sexta-feira, 29 de julho de 2016

REVEZAMENTO DO MUNDO ATUAL: TRISTEZA E ALEGRIA


                                                     

                                                 Cunha e Silva Filho


GUERRA CIVIL (só para citar um  exemplo).   A Síria continua sem jeito. Ninguém detém o ditador   Bashar Al-Assad. Milhares de mortos em cinco anos de guerra civil, fratricida, com o país estilhaçado, paisagens urbanas  viradas ruínas. Allepo, Homes e outras cidades  são só  destroços,  desolação, mortos e feridos, com a sua  população  tentando  evadir-se através  da Turquia (esta, internamente, agora,  em conflito e em  estado  de autoritarismo contra a imprensa e os  acusados de desejarem dar o golpe no  presidente Erdogan que, ao que tudo  indica,  deseja  dar continuidade   do seu governo, agora com   mão de ferro.
             Onde ficará a democracia na Turquia? Só Deus sabe. Quem  podia  minimizar  tanta  desgraça seriam os EUA, a Rússia e os órgãos  internacionais    em defesa da paz mundial. Aqueles dois países, contudo, fingem  que resolvem, mas só atrapalham;o primeiro mandando drones  que podem matar inocentes e cair em lugares  que devem ser preservados: hospitais maternidades, templos religiosos,  patrimônio histórico; o segundo  manda armas ao ditador  sírio  sob a alegação de que vai  impedir  o avanço  do Estado Islâmico. A Rússia, agindo assim, mantém  a guera civil    contra  forças do Estado Islâmico e, de quebra, contra  os rebeldes - a oposição – ,   esta  derivada  da Primavera  Árabe. Geopoliticamente,  as duas grandes potências,    cada uma a seu modo,   evitam   brigar  entre si, numa espécie de guerra fria e quem sai perdendo  é  a população civil síria no meio do fogo  e da destruição de que resulta  a continuidade da onda de refugiados deixando a sua pátria para  trás.Quanta insensatez das duas  grandes potências!

A ONDA DOS REFUGIADOS. Sem casa, sem emprego,  com fome,  os sírios fogem  do seu país natal, atravessam a Turquia, dirigem-se, em barcos  inflados,  frágeis, apinhados de imigrantes  pelo  Mediterrâneo à cata de um país que lhes abra as portas. Pode ser a Itália,   a França,   a Inglaterra,  a Rússia,  a Holanda,   a Polônia.                Todos querem  correr  da fome e da guerra,  todos querem salvar suas  vidas e as vidas de seus entes queridos: crianças,  adolescentes,  jovens,  adultos e velhos. As imagens  nos lembram, mutatis mutandis,   filas  de  judeus  a caminho  do Holocausto. Mas isso  é só, graças a Deus, uma imagem  rápida que nos passa pela memória visual, como  num  fita de um filme  em preto e branco sobre  os   escombros,  as cinzas e horrores dos crematórios  da Segunda Guerra Mundial.

