domingo, 28 de março de 2010

Uma figura exemplar



Cunha e Silva Filho



Há alguns anos, passando por uma difícil fase existencial e material, recebi de uma colega do magistério uma fita com mensagens gravadas por Chico Xavier (1910-2002) cujo centenário de nascimento se está comemorando agora e com todo o merecimento possível a que essa personalidade humana tem direito. Inclusive, estreará, em abril próximo, um longa-metragem sobre a vida do grande médium brasileiro, dirigido por Daniel Filho e baseado na biografia escrita por Marcelo Souto Maior.
Não me dei ao trabalho logo de ouvir as mensagens do famoso médium brasileiro, cujos poderes mediúnicos cedo percebidos pela família foram, a princípio, tidos como sinais de alienação. Essa anormalidade mental foi logo descartada pelo reconhecimento de que ele não passava de um genuíno médium a serviço da prática do bem social, da caridade e da procura de disseminar o bem como princípio de vida. Chico Xavier,, pelas virtudes e ações demonstradas, passou a ser um líder espiritual que conquistou os corações praticamente do país inteiro. Seu Centro Espírita em Uberaba virou um lugar de peregrinação, procurado por todas as classes sociais, por toda gente que nele procura encontrar a paz e o acalanto para inúmeras tristezas e dores.
Um dia, contudo, coloquei a fita no rádio-gravador e ouvi com atenção o que dizia o médium. Logo no início das palavras de Chico, percebi uma sensação agradável de alguma coisa que me deixava menos tenso, menos pesado. Era uma espécie de onda magnética que produzia em meu íntimo um bem-estar indescritível.Essa sensação escondi-a de todos. Só dizia respeito a mim e só agora estou revelando.
Me recordo que as palavras do médium, se não mudaram as minhas inquietações e angústias, produziram alguma alteração no meu espírito, no meu pequeno e solitário mundo interior. Numa palavra, só me fez bem ter ouvido aquele conteúdo cujo centro de maior interesse ou valia estaria localizado numa forma de vida conduzida com o sentimento do amor, da paz e da felicidade servindo de elementos de contraponto às minhas apreensões e aos meus dissabores diante da existência.
Nunca mais ouvi a gravação. Nem tampouco sei se ainda a tenho no meio dos meus pertences. Possivelmente, possa estar em algum lugar esquecido entre tantos livros e papéis antigos.
Vendo a reportagem na TV comemorativa dos cem anos de nascimento do grande médium, vejo que, entre as informações que colhi de sua vida e de sua obra, há um indiscutível ponto de intersecção que por isso mesmo agora vem reforçar o valor dessa criatura fisicamente frágil, de voz mansa, cuja passagem na Terra representa um marco positivo de possibilidade de se pensar o mundo espiritual como uma dimensão que não pode ser negligenciada. Ao contrário, somente tende a crescer em nós a convicção de que a mera ação prática desse homem, em interação com os seus semelhantes, já lhe permite um lugar sobranceiro no panteão daqueles que vieram ao nosso planeta com uma missão: a de apenas fazer o bem e a de concretizar uma das bases principais do Cristianismo, ou seja, o amor ao próximo, ou, conforme suas palavras, “amar aos outros sem esperar nada em recompensa, apenas amar.” Tal fundamento de humanidade cristã me parece um dos pilares para a conquista da paz entre os homens. Não foi à toa que o nome de Chico Xavier foi uma vez cogitado para o Prêmio Nobel da Paz.
É assombrosa a produção psicografada pelo médium. Somam mais de quatrocentas obras, nas quais o seu guia espiritual Emanuel transmitiu-lhe textos discorrendo sobre temas múltiplos em vários gêneros literários, sem contarmos a numerosidade de mensagens psicografadas no cotidiano da vida do médium.
Sua predisposição como líder caridoso foi impressionante. Sua falta deixou um vácuo. Sua obra assistencial ainda permanece. Sua atitude como privilegiado psicógrafo espiritual concorreu decisivamente para a ascensão da doutrina cardecista no país. Não sei, entretanto, se Chico Xavier estudou e pesquisou a doutrina de Allan Kardec (1804-1869). Só sei que seu trabalho de cunho social-assistencial, independentemente de paradigmas religiosos, merece a admiração e o respeito dos brasileiros.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Crime de lesa-pátrria

