quarta-feira, 27 de junho de 2018

PREFÁCIO AO LIVRO DE POESIAS RESSACAS, DE CARLOS ALBERTO GRAMOZA VILARINHO


          

       Um Prefácio não pode ser apenas elogios a um autor, mas  adiantar algumas observações  de natureza crítica que a  obra lida possa suscitar numa primeira leitura,  quer dizer,  trazer à baila aquilo que  o livro   lançado  possa oferecer de novo no tocante a livros anteriores  do autor. Só os livros de estreia  podem ser lidos  com  uma  boa dose de indulgência a fim de que o julgamento  não seja apenas   negativo, pois  quem prefacia,   antes de tudo,   merece  tratar um autor novo  com alguma boa vontade, mesmo  porque o autor, ao escolher alguém que lhe faça  um prefácio,  já por si só espera   uma boa acolhida à obra.  De qualquer   forma, o gesto de entregar  a  uma pessoa a incumbência de um prefácio é um maneira de  reconhecer o valor  de quem vai escrevê-lo. Seria uma espécie de homenagem  ao autor do prefácio.
        Sendo assim,  cumpre a quem escreve  esse tipo de paratexto  salientar  o que esteticamente  seja válido  na obra e o que  poderia ser sugerido ao autor  a fim de que ele venha a  melhorar no gênero ou gêneros em  que exerça a atividade criadora.   No caso em exame, um livro de poesia.
      Carlos Gramoza está distante de sua estreia no domínio poético há  três décadas.  Seu livro de estreia, Tempos perplexos, é de 1983, com  Prefácio de José Virgílio Madeira Martins Queiroz. Esse  longo período de vida não foi, no entanto, acompanhado de uma boa quantidade de obras escritas. Ao contrário, a obra ora lançada, Ressacas, vem a ser a terceira em sua trajetória de  poeta.
      Circunstâncias várias são, por vezes, impeditivas  a que  um autor  produza  mais. Não vem  ao caso discutir as razões dessa questão que mais está   associada à vida do autor e à vida literária. Não importa. O que permanece na história literária é uma obra editada, não a obra completa, uma vez que o conceito de obra completa é  por demais vago e fugidio. Quero significar  que o mínimo pode equivaler ao máximo e, em se tratando de valorização   estética, número de livros nada tem a ver  com  bom ou ótimo nível literário.
     O fato é que devo assinalar  um ponto pacífico  na  questão axiológica de um poeta como o Gramoza, ou seja,  não há dúvida  quanto  ao reconhecimento de  seu  talento poético,    posto que  identifique na leitura de  seu segundo livro, Passos oblíquos (1994),  bem como no terceiro, Ressacas, já mencionado, objeto deste Prefácio, algumas deficiências de ordem gramatical e bem assim  de erros de grafias não bem revisados  pelo editor. Isso não é bom  para uma obra nem para o autor. A habilidade  criativa  de Gramoza é bem superior ao seu estrito domínio  de certos  aspectos  da disciplina gramatical, porquanto nele a potência do verso  está acima  do fato meramente  gramatical. Com um pouco  de esforço,  essas deficiências podem ser  sanadas.
      À época da publicação de Passos oblíquos, em novembro de 1994, com Prefácio de Clóvis Moura e Introdução de M. Paulo Nunes,  não tinha eu conhecimento da   existência desse poeta de Amarante. Só naquele ano vim  a saber. O autor me havia  remetido um exemplar autografado desse segundo livro. O livro de estreia, Tempos perplexos, já citado,   somente vim a  ler há pouco menos de um mês num exemplar  que o autor me remeteu, também gentilmente autografado  com a data do mês corrente. A  publicação, em edição simples e desataviada, ficou a cargo  da Universidade Federal do Piauí – PREX -  Coordenação de Assuntos Culturais. O  livro não  menciona o número de páginas, frente e verso,  que o constitui. Resolvi contá-las. Soma  28 páginas de frente, ficando, porém,  em branco a numeração das páginas  do verso, num total de 28 poemas.