O MEDO ALASTRADOCom o mundo  amedrontado   com  o terrorismo do Estado  Islâmico na Europa, com ataques em Paris, Nice, Munique e em outros continentes, nenhuma lugar do mundo parece estar ileso  de um atentado, sobretudo  o lado  ocidental. Os inimigos  do Ocidente podem  aparecer em qualquer parte, inclusive no  Brasil, agora,   com  a proximidade  da abertura dos Jogos Olímpicos. Ora,  esses jogos   que visam à aproximação pacífica entre os povos, gerando alegria  multirracial, vai ter que conviver  com  o medo dos praticantes da covardia, fruto da barbárie,  do obscurantismo e da cegueira  ideológica  que não admite  as diferenças  culturais  e  religiosas  de um mundo  livre  e civilizado.
     A  imagem do mundo atual, pode-se afirmar,  muito se aproxima, em suas características principais, das exibidas num filme-catástrofe. Quer dizer, há uma espécie de sentimento universal de  “ficcionalização”  da realidade concreta, de uma construção de um imaginário do medo   dominando as mentes  do homem  civilizado. Seja o maior problema  de hoje enfrentado pelo  civilização ocidental: a violência em todas as suas formas, - crimes, tiroteios disparados de repente por  psicopatas,  guera do narcotráfico,  estupros,  radicalização do  preconceito em todo os seus matizes,  terrorismo  jihadistas, dos vários grupos de terror  em escala global, corrupção  política,  autoritarismo  policial,   deterioração do meio-ambiente, entre outras mazelas sociais, urbanas,  do interior,  a rurais. 
     Em suma, barbárie e civilização, com culpados de ambos os lados.  Está nos faltando  aquilo que um velho pastor americano,  Herbert Armstrong,  fundador da importante  revista  The Plain truth,  há muitos anos  extinta, falou:  a dimensão  espiritual ( the missing dimension)  que deve ser  cultivada na práxis  da vida cotidiana, principalmente em tempos  tão tormentosos  planetariamente. 
       Em outras palavras,  um  mundo sem perspectivas   transcendentais,  que elevem o  indivíduo  a amar  seus semelhantes e a entender  as diferenças  entre pessoas,  etnias,  religiões e culturas.  Enquanto nos    fale o abraço apertado, olho no olho,   físico,  cresce , em dimensão  estratosférica,   a amizade virtual,  o carinho virtual, o beijo virtual,  enfim, o relacionamento virtual, compreensível,  até certo modo,  pelas distâncias  que  amiúde  nos separam.Isso vale para  quem também   assina   este blog., mas não deixa de ser um defeito,  uma carência,  uma ausência    que nos  podem  prejudicar  profundamente   como seres  humanos. 
    A presença   física é sumamente  necessária  à vida  saudável e concretamente  gregária. Com isso    se está perdendo o nosso velho humanismo, os encontros  ao céu aberto, nas praças,  nos jardins,  nos bares,  no cinema. Uma advertência: não nos robotizemos. Isso seria um salto  no escuro e com prejuízo para todos  nós. Não impessoalizemos  por demais  a nossa  humanidade,  o calor  de nossa amizade. Lutemos pela volta dos tempos mais simples e acolhedores.
   Por esse motivo, a sensação que se internaliza em nós - sobreviventes  dessa contemporaneidade -, é visivelmente  a  de  um estado  de quase paranoia coletiva, percebida por alguns  indivíduos mais do que outros, dependendo  do nível de consciência da gravidade do contexto cultural-político-religioso mundial. As pessoas ignorantes, menos   envolvidas com  os problemas  enfrentados  pela humanidade de hoje, talvez não percebam  tão  lucidamente   esses perigos e talvez por isso sofram menos, no meu entender.
    O que nos vem logo à mente, nas metrópoles  vitimadas  pelos atentados terroristas, é  uma imagem apocalíptica de pessoas civis  e  soldados  fortemente armados, como se, a qualquer  momento,  fosse  explodir  alguma   bomba  de um terrorista  ou de um  tresloucado  fanático  de facções  terroristas  fuzilando  um monte de inocentes. Somos ou não um  simulacro  ficcional?
   Aquilo que de mais  sangrento e destrutivo  vemos em alguns filmes   americanos  como que se mistura  a esse mundo  civilizado e ao mesmo   tempo barbarizado  nos dias que correm. Somos vítimas do que  nós mesmos construímos em termos  de armamento letais a partir do descobrimento da dinamite.
   Ou seja, a civilização, aperfeiçoando ao cubo as armas  mortais, a bomba atômica, a bomba de hidrogênio as armas químicas, os mísseis  inter-continentais,   é a mesma que está sendo vítima de suas próprias criações frankensteinianas, dos seus monstrengos. Ironia dos  civilizados.
   É  sempre atual a frase de Bertrand Russell (1872-1970) em relação  a um  conflito   mundial: a vida ou a destruição.Não há meio termo.Depende de nós  a alternativa  primeira. E os homens, até hoje,  ainda não  assimilaram  bem essa advertência. Não faltou  nem falta que  os alerte. Dois caminhos, um destino por todos desejado com exceção dos criminosos terroristas, e um destino   sem volta Que os Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil  sejam o do primeiro caminho,  o da vida,  sinônimo    de alegria
      

         