Crime de lesa-pátria


Cunha e Silva Filho



Lendo o artigo-protesto do Alberto da Costa e Silva, “Em defesa de Amarante”, postado em destaque na coluna do site Entretextos, de Díson Lages, a primeira reação que tenho é de absoluta indignação e perplexidade. Parece uma piada de mau gosto de algum mentecapto tecnocrata que não tem nenhuma noção do que seja a existência de uma cidade do nível cultural, histórico, social, paisagístico e arquitetônico, que é o belo município de Amarante. Só a simples idéia de acabar com uma cidade do porte de Amarante vale como atestado de insanidade e de desrespeito pelo país e pelas leis do Estado Brasileiro.
Querer construir uma usina hidrelétrica que implique a destruição de uma cidade-tesouro de tradições do estado do Piauí não passa de uma plano diabólico engendrado por energúmenos sem sentimentos e nem respeito aos direitos de preservação, direitos inalienáveis que não podem ser alterados ou anulados sem o repúdio conjunto de seus habitantes e sobretudo dos filhos que nasceram, cresceram e têm vivido no solo amarantino. Não é possível que a população de Amarante não reaja energicamente contra qualquer ideia estapafúrdia como esta de que estou tendo conhecimento agora.
Quer-me parecer que não estamos atravessando uma fase discricionária por parte dos governantes deste país. Há limites de tolerância para atos criminosos contra o patrimônio público. Os filhos de Amarante devem urgentemente unir-se, através de todos as vias legais e até recorrendo a órgãos internacionais, no sentido de coartar qualquer violência dessa natureza contra a cidade de Amarante. Esse plano nem ao menos pode ser motivo de debate. Sua inspiração é de natureza tresloucada e extrapola todos os limites racionais.
Não é porque seja eu também filho de Amarante, assim como meu pai e meu avô paterno, que esteja me solidarizando com todos os filhos de Amarante. Eu o faria da mesma forma que ideias semelhantes estivessem sendo objeto de cogitação em outras cidades brasileiras.
Conclamo desta minha coluna que o povo de Amarante e de todo o estado do Piauí se una corajosamente contra essa pretensão governamental. Seria – e sei que a ideia não vai vingar - o maior ato de covardia e de ausência de visão político-geográfica que a história do Piauí poderia sofrer sem considerarmos as consequências altamente nocivas para o governo do estado piauiense, para seus legisladores e principalmente para a péssima imagem que os brasileiros de outros estados teriam caso tal ideia se transformasse em ato concretizado.
Fazer desaparecer um município da envergadura cultural de Amarante seria o maior desserviço que o atual ou o qualquer governo futuro governo estadual poderiam estar prestando ao povo de Amarante.
Qualquer proposta neste sentido seria uma ação de lesa-pátria, condenável por todas as formas imagináveis ou inimagináveis, sobretudo se levarmos em conta os valores materiais e culturais de Amarante.
O município de Amarante detém um patrimônio não só do seu espaço físico, mas sobretudo de sua memória histórica, do seu legado literário dos mais férteis do estado piauiense. Amarante não é qualquer municipiozinho criado para atender a interesses meramente politiqueiros. A cidade de Amarante é a cidade de Da Costa e Silva, o maior poeta do Piauí e um dos poucos autores piauienses que ganhou notoriedade nacional, até hoje estudado pelas novas gerações de intelectuais da terra piauiense. Historiadores, políticos de projeção nacional, escritores de grande talento, jornalistas do mais alto conceito e amarantinos ilustres nos diversos campos da atividade humana nasceram em Amarante. Ou seja, a cidade é orgulho dos piauienses em geral, não apenas dos amarantinos.
A cidade tem grande potencial turístico conforme salientou o historiador Alberto da Costa e Silva, filho do poeta-maior piauiense e ele próprio amante da cidade natal de seu ilustre pai. Grandes intelectuais como Odilon Nunes, o jornalista e professor Cunha e Silva, o sociólogo e poeta Clóvis Moura, entre tantos homens e mulheres da intelectualidade amarantina, já falecidos, por certo se vivos fossem estariam na vanguarda censurando e defendendo heroicamente, com unhas e dentes, o direito universal da inviolabilidade físico-espacial-geográfica do município de Amarante.
Através desta coluna estarei atento em defesa da minha terra natal e defendendo com a força das minhas palavras e do meu sentimento incondicional a intocabilidade de Amarante e o seu justo direito de permanecer como uma das cidades mais interessantes e merecedoras do orgulho que desfruta junto ao povo piauiense. Qualquer tentativa de afogá-la em águas inimigas será considerado um crime hediondo contra o seu rico patrimônio histórico-cultural. Os inimigos de Amarante receberão sem dúvida a execração dos seus filhos e dos que a amam acima de tudo Tenho certeza de que Amarante não servirá de holocausto das mesquinharias e artimanhas das ideias insanas dos homens maus.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Fernando Pessoa: "Sonnet XXIV"

Fernando Pessoa: “Sonnet XXIV”



SOMETHING in me was born before the stars
And saw the sun begin from far away.
Our yellow, local day on its wont jars,
For it hath communed an absolute day.
Through my Thought’s night, as a worn robe’s heard trail
That I have never seen, I drag this past
That saw the Possible like a dawn grow pale
On the lost night before it, mute and vast.
It dates remoter than God’s birth can reach,
That had no birth but the world’s coming after.
So the world’s to me as, after whispered speech,
The cause-ignored sudden echoing of laughter.
That’t has a meaning my conjecture knows,
But that’t has meaning’s all it meaning shows.


Soneto XXIV

ALGO em mim antes das estrelas surgiu
E viu das grandes distâncias do sol o nascer.
Com seus cântaros costumeiros nosso dia amarelo na terra
Se fez perfeito num dia absoluto o encontro.
Tal qual uma cauda sentida de um manto gasto
Que jamais vi, pela noite do Pensamento arrasto este passado
Que viu o Possível semelhante a uma alvorada empalidecida
Antes dela na perdida noite, muda e vasta.
Mais remota é sua origem do que de Deus o nascimento
Que sequer data tem, salvo o futuro do mundo,
De sorte que pra mim o mundo é, após a língua sussurrada,
O repentino eco de uma gargalhada cuja causa mistério é.
Bem posso imaginar que ele tenha um sentido
Negá-lo impossível é, pois sentido tem e o demonstra.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

