segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O que desejo para o mundo e o Brasil em 2013



Cunha e Silva Filho


São quase seis horas da noite, que ainda não é noite face ao horário de verão. Ainda há sol lá fora. Barulho de carros de vez em quando pela Rua Barão de Mesquita ou que me vem da Avenida Maracanã. Isso no Bairro da Tijuca, onde morro. De vem em quando também barulhos de rojões, dos primeiros rojões soltados por alguém que já dá sinal de que 2012 se está esvaindo. O tempo está abafado e quente, não tão quente quanto há uns dois dias em que a temperatura no Rio de Janeiro parecia querer competir a de Dubai. Só que lá até os pontos de ônibus são refrigerados. Sol escaldante, lembrando um pouco o sol quente de Teresina, no Piauí. A expressão “Rio 40 graus”, título de um famoso filme de Nelson Pereira dos Santos, de 1955 não serve mais como realidade meteorológica para os tempos atuais. A Terra esquentou muito daquela época para hoje, com mais descalabros ambientais que o homem tem feito contra ela por ambição. Por isso mesmo é que a Natureza-Mãe, de tempo em tempo, dá o troco e com toda a razão..

De repente não mais que de repente, como diz o famoso e tão repetidamente declamado “Soneto da Separação” de sabor clássico-camoniano, de Vinicius de Moraes (1913-1980), me lembro do que me propõe cataforicamente o título desta crônica: o meus desejos para o ano que termina no contraponto mundo versus Brasil.

Deixo, contudo, a questão climática só lembrada nos tempos de reuniões de Cúpula para discutir mundialmente os estragos que se cometem contra o planeta, sem, no entanto, chegar-se a mudanças necessárias, urgentes e com determinações que sejam soluções para a melhoria das condições do meio-ambiente em escala mundial.

Vou tentar a seguir resumir o que desejo para o mundo em 2013:



1) Que os homens do poder jurídico internacional encontrem uma solução pacífica para a guerra civil na Síria que, há uns três dias, e num único dia, matou quatrocentas pessoas! Com está, é uma vergonha para a nossa condição de seres humanos permitir ou se pôr em posição neutral que a matança, sob as ordens de Bashar Al-Assad, não tenha fim e que o ditador sangrento não seja apeado do poder. Que o poder jurídico internacional encontre ainda uma solução ideal para que palestinos e judeus convivam pacificiamente.  Nada é impossível. Basta que cada um ceda um pouco.

2) Que o governo de Obama encontre a necessária fórmula econômica e a compreensão dos republicanos a fim de encaminharem uma saída para livrar os quarenta e cinco milhões de americanos do deplorável estado de pobre e mendicância. Da mesma forma, que o presidente americano consiga resolver a polêmica questão da saúde pública para os americanos, fazendo com que os americanos mais humildes não sejam deixados ao deus-dará, sem assistência médico-odontológica pelo menos de qualidade razoável. É vergonhoso a um país da grandeza dos EUA que, por erros provenientes de má administração de governos anteriores, tenha se deixado  levar  a um nível de pré-recessão. O presidente Obama não deve querer que, no seu segundo mandato, a nação se volte contra ele. Seria terrível para a sua biografia de estadista se pensarmos nos governos de Franklin Delano Roosevelt, que deu insofismável exemplo de estadista a exemplo do seu programa conhecido como New Deal.

3) Que os países que tomaram parte na “Primavera Árabe” não deixem escapar a oportunidade de poderem efetuar mudanças duradouras em regimes de governos que respeitem as liberdades de imprensa e dos direitos individuais e desenvolvam administrações sólidas a despeito de divergências ideológicas e religiosas. Por que não seria exequível que o Oriente, ou países outros da África , da América Latina e da América do Sul e do Caribe também não se alinhem a um objetivo mais alto e verdadeiramente democrático de transformar o mundo numa grande democracia? Copiar o que é bom de um país civilizado é uma alternativa em direção a mudanças qualitativas e de superação de crises. No entanto, é preciso que a Europa , ou melhor a União Europeia, antes pense mais no bem-estar de seus povos do que nas ambições políticas de ordem especulativo-financeira. Não é possível que o sistema financeiro de países como Portugal,  Espanha, Grécia, França, Itália fique reféns de maus governos, perdulários e socialmente injustos no que concerne às condições de vida dos mais humildes. O de que a Humanidade precisa é de governantes com espírito humanístico, que pense solidariamente em relação à sociedade no seu todo, diminuindo as gritantes diferenças de riqueza entre pobres e ricos. Isso pode ser factível de realizar. Só lhes falta vontade política, dignidade política e respeito às populações.