   Entretanto, não resta dúvida de que da obra de estreia  até Ressacas, houve avanço considerável  tanto na técnica  de compor  os poemas quanto  em certas constantes de seu lirismo, as quais se aprofundaram, o que é um bom sinal  a um poeta   visceralmente  sensível  ao sentimento humano e ao sentimento  da natureza, tanto quanto a uma atenção vigilante   com problemas   sociais, étnicos, políticos   a desafiarem um mundo movimentado pela alta tecnologia.
   Continuo apostando na sua capacidade  de   fazer boa poesia em diferentes   frentes temáticas: lirismo, autobiografia,  natureza,   problemas sociais e artesanato  poético,  no sentido de    criar metáforas poderosas que dão aos seus poemas  um sensação de grito contra  tudo aquilo  que machuca  a dignidade  do ser humano.  Todos esses traços temáticos e  expressivos de sua semântica poética  lhe conferem um lugar de realce entre os poetas   de sua geração que ainda  acreditam  no papel da   poesia e sua função social como instrumento  de  consciência  desalienante  dos povos.    
    Na sua obra de estreia, me  chamaram a atenção, pela maior qualidade composicional,   entre outros, os poemas  “Lunar,” “Deslumbrado,” “Pesadelo,” “O pneu,”  “Domingo à noite,”  “A palavra” e “Vazio.” Gramoza, na condição de estreante  tem altos e baixos, algumas hesitações  de elaboração  de poemas, de pontuação que podem ser sanadas em outras edições. No que tange ao fazer poético, ele se distingue pela inquietação, por  um certo pessimismo e pela marca muito pessoal, muito autobiográfica, enrustida  no sujeito lírico. Esse meuismo, se assim posso   definir,  não contribui, se exagerado,  para atingir um melhor patamar  valorativo de seu estro.
    A hipertrofia  da subjetividade lírica não ajuda nenhum bom poeta que pratique o verso  em moldes modernos,  i.e., desde  o surgimento das vanguardas europeias  e a sua  assimilação  na   poesia brasileira,  seja oriundo da ruptura do verso tradicional -  rimado e metrificado -, do Modernismo de 22, seja a  partir das gerações e movimentos  poéticos  inovadores   do Concretismo de 1956 e de outros  movimentos   de transformação da poesia   brasileira contemporânea.
    No entanto, em  Gramoza podemos  identificar nele processos discursivos  e expressivos, aliás já mencionados em parte atrás, e que, agora, reforçamos,  os quais   foram se aperfeiçoando  desde o livro de sua  estreia: a ) a habilidade de descrição da natureza; b) o forte sentimento de um lirismo à flor da pele; c) a temática social  de viés esquerdista que vai  até a uma obsessão  por certas figuras mundiais  emblemáticas como  as de Fidel Castro, Che Guevara, a crítica contundente ao capitalismo, o grito indignado contra a política econômica norte-americana ante as nações subdesenvolvida (poema “Cloaca,” p.53); d) a voz  da poesia impotente diante  dos problemas sociais e das subjetividades   e  a  incompletude  das ações e objetivos na vida de um  indivíduo, o vazio de tudo (Poema “Inconclusa Canção,” p.52);   e ) uma cadência rítmica que faz com que a linha do verso seja interrompida, à semelhança de um enjambement, e conclua o sentido  do verso no verso  seguinte:
                        