terça-feira, 23 de março de 2010

Uma imprudência

Uma imprudência


Cunha e Silva Filho

São 11 horas da manhã no bairro da Tijuca. Não confundir com Barra da Tijuca, que é outro bairro carioca. Estou na rua (a rua é o perigo, um antropólogo já o disse) fazendo uma caminhada cujo percurso é praticamente um quadrado, contudo, uma quadrado meio capenga, desses feitos por uma criança que ainda não sabe ler nem escrever, apenas faz uns rabiscos engraçados que são a alegria dos pais ou avós. Falei que o percurso forma um quadrado meio capenga, sem as devidas simetrias e ângulos geometricamente mensurados. Nunca, porém, fui bom em geometria. Ainda andei manuseando com certa curiosidade e por algum tempo apenas um velhíssimo compêndio de geometria de meu pai.. Minto, eram dois, um da antiga e famosa edição da FTD, com todo o rigor do seu Nihil Obstat.
Admirava as figuras geométricas. Todavia, ao passar para os exercícios de aplicação, lá se ia minha boa vontade de dominar os esquadros, compassos, réguas, transferidor e outros apetrechos da disciplina. Leitor, há coisas que admiramos, julgamos vitais ao conhecimento médio de um indivíduo que tenha concluído o científico, hoje, ensino médio. Oh, mudanças de nomes e permanências de status quo!
Estou, agora, entrando pela rua Almirante Cochrane, uma rua meio arborizada. Do outro lado da calçada, avisto o enorme relógio digital, ora indicando a temperatura em centígrados, ora a hora - perdoe-me, leitor - pelo involuntário eco. Deus meu! O digital registra qua-ren-ta e se-te graus! Não acreditei. Procurei o primeiro transeunte com quem me pudesse solidarizar. Perguntei-lhe se aquele relógio estava correto. A resposta foi afirmativa. “Naquele ponto exato em que está, com todo o céu aberto para ele, concentrando todo o calorão circundante na terra e no céu, o relógio está, sim, certo. É isso mesmo.” Meu Deus! Onde estou...? Numa região tórrida da África?
Rio 47 graus. Aí me vem sempre o nome daquele filme brasileiro, “Rio 40 graus”, de 1955, a que sempre associo quando penso no calor carioca. Por falar nesse filme, a exibição tinha sido proibida pelos militares, em particular pelo então chefe de policia alegando que a temperatura do Rio não atingia 40 graus C, e o registro de 40 graus do titulo do filme seria uma “mentira” que provavelmente alarmaria as pessoas e sobretudo turistas. O máximo, segundo o arremedo de ditador, atingiria 39.6º C. Quanta inteligência! E se compararmos com hoje? Seria trágico-cômico.
Para as minhas limitações de resistência física às altas temperaturas, isso me dá calafrios. Me dá por vezes vontade de imitar Orson Welles (1915-1985) e, assim, de uma estação de rádio local( hoje seria melhor dizer televisão ou internet) gritar para o mundo que a Terra está se derretendo de tanto calor, virando um caldeirão do tamanho do mundo. Confesso, francamente, jamais ter experimentado tanto calor. De 1964 pra cá, que é meu tempo de residência no Rio, algo estranho está acontecendo com o nosso Rio 40 graus. Essas altas de temperatura, com muito mais frequência, nos fazem ir ao banheiro e, aí, me vem à mente outra cena fílmica, agora de Hitchcock ( 1899-1980) em que a bela Janet Leigh (1927-2004) se torna vítima fatal, durante um banho de chuveiro, de um psicopata no filme “Psicose”(1960)
O pior é que ninguém agora se importa com nada. A vida continua na sua indiferença. Os adeptos do calorão fazem a festa no hedonismo das praias brasileiras e sobretudo cariocas. Ninguém mais atina para essas diferenças brutais de aumento do calor.Viva a dolce vita felliniana!
Dobrei apressando os passos uma outra rua à direita. Que refrigério! A rua é arborizada e mesmo sopra uma leve e deliciosa brisa. Minha blusa esta encharcada mais do que de costume.
Ando, ando. Atravesso um pequeno largo e retomo o caminho de casa por uma rua de casario velho que, afortunadamente, é bem arborizada, de lado a lado. Aí sinto o quanto é valioso espalhar o verde pela cidade. Só a sombra nos salva. A sombra, por sinal, funciona como um alerta que, partindo do individuo, chega à coletividade. Só esta, transformada em humanidade solidária, amiga da Natureza, pode aos poucos colocar a questão das altas temperaturas como pauta constante e prioritária no dia-a-dia das pessoas.Tema relevante, de segurança mesmo global, que é mister equacionar em escala mundial, através de fóruns, seminários, simpósios, através de uma mídia em defesa da vida, enfim, de todas as formas que possam mobilizar a consciência dos homens deste Planeta para uma guerra contra o aquecimento mundial. Precisamos, assim, mais do que nunca, de líderes mundiais isentos de compromissos meramente econômico-financeiros, trabalhando incansavelmente pela sobrevivência do homem no Planeta.
Mais adiante, alcanço o meu prédio. Foi decerto impudência minha sair à rua quando o sol estava quase a pino. Mas, andar é preciso.