4) Que o Brasil realize pelo menos três grandes objetivos: reduza drasticamente o problema da corrupção política, cuide seriamente da saúde nacional e procure, tanto quanto possível, reduzir a violência em todo o pais, e sobretudo no eixo Rio-São Paulo, onde é muito maior o grau de criminalidade.A par disso, que o governo, do ponto de vista jurídico-institucional dê demonstrações ao povo de que meliantes de qualquer nível social sejam exemplarmente punidos e as sentenças que lhes couberem sejam cumpridas à risca, sem subterfúgios ou os chamados “recursos” tão frequentemente empregados por advogados. Caso esses problemas de alto sentido social não sejam solucionados ou minimizados, o governo, ou os governos futuros, enfrentarão sérias dificuldades e mesmo repúdio da sociedade civil. Há limites para tudo e a sociedade, unida, saberá encontra os meios legais de mudar o país e inseri-lo em padrões morais, institucionais, jurídicos e sobretudo políticos. Os estadistas brasileiros não podem dar as costas para tais soluções. São esses o meus desejos e esperanças para 2013. Feliz Ano Novo, leitor!

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Tradução de um poema de William Blake (1757-1827)




To the Muses



Whether an Ida’s shady brow,

   Or in the chambers of the East,

The chambers of the sun , that now

   Front ancient melody have ceas’d;


Whether in Heav’n ye wander fair,

   Or the green conrners of the earth,

Or the blue regions of the air,

   Where the melodious winds have birth;


Whether on chrystal rocks ye rove,

        Beneath the bosom of the sea

Wand’ing in many a coral grove,

        Fair Nine, forsaking Poetry!


How have you left the ancient love

        That bards of old enjoy’d in you!

The languid strings do scarcely move!

        The sound is forc’d, the notes are few!







Às Musas*





Ora sobre o cume da Ida sombreado,

       Ora nos aposentos do Oriente

Do sol agora os aposentos

     A velha melodia calaram.



Ora nos Céus esplendidamente pervagais,

     Ora os verdes cantos da terra,

Ora as regiões azuis  atmosféricas

   Nas quais melodiosos ventos se formaram.



Ora sem destino as rochas de cristais percorreis

    Por sobre o seio do mar,

Por muitos bosques a esmo andando,

    Nove Musas da Beleza, a Poesia deixastes no olvido!



Como pudestes esquecer o antigo amor

  Que os bardos d’outrora em vós tanto se deleitavam?

Mal dedilham as cordas lânguidas algum som!
 
    Foram-se os sons naturais, escasseiam agora as notas!





                                                                 (Trad. de Cunha e Silva Filho)





* Para a Elza, esta tradução. Feliz 2013!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Os massacres nos Estados Unidos: algumas hipóteses sobre as causas*




Cunha e Silva Filho



Vez por outra, nos Estados Unidos umj ovem ou um adulto de repente comete uma insanidade de uma só vez, matando inocentes em lugares tais como uma escola, o interior de um cinema ou outro lugar qualquer. Motivo das tragédias: vários ou nenhum explicitamente declarados. Com a facilidade amparada por lei, de se comprar armas de fogo no país qualquer um cidadão americano pode portar consigo uma arma registrada e sair à rua. Relata-se que o primeiro crime de arma de fogo contra várias pessoas ao mesmo tempo ocorreu na terra do Tio Sam em 1927. De lá para cá, a espaços de meses ou anos, tem havido casos de matança de pessoas inocentes. Porém, os Estados Unidos é a terra do faroeste, do bang-bang, do tiroteio, dos combates entre soldados americanos  e tribos indígenas. Isso, contudo, mais mostrado no cinema como entretenimento ainda que com cenas violentas.

Entretanto, algum tempo atrás, havia revistas americanas que chegavam até ao meu estado, o Piauí, onde reportagens e reportagens descreviam, com os mínimos detalhes, os crimes hediondos acontecidos em diversos estados americanos. As revistas traziam fotos terríveis que me causavam horror e, não sei por que, com o tempo, fui associando aqueles tipos abomináveis com algo habitual na sociedade americana.

