se no domínio de si própria.
Nessa ambiência de superposições, de aberturas e fechamentos pra todos os lados, na contrafação, no jogo das aparências de supostas verdades, a nossa era, o nosso tempo, o temo presente, o “homem presente” drummondiano, se vai desgastando, esfacelando-se no que há de mais lídimo na existência: o respeito à verdade, ao relacionamento entre os indivíduos.
A nossa contemporaneidade deu as costas à autenticidade das pessoas. Ninguém é visto mais em sua pura verdade humana. Nos tornamos servos da indiferenciação dos gestos, das ações. Tudo se fragmentou, até o amor que de virtuoso passou a exercitar o mero interesse gerado pelo endeusamento dos bens do parceiro. Amor contratual. Amizade contratual. Sexo contratual. Não se quer mais a amizade genuína, incondicional, desinteressada. Não se quer mais o amor do tempo do Romantismo. Vive-se hoje a ausência quase completa da elevação dos sentimentos. Onde estão os amigos, que não mais nos querem? Fugiram para os seus nichos, para suas torres de marfins, para seus castelos medievais. Hoje, só vejo a multidão sem rosto, apressada, anônima. Estou perdido no meio dela e por isso, vivo o outono do spleen tardio.
Não pense o leitor que o spleen dos românticos do século 19 acabou em definitivo. Não, não acabou, pelo menos pra mim, de quando em quando, me bate à porta e vem com toda a força. Da mesma forma, não sei se o verdadeiro spleen romântico que assolou os espíritos dos jovens poetas ocidentais daquele século só a eles dizia respeito.
Julgo que não, pois com intensidade ele me vem ao meu pequeno mundo interior, e me deixa em desalento à maneira do “mal do século”. Vem de uma tristeza que não tem uma explicação maior, já que o sentimento de descrença se nutre do instante presente, do fortuito, de certas ilusões e desilusões inconfessáveis nos períodos difíceis da existência.
O Brasil é um país que atualmente vai melhor na economia, na vida dos menos favorecidos, e tão quanto ou mais na dos favorecidos pelo berço de ouro, pelo grande capital.
No entanto, o país não vai bem politicamente, sobretudo porque, avaliando ângulos da vida brasileira, o quadro que dele tenho é patético. Essa avaliação me leva à seguinte constatação: cada vez mais sinto que os homens, que deviam unir forças em direção a genuínas convicções, se dividem inescrupulosamente, falseando verdades e fatos de quem está no poder, e o mais grave é que, de lado a lado, pouco de grandeza humana se oferece de bom.
Os homens estão divididos, a sociedade está se tornando errática do ponto de avista político. Isso não é um fato novo. Vem de longe. Vem de sempre, aqui e além-fronteiras.. Sem limites e sem tempo. Questão universal. O país, em todos os seus momentos mais problemáticos, sempre mostrou divisões espúrias, contraditórias, inconciliáveis. Todos pensam a partir do seu próprio umbigo, e o umbigo humano é pleno de vaidades.
Não há, a meu ver, saída para essa clivagem político-ideológica – raiz da condição irreconciliável. As duas margens do rio não se entendem. Há que procurar uma saída para uma “terceira margem”, a daquele personagem roseano. Não se confunda terceira margem com terceira via.
A pós-modernidade cada vez mais está confusa, pois ela se alimenta das superposições espaciais, temporais, das assimetrias, da indiferença e, principalmente, do individualismo exacerbado. E mais: ela sobrevive não da transparência, mas das zonas cinzentas. Não aprecia a claridade solar, mas a penumbra, o lusco-fusco. Filia-se ao caos, promove-o e, assim, mantém-se no domínio de si própria.
Nessa ambiência de superposições, de aberturas e fechamentos pra todos os lados, na contrafação, no jogo das aparências de supostas verdades, a nossa era, o nosso tempo, o temo presente, o “homem presente” drummondiano, se vai desgastando, esfacelando-se no que há de mais lídimo na existência: o respeito à verdade, ao relacionamento entre os indivíduos.
A nossa contemporaneidade deu as costas à autenticidade das pessoas. Ninguém é visto mais em sua pura verdade humana. Nos tornamos servos da indiferenciação dos gestos, das ações. Tudo se fragmentou, até o amor que de virtuoso passou a exercitar o mero interesse gerado pelo endeusamento dos bens do parceiro. Amor contratual. Amizade contratual. Sexo contratual. Não se quer mais a amizade genuína, incondicional, desinteressada. Não se quer mais o amor do tempo do Romantismo. Vive-se hoje a ausência quase completa da elevação dos sentimentos. Onde estão os amigos, que não mais nos querem? Fugiram para os seus nichos, para suas torres de marfins, para seus castelos medievais. Hoje, só vejo a multidão sem rosto, apressada, anônima. Estou perdido no meio dela e por isso, vivo o outono do spleen tardio.
Assinar:
Postagens (Atom)