domingo, 21 de março de 2010

Agradecimentos ao Paraná

Agradecimentos ao Paraná


Cunha e Silva Filho


Estive há poucos dias em Curitiba, capital de um estado brasileiro onde ainda felizmente podemos morar com mais tranquilidade. Lá há muito verde, bom clima, lindas e altaneiras araucárias, um belo e majestoso centro da cidade, excelentes shopping centers, bons restaurantes. A cidade é limpa, tem amplas ruas e avenidas, e, como toda cidade que se preza, ainda tem o equilíbrio de combinar o velho e o novo sem exageros. Curitiba tem, contudo, trânsito já bastante movimentado e já apresenta, em certas horas, engarrafamentos. Seu transporte rodoviário - dizem os mais velhos – já foi melhor. Seus motoristas de ônibus não apresentam ainda um quadro da neurose das grandes urbes brasileiras. A cidade ainda não possui metrô. Oxalá não cresça muito para não o ter. Quando uma urbe tem metrô, é sinal de que seu tráfego já se tornou insuportável, como nas megalópoles.
Em Curitiba estive por duas razões principais: rever meu filho Francisco Neto, sua esposa, e minhas netinhas, duas lindas meninas. Viajei acompanhado de minha mulher, Elza. Do prisma familiar, a viagem e a estada foram perfeitas. A segunda razão foi realizar um segundo lançamento de meu livro Breve introdução ao curso de Letras: uma orientação.
Devo a oportunidade do lançamento à amizade que fiz com um casal admirável, a Roza de Oliveira e o Julio Enrique Gómez. Conheci o casal numa das minhas viagens de ônibus do Rio de Janeiro para Curitiba. Roza é professora aposentada universitária de literatura, escritora, conferencista, poeta, ensaísta, declamadora exímia e notável trovadora. Julio Gómez é argentino de nascença mas curitibano de coração. É professor de piano, teoria e solfejo, concertista e pianista de música erudita e internacional. Ambos formam um par perfeito, quer afetiva, quer intelectualmente.
A poeta Roza de Oliveira nasceu no estado do Rio de Janeiro, na cidade de Santo Antônio de Pádua. Aos sete anos, foi com seus pais residir no interior do Paraná, na cidade de Paranavaí. Nessa cidade, estudou e se graduou em Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras. Fez Mestrado em literatura brasileira pela Universidade Federal de Santa Catarina, em Florionópolis. Em Paranavaí, iniciou sua atividade docente. Em 1979, mudou-se para Curitiba e foi lecionar literatura na Universidade Tuiuti a partir de 1996. A vida literária de Roza de Oliveira – pode-se afirmar a bem da verdade – tem sido pontilhada de intensa atividade, seja como escritora, seja como professora, seja como membro de importantes instituições culturais, sobretudo associadas à poesia, o que fez com que ela se tornasse uma figura de grande expressão no meio intelectual paranaense.Como se não bastasse tudo isso, Roza ainda mantém um outro encargo na área literária, que é sua atividade docente na Oficina Permanente de Poesia, promovida pela Biblioteca Pública do Paraná e pela Academia Paranaense de Poesia.
Com o pianista Julio, Roza está permanentemente realizando eventos lítero-musicais praticamente em todo o estado paranaense e – diga-se – com sucesso.
Nunca me deparei com um casal que constituísse uma espécie de unidade artística superior formada de alma, corpo, poesia e música. Esse casal culto, generoso, amigo, hospitaleiro, prestativo foi, no plano da amizade, um dos acontecimentos mais comoventes e caros que já me ocorreu nos últimos anos.
Foi, por intermédio de Roza e por seu prestigio e recomendação que entrei em contato com a Chefe de Divisão de Difusão Cultural da Biblioteca Pública do Paraná, a Maria da Graça Simão Gonçalves, uma profissional competente e não só competente, mas dotada de rara sensibilidade em favor da cultura, desenvolvimento e difusão da atividade da leitura no estado do Paraná. A Biblioteca Pública do Paraná foi criada em 07 de março de 1857, passou por várias sedes até conseguir finalmente a sua sede definitiva, em construção inaugurada em 1956. Iniciara com um acervo de 251 volumes e hoje dispõe aproximadamente de 500 mil volumes, sem se falar nos periódicos, discos, mapas, manuscritos, fitas de vídeo, CD-ROMs, partituras, livros em Braille e audio-livros. Atualmente, a sua frequêcia de usuários /dia é, em média, de 3.000 e de uma media diária de 1.600 empréstimos, o que a coloca na privilegiada posição de uma das bibliotecas mais visitadas em todo o país.
Lendo com atenção o Boletim Informativo nº 172 – Março de 2010 dessa biblioteca, bem podemos facilmente testemunhar a operosidade e dedicação demonstradas pela direção dessa Biblioteca Pública, na pessoa de Cláudio Gamas Fajardo e no zelo e devotamento exemplares da Maria da Graça Simão Gonçalves, assim com de toda a equipe envolvida no esforço conjunto de tornar cada vez mais eficiente os serviços oferecidos por esse órgão público.
A direção da Biblioteca Pública do Paraná colocou à minha disposição o espaço do seu Hall térreo, possibilitando, dessa forma, a realização do lançamento do meu livro, inclusive exibindo, no quadro mural, uma belo painel reproduzindo eletronicamente, em tamanho grande, a capa do meu livro, assim como, no mesmo plano e em tamanho bem visível, à direita, dados informativos do meu curriculum. A par disso, o serviço de difusão da Biblioteca Pública do Paraná divulgou, de maneira impressa, no mencionado Boletim Informativo, a notícia do dia, data e horário do lançamento do meu livro, inclusive virtualmente, permitindo, assim, que centenas de pessoas ligadas à Biblioteca pudessem ter acesso ao anúncio do evento.
Por outro lado, a minha amiga Roza incumbiu-se gentilmente de enviar notícias via e-mail sobre o lançamento para diversos contatos seus pessoais e institucionais.
Após fazer uma breve apresentação do autor ao público presente a essa tarde/noite de autógrafos, a poeta Roza de Oliveira, declamou, com o talento que Deus lhe deu, belas trovas, plenas de ritmos, de musicalidade, de delicada celebração, ungidas de amor divino, e especialmente escritas para o evento e dedicadas ao autor. Em seguida, fiz uma breve palestra sobre o tema do meu livro, reafirmando aquilo que nele, a meu juízo, merece acentuar: o meu desejo de que os estudos de Letras alcancem um lugar maior de projeção, respeito e de merecido destaque no desenvolvimento cultural brasileiro, visto que a experiência me tem ensinado que nenhum país pode atingir sua maioridade intelectual se não se atribuir um lugar privilegiado aos estudos humanísticos, em especial o estudo da língua e literatura, tanto no sentido nacional quanto universal.
Releva sobremodo frisar que, durante o lançamento, pudemos contar com a apresentação de um excelente repertório musical ao piano a cargo do meu amigo Julio Enrique Gómez. Seu virtuosismo musical foi um dos pontos altos do lançamento e só veio abrilhantar enormemente o evento. Nem é preciso afirmar o quanto isso tudo significou para o meu espírito e para a alegria de minha família.
Finalmente, caberiam por justiça mais dois agradecimentos. O primeiro, ao jornalista Wilson de Araújo Bueno que, na sua conhecida e bem lida coluna da Gazeta do Povo, de Curitiba, anunciou, no dia 13 deste mês, o lançamento do meu livro. O segundo seria dirigido ao editor e livreiro Chain pela gentileza de colocar à venda, na sua prestigiada Livraria Chain, alguns exemplares da minha obra. Com um e outro tive o prazer de entreter proveitosa conversa.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Um poema de William Blake

Um poema de Willian Blake



Tyger

Tyger! Tyger! Burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand dare seize the fire?

And whast should , & what art,
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart to beat,
What dread hand & what dread feet?

What the hammer? What the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? What dread grasp
Dare its deadly terros clasp?

When the saars threw down their spears,
And water’d heaven with their tears,
Did he simile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee?