Naturalmente, devemos entender que crimes hediondos existem em toda a parte do mundo, porém, no caso específico dos EUA, esse tipo de crime de jovens ou adultos massacrarem grupos de pessoas indefesas, pessoas que, em geral, os assassinos nunca viram ou lhes fizeram mal algum, dão o que pensar, suscitam nossa atenção sobre o comportamento individual de algumas pessoas que inegavelmente são diferentes, indivíduos solitários, ensimesmados, que não mantêm interação social com outras pessoas e, em geral, têm poucos amigos ou conhecidos. Na situação desses indivíduos, as famílias deveriam ter por eles uma atenção especial, encaminhando-os a tratamentos com psicólogos ou psiquiatras a fim de descobrirem alguma patologia séria que possa levar os jovens  de atitudes estranhas a cometerem atrocidades contra a sociedade. Esta seria uma primeira medida a ser tomada pelos familiares. Poder-se-ia afirmar que este aspecto envolvendo massacres de inocentes seria uma hipótese  para argumentarmos como uma das causas dos crimes desta natureza.

Um segunda hipótese que se poderia aventar seria analisar, através de estudos sociológicos e antropológicos, ou mesmo estudos desenvolvidos de forma transdisciplinar, as implicações do mundo contemporâneo versus sociedade de tecnologia altamente avançada com que o indivíduo moderno, sobretudo nas cidades adiantadas e de alta densidade populacional, tem que lidar no seu dia-a-dia sentindo-se fragmentado na sua individualidade e no imediatismo pragmático imposto pelo estilo de vida atual. Quer dizer, o indivíduo, seja o jovem, seja o adulto, diante da complexidade em escala planetária que o mundo agora lhe oferece, se não está ancorado numa base familiar saudável e harmoniosa, tende a sentir cada vez menos fragilizada a sua personalidade. Essa realidade automatizada, robotizada, individualista, que faz valer mais os bens materiais em detrimento de um desenvolvimento de seu mundo interior mais enriquecido, se fosse compartilhada com um nivel maior de interrelacionamento social e de trocas de experiências positivas que  integrassem   o jovem ou adulto mais adequadamente ao meio social propício à sua formação integral, provalvelmente  seria constituida de pessoas mais sadias psicológica e socialmente.

A indústria cultural pouco ajuda ao aperfeiçoamento saudável dos jovens de hoje. Os tipos de lazer oferecidos, desde tenra idade, em nada contribuem para melhorar a formação biopsíquica dos jovens, sejam exemplos os tipos de brinquedos ou gadgets eletrônicos que são, em muitos casos, verdadeiras apologias ao crime e à violência. Ora, do mundo virtual ao mundo real, a distância é enorme.

Contudo, se o espírito de uma criança, ou de um adolescente que tenha inclinação natural à violência, é exposto a ela de forma continuada, tenderá naturalmente a internalizar na mente da criança ou do jovem tão profundamente  o seu  universo virtual  selvagem, ou a embaralhar as ações de  brutalidade, que essas violências  virtuais terminam por  banalizarem as  percepções infanto-juvenis no que concerne à valorização e respeito à vida do ser humano.

Há um excesso perigoso de exposição a cenas de crimes tantos nos brinquedos eletrônicos quanto no filmes produzidos nos Estados Unidos. Esta é uma via errada e perigosa à formação de mentes sadias de crianças e adolescentes. Por que não aproveitar tantos temas de alta importância  educativa e recreativa a serem explorados pela indústria cinematográfica americana? Liberdade de expressão não é deixar fazer o que bem querem diretores de cinema ou da indústria de jogos eletrônicos ávidos pelos milhões de dólares arrecadados com a exibição de filmes violentos que vulgarizam a vida. A legislação nos Estados Unidos e de outros países ( o Brasil em grande escala) que gostam de copiar o que por vezes há de pior nos EUA, deve repensar urgentemente questões desta ordem.. Pais e filhos, governo e sociedade devem unir esforços no sentido de deslanchar uma campanha nacional chamando a atenção dos legisladores para os males que têm sido causados à sociedade americana e de outros países, que é a manutenção desses tipos de indústria cultural desagregadores da formação moral e educativa de crianças e adolescentes.

Um terceira hipótese a ser considerada como fundamental para uma rediscussão de fôlego e isenta de partidarismos ideológicos seria a permissão que a Constituição americana assegura para qualquer cidadão comum comprar e registrar armas de fogo para a proteção própria. São milhões de armas nas mãos da sociedade. Ora, caso essas armas caiam nas mãos de alguém desequilibrado, fácil é percebermos como será a consequência do porte de arma em várias situações da vida cotidiana, além do agravante de as armas chegarem ao alcance de crianças sem idade suficiente para aquilatar os riscos que correm longe dos pais.No nosso país, muitas vidas se perdem com o uso de armas de fogo nas mãos de crianças como se estas fossem brinquedos . Tiros sãoo disparados contra quem está por perto, geralmente outros irmãos também crianças, e daí decorrem as tragédias familiares.