                          Elas são as duas pescadoras
                         Mais velhas das margens do Parnaíba. (Poema “Elas” Tempos  perplexos)

        É bem evidente, a começar do livro Passos oblíquos, a constatação   dessa acúmulo de versos entrecortados formando,  no espaço da página, uma  espécie de enfileiramento  de versos em estrofes  heterométricas,  pequenas, médias e grandes, que  se  vai agrupando até constituir    o todo do poema.
       Essa estratégia  grafemática,  que se  vai radicalizar em movimentos poéticos posteriores   à poesia concretista (Neoconcretismo,  Práxis, Vereda, PTYX,  Poema-Processo) caracterizada pelo  anti-discursivismo,   à frente,  o uso até exagerado   da desarticulação  ou atomização  dos vocábulos, ocorre igualmente  em outros  poetas  a partir da influência – convém  reiterar  - das  vanguardas europeias. Na verdade, essa novidade verbi-voco-visual remonta até a tempos  bem remotos da Antiguidade grega  e latina. No entanto, Gramoza faz uso -  diga-se assim -, mais  comedido  dessas  hiperrupturas  em face do verso tradicional,  antes joga mais com o espaço  da página em branco e com a heterodoxia das estrofes semanticamente encadeadas.
    Ora, o poeta Gramoza, que já está  hoje na casa dos sessenta anos,  deve ter   acompanhado  todas essas transformações operadas na poesia  brasileira, de vez que,  ao publicar seu primeiro livro  nos anos 1980, ele já se insere  visual e  expressivamente  na modernidade poética.
      No que toca aos temas  de sua poesia nele persistem alguns   leitmotive basilares de sua produção: a paisagem da  cidade natal, Amarante, sua natureza,  seus ventos,  suas árvores, seus rios,  a recorrência  de versos alusivos ao rio Parnaíba,  o principal da cidade e do Estado do Piauí, o casario, enfim, seus   pontos naturais mais   conhecidos, sobretudo a  principal rua de Amarante,  chamada Avenida Amaral.
  Um dado curioso do verso de Gramoza: não consegui vinculá-lo a nenhuma influência de poetas  piauienses, nem mesmos do seu poeta maior,  o Da Costa e Silva (1885-1950).   No livro de estreia, somente uma vez me deparei com dois sintagmas que nos trazem, intertextualizadas, na linha de um verso gramoziano,   partes justapostas  de versos do poeta de Sangue (1908): “... aos ósculos das águas,” do sol de estio (poema “Deslumbrado”) sintagma   extraído do poema “Amarante”, do livro Zodíaco ( 1917)e ”...de um sol de estio,”  sintagma  retirado do soneto “Saudade,” da obra Sangue.
       No livro Ressaca   Gramoza  progride como poeta, aprofunda mais temas de sua preferência. Não diria que os 57  desse poemas sejam todos ótimos ou bons. Ele  tem subidas e caídas,  mas as subidas  é que o mantêm  na  condição de poeta que pode ser lido e estimado  pelo leitor de poesia ou pela crítica.
       O poeta vai do lirismo  dolorido à indignação social, do sentimento  do amor indefinido à natureza  de mãos dadas com a subjetividade,  do telurismo ao urbano, do sentimento da natureza em fusão com a visão autobiográfica.  Como bom poeta, entre outras  preocupações, uma se  deve assinalar: a de  um lírico   que se volta, de quando em vez,  para o próprio ato de criação literária, o qual, de resto,   é um interesse  constante  de alguns  grandes  poetas de todos os tempos.
       Essa reflexão metapoética  lhe permite  sondar os seus próprios recursos  na construção dos poemas. Testar o canal do discurso lírico.   Na poesia gramoziana  tudo se mistura  e tudo, a meu ver,  converge  a uma postura  poética  muito  colada ao sinestésico, aos ritmos diversos,  ao gozo  das palavras e, portanto,  da linguagem, da  sua sintaxe   poética que  parecem   desaguar em cascatas em direção ao mar profundo.  
     Daí que alguns poemas  suscitam em nós, leitores ou críticos, ou ambos,  a vontade de  afirmar ”Belíssimo poema. E assim eu fiz, anotando à margem da cópia  de seu  Ressacas, as  seguintes conclusões numa segunda leitura do livro: Muito bom ( poema “Evocação a Zumbi” (p. 43);  “Atalhos” (p. 42); “Ressacas” (que dá  título ao livro (p. 63-64).
     Dou aqui por encerrado este Prefácio e com a certeza de que li um livro de um poeta  de verdade na exploração,  com criatividade,  de temas  eleitos   e com  estilo literário inconfundível além de   enorme carga de sensibilidade para dar e vender.
                                                                   
  Rio de Janeiro, 27 de junho de 2018.
                                                                       Cunha e Silva  Filho

          (Pós-Doutor em Literatura  Comparada pela UFRJ. Membro efetivo da Academia Brasileira de Filologia.
NOTA:  Livro inédito  a ser editado possivelmente  este ano.