Tyger? Tyger? Burning bright
In the forests of the night
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry?

Nota: William Blake: poeta e pintor inglês (1757-1827)




Tigre

Tigre! Tigre! luz queimando
Que mão ou olho imortais
Tua sinistra simetria compor poderiam?
Em que profundezas ou céus distantes
De teus olhos do fogo queimaste?
A que asas ousa ele aspirar?
O que a mão o fogo agarrar ousa?

E que ombro, & arte,
De teu coração torcer os tendões poderiam?
E quando a palpitar principiou teu coração
Que mão medonha & que pés terríveis?

E o martelo? E a corrente?
Em que fornalha andava teu cérebro?
E a bigorna? Que medonhas garras
A prender seus mortais terrores se atrevem?

Quando suas lanças as estrelas projetam
E o céu debulham com suas lágrimas,
Sorriu ele pra ver sua obra?
Ele, que fez o Cordeiro, fez a ti também?

Tigre! Tigre! luz queimando
Nas florestas noturnas
Que mão ou olhos imortais
Tua sinistra simetria compor poderiam?

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

terça-feira, 9 de março de 2010

Fernando Pessoa: "Sonnet XXIII"

Fernando Pessoa: “Sonnet XXIII



EVEN AS UPON a low and cloud-domed day,
When clouds are one cloud till the horizon,
Our thinking senses deem the sun away
And say “’tis sunless” and “there are no sun”;
And yet the very day they wrong truth by
Is of the unseen sun’s effluent essence.
The very words do give themselves the lie,
The very thought of absence comes from presence:
Even so deem we through Good for what is evil.
He speaks of light that speaks of absent light,
And absent god, becoming present devil,
Is still the absent god by essence’ right,
The withdrawn cause by being withdrawn doth get
(Being there by cause still) the denied effect.


Soneto XXIII

MESMO QUANDO SOBRE um dia baixo e com nuvens em zimbório
Ao tempo em que até o horizonte nuvens únicas se tornam,
Do pensamento nossos sentidos creem que sumira o sol
E dizem “Sem sol” e “o sol se foi”;
Entretanto, o próprio dia a verdade ofendeu,
É essência efluente do sol oculto,
Traídas são até as próprias palavras,
Da ausência o próprio pensamento da presença nasce:
Mesmo assim o Bem pelo mal julgamos,
Quem da luz fala, da ausência dela também fala
O deus ausente, tornando-se o diabo presente,
Por direito de essência o deus ausente ainda é.
Por ser retirada a causa retirada consegue, sim,
(Sendo com isso causa ainda) o efeito negado.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

segunda-feira, 8 de março de 2010

Meu reino por um mercado

Meu reino por um anúncio

Cunha e Silva Filho


Você já imaginaram, leitores, um jornal de grandíssimo porte que tudo faz desde que o “abre-te sesamo” lhe entre nos polpudos cofres? Não importa que alguém tenha alma, tenha espírito, tenha crença, seja ateu, seja velho, moço, criança. O que importa é que seja um objeto de lucro, de lucro insaciável. Com os diabos os valores morais, éticos, intelectuais, o passado, o currículo de alguém, o que tenha feito, o que não tenha feito. Aquilo que se levará sempre em conta será o vil metal, o tilintar das moedas, não patacas, tostões, mil réis, cruzado. Importa, e muito, se for real, dólar, libra esterlina, euro ou assemelhado. Para o cofre! Eia, esta é solução única, desejada, agradecida, bem-vinda. O que estiver fora desse campo magnético, ó maravilhas do presente imediato, do hic et nunc, do certo e líquido, do acertado e combinado e, principalmente, do pago antecipadamente, com dinheiro, cash, cartão de crédito, débito ou outro processo virtual/real desde que encha, encha, encha até a tampa do cofre surdo aos valores metafísicos, aos valores da vida cultural, do passado histórico-literário, da participação outrora de movimentos de mudanças e novos rumos das letras nacionais. De produção criada com a dor do coração ensanguentado, das noites mal dormidos.
Se não estás na mira da mídia, da arte massificada, do pouco-tempo, do estrelato fabricado, vá tirando teu cavalinho da chuva, que nada e ninguém te virão em socorro na vida e sobretudo no além-túmulo. Oh, tristes figuras erráticas do além-túmulo que viveram angustiadas pela espera do sucesso honesto e desapadrinhnado! A memória no país dos Bruzudangas é curta e injusta. Enterra, mesmo quem não deveria ir para o limbo do “never more”. E o faz sem dó nem piedade. Piedade por quê? Não há piedade na náusea humana.
Não há misericórdia para os esquecidos, para os que morrem de fome de justiça, de ansiedades e angústias no nosso meio lítero-cultural ( me perdoem o provincianismo da expressão). São, como certa vez, já disse, os outcasts de Poker Flat. Sim, desterrados e enterrados com o espírito afundado no sofrimento de ter passado na Terra sem ter sido merecidamente recompensado, não em dinheiro ou fortuna de bens móveis ou imóveis, de dividendos, de overnights acumulados e egoisticamente guardados no cofre da perdição da alma, mas recompensados pela virtude do merecimento, dos feitos de ter tornado a vida chã mais fértil em estesias e deslumbramento que só a Arte pode conseguir. Bolas para a alma! O importante é o mercado, o lucro – esse o orgasmo dos milionários. Nada de valores estéticos, os únicos que contentariam o homem de letras que nasceu vocacionado para os embates da criação intelectual.
Sonhaste o sonho dos inocentes, dos que julgavam a princípio que a partida da corrida teria um um happy end. Contudo, happy ends só existem no plano do onírico ou nos filmes românticos hollywodianos, no plano mesmo daquilo que viste elaborado com alma e dor em forma de obras, de livros, de projetos, de êxitos perseguidos e, ao final, naufragados. Teus feitos, para o mundo dos espetáculos e das estéreis efemeridades contemporâneas, sobraram apenas para alguns poucos, para íntimos, muito íntimos ou apenas admiradores formando um pequeno grupo. Tudo o mais desapareceu como aquela embarcação de Moby Dick, ou seja, tudo tragado pela força do mar e da natureza indiferentes à sorte dos mortais. O homem se foi, virou cinzas,. Sua obra fica. Ainda que não seja lida agora, poderá sê-lo em outra época. O tempo é esfinge, surpresa e mistério.