Por conseguinte, a questão do uso indiscriminado de arma de fogo nos Estados Unidos tem que ser prioridade social e o assunto tem que ser discutido em todo o território americano mobilizando-se a sociedade e os poderes públicos. Uma boa ideia seria uma emenda constitucional que refundisse profundamente o uso de armas de fogo pelo cidadão americano, deixando o seu emprego somente para os setores de segurança, as Forças Armadas. A alegação de que a arma de fogo faz parte da cultura americana carece de fundamentação e lógica.

É evidente que, ao abolir ou, pelo menos limitar drasticamente o uso de armas de fogo para o cidadão, os legisladores têm que reforçar a fiscalização, a vigilância e a competência das forças de segurança no combate sem trégua ao contrabando de armas e à possibilidade de armas serem surrupiadas ou desviadas dos arsenais militares. Nos EUA, há expertise para cuidar bem desta questão de desvio e de contrabando de armas leves ou pesadas. Da mesma forma, há que redobrar os cuidados na questão das penalidades correspondentes aos graus de infração de uso indevido de armas de fogo. Naturalmente, nunca haverá um grau zero de impossibilidade para que alguma arma chegue a alguém por uma forma ou outra.. O importante é que haja penalidades severas para o uso indevido de armas de fogo nas mãos da sociedade.

Todos os americanos devem entender que uma mudança de comportamento com respeito ao uso de armas deve ser feito sem delongas., em especial as indústrias de armamentos, que faturam milhões de dólares com o comércio de armas para uso privado, devem refletir sobre esta momentosa questão e assim procurar salvar vidas humanas perdidas tragicamente pelas recorrentes matanças de inocentes, sobretudo crianças, como é recente exemplo o que se deu na cidade pacata de Newtown. Não houvesse a facilidade para a aquisição de armas vendidas à população, muito sangue, dores, sofrimentos e traumas seriam evitados. A proibição de armas de fogo nas mãos dos americanos tem que ser considerada como questão de segurança nacional e ao Presidente Barak Obama imediatamente e sem parcialidade compete dar o primeiro passo no encaminhamento ao Congresso de um projeto de Lei a fim de que o debate sobre o uso de armas seja iniciado junto com o apoio da sociedade. Se o fizer, ou seja, se uma emenda constitucional for aprovada favoravelmente à proibição do uso de armas pelo povo, ressalvados os usos delas para os setores de segurança vital para a defesa da ordem pública e da soberania nacional, o Presidente estará contribuindo para tornar a nação americana sintonizada com a complexa dinâmica aberta pelo século 21 que não mais admite que certos modos da tradição cultural sejam mantidos à custa das vítimas de armas assassinas.



* NOTA: Neste final de ano, para piorar ainda mais a escalada de psicopatas assassinos, um ex-condenado, que passou dezessete anos na prisão, por haver matado a avó (!) cometeu outro massacre,  incendiando casas e assassinando inocentes. Entre as vítimas, havia bombeiros. Confessou o psicopata que “gostava” de matar pessoas! É mesmo o fim do mundo no cotidiano universal e não nas profecias dos mapas dos maias. Se não se tomar logo uma medida urgentíssima, os Estados Unidos serão  o país campeão de psicopatas, incendiários etc.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Da janela da Arlindo Nogueira: memórias

NOTA PRÉVIA AO LEITOR:  a vontade de escrever me fez antecipar o período  de minha  volta a este  blog. Segue, abaixo,  mais um texto meu.



Cunha e Silva Filho



Era tempo de ginásio e, em seguida, de científico. Mas, era tempo também de imensa saudade vista pelo olhar do narrador de hoje .

Domício. Liceu Piauiense. No meu diploma do científico, o velho Liceu de tantos carnavais, era então chamado de Colégio Estadual “Zacarias de Góis, pelo menos assim consta do meu diploma assinado, em 1963, pelo (desculpe-me o chavão) “saudoso” e ilustre professor Lysandro Tito de Oliveira e pelo secretário, professor Alcides Lebre, que, por sinal, tinha sido meu professor de desenho no Domício. O grande mestre de geografia, Lysandro, que me lecionou no Domício, em aulas dignas de gravação, nos fazia viajar pelo Brasil afora. Era professor catedrático do Liceu piauiense. Sabia de tudo sobre o Sul do país. Principalmente, se deliciava descrevendo a paisagem rural, econômica, social e histórica de estados sulinos que, só muito mais tarde , iria conhecer pessoalmente.