sábado, 16 de junho de 2018

O CURSO DE LETRAS: SUA IMPORTÂNCIA, DESAFIOS E PERMANÊNCIA


Professor Dr. Amós Coêlho da Silva
Estimados confrades da ABRAFIL
Senhoras e senhores
Prezados Estudantes de Letras
     Sinto-me muito honrado e grato com o convite que me fez o Presidente da Academia Brasileira de Filologia, Professor Amós para que fizesse uma palestra sobre o Curso de Letras – tema que me foi sempre caro e muito inter-relacionado com a minha vida tanto de antigo aluno de Letras, modalidade português-inglês da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ, quanto na condição de professor de literatura brasileira e de língua inglesa do Curso de Letras da Universidade Castelo Branco, e de Professor Titular aposentado de língua inglesa do Colégio Militar do Rio de Janeiro.
   Eis-me aqui álacre e por isso extremamente motivado a desenvolver o tema em cujo título estão paratextualmente indiciadas as fases de desdobramento de minha ideias e visões sobre o assunto em exame.
  Gostaria de lhes tecer algumas considerações que elucidem melhor o meu entusiasmo jamais arrefecido para tratar de tema tão oportuno como falar do Curso de Letras em geral e sob uma perspectiva da realidade educacional brasileira atual.
  As minha motivações vêm de longe, tendo como ponto alto aquele momento sublime em que me vi envolvido num dado instante no qual, dando uma aula de literatura brasileira no Instituto de Educação Roberto Silveira, Duque de Caxias, senti como que um espanto epifânico, ou seja, a ideia, surgida num lampejo de luz, de elaborar um livro sobre o ensino de Letras destinado sobretudo a alunos egressos de escolas públicas ou de escolas particulares de ensino deficiente. Obviamente, a ideia-máter já devia estar germinando na minha mente e tinha como leit-motif os anos de estudos na graduação com as alegrias, os sonhos, os ideais e as dificuldades enfrentadas e duramente superadas. O livro a ser escrito seria, em resumo, um vade-mécum de orientação mais segura a quem está ingressando no curso de Letras.
  Com isso, lucrariam os estudantes que, em geral, ao escolherem Letras, pouco ou quase nada sabem do que os aguarda quando adentram os umbrais do campus universitário. Permitam-me, agora, uma auto- citação extraída do parágrafo final do meu livro Breve introdução ao curso de letras: uma orientação, somente para lhes mostrar o que provavelmente um neófito de Letras, como foi o meu caso e seguramente o de futuros estudantes, psicologicamente sentiria no início do curso:
  É aí que a pólis - a cidade do saber - embaralha a cabecinha do estudante, atordoada que fica com o labirinto universitário, com os códigos e mais códigos burocráticos, com esse campo imenso e variadíssimo aberto ao saber superior. Esquecido, contudo, de que, por trás dele, existe uma multidão de seres diferentes nos seus gestos, perspectivas e desejosos, como o foram no ensino fundamental e médio, de que a mão acolhedora se lhes estenda a fim de que a práxis universitária não perca o elo com a vida [... ] (p. 117)