domingo, 24 de julho de 2016

LITERATURA É SENTIMENTO, O RESTO É TÉCNICA





                                                    Cunha e Silva Filho


              Os poemas inspirados, a ficção fluente e espontânea  têm, sim, seu valor. Literatura não é só um produto cerebral Não é técnica apenas. É transfusão do espírito  encarnado pela palavra ou pelo Verbo, pois a obra literária, assim como a obra artística em geral,  tem algo de divino,  de pacto com  a Criação, quer seja entendida  como o  relato bíblico de Adão e Eva ( agora,   reavaliado pelo  Papa Francisco, numa posição que descontentou  parte do  cardinalato, gerando  controvérsias),  quer seja entendida cientificamente.
          Não importa. Quem disse que o cerebral não  implica  o elemento  da inspiração,  do sopro    de vida inflamando  a técnica? Quem disse que a criação literária  hoje está   de costas  para a inspiração  só porque  essa percepção remonta ao  Romantismo? Alguém já afirmou que esse movimento literário permeia todos os outros, tanto  pretéritos quanto  posteriores a ele.
            Existe um tanto de pudor incompreensível  atualmente de confessar que ser romântico é passadismo de saudosistas,  de quem  vê a criação literária   como  algo que caiu dos Céus. Quer dizer, o homem dito  moderno ou  pós-moderno  tem medo de  ser romântico, de ser nostálgico quando a sociedade e suas construções  culturais  estão sempre   voltando a tempos decorridos.
            A televisão  é prova disso, já que, nas suas programações, há  recorrências a relembranças de filmes, shows,  apresentações musicais,   entrevistas,    as quais  recortam  fatias do passado. A hipertrofia do presente seria insuportável.  O esquecimento  voluntário é uma forma de  destruição do  porvir. Já imaginaram um presente e  um futuro sem passado? Já imaginaram  um civilização sem  a sua história e os seus  feitos e fastos?
           Os  mecanismos  psíquicos, no meu juízo, carecem de reequilíbrios  constantes que somente a memória  histórica, social,  cultural   é capaz de  regular, de harmonizar o nosso  mundo  interior. A história da humanidade, perdendo a memória, se aniquilaria. Tornar-nos-ia semelhantes aos que são acometidos pelo  mal de Alzheimer. Ou seja,  a  linguagem  é a manifestação  mais  cabal da existência, sem a qual  nós todos seríamos fatalmente  aniquilados. O mundo sem linguagem seria a morte  da humanidade.
          Retomemos  o fio da meada deste artigo.Ao dizer que o sentimento  é basilar,  no que tange às formas artísticas,   estou  pensando em gêneros  literários que mais se avizinham da questão do sentimento transformado  em obra literária independentemente de que sejam  antigas   ou pós-modernas ou outras  classificações ainda mais  recentes, como a ficção  que já chamam de “pós-pós-moderna,”  segundo li,  não faz tanto tempo,   numa pesquisa  empreendida  por  alunos de pós-graduação  da UFRJ  e sob, se não me engano,  a supervisão  do professor e ficcionista Godofredo  de Oliveira Neto.
        Quando  aludo a essa  obras  que se  aproximam  muito  do sentimento  do “eu,’  da confissão, do   memorialismo, da autobiografia,   da biografia (em que o sentimento do “eu” se transfere para a  responsabilidade de um  outro autor, de um ghost writer, ou  não), do diário.
      Estou  levantando  a questão  de alguém  desejar  narrar  a sua vida, ou parte dela – um decisão de foro  íntimo  que tem  os seus percalços e as suas alegrias ou tristezas.
     Não é a vaidade nem o exibicionismo pessoal que animam algum escritor a contar  passagens da sua  própria vida. Antes, presumo que seja um chamamento  intelectual  que  nos   impulsiona,  em determinada fase de nossa vida,  em geral,  o amanhecer da velhice ou mesmo  no ocaso da idade provecta.