Alto, usava bigode. Sério e ao mesmo tempo afável, exigia muito do alunado, porém sem exageros. Eu estudava muito para suas provas, às vezes me desesperava em casa, quase chorando, porque julgava que havia muito conteúdo para aprender e a ser cobrando nas provas. É curioso: não fui muito forte na geografia, apesar de meu pai ser também professor de geografia. As notas não eram tão altas assim. Contudo, pouco me importava, porque gostava dele como professor e como pessoa. Até hoje, lamento não lhe ter dado um grande abraço e conversado com ele na última vez que o vi e o cumprimentei na presença de meu pai. É que eu estava aflito para entrar num banco, onde havia um dinheiro para receber e que tinha demorado muito. Foi imperdoável da minha parte.

Em 1965, já no Rio, lhe pedi, através de meu pai, uma carta de recomendação que juntaria com outras, as do querido e admirado professor Viveiros, de inglês, de quem fui aluno nota 10 no período do ginásio, no Domício (famoso e popular colégio particular dos irmãos Magalhães), principalmente nos anos cinquenta, sessenta, e no científico, no Liceu Piauiense. A carta do professor Domício era igualmente cheia de boas referências sobre minha vida de estudante.

O objetivo dessas cartas era atender a uma exigência da burocracia do setor de bolsas de estudos aos Estados Unidos, a cargo do IBEU, sigla para o tradicional curso de inglês, Instituto Brasil-Estados Unidos, célebre pelos seus seminários anuais de professores de inglês vindos de quase toda as partes do país e pelo alto nível do seu TTC (Teacher’s Training Course), curso de formação de professores, naquela época considerado de alto nível. O IBEU realizava /realiza também os exames de Michigan, concedido pela Universidade de Michigan por longo tempo muito concorrido por estudantes ávidos de ostentar a sua proficiency oral e escrita na língua inglesa.A eles me submeti com sucesso, sendo que o meu certificado data de 1982.

Tinha me inscrito como candidato a uma bolsa de nível undergraduate, o que corresponderia a um nível entre o curso secundário, o equivalente ao ensino médio de hoje e a universidade. Nos Estados Unidos o curso duraria um ano e meio. Passara bem nos exames escrito e oral. Já tinha feito uma entrevista com o setor encarregado das bolsas. Juntei, depois, todos os documentos. Estava pronto a embarcar. Diziam que viajaria em navio militar.

As cartas de recomendação, sobretudo as do professor Lysandro e do professor Viveiros, eram muito elogiosas, especialmente porque falavam bem de meu caráter como estudante. A do professor Viveiros viera redigida em inglês, com todas as formalidade de um correspondência oficial dirigida ao governo americano. Até me lembro de algumas frases, entre as quais, forçando a memória, “To whom it may concern”. O aluno em questão “was an exceptional student while I was his high school English instructor” “He is congenial...” “I can highly recommend him as a good representative Brazilian student in the United States.”

Não tenho cópia das cartas que tanto me lisonjearam e me estimulavam a estudar no exterior. Uma semana antes do embarque, recebi uma carta do IBEU lamentando que a minha bolsa tinha sido cancelada. Foi uma ducha de água fria no espírito caloroso daquele adolescente de dezoito anos. O pior era que já tinha me despedido de alguns amigos mais chegados. Decepção sem tamanho! A carta, como consolação, ainda afirmava que, no ano seguinte, poderia tentar outra vez.

Mais tarde, pensando bem, deduzi a razão do cancelamento da minha bolsa de estudos. Na mencionada entrevista que tive com uma senhora do setor de bolsas, eu havia declarado não ter condições financeiras de ordem familiar para o meu sustento (alimentação, hospedagem e outras despesas) lá fora. A bolsa apenas incluía a gratuidade dos estudos, do curso. Não tentei. A decepção feriu muito profundamente a minha sensibilidade de jovem. No ano seguinte, entrara para cursar letras na Faculdade Nacional de Filosofia. Na época, não atinei para a iniciativa de tirar cópias daquelas cartas maravilhosas de meus ex-professores.

Após essa digressão com a qual não contava como assunto central destas memórias, machadianamente volto ao sugerido no título deste texto.