   Daí que, na elaboração do livro, o meu principal objetivo seria dar a minha modesta contribuição à melhoria do ensino de Letras no país a partir da perspectiva do antigo estudante com as suas deficiências de conteúdo e de formação teórica incompleta.
  A exposição, embora escrita com passagens de natureza autobiográfica, não deixa de adquirir maior objetividade em alguns capítulos em virtude de ser um livro que se propõe levar o leitor informações e recomendações, dicas e sugestões vasadas em linguagem didática e accessível.
  Posto que lançada em 2009 e, assim, distante quase nove anos de nossos dias, posso lhes assegurar que os óbices que atrapalhavam a vida do estudante da época da publicação, ainda se fazem sentir atualmente no que toca ao despreparo dos estudantes na maioria oriundos de escolas públicas sucateadas por sucessivos governos estaduais ou municipais em todo o país. Poucas são as exceções a esse estado de deterioração do ensino público fundamental e médio, situação deplorável atingindo até universidades públicas estaduais, como foi o triste exemplo da UERJ.
   Releva assinalar que não escrevi o livro pensando em alunos privilegiados provenientes de colégios particulares ou federais com ensino de alto padrão, alunos mais preparados com bom repertório de leituras e de conhecimentos de línguas modernas. Muitos desses alunos fizeram cursos de idiomas no exterior ou até cursaram o ensino médio em países adiantados. No livro denominei este tipo de aluno de highbrow (designação, de resto, irônica, que ouvi há muitos anos de uma querida colega do curso de Letras), em oposição a lowbrow, tipo ao qual galhofeiramente nos atribuíamos então por não fazermos parte do primeiro, um grupo fechado e pedante. Este fato me lembra também um texto de Aldous Huxley (1894-1963), “I am a highbow,” texto que motivou admirável réplica de Gilbert Frankau (1884-1952), sob o titulo de “I am a lowbrow.”
  Feitas essa ponderações, passo ao primeiro tópico do tema desta palestra: a importância do curso de Letras. Cumpre-me frisar com todas as letras (vale o trocadilho, mas com “L” maiúsculo) a relevância do Curso de Letras na preparação das gerações de profissionais do ensino que vão atuar no ensino fundamental e ensino médio, ou senão, dependendo de seu preparo e prioridades, cursarão mestrado e doutorado com a finalidade de lecionar em universidades. Não importa que outras áreas do ensino superior não nos vejam com a grandeza que o magistério de Letras merece ser reconhecido.
  Se nossa área de atividade não tem recebido o devido apreço de parte da sociedade, o que sairá perdendo será ela mesma. Uma sociedade incompetente linguisticamente até nos estratos mais altos dará mau exemplo diante de países cultos que devotam ao ensino da sua língua nacional um lugar de realce.      Daí por que o ensino do inglês se disseminou por quase todo o mundo. Valorizando a sua língua, os Estado Unidos, a Inglaterra, por exemplo, pensaram logo em variadas formas de fazer o inglês ser disciplina praticamente universal através do rádio, televisão internet, de publicações de revistas sobre o inglês, das suas embaixadas, de bolsas de estudos, de intercâmbios culturais com diversos países do mundo. Naturalmente investiram muito dinheiro na propagação do ensino do inglês a fim de atingirem o ponto privilegiado de que hoje desfrutam.
  Já houve época até melhor naqueles países quanto à propagação do inglês. Recordo bem uma publicação americana, chamada Forum, de alta qualidade para os estudos linguísticos, distribuída gratuitamente para vários países e da qual fui assinante por muito tempo. Só com os problemas financeiros mundiais, ela deixou de ser impressa.
  Ao não valorizarem os estudos de Língua Portuguesa, carro-chefe de todo o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do país, os governos dificilmente atingirão níveis altos e competitivos em todos esses campos da atividade humana. Quando um governador ou prefeito pagam mal seus professores, eles estarão prejudicando a performance de seus mestres em todos os níveis de ensino.
  Da mesma forma, na medida em que preparamos melhor os nossos alunos de Letras, estaremos, mais adiante colhendo os frutos de melhores profissionais de língua portuguesa, de literatura, de redação, os quais, por sua vez, hão de formar educandos e cidadãos mais aptos a ingressar no mercado de trabalho e conseguir melhores condições de vida independente, o que vai redundar em progresso social para o país.
  O Curso de Letras não é um penduricalho estéril no desenvolvimento de uma nação. São os docentes de Letras que mantêm a sobrevivência de nosso aperfeiçoamento em campos cruciais dos estudos humanísticos, da latinidade, da filologia, da gramática normativa, da linguística, da teoria literária, dos estudos de línguas clássicas como o grego e o latim, estes constituindo dois pilares da cultura ocidental e da tradição dos bens imateriais indispensáveis ao aperfeiçoamento do ser humano integral. Sem o conhecimento do latim e do grego, um ensaísta ou um crítico literário não absorverá adequadamente uma leitura de alta complexidade e com citações nessas línguas, referindo-me, para ilustrar, na literatura brasileira, a algumas passagens de textos do padre Antônio Vieira (1608-1697).