      O ensaísta e historiador Massaud Moisés ( Dicionário de termos  literários. 6. ed. São Paulo: Cultrix,1992)  analisando o conceito de autobiografia, refere ao sentimento narcisista (eu diria na sua  significação  positiva,  que é natural  nesse gênero). Todavia, se na autobiografia  existe  “o extravasamento  do eu” (idem, ibidem, p. 50),  isso não se confundiria absolutamente com  um sentimento subalterno  do cabotinismo, do autoelogio, os quais  só apequenariam  o valor  da autobiografia.
    De outra parte,  se a autobiografia se centra na figura do autor, ela também  se concretiza  graças  à inescapável  interferência   da  época do autor, ou seja, graças  a realidades históricas  sociais,  culturais,  políticas do tempo do narrador, assim como acontece com as memórias.Se há  subjetividade  do autor,  há igualmente  amplificações com  sub-relatos  de pessoas do convívio do autor ou de circunstâncias  várias  no  seu percurso existencial, de tal sorte que,   no conjunto,  a obra se torna  um   retrato  da vida ou de aspectos consideráveis da  existência  humana.
    A qualidade literária  da  autobiografia,  das  memórias,  da biografia e do  diário é um outro componente  desse tipo de  escrita  íntima. Seu valor  vai depender  do talento  e do instrumental  da linguagem,  da técnica  e dos processos  de  transformação   da história  individual,  enquanto realidade empírica, em transfiguração obedecendo a fatores  composicionais   que a elevem ao estatuto  de texto  literário.
    Eis por que Massaud Moisés fala de "processo literário" na escrita  autobiográfica, i.e., ela se vale ou tem que se valer de protocolos  relacionados  ao estilo e narrativa (ibidem) e a modelos vigorantes na época.
    Nenhum autor nesses gêneros centrados   primordialmente na subjetividade autoral - acredito -, dificilmente   negligenciam  autores  consagrados   nessa forma literária. Literatura  é um constante   diálogo entre contemporâneos  como  também  um diálogo com  a tradição.visando, em ambos os casos,  a  novas perspectivas  e avanços  em direção  ao futuro.  
   Claramente haverá as adaptações  pessoais e fatores  originais  na  construção da escrita  autobiográfica e nas memórias ou biografias, assim como nos diários. Da mesma forma,  haverá  preferências  pelos aspectos  da vida pessoal do autor, sejam tristes ou  alegres. Determinados ingredientes devem estar presentes na feitura da autobiografia e da memórias a fim de que elas atraiam  leitor nos relatos  apresentados,  tais como  evitar-se  a monotonia,  a  objetividade e, em troca,   empregar-se  o humor,   o fato   pitoresco,  as situações embaraçosas,  a fim de manterem  o canal  comunicativo  ativo  por parte  do leitor.
  Pessoas  que não gostam de se  expor não escreverão jamais  memórias, autobiografias, diários. Por isso,  esses gêneros   são  propícios  àqueles que têm a  coragem para a atividade da escrita e dos  processos  composicionais  que, se bem  harmonizados, se tornam  lições  de  vida,  ao   revelarem  seus sentimentos com a esperança de que  sirvam  de exemplo   ou  para transmitirem, pelo sortilégio   da palavra  e sentido  lírico  do texto, uma visão da condição humana, no sentido do resgate  responsável  de si e de seus  contemporâneos. É monumento e documento. Serve à história cultural  de um país e sobretudo  valoriza  a literatura quando desta  se serve para  produzir -  reforço  - sentimentos, beleza,  verdades,  emoções, vivências e   conhecimento.  