sábado, 6 de março de 2010

Crimes sem castigos

Crimes sem castigo

Cunha e Silva Filho

Para Francisco da Cunha e Silva Neto


Nem todas as notícias de crime me chegam ao conhecimento, mas o Rio de Janeiro recentemente foi mais uma vez palco de duas brutalidades inomináveis. Uma na zona oeste, quando um micro-ônibus foi atacado com pedras na vidraça do pára-brisas, nas proximidades da Cidade de Deus, uma favela de proporções gigantescas que tem servido, de resto, para estudos antropológicos e nela se implantou a chamada policia pacificadora do atual governo. Ao abordarem o micro-ônibus, o motorista, em estado de choque, se viu obrigado a parar o veiculo, bandidos lançaram gasolina e , em seguida, atearam fogo no coletivo que logo ia virando uma labareda. A triste circunstância, porém, foi a de que o veículo estava com passageiros. A rapidez das chamas impediu que os passageiros saíssem incólumes do carro,. Ao invés disso, saíram queimados, com ferimentos de queimadura de primeiro e segundo graus. Uma ação horripilante, mais se aproximando de um filme de horror. Os feridos, em estado grave, encontram-se, agora, em hospitais. Os facínoras ainda estão soltos. Fala-se que o ato de extrema covardia e monstruosidade foi praticado por traficantes em represália a uma prisão de um de seus comparsas. Esse foi o motivo vil, abjeto, execrável.
O outro ato de barbárie se deu, por sinal, dentro de um ônibus indo para o bairro da Urca. Nele, um trabalhador, um cozinheiro do Instituto Benjamim Constant , estava sentado do lado da janela. Esta estava aberta, deixando entrar o frio de fora e provavelmente acorrente de ar frio. Um passageiro, que estava em pé, em frente ao cozinheiro, queixou-se de que estava sentindo frio e pediu ou - pode-se deduzir – exigiu que ele fechasse a janela. Foi o bastante para daí haver uma discussão entre os dois que culminou num ato intempestivo levando o passageiro que estava em pé a desferir dois tiros no cozinheiro. Este foi levado para um hospital e lá não suportou os ferimentos, vindo a falecer. Como se vê, foi um crime hediondo, sem justificativa plausível para cometer um homicídio desse porte. Uma pessoa decente, trabalhadora, querida por muita gente que o conhecia, e ainda jovem. Morreu estupidamente por mãos assassinas. Soube que o criminoso era vigilante e tinha quase a mesma idade da vitima.

Dos dois crimes se pode tirar algumas reflexões sobre a potencialidade que o ser humano tem. Como um vigilante pode andar assim armado, um despreparado, talvez um psicopata, trabalhando como vigilante? Possibilitar o porte de arma a um indivíduo desequilibrado, com é o caso desse criminoso, é uma irresponsabilidade do poder publico. No país, praticamente nada de bom se tem feito não só para selecionar policiais como para recrutar seguranças particulares ou vigilantes com direito a usar arma de fogo. O juízes, os legisladores têm aí uma questão de alto sentido social para tratar com urgência e mesmo severidade nas ações contra criminosos que infestam a cidade do Rio de Janeiro e outros lugares do pais Urge sem delongas modificar e atualizar o Código Penal brasileiro.
É fácil argumentar que as penas já existem para vários tipos de delitos da maior gravidade. A primeira alegação parte das surradas razões que invocam as vantagens de se modificar as esferas sociais da educação, da saúde e do desemprego. Isso, contudo, não se aplicaria, diria eu, a crimes hediondos, praticados por malvados, por pervertidos, espíritos com cérebros já estiolados, por indivíduos sem recuperação para voltar ao seio do convívio na sociedade. Para eles a única saída é a prisão perpétua e não penalidades lenientes que, por bom comportamento prisional, são considerados aptos (?) à liberdade.
Bom comportamento pode ocultar fingimento, ainda que por um bom tempo, a fim de se beneficiar das brechas da justiça. Nos casos de absoluta prática de crueldade contra alguém causando-lhe a morte não pode haver indulgência da ordem pública . As penas têm que ser rigorosas e cumpridas à risca enquanto no país não se utilizar da prisão perpétua ou da pena de morte para indivíduos reconhecidamente perigosos ao convívio normal em sociedade.
No caso dos traficantes que atearam fogo ao micro-ônibus, ação mais do que suficiente para que os enquadremos com a pena máxima cumprida na sua inteireza de duração segundo a legislação penal atual, ainda vejo um agravante. O tipo de ação criminosa bem poderia ser qualificado como ação “terrorista”, dado que, para a praticar, os facínoras se serviram de inocentes que nada têm com supostos motivos de “vingança”. Nesse ponto, o nosso país já está vivendo uma fase embrionária de uma espécie sui generis de terrorismo, que é diferente do chamado terrorismo internacional cometido por razões religiosas, ideológicas, econômicas ou geopolíticas.
O “terrorismo” tupiniquim tem conotações diversas, tem motivações mais primitivas, bestiais, mais ligadas a fatores psicopatológicos, casos que melhor seriam tratados no âmbito da psiquiatria Grupos marginalizados que assim agem bestialmente são, em geral, segmentos da escória da sociedade, seres já deformados irremediavelmente para um vida social saudável. O indivíduo pode ser pobre, excluído, despossuído, mas isso não constitui um somatório que o possa levar ao crime e principalmente ao crime com requintes de alta crueldade.
O que tem feito o poder púbico? Quando pode, prende o criminoso. Quando não o captura, os celerados ficam impunes, aí soltos, prestes a cometer novos altos ignominiosos contra inocentes e desprotegidos. Os seguranças particulares substituíram aquilo que o Estado brasileiro não consegue oferecer ao povo, embora seja pago para isso, uma polícia correta, bem aparelhada, e respeitada pelo cidadão. Nosso país está muito atrasado ainda no que toca à práxis da ação punitiva contra homicidas de todos os naipes. As vítimas vão se multiplicando. Os órfãos sofrem pela perda dos pais assassinados.As viúvas, idem.
Fico perplexo com o avanço dos estudos jurídicos brasileiros, onde a área de Direito é privilegiada, com mais e mais novos estudiosos que, por sua vez, continuam a publicar obras de superior qualidade sobre Direito Penal. As ciências jurídicas vivem um verdadeiro boom de publicações e estudos cada vez mais profundos, eruditos e complexos. Mas, há um fosso enorme entre a Lei e o individuo que por ela deveria ser amparado, assim como há um descompasso enorme entre o crime e a impunidade. Falta equilíbrio num caso e noutro.
A bibliografia no Direito é vastíssima em autores brasileiros. As editoras dessa área vendem cada vez mais. Multiplicaram-se as faculdades de Direito em todo o território nacional. A teoria jurídica vive seu apogeu de produção, mas a pessoa, o cidadão brasileiro muito pouco tem se beneficiado desse apogeu de elevado conhecimento na esfera da jurisprudência. Triste descompasso entre a sofisticação da Lei e o vergonhoso fracasso da sua aplicação no seio da sociedade contemporânea em nosso país.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Fernando Pessoa: "Sonnet XXII"