   O segundo tópico seriam os desafios a serem arrostados no campo dos estudos literários de nosso curso de Letras diante de um espaço geográfico-planetário interligado pelos avanços vertiginosos da tecnologia, das ciências, do advento da internet, das redes sociais e de suas enormes possibilidades em termos de comunicação instantânea entre os povos.
  Os desafios, no campo da informação, que nos esperam são muitos e estão em constante transformação, a tal ponto que, se por acaso, navegamos pelo Facebook, a todo instante, somos surpreendidos com uma interminável acúmulo de notícias em postagens de vária natureza comunicativa e ideológica e com variadíssimos formatos, visuais, textuais, sonoros, gráficos, etc. Ora tudo isso, vai se refletir também na área educacional em todos os níveis de ensino, em todos os cursos.
  Diante dessa realidade que, parece, veio para ficar, o papel do Curso de Letras deverá sofrer igualmente transformações em seus formatos tradicionais e nas metodologias, nas pesquisas e nos projetos acadêmicos com vistas a atender aos reclamos dos novos tempos virtuais.
  Consoante agudamente observou um escritor americano, Philip Roth (1933-2018), falecido nesta semana, em notícia veiculada pela televisão, a leitura sofrerá uma inflexão, uma perda irreparável diante das múltiplas opções de procedência sobretudo virtual. Pelo visto, ele quis dizer que cada vez menos se lerá, por exemplo, ficção. Pois os leitores estão se encaminhando para outros tipos de leituras não impressas e não necessariamente ficcionais. Não se sabe até aonde se vai chegar ante tantas mudanças de hábitos e de entretenimentos. A observação de Roth deixa sem dúvida nuvens sombrias ao universo narrativo.
  Pois é em face desse caleidoscópio assustador de informações sempre renovadas e de variadas instâncias que devemos meditar com alto espírito crítico e honestidade intelectual sob pena de perdermos o nosso controle de usuários em trocas ciclópicas de informações velocíssimas de informações e contrainformações, algumas reconhecidamente nocivas como as fake news, as quais por vezes colocam em xeque a veracidade de notícias ou de acontecimentos ocorridos mas divulgados torcidamente ao público, fora aquelas montagens em vídeo que podem, através de recursos eletrônicos de alta sofisticação, mudar partes de corpos humanos em cabeças de outras pessoas, ou usando a voz de alguém em contextos de diálogos falsos. Ou seja, criam-se realidade falsas passadas como verdadeiras ou vice-versa.
  Todo esse mundo virtual e visual de algum modo nos assusta e, se não nos acautelarmos, nos devorará como se fossem pirâmides egípcias. É tempo, portanto, de prudência, equilíbrio e mormente de sobriedade. Nunca valeu tanto a máxima “Virtus in medium est.” E, por isso mesmo é que não devemos sucumbir a esse ilusório canto de sereia que nos toma um bom tempo mais produtivo daquela “solidão” benfazeja de que nos fala o crítico Álvaro Lins(1912-1970), essa solidão preciosa como antídoto à banalização do tempo perdido que nos subtraem horas de leituras dos livros impressos ou eletrônicos.
São estes desafios globalizados que, de certa maneira, modificarão alguns hábitos de estudo e, na    Universidade, que é um espaço aberto ao conhecimento sem fronteiras, as modalidade dos diversos cursos de Letras oferecidos sofrerão certamente, por seu turno, influências múltiplas, por exemplo, diante da escalada de cursos de ensino superior privado à distância ultrapassando há muito a porcentagem de cursos universitários presenciais nas universidades públicas. Creio que um caminho para contornar isso seria melhorar o nível dos cursos presenciais e atualizá-los aproveitando-se de recursos da informática para implantar de forma complementar estratégias pedagógicas de ensino-aprendizagem que façam interagir harmoniosamente docentes e alunos. Há tempos vi uma experiência dessa natureza relatada por um professor de Letras da área de língua inglesa da Universidade de Brasília. As universidades públicas devem, sim, ser competitivas em relação às privadas.
   Por outro lado, vejo com algum receio que essa “invasão” virtual no âmbito do ensino possa acarretar alguns problemas de cunho acadêmico em nossas universidades públicas. Neste sentido, ainda sempre vejo a presença do professor na sala de aula como algo insubstituível, não obstante o ensino virtual tenha um professor-tutor à disposição do aluno e dispondo inclusive de horários e dias agendados para a realização de provas com a presença do obrigatória do aluno.