   Cumpre, ademais, um papel relevante no campo das sociabilidades como testemunho e voz atuante.   Por se exporem é que  autores  há em nossa literatura  que  foram  criticados  por  exageros  nos julgamentos   de  pessoas  que com eles   cruzaram  na vida. É o caso  dos livros de memórias de Humberto de Campos (1886-1934) e sobretudo  do livro Sombras que sofrem (1934), que são crônicas, sendo o autor muito  criticado  à época  da sua publicação, ao contrário do livro de memórias de Álvaro Moreira (1888-1964), Das amargas ...não (1954). 

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O CÉU ESTÁ CARREGADO:NUVENS NEGRAS POR TODA A PARTE



                                                          Cunha e Silva Filho


          Se passarmos, ainda  que por  uns três dias,  ocupado com uma tarefa  que exige nossa concentração,  perdemos a  noção  do encadeamento  da novela lúgubre, cujos capítulos são ininterruptos e, além disso,  nos mergulham   na realidade áspera  quotidiana. A novela lúgubre a que me refiro  metaforicamente  representaria  a imagem humana, social,  política, econômica e espiritual da contemporaneidade, quer a doméstica, quer a mundial. 
         É assim que me senti por um período em que só pensava no lançamento do meu  livro Apenas memórias, ocorrido numa tarde-noite do sábado  passado. Só o autor avalia  o quanto  fica tenso com o que vai lançar, se a obra vai agradar,  se a edição saiu  como a gente queria, se, no dia  do evento viriam os convidados a quem  enviamos convites individualmente, se a divulgação  foi correta e chegou  às pessoas que  o autor  queria presentes, se outras convidadas não vieram nem se desculparam ou mesmo não puderem  por motivos  vários  que só Deus sabe   
        Alguém me contou  que  um  autor havia convidado  vários   conhecidos, colegas  e supostos amigos para um lançamento  de um  livro dele e,  no dia  marcado,  só compareceu um convidado. Pobre autor! Estranhamente uma semana depois, esse autor, pessoa até bem  respeitada  na sua área de estudos, faleceu de repente.Até parece uma história real  saída da ficção de um Machado de Assis (1839-1908). Porém, o que tem a ver  essas digressões com  o assunto  da crônica?  Peço desculpas ao leitor e, agora,   vou   me ocupar  do tema  ou temas que lhes  trago à reflexão.
        A semana passada, quanto a acontecimentos  indesejáveis, foi  muito  fecunda  do ponto-de-vista  de péssimas notícias, a começar da tragédia de Nice,  cidade francesa que,  no dia quatorze deste mês,    comemorava  a Tomada da Bastilha. A memória me leva, agora, quase involuntariamente para aquele  sintagma de um  breve texto do   livro de Marcel Debrot, Le français au gymnase, adotado pelo meu pai  no tempo em que fui  seu aluno de francês em Teresina: “La prise de la Bastille.”  Existem  palavras e  expressões que jamais  esquecemos. Estão sempre vindo e voltando no  constante stream of conscience como nas narrativas  introspectivas da ficção moderna.De resto, essa expressão foi cunhada pelo escritor americano  Wiliam   James (1842-1910).
       Ora,  um dia festivo,  o 14 de julho, homenageia a queda do reinado do fraco  Luís XVI e marca o início da Revolução  Francesa  e da formação da Assembleia Nacional, em 5 de maio de 1789, que retirou  as regalias  dos tempos feudais.   Os deboches dos  brioches da Maria Antonieta contra a população  miserável só lhe valerão, pouco depois,  a prisão e a guilhotina junto com Luís XVI.    
   Antes, o seu antecessor, Luís XV governou a França  com  a imoralidade, esbanjamento e o desprezo  pelas populações  desassistidas e com a complacência dos  membros da Igreja. Ao povo, antes  amesquinhado  pelo desmandos  reinóis,   foi  concedida a liberdade, um  dos apanágios da  Revolução  Francesa, ao lado da fraternidade e da  igualdade. A lição da França  ainda é um acontecimento  vivo e atual, um  alerta aos tiranos, civis ou militares.   
     Nunca se pensa que, em dia de celebração da  liberdade de um povo,  se vá deparar com uma tragédia dessa magnitude. O presidente da França, socialista, não me parece estar  agindo com a firmeza  de um estadista. Parece mais se preocupar  só com  o corte de seus ralos  cabelos.
     Alegar-se que  o país está mobilizado   contra o terrorismo  não é suficiente, pois, na tragédia de Nice, havia  policiamento e, de  repente,  um caminhão,  passa na rua   apinhada  de  pessoas alegres  com  o feriado e atropela  desordenadamente quem ali estava  valorizando  os sentimentos  da liberdade    de um povo. Como não desconfiar de um caminhão  acelerado? Que policiamento   de inteligência  é esse incapaz de  sustar  o veículo pesado?
    O fato é que as pessoas,  e aqui  incluo  a segurança,  nunca pensam  que tudo pode acontecer de onde  menos se espera. Que as coisas  só acontecem em outro  lugar. Por que não isolaram  os limites da área abrangida   pela  população  festiva?        
    Uma tragédia é  um sinal de alerta máximo para a situação  das cidades  que pertencem ao Ocidente.Crime hediondo em massa, deixando  dezenas de  mortos e inúmeros  feridos  gravemente. Não é mais possível que atos abomináveis como estes  se mantenham em cidades  importantes  da Europa acossadas pelo   terrorismo   de fanáticos e sanguinários, O Estado Islâmico tem que parar com  tanta  atrocidade. No rol coletivo das vítimas fatais até brasileiros se encontravam. Que culpa têm os franceses  comuns,  os turistas, crianças de serem  alvos de criminosos internacionais ainda não debelados  pelas potências  mais  fortes do mundo, tendo,  à frente,  os EUA?