MY SOUL is a stiff pageant, man by man,
Of some Egyptian art than Egypt older,
Found in some tomb whose rite no guess can scan,
Where all things elso to coloured dust did moulder.
Whate’er its sense may mean, its aage twin
To that of priesthoods whose feet stood near God,
When knowledge was so great that ‘twas a sin
And man’s mere soul too man for its abode.
But when I ask what means that pegeant I
And would look at it suddenly, I lose
The sense I had of seeing it, nor can try
Again to look, nor hath my memory a use
That seems recalling save that it recalls
An emptiness of having seen those walls.


Soneto XXII

MINHA ALMA é, homem a homem, um rígido cortejo,
De alguma arte egípcia do que o Egito mais antiga,
Encontrada em alguma tumba de indecifrável rito,
Onde tudo o mais a pó colorido se moldou.
O que significar possa, sua idade se iguala
Àquela dos sacerdotes cujos pés junto a Deus se prostravam,
Quando tão grandioso o conhecimento era que pecado se tornava
E do homem a simples alma lhe servia também de morada.
Quando, porém, daquele cortejo pelo sentido indago
E para ele de repente olho, tanto perco
O sentido que tinha ao vê-lo quanto nem tentar posso
Novamente olhá-lo, nem tampouco memória dele serventia tenho
Que pareça recordá-lo, exceto a lembrança
De um vazio da visão daqueles muros.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Arlindo Nogueira:a rua da adolescência