  Mesmo assim, ainda mantenho uma posição conservadora no tocante à indispensável presença do professor em sala de aula em interação com os seus discentes e a fundamental convivência social no campus universitário de efeito salutar ao desenvolvimento psíquico do aluno e daquela sensação de liberdade de estudo, de chegada e saída do campus, de trocas de ideias entre os universitários, de encontros combinados para eventos culturais fora da Faculdade, do prazer de ver os colegas de aula, das conversas nos corredores e nos jardins da Faculdade, das idas à biblioteca, das dúvidas tiradas com os professores, dos debates em torno da matéria dada, do comparecimento a conferências, simpósios abertos aos alunos, do sentimento daquilo que chamo “Universidade é vida.”
  Só no campus é possível vivenciar todas estas situações que só enriquecerão a personalidade do alunado e a tornarão pessoa crítica, consciente dos problemas ligados ao conhecimento, ao saber profundo, à investigação, à pesquisa, à universalidade.
  Todavia, cientes dos desafios que nos são lançados pelos tempos pós-modernos ou pós-pós-modernos (aqui aludindo a um tipo de momento de literatura contemporânea no país), me volto para o terceiro tópico, que é o da permanência dos estudos literários e, portanto, do curso de Letras entre nós.
Remontando ao tempo, veremos que os cursos de Letras, os quais foram incluídos no conjunto de cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, no país, se iniciaram em 1934, simultaneamente à criação dessa universidade, segundo nos informa o saudoso Massaud Moisés no verbete “Universidades,” constante do proveito Pequeno dicionário de literatura brasileira, em coautoria com José Paulo Paes (1926-1998).
   No Rio de Janeiro, a Faculdade Nacional de Filosofia da antiga Universidade do Brasil, depois chamada Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi fundada em 1939, sendo que a Universidade do Brasil criada em 1937. A UERJ, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, mais conhecida pela sigla assim outras universidade do pais, segundo o historiador da literatura brasileira Afrânio Coutinho (2011-2000), no seu pequeno volume Notas de teoria literária, publicado pela Civilização Brasileira, em 1976, teve, primeiro por nome Faculdade de Filosofia do Instituto Lafayette, em seguida, se tornaria Faculdade de Filosofia da Guanabara e, finalmente, comporia a Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Afrânio Coutinho esclarece ainda que, em 1950, havia submetido um projeto de criação da disciplina teoria literária que seria incluída “... na primeira série de todos os Cursos de Letras” (op. cit. p.1). O projeto foi aprovado pela Congregação da UERJ após receber “parecer favorável” da Professora Virgínia Cortes de Lacerda (1903-1959). Essa nova disciplina passaria a ser obrigatória em todos os cursos.
   Ao crítico baiano devemos assim esta contribuição ao desenvolvimento no país de uma específica abordagem do fenômeno literário em moldes atuais para a época, inclusive já acompanhada de um corpus de conteúdo próprio a esta finalidade pedagógica-acadêmica. Este primeiro passo redundaria na inclusão dessa disciplina nos currículos de outros curso de Letras pelo país afora e a Coutinho devemos esse pioneirismo nos estudos literários brasileiros.
  Só compreendo o sentido de permanência de nosso cursos de Letras na medida em que certas exigências e pré-requisitos sejam alcançados numa guinada a patamares de maior otimização de desempenho e de mudanças efetivas de comportamentos tanto da parte do alunado quanto dos docentes.   
   Entre essas exigências no que toca aos estudantes de Letras, enumerei as seguintes para as quais as mudanças seriam proveitosas a uma melhoria do ensino de Letras:
1. O preparo do aluno;
2. O que é intrínseco à vocação para a área de Letras;
3. A importância do conhecimento de idiomas modernos e clássicos;
4. O que o aluno deve evitar durante o Curso de Letras;
5. O que pela vida afora deve ser princípio básico de sua competência como professor;
6. A importância dos trabalhos acadêmicos;
7. A bibliografia como instrumento básico de pesquisas e revisões bibliográficas;
8. A complementação pedagógica;
9. A escolha correta e amadurecida das vocações nas variações das áreas e subáreas no campo das Letras;
10. A validade da Pós-Graduação;
11. O valor da interdisciplinaridade.
  Todo esse conjunto de recomendações e exigências só servirá para possibilitar um mais elevado padrão de nível de formação intelectual do aluno e do futuro professor do ensino médio ou superior. Desta maneira, almejo, esperançoso, a despeito da crônica desvalorização dos docentes, que, num futuro não muito tardio, surjam governantes hábeis, éticos e comprometidos com a Educação Brasileira em todos os seus níveis e com o proposto firme de ter pelo docente em especial uma das suas preocupações constantes, já que ele é sujeito de ação de qualquer reforma em direção a avanços civilizacionais.
Muito obrigado!⁢