    Ora,  é até  ingenuidade ou  mesmo falta   de sentimento  das autoridades  afirmarem que  ações terroristas desses  proporções  são inevitáveis. Isso  é confissão  de impotência  e de fraqueza, de  falta de pulso  de nossos governos diante  dos massacres  que  rondam  pela Europa e outras partes,  inclusive,  da Ásia,  África e América. Não é razoável – longe disso – que autoridades venham a público, em tom  de  quase aceitação    desse  estado de coisas manchado  por tanto sangue humano, com declarações  que até mesmo  nos tornam mais  irritados.
  Não é tempo de os governantes  de países  ocidentais deixarem de ser apáticos diante de constantes ataques terroristas insurgentes contra modos de vida diferentes deles?   Nem pode nunca ser  banalizada a ideia de que exemplos de atentados  assim  sejam  imprevisíveis. Não,  eles estão errados em suas observações  diante  da seriedade e da tragédia que  se  abate sobre o ser humano  em nosso dias. As pessoas estão morrendo  gratuitamente nas ruas,  em lugares  fechados,  em   lugares de diversão,  a céu aberto, nos metrôs,  nos lugares  mais diversos e nada decisivo  acontece  da parte das autoridades  mundiais  a fim de  debelar  ou  diminuir  consideravelmente  esses crimes   infernais.
   Não, há algo errado por parte dos organismos  internacionais de segurança dos povos. No meu juízo,  órgãos  como a ONU,  e sobretudo  seu Conselho de Segurança,  estão  virando  elefantes brancos  diante  da mortandade  de inocentes  em tantos  países. Por conseguinte,  é precioso  fazer-se algo  incomum   e com  o pensamento   de salvar  vidas  futuras, Não se pode mais  viver  na Terra com  o medo, a insegurança,  a iminência de uma a tragédia, de um genocídio.
    Carrascos de seres humanos,  bárbaros   travestidos  de humanos,   assassinos  desequilibrados  e bestas selvagens   não podem  indefinidamente  pôr o mundo em polvorosa,  como se  todos nós fossemos  protagonistas    de um  filme  de horror e  morticínio em larga   escala, Não transforme  o mundo  em filmes de  terror,   os quais não são exemplos  para nenhum  país e até se devia  repensar  na  possibilidades de  limitar  as asas  da imaginação  de alguns  cineastas  que,  só por  motivos  comerciais,  lançam  no mercado  do cinema  esse lixo  de  filmes  onde a tônica do  enredo  é a destruição do próximo. 
    Tal fato  só serve para  incendiar  mentes  doentias  que  confundem  cinema (ficção) com a realidade. Esse lixo que só patenteia  o horror e a destruição  entre os seres humanos na tela de nada  serve  para a mudança de mentalidades Antes só fomentam,  nas mentes -   repito  -,  de  indivíduos  despreparados   culturalmente, ideias  internalizando   a naturalidade  de cenas  horripilantes e de destruição   do ser humano.
     As autoridade mundiais  que ainda  tenham  um mínimo de  respeito  à humanidade  não podem ficar de braços cruzados,  só  fazendo declarações  inócuas   que em nada   servirão  para   solucionar  a ignomínia do terrorismo  internacional que está vencendo essa batalha  do Mal contra o Bem.O maniqueísmo aqui, no tocante ao terrorismo,    tem cabimento.
    Por outro lado,  os países que combatem  o terrorismo  ou se ocultam   por  razões  inconfessáveis  para  ganhar  terreno  no campo  econômico  de países mais vulneráveis devem   meditar nos seus    modos  igualmente   nefandos  de  combater  os inimigos  e ao mesmo  tempo  ceifando   inocentes. Aludo a ataques  contra inimigos  empregando os chamados drones  que, muitas vezes,  atingem  seus alvos pretendidos mas igualmente  cometem atrocidades contra  populações civis que nada têm a ver com  assassinos terroristas. O certo seriam tropas  deslocadas  para enfrentamento  das forças  adversárias  Nesta particularidade,  por que não  acertarem  as diferenças com os russos que  protegem  outro  tipo de terrorismo  cometido  pelo  ditador  Bashar al-Assad, provocador  de uma guerra civil que já dura  uns cinco anos  com  milhares  de mortos?
   Cumpre  urgentemente  encontrarem-se meios  sólidos e intenções  diplomáticas  efetivas  que  livrem, enquanto  se pode,  a humanidade  de  sucessivos   atos de terrorismo,  cujos prejuízos  de vida e econômicos  são incalculáveis, notadamente  no   campo do turismo   internacional.
    Afirmações  vazias   da parte de governantes  ou   de  funcionários do alto escalão de países adiantados   vitimados  pelo  terrorismo  avassalador – repito -,  estão  longe de constituírem medidas de dissuasão contra criminosos  e cortadores de cabeças   humanas em pleno terceiro  milênio. Isso envergonha a todos nós  que ainda temos algum resquício de amor  ao próximo e a sensibilidade  de prantearmos  os inocentes  barbarizados em Nice e em outras  partes  do mundo. Da mesma sorte,  votos de pesares meramente  protocolares  de nossas autoridades  mundiais,  com outras formalidades  de praxe  e fisionomias  entristecidas pouco ou nada  valerão diante  dos  horrores  e perversidades  do terrorismo tentacular.