A Rua Arlindo Nogueira tem uma capital importância na minha vida de escritor. Foi naquela casa grande e de varanda ampla que me iniciei na arte de escrever e de me sentir inclinado para o resto da vida à escrita e à leitura. No entanto, não vou agora detalhar esse aspecto, pois o que me interessa aqui é comentar aquele lado da vida m ais pessoal e mais íntimo, que é o despertar para o amor. Sentimento indispensável da vida de qualquer ser humano, vou recolher os primeiros frutos dele através da imagem espácio-temporal localizada a partir de uma das janelas para fora da qual dirigia o meu olhar com aquilo que virou hábito: à tardinha, apreciar sobretudo as belas meninas que todo dia passavam pela rua, ora para casa, ora para outros lugares. Ali estavam elas graciosas, de todos os tipos e para todos os gostos: morenas cor de jambo, alvas, louras, algumas bem torneadas, com as curvas mais harmoniosas, ou seja, as curvas de Niemeyer..

Obviamente, não poderia ter a pretensão de que todas também me dessem um olhar mais faceiro ou que me correspondessem sempre (que pretensão!) ao meu próprio olhar de jovem romântico em plena adolescência. A minha casa tanto dava para a Rua Arlindo Nogueira quanto para a Rua São Pedro. Nesta é que a minha casa tinha sua entrada, uma espécie de espaço pequeno em  que bem se  poderia ali plantar flores e fazer um jardinzinho. Era uma entrada apenas aparente, visto que por ali se podia ter acesso a um quarto especial ou, usando uma palavra mais antiga, porém apropriada ao tom deste texto, para a alcova justamente o espaço sagrado de meus pais. O quarto, além disso, servia para ocupar duas estantes apinhadas de livros, preciosos livros! As estantes eram grandes, sólidas e de boa madeira. No teto delas meu pai colocava caixas grandes de papelão, repletas de antigos recortes de artigos de diversos jornais para os quais havia colaborado ou ainda colaborava assim como revistas, anotações de estudo de língua estrangeira, material esse datado do início de sua carreira de jornalista e professor, primeiro em Amarante, depois, em Teresina.

Na casa das Ruas Arlindo Nogueira e São Pedro, praticamente iniciei a minha vida amorosa, as minhas aventuras juvenis à procura da simpatia feminina que às vezes não surtia o efeito desejado. Qual adolescente que não se frustra com um amor não correspondido? Decepciona, dói, mas, como tudo nesta vida, cura com o tempo. Era uma época grandiosa sob todos os aspectos. Amores idos e vividos. Amores partidos. Até amores sonhados. Amores nunca percebidos plenamente pela outra parte. Ficava apenas na vontade de amar, o que é dilacerante para os adolescentes.

Aquela janela, inscrita num tempo pretérito, virou uma forma de metáfora de uma época em que começava a forjar as experiências que me levariam a outros amores, agora adultos, e as experiências com o ato da escrita, também com as suas mudanças, suas tentativas de melhor comunicar o sentimento e o pensamento lógico em variadas formas e em tempos superpostos que me chegam até os dias de hoje.A Rua Arlindo Nogueira, esquina  com a São Pedro, é o princípio de tudo na vida deste  escritor. 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Aos meus leitores (To my readers)

Prezados leitores:

Estarei afastado  deste blog de hoje ao final de  dezembro de 2012.Feliz Natal! Feliz Ano Novo!
Obrigado!

Dear readers:
I'll be away from this blog from now  until  the end of December of 2012. Merry Xmas and  a happy New Year.
Thank you!


segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

São Paulo: na linha de fogo




Cunha e Silva Filho





São Paulo, a mais importante cidade brasileira, na sua capital e em partes do seu interior, está atravessando um dos piores momentos de sua história. Em artigo aqui postado, já a comparei a uma pequena Síria de Bashar Assad. Não é que teime em tornar o assunto violência algo sensacionalista. Longe disso. Não sou paulista mas sou brasileiro e a grande capital tão amada por Mário de Andrade (1893-1945) e por tantas ilustres personalidades dos vários setores culturais está encalacracada num redemoinho assustador que, diariamente, vai ceifando vidas, seja de policiais da ativa,ou policiais  aposentados, seja de jovens pobres, em alguns caso,  sem antecedentes criminais,  que vão sendo assassinados à luz do dia, à noite ou nas madrugadas.

O Comando Geral da Polícia Militar de São Paulo já está em outras mãos, assim como o Secretário de Segurança. Estudam-se novos planos de combate à violência galopante. O cenário tem muitos pontos comuns com uma espécie de guerra civil ou de terrorismo à brasileira. Todo mundo está apreensivo. .Fala-se que a Polícia paulista está preparada. Na prática, porém, isso não corresponde à verdade dos fatos. A mídia está aí dando alarmes e, neste ponto, prestando inestimável serviço aos órgãos de segurança. Sem a imprensa, falada, escrita, televisiva, sem alguns programas especializados no tema da violência, sem os competentes comentaristas da área de segurança, sem a ajuda de sociólogos e antropólogos, o trabalho da Polícia seria menos eficiente.