Arlindo Nogueira: a rua da adolescência


Cunha e Silva Filho


A Rua Arlindo Nogueira, zona sul de Teresina, uma vez numa tentativa de fazer poesia, chamei de “rua da adolescência. O curioso é que essa rua tinha a sua entrada principal pela Rua São Pedro. Entrada com murinho. A porta, um espécie de hall a céu aberto, mas não se ornava de um belo jardim, desses que os ingleses tanto prezam e deles cuidam com alma e corpo, provavelmente seguindo monarquicamente os princípios de desvelo, de amor e proteção manifestados no provérbio ”My home is my castle.” No entanto, aquela entrada, na prática, desvia-se de sua função, que seria o lugar de atender às pessoas ou visitantes que por lá surgissem.
Não, a verdadeira ”entrada” dava-se pela Rua Arlindo Nogueira, rua simpática não tão estreita, rua longa que, do lado da zona sul, se estendia por muitas esquinas até se perder do meu alcance. Para o lado em direção à zona norte, ela se prolongava até praticamente a praça do Mercado Novo, local em que havia residências, a Faculdade de Direito, o Colégio Demóstenes Avelino (do professor Felismino Weser) e, nessa direção, até chegar àquela praça ou largo, se passava pela lado lateral do Colégio da Irmãs, onde minha mãe, estudou na infância ou adolescência. Dois irmãos mais velhos e eu estudamos, por pouco espaço de tempo, no Demóstenes Avelino, e a única lembrança boa que ainda tenho dele era a merenda que mamãe, à hora do recreio, nos levava com aquela boa vontade e cuidados maternos. A merenda de mamãe era sempre bem aguardada e ainda me lembro que consistia mais de frutas, por exemplo fatias de deliciosa melancia. Que delícia! Ainda sinto o sabor doce daquelas melancias de mamãe. O tempo é sinestésico, não há dúvida.
A entrada pela Arlindo Nogueira tinha uma porta que dava de imediato para uma ampla varanda, onde mamãe dispunha o mobilliário. O piso não era de taco, mas de tijolinhos. Me recordo que taco só havia na casa de meus amigos burgueses, assim como geladeira , telefone e outras utilidades do conforto da época. Um fato de vulto é que, naquela época, meados dos anos cinqüenta, a porta principal da casa permanecia aberta durante o dia, a não ser quando não se deixava ninguém em casa.
A casa era ampla, compreendia quatro quartos e ainda tinha um quarto de tamanho razoável que dava pra rua, como se fosse uma sala onde se pudesse destiná-la para um pequeno comércio. Este quarto não tinha janelas, só portas,, que davam tanto para a Rua São Pedro quanto para a Arlindo Nogueira.. A casa era alugada de um conhecido de papai, gente de Amarante. O que havia de melhor da casa eram os dois quintais, separados um do outro por um muro com uma entrada. Daí que, vendo os dois quintais do lado da Arlindo Nogueira, concluía-se que a casa exibia um muro bastante comprido. A construção para a época era sólida , bem pintada por fora e por dentro. Podia-se afirmar que era uma casa bonita e acolhedora. Ia-me esquecendo que havia no primeiro quintal, um pé de árvore, não sei se de goiaba, não me lembro mais. No segundo quintal, me lembro de que o terreno era bom para se plantar, por exemplo, milho. E, uma vez, plantou-se milho que cresceu bem. Nesse segundo quintal, mamãe colocava algum as galinhas, que se escondiam pelo mato pequeno em torno.
Havia um dado que me serviu de balizamento entre a infância e o desenvolvimento da adolescência. O muro, que dividia os quintais, usava muitas vezes para saber o quanto tinha crescido de altura. Ficava feliz quando minha cabeça, encostada ao muro, me indicava que estava mais alto e quase o ultrapassando. Era uma gesto simbólico que me dava prazer de me sentir já rapazinho crescido , da altura do muro. Era isso o sinal da passagem do tempo e das mudanças físicas e intelectivas. Me sentia radiante quando sabia que minha altura se igualava à do muro. “Meu Deus, estou crescendo, vou deixar de usar calça curta. Os hormônios fervilhavam com toda a força da idade e dos sentidos da carne.
O que mais me marcou durante o tempo em que morei naquela casa era uma janela de um dos dois quartos que davam para a Arlindo Nogueira. Essa janela se confunde com a minha passagem da infância para a adolescência. Ela, com o tempo que ali passei, se me tornara uma forma de eu ver quase todo dia, depois de voltar da escola, a rua. Nada me agradava mais do que ficar olhando para a rua e ver a passagem das pessoas no vai-e-vem dos transeuntes, dos carros, carroças, vendedores de rua ( ó famosas cuscuzeiras anunciando, de manhã, seu cuscuz inimitável no delicioso sabor de seu preparo, nos seus segredos de poder prepará-lo como ninguém o podia fazer de forma caseira, ainda que gostasse do cuscuz de mamãe. Mas, o cuscuz daquelas vendedoras de rua me fascinava, assim como a papai, mamãe e a todos os meus irmãos.
Quando aquelas mulheres traziam, equilibrando o tabuleiro nas rodilhas das cabeças, o gostoso cuscuz teresinense: “Olha o cuscuz! Olha o cuscuz! – gritavam elas certas de que a vizinhança iria comprá-lo em talhadas branquinhas como neve, quentinhas, saborosíssimas. Mas, não se confunda esse cuscuz teresinense com o baiano. Ele é feito de massa de arroz ou de milho, temperado com água e sal e comido especialmente no café, servido com manteiga. Esse cuscuz é irresistível. Não contém coco e tapioca , como o da Bahia, que não chega aos pés do de Teresina. “Mamãe, por que a senhora não faz o cuscuz do jeito das cuscuzeiras da rua?” “Meu filho, elas têm uma segredo que não passam a ninguém. Esse segredo - é claro – não poderiam elas revelar, pois dele dependia o gosto maravilhoso da textura , da aparência, da forma de preparo, da quantidade de sal necessária ao sabor especial. Não sei mais se ainda em Teresina se veem essas mulheres do cuscuz, verdadeiras fadas que preparavam o mais gostoso cuscuz do mundo.
Da janela da Arlindo Nogueira aprendi a ver as meninas mais lindas de Teresina e não me intimidava lhes dar um olhar mais ousado. As meninas que passavam pela Arlindo Nogueira hoje são senhoras sessentonas, bem ou mal casadas, avós e talvez agora mais cuidando de netos. Como era bom trocar olhares com algumas delas que me correspondiam ao sorriso ou até a algumas palavras de galanteios. Por isso, ao ir para a “minha “ janela, me esmerava na aparência. A janela funcionava também como uma forma de eu observar uma variedade de pessoas que pela rua passavam, geralmente de volta para as suas casas. Gente de todas as idades. Alguns rostos já se me tornavam conhecidos. Algumas me cumprimentavam, Outras, não. Eu, porém, as conhecia. Sempre fui uma pessoa que mais conhecia os outros do que era conhecido.Gosto de olhar como as pessoas são, no físico ou no que me transmitem espiritualmente.
Retomo, porém, a casa da Arlindo Nogueira e um outro aspecto daquele período de vida me força a memória. Foi naquele quarto que dava para as duas já citadas ruas em que comecei a me preparar para o prazer e os sacrifícios de escrever. Foi naquele quarto que comecei a sentir um chamado à vida literária, à vida dos livros e das leituras que não mais se largaram de meus hábitos.
Me lembro de que naquele quarto eu tinha uma mesinha de estudos e nela escrevi, num caderninho escolar ( onde andará ele?), alguns textos cujos assuntos primeiro relacionava, para, depois, desenvolvê-los. Cheguei a encher todo um caderno. Os assuntos eram os mais variados: a pátria, a escola, os estudos, a poesia, a paz, a guerra, a família etc., etc. Aquele exercício de escrita era uma forma de me exercitar na composição. Não eram exigências escolares. Eu próprio os escrevia para mim mesmo. Naquela época, lá em casa, havia dois espaços, o da biblioteca de papai e o meu quarto de esquina. Nos dois se deu o meu encontro para a vida e para o sonho, para o “feijão e o sonho”, melhor diria. Eu estava com quinze anos e, um ano após, já me atrevia a escrever pros jornais levado pela mão e incentivo paterno. Me lembro de que um conhecido da minha idade uma vez me confidenciara que uma pessoa da família dele não gostava do que eu escrevia. Era pura inveja.. Fiquei tão indignado que escrevi um artigo de titulo “A crítica dos críticos”, um longo artigo que nunca foi publicado, no qual desancava o meu opositor invejoso e maledicente. Talvez, desse artigo indignado tenha se originado o meu lado ensaístico e sobretudo critico. Nunca fui bom de briga física, mas não perdoava meus detratores, sobretudo quando neles via unicamente o sentimento subalterno da inveja e do despeito.