domingo, 10 de julho de 2016

MANIA DE LIVRO: UM TEMA POR MIM REPISADO




                                                        Cunha e Silva Filho



     A primeira vez de que me lembro ter ido a uma livraria foi no início do curso ginasial. No primário  não me recordo de  ter ido a livrarias  em Teresina.  Julgo que era  mamãe que me comprava  o material  escolar, o  quase livrinho  da cartilha do  ABC reimpressa tantas  vezes  e por várias  gerações. Daquela primeira vez que fui à livrairia,  cujo proprietário se chamava professor Oscar, já estudante ginasiano, conforme disse, acompanhado estava de meu pai. O que me marcou no fundo da memória foi a compra do primeiro livro de inglês,  o King's English, de Harold Howard Binns. Relatei  essa visita  histórica  no meu livro As ideias no tempo (2010).
       Mas, leitores,  sabe de uma coisa? Desde aquela  época  me tornei  um  entusiasta   de carteirinha  dos livros  de matérias  a que  mais  dava atenção: línguas,  leituras,  literatura, gramática, dicionários.
    Hoje mesmo,  à tardinha,   Elza me chamou para ir até ao Shopping da Tijuca. Confesso que  não queria sair  hoje. Preferia permanecer em casa, lendo o jornal  do dia anterior,  segundo  é meu costume. Não consigo ler o mesmo  jornal num só dia. Meu filho mais  novo não me deu sinal de que estava disposto a comprar o jornal de domingo, já que  queria assistir ao jogo da Eurocopa entre Portugal e França. Daí, não tive outra  alternativa senão  sai.
    Como o shopping fica relativamente perto da minha rua,  lá fomos, Elza e eu,  ao lugar combinado. O tempo não estava nem  quente nem frio. O sol não mais se fazia presente lá fora. Caminhamos com passos  em ritmo  normal.
   Olhamos no caminho  os restaurantes já com poucos  clientes  dentro. Os que examinamos  são especializados em   galeto, com batata frita e farofa - apreciado prato  dos cariocas. 
   Entramos no  Shopping. Como sempre,  gente saindo, gente entrando,  inclusive nós. Gente de todas as idades,  caminhantes  que talvez nunca mais  veremos  na vida. São os rostos  dos anônimos, logo esquecidos.
  O mundo é grande. A vida, breve, enunciado um tanto surrado, contudo válido sempre. Da infância à adolescência um pulo; outro pulo, da adolescência à mocidade e assim  em todas as fases, até a última, a velhice. Nesta estamos  Elza e eu já  inseridos,  olhado  mais para o passado, para os tantos  pedaços  felizes  o  tristes, mas, assim  mesmo, não deixando de olhar  para trás. Elza costuma  me dizer que as pessoas estão sempre voltando às lembranças,  boas ou ruins,  do passado.Ela tem  razão. É só observar  o quotidiano  das pessoas, os museus,  as lojas de antiguidades,  as fotos  antigas,  os filmes  passados,  os autores  do passado,  a arquitetura   dos prédios  de antanho.Como  olhar o futuro se ainda não existe? Ficamos, então,  oscilando entre o presente e o passado. Essa é regra  geral. Projetamos  o futuro? Sim, mas  ele apenas é uma possibilidade,   um sonho,  uma utopia,   um algo  por vir prenhe de incertezas  e de ciladas.
    A vida humana é, na velhice principalmente, um  contínuo e  intermitente  flashback. Já deram conta disso, leitores da minha geração? Foi quiçá por esses motivos que sempre quis ler o  livro, de resto,  ainda excelente,  em muitas dimensões de leitura,  para o nosso tempo, que é Idade, sexo e tempo, de Alceu Amoroso Lima (o Tristão de Atahyde, 1893-1983). Tanto para mim  é bom  que voou lê-lo mais outra vez.
   Comprei o jornal. Elza, sempre atenta às vitrines,  . Gosta de ver  as novidades de  bijuterias, assim como  de jóias, colares,  anéis,  pendentes,  brincos. Esqueci de  mencionar que Elza adora também  ver artigos de cama e mesa, toalhas,    lençóis, cobertores,  colchas,   travesseiros, fronhas.   Tudo muito  caro.É a crise. Tudo agora é culpa da crise, quando a culpa cabe aos responsáveis pela crise cujos nomes os leitores já sabem quais  sejam se estiverem  habituados a ler os meus textos  neste  Blog que assino    desde 2009.
   Paramos um pouco dentro do shopping. Fomos sentar num banco vazio  defronte de uma salão de beleza. O movimento no salão estava regular. Ficamos  sentados, apreciando  o ir e vir de pessoas no corredor  ladeados de  lojas  bonitas  e muito  limpas. Dei uma  olhada geral na primeira página do jornal com várias chamadas  a colunas  e a reportagens.
  Em seguida,  abri  na coluna de Ferreira Gullar. Lia a crônica  “O banal maravilhoso,”  que fala de  animais ressaltando-lhes as qualidades e usando como contraponto o ser humano como  o único a animal  a  que nasce com  a potencialidade  intelectual de  admirar  pintura,  música poesia, de fabricar máquinas.  Entretanto,  os bichos  lhe são sempre caros, não há dúvida e por isso deixa implícito  o seu  enorme  afeto  por eles, sobretudo pelos que  demonstram maior  interação com  seus  donos.
  No final da crônica, um pouco abaixo,  uma nota na qual   poeta de Poema sujo refere a um  represália recente   do  poeta, ensaísta  e tradutor  Augusto de Campos. Gullar  declara que não vai mais responder a nenhum  insulto  do Augusto, irmão do grande  tradutor Haroldo de Campos (1929-2003). Não quer mais  bate-boca com quem  ele chama de “Augusto,  o Furioso.”
   A briga dele  com  o  intelectual  paulista se prende a questões  de um disse-não disse  relacionadas  a Oswald de Andrade (1890-1954),  ou mesmo à época em que Gullar, a princípio poeta concretista (1956), depois, se afasta dessa vanguarda do grupo paulista e lança o movimento poético  Neoconcretismo (1957), juntamente com  Reynaldo Jardim (1926-2011).
   Todavia,  desta vez, o embate  é  de natureza  política, uma vez que Gullar  descasca o petismo  enquanto que o outro  é a favor  do Lula e da Dilma. Reitera  Gullar na nota que não leu nem vai ler a catilinária do Augusto. Gullar, quando quer, é mordacíssimo  apenas usando  poucas  palavras. Pelo visto,  entre petistas e não petistas  não há espaço para o jogo dialético visto que  a ideologia   petista só  funciona na base do extremismo,   da cegueira  e da idolatria   alimentada  pela cegueira   do fanatismo.