Não é possível que a luta sem trégua contra o crime organizado não consiga reverter os gargalos nos quais se situam os alvos certos a fim de que os policiais ganhem essa guerra urbana, porque afeta mais a capital. Já é tempo de que o governador, em vez de retórica inócua, passe a tomar medidas, sendo uma delas a ajuda do governo federal, da Força Nacional, da Polícia Federal, combatendo ferozmente aqueles lugares- -chaves de onde partem ordens de traficantes e criminosos de alta periculosidade que, dos presídios estaduais ou federais, ainda enfrentam as forças públicas.

A Polícia Federal é um dos órgãos de segurança e investigação dos mais competentes que temos. Se o governo paulista pedir o auxílio da PF, que dispõe de potencial de inteligência e de investigação de alto nível, não descartando também a presença das Forças Armadas com a logística e a infraestrutura prontas a agirem em defesa da ordem pública em São Paulo, acredito que, numa força-tarefa conjunta e solidária, muito poderia lucrar a vida do cidadão em São Paulo. Seria um combate visando ao desmantelamento das facções criminosas, atacando realidades cruciais como o tráfico de drogas, o contrabando de armas e vigilância nos presídios. Ao abortar esses nós do crime, seria possível reduzir, se não a zero, a níveis suportáveis de criminalidade.

Por outro lado, seria conveniente atacar outros flancos da problemática da violência: a venda de drogas para as camadas mais altas da sociedade, punindo o vendedor e localizando os usuários, encaminhando estes a tratamentos contra o vício. Uma outra recomendação seria, a médio e longo prazos, investir na educação pública de jovens de famílias de baixa renda, presas fáceis dos aliciadores do tráfico.

A educação é o meio mais adequado a mudanças de comportamentos sociais. Sabendo dar a devida orientação e competência às nossas crianças e adolescentes, através de um ensino-aprendizagem atualizado e voltado para uma formação humanística sem desprezar o contexto técnico-científico da formação educativa do discente, dificilmente teríamos, num futuro próximo, jovens e adultos desvirtuados psicologicamente

Compete ao Estado brasileiro mudar drasticamente esse quadro deplorável de desordem social nesta fase de desenvolvimento,   mesmo  com a agravante dos escabrosos casos de corrupção na estrutura da máquina administrativa e burocrática em que o país se vê enredado para vergonha dos países civilizados que não mais enfrentam, no mundo contemporâneo, tão altos graus de violência como o nosso.O binômio violência-corrupção  é o que mais fere a dignidade da  nossa sociedade. 

A violência de outros países no Oriente, na África e na Ásia são de natureza diferente. Não se prestam a parâmetros para a situação típica da sociedade brasileira.

Urge que o Brasil no seu todo menos açoitado pela violência, de diversos modos, contribua solidarizando-se com  os paulistas, e sobretudo com os paulistanos nesta fase de elevada criminalidade que, se não for controlada, poderá trazer sérios problemas para a indústria , o comércio o turismo e, portanto, para a posição econômica de que o grande estado brasileiro – carro-chefe de nosso desenvolvimento em todos os nívei - desfruta soberanamente em comparação  com todos os estados  do país..

sábado, 1 de dezembro de 2012

O Brasil e o Intocável



Cunha e Silva Filho


Vasculham-se as vidas  de profissionais e mesmo  a vida pessoal de indivíduos. Só um não pode ser vasculhado. Segredo de Estado. O melhor será o silêncio sobre ele e seus feitos ou malfeitos. Nosso homens são objeto de julgamentos, de CPIs, de investigações da Polícia Federal. Se há boatos sobre o Intocável, as medidas legais não são tomadas. Já alguém que conhece da ciência jurídica uma vez me falou que, se a Justiça não for provocada, nenhuma providência se toma contra certas pessoas do Estado Brasileiro, principalmente do Intocável.

Somos tão bisbilhoteiros, gostamos de fofocas, de conversas ao pé do ouvido, de conversas em off, mas intuímos algumas hipóteses que poderiam ser verdades e, com medo de represálias ou ameaças, até semelhando os tempos da deduragem do país sob o controle militar, preferimos aquele silêncio tão comum em algumas favelas  ainda sob o domínio do tráfico ou das milícias. Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém ouviu.