* NOTA:  PALESTRA PRONUNCIADA PELO   PROF DR. FRANCISCO DA CUNHA E SILVA   FILHO  NA ACADEMIA BRASILEIRA DE FILOLOGIA  HOJE,    DIA 16/06/2018. LOCAL: UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO. AUDITÓRIO , 11º ANDAR, RAV. 112/114, BLOCO F.

sexta-feira, 8 de junho de 2018

ALGUNS FRAGMENTOS, MEUS E DE OUTROS



                                                                                         Cunha e Silva Filho

          Há muito tempo,   numa conferência no Rio de Janeiro, perguntei a um poeta ( o conferencista) se a poesia  é um gênero para  as massas. Ele me respondeu que não. O que infiro será, então, para a elite (intelectual, entenda-se). Agora, eu me pergunto: por quê?
       A originalidade de um escritor existe mesmo? Ou não passa de uma   escrita intertextual, intratextual combinada com um fiapo de talento do próprio labor do escritor? Estamos em tempos da morte do autor,  o que me leva a dizer: quem escreve  somos nós ou os outros?
     Je ne conçois q’une manière  de voyager plus agréable que d’aller à cheval: c’est d’aller à pied. (Jean Jacques Rousseau).
   Numa  palestra  de improviso proferida pelo  eminente  linguista americano, Robert Lado no IBEU de Copacabana,  ele, entre outras lições  de ensino de língua  inglesa,   afirmou para  a assistência: “Variety is the spice of life.”      
 “ Les petits chanteurs à la croix de bois” , esta frase lida no início da adolescência, que  se encontra num livrinho de Canto Orfeônico, tem muito a ver com um mundo de sensações agradáveis da minha  vida.
 De touts temps les hommes ont pratiqué  les sports. Rien n’est meilleur pour la santé que l’exercice physique pratiqué, chaque jour, d’une façon rationelle.(Marcel Debrot).
Pas un filet de fumé.” (Marcel Debrot).Esta frase tem muito de nostalgia, porque se prende a um   diálogo entre mim e meu pai sobre uma  forma   melhor de traduzir  a frase ao português.  Papai já confiava ao filho de catorze anos   em discussão desse  tipo na preparação de  alguma aula de francês. Ele até  me incumbia de, uma vez ou outra,   corrigir  provas  de alunos sob a sua orientação, é claro.
Il y a temps pour tout, pour le plaisir, pour le travail.(De um texto que aparece no curso por livro chamado  Assimil).
A thing of beauty is a joy for ever. (John Keats)
Quand deux ou trois fut rassemblé dans mon nom, je serai au milieu deux.( lido num trecho de um livro didático).
The evil that men do, lives after them.(Shakespeare, lido, pela primeira vez, numa antiga gramatica  inglesa de Frederick Fitgerald).
Saudades, asas de dor do pensamento.(Da Costa e Silva, poeta  piauiense)
Amarguras da vida que me tornaram poeta aos 60 anos. (Cunha e Silva, meu pai, em carta a mim)
Life is but a walking shadow, a tale told by an idiot...(Shakespeare)
It is  the sincere hope of the author that anyone who studies this book carefully wil be ready to be understood by any native.(Pandiá Pându, notável poliglota que eu tive o prazer de conhecer).
I have nothing to declare but my genious.( Resposta de  Oscar Wilde ao funcionário  da Alfândega dos Estados Unidos que lhe perguntara o que tinha a  declarar ao órgão público).
Pietá per chi cade. Uma  título de um filme italiano que meu pai leu  para  aquele  menino que era eu e o acompanhava num  passeio pelo Centro de Teresina. Papai   conhecia   bem italiano. O  nome do filme estava num cartaz  do mural do cinema, na Sala de entrada do   Theatro  4 de Setembro, em Teresina, Piauí,   final dos anos 1950.
O mundo mudou e mudei  porque  vivi, porque viver  é mudar. (Tristão de Athayde, pseudônimo do crítico literário e pensador católico Alceu Amoroso Lima)






                       

sexta-feira, 1 de junho de 2018

POESIA, SIM, POESIA.







         
                                                                              CUNHA E SILVA FILHO

            

           Os poetas estão de parabéns. Sabem por quê? Porque, com a Internet e as redes sociais, eles, praticamente todos jovens, que não tiveram editores nem patrocínios de bancos ou outras instituições públicas ou privadas, começaram , por conta própria, a produzirem poema "às mancheias." 

         A Poesia está em alta. Até que enfim! Manuel Bandeira, que não conseguiu publicar por editora seu primeiro livro, só o fez por conta própria, ficaria exultante em face do que, pelo milagre da Internet, está acontecendo em nosso país , com escassos leitores de poesia, consoante era a opinião unânime de nosso editores: "Poesia não vende - costumavam afirmar publicamente.

          Mas, o mundo é outro, O Brasil, apesar dos pesares e das greves e outras mazelas crônicas, está mudando neste aspecto. Aviso aos navegantes: a poesia chegou e dá o seu ar de graça plena. Que bom para todos o que ainda gostam de ler poema! 
       
        Eu mesmo, que só fui poeta de uns quatro poemas durante a vida inteira(risos), estou aqui deste espaço, feliz da vida e, quem sabe, até pronto para poetar ou melhor, para cometer uma versalhada. Pois é, Poesia, sim. 

        Seria mais um movimento vanguardista de poesia contemporânea brasileira? Não, em termos rígidos, não, mas um sinal positivo está sendo dado e para contentamento de todos os poetas que estão postando versos , desde os mais medíocres até os poemas de bom nível literário ou mesmo de ótimo nível.

        A notícia é, pois, alvissareira. Quem pensou que a Internet iria conseguir mudanças de comportamento no tocante à poesia em escala global, está com o queixo caído. Uma das razões é que a poesia está deixando a sua torre de marfim ou de elitismo besta e está entrando no quotidiano democrático das redes sociais, principalmente através do Instagram e do Facebook. Por isso, esses novos poetas se chamam agora "instapoeta".