  Último passo do passeio ao shopping: entrei  na livraria e comprei dois livros: uma obra  de Erich  Auebach (1892-1957) e um  volume de uma língua estrangeira que há anos cultivo com maior intensidade.Voltamos  para casa. Já era noite.

terça-feira, 5 de julho de 2016

TRADUÇÃO DE UM POEMA DE OLIVER WENDELL HOLMES ( 1809-1894)





 Ay, tear her tattered ensign down
Long has it lived on high,
And many an eye has danced to see
That banner in the sky;
Beneath it rung the battle shout,
And burst the cannon’s ’roars;
The meteor of the ocean air
Shall sweep the clouds no more…

Her deck, once red with heroes’ blood,
Where knelt the vanquished foe,
When winds were hurrying o’er the flood,
And waves were white below,
No more shall feel the victor’s tread.
Or know the conquered knee; __
The harpies of  the shore shall pluck
The eagle of  the sea.

Oh, better that her shattered hulk
Should sink beneath the wave;
Her thunders shook the mighty deep,
And there should be her grave:
Nail to the mast her holy,
Set every threadbare sail.
And give her to the god of storms
The  lightning  and the gale.


      VELHA FRAGATA


Arranquem,  de vez, essa esfarrapada bandeira
Ao fim chegou a sua grandeza
Para    verem nos céus esse estandarte
Bailaram muitos olhos.
.Sob   ela ouviram-se de batalha os gritos
Dos canhões o  troar.
Da vida dos mares os meteoros que
Não mais hão de as nuvens apagar.

Seu convés, de sangue antes  avermelhado,
No qual o inimigo  destruído se  prostrava
Quando  os ventos à borrasca se  sobrepunham
E, embaixo,  as ondas  embranqueciam
Da vitória a presença não  mais há de sentir
Ou a dor dos humilhados  conhecer.
Da praia as harpias destruirão
Dos mares a águia.

Oh, melhor do que o casco  estraçalhar-lhe
Seria levá-la do oceano ao fundo
A fim de que seu ribombo  o pélago  estremecesse.
A lhe servir de tumulo
No mastro pregasse o santo lábaro
E ali rrepousasse cada vela rota
E ao deus das procelas lhe entregasse
O relâmpago e  do vento as rajadas

                                                 (Trad. de Cunha e Silva Filho)
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