O silêncio é regra de ouro dos indivíduos que formam a sociedade. Há coisas que só podemos afirmar em público em certos lugares, numa conversa rápida com um desconhecido que nos conta e jura de pés juntos que o objeto da conversa é a verdade verdadeira. Fica, aquela “verdade” apenas no nosso confessionário interior, ou seja, aquele que fazemos com nós mesmos, com a nossa consciência. Ainda bem que não inventaram até hoje a máquina adivinhar ( só talvez paarecendo nos filmes de ficção científica) o que nos vai no mais profundo de nossa alma. Só DeusOnipotente  sabe o que vai no interior ou nos subterrâneos da alma do homem.

Por um lado, se a máquina pudesse registrar todas os nossos pensamentos, estaríamos perdidos e mal pagos. Só escapariam os santos, mas hoje em dia santo é avis rara. No entanto, todos sabemos e não podemos fazer nada, nós pequenos mortais que não habitamos as delícias do poder público.

Há áulicos por toda a parte, prontos a defender, com unhas e dentes, o Intocável. É engraçado, todos dizem às ocultas , mas ninguém quer a revelação da verdade lídima, do fato concreto, da revelação final e vexatória, se não espúria.

Será que o Intocável sabe o que alguns sabem sobre a sua vida na cristalinidade da verdade dura e crua? Não se peja, então, de que a voz de alguns está a par do que sejam os fatos que ninguém quer afirmar cm todas as letras sem medo de ser feliz? O rei está nu, mas, diferente da história, sabe que está, porém todos (ou grande parte) saabem que está nu. Quer dizer,  os dois lados se omitem  por cumplicidade  ou medo.

Da pobreza ao conforto houve lutas , sim, desesperos, gritaria, muitos barulhos, não os de Ferreira Gullar , mas os barulhos que se transformam em galinhas de ovos de ouro. O povão,  a arraia miúda, no seu conjunto maior,  pouco se importa com as verdades ou as mentiras palacianas. O povo quer é viver, quer é o lado dionisíaco da existência, não os resmungos dos conscientes e dos homens de bem, tão carentes em nosso país.

E, dessa maneira, o Intocável vai tocando os frutos e os ócios conseguidos e consolidados na vida presente e até mesmo estendo-os a descendentes.

Há uma certa analogia às avessas entre a prisão do personagem central Joseph K.de O Processo (1925),  de Kafka (1883-1924)  e a verdade oculta que os indivíduos de nossa pátria sabem. Dela têm conhecimento, mas nada podem fazer contra. Ficamos todos amarrados em nossos medos e em nossas rebeldias que não passam de indignações pessoais, grupais, ou coletivas que não vicejam nem se materializam no nosso cotidiano.

Vivemos uma meia realidade e, depois, não me venham, afirmar que só no comunismo não se pode dizer as verdades e o nosso descontentamento sobre algumas figuras da vida nacional.

Nossas comportamento é mesmo burguês, individualista, sem um fio que uma todos os brasileiros verdadeiramente patriotas. O nosso forte é falar da vida alheia pelas costas. Não passa disso. Somos abúlicos, preferimos manifestações encenadas e orquestradas de natureza carnavalesca. No entanto, quando o bem comum exigiria a participação de todos os nacionais, aí nos desintegramos como seres sem cumplicidade para as grandes causas do país. Só em poucas ocasiões da história brasileira, o país se viu mais unido. Somos um povo que aguenta tudo, menos a falta do carnaval,  alta inflação, futebol mulheres bonitas e supermercados vazios de produtos alimentícios. Lembram-se do tempo do cruzado da era Sarney? Suportamos impunidades, injustiças, falta de hospital, violência enquanto tudo isso não nos atinge como um todo e de forma anárquica.

No plano político, votamos mal, escolhemos maus representantes do povo,  votamos novamente em governantes velhacos e vamos levando a vida como se tudo estivesse no melhor mundo possível. Se o país teve ganhos na melhoria de  grande parte de brasileiros, não queremos saber de como a engrenagem funcionou para chegar até esta posição mais confortável. O que importa para o homem comum brasileiro é o seu individualismo, seu egoísmo, ainda que um malabarista  permaneça imune a algum julgamento público.

No país do futuro, ou no país do ontem sempre e continuado, vale a força da realeza em clave “democrática”, onde tudo é possível fazer, menos mudar as delícias pantagruélicas de um rei Intocável de fato e de direito.

Nota: Nova  versão  devido a  incorreções sanadas a tempo.