Cunha e Silva Filho
O que sucintamente procuro discutir neste artigo é a relação conflitante entre o pensamento político e o intelectual. Ou seja, por que intelectuais, diante de fatos praticamente indefensáveis, se põem na defesa de algum partido e outros lhe são hostis e advogam ideias opostas?
O tema é polêmico e ao mesmo tempo implica, em princípio, uma contradição unilateralmente apresentada, que por isso mesmo se torna próxima daquele fanatismo tão comum nas discussões sobre futebol e religião.
A minha hipótese tem como fio condutor de raciocínio o seguinte: por que homens com inteligência brilhante e boa ou excelente formação cultural se mostram tão paradoxais a ponto de enxergarem apenas o lado positivo de um governo e propositadamente omitem os seus desacertos político-governamentais, aqui envolvendo lideranças, planos de governo e outros aspectos relevantes?
Alguém, então, poderia me interpelar: Isso não é pluralismo de ideias e de doutrina partidária? Não é fecunda a divergência de opiniões a que cada indivíduo tem direito? Do contrário, se todos pensassem de forma igual, não seria isso desastroso ao debate vigoroso e produtivo ?
Sim e não. A história, contudo, nos dá exemplos suficientes na elucidação dessas indagações. Veja o caso do filósofo alemão Heidegger, cujo nome terminou ficando associado ao nazismo. Veja um outro, o do poeta Jorge Luis Borges em relação à ditadura argentina. No Brasil, houve o exemplo de um dos mais completos ensaístas que o país já deu, o do crítico literário, pensador e diplomata José Guilherme Merquior, que, no governo do General Médici, foi assessor do Chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu e, mais tarde, no governo Collor, foi um dos principais assessores, para assuntos econômicos e ideológicos, introduzindo. as ideias neoliberais, o chamado “social liberalismo’ ao lado de Roberto Campos.
Essa posição de desconforto, na qual o intelectual é posto diante dos impasses políticos, não é de hoje. Haja vista o exemplo do poeta Carlos Drummond de Andrade que, em 1930, no início da ditadura Vargas, foi chefe-de-gabinete de Gustavo Capanema, assim como acompanhou este quando, durante três meses, foi Interventor Federal em Minas Gerais.
A verdade é que, em se tratando de orientação político-ideológica, não há como conciliar intelectuais e vida política. Neste sentido, o que resulta é a sensação de que posicionamentos antagônicos mostram-se quase sempre permeáveis às ambiguidades no instante em que explicitamente os intelectuais pensam sobre partidos políticos, a política e a militância política, principalmente quando escrevem livros, colaboram para jornais ou revistas com trabalhos a favor ou contra candidatos a cargos políticos. Nessa ocasião, é que revelam com nitidez o seu alinhamento político e suas próprias contradições.
Me recordo de que, no auge das divulgações do chamado “Escândalo do Mensalão”, o “Jornal do Brasil”, numa página especial, publicou magníficos artigos de Ivo Barroso, poeta e renomado tradutor, do ficcionista Antônio Torres e, na coluna de Fausto Wolf, outros tantos artigos desassombrados desse saudoso jornalista e escritor.
Eram artigos fundamentais à compreensão da realidade brasileira e, em particular, dos episódios deploráveis de escândalos e denúncias que pipocavam no governo do Presidente Lula. Além de corajosas, essas matérias vinham a se constituir, assim, como o deslanchar de outros futuros escândalos de malversação do dinheiro público, tráfico de influência, nepotismo e outros males que grassaram no governo federal. Enquanto isso, intelectuais simpatizantes ou filiados ao PT, possivelmente constrangidos com os desastres do governo, cada um a seu modo, se afastaram da militância doutrinária do partido, ou preferiram permanecer na neutralidade do silêncio. O leitor inteligente sabe a que pessoas me refiro.
A contradição – ponto crucial da minha hipótese -, consiste em verificar que, nos dois mandatos do Presidente Lula, tendo sido amplamente divulgados os já mencionados sucessivos escândalos e denúncias de corrupção, que se arrastam em outros episódios até hoje, intelectuais conhecidos e respeitados saem a campo em defesa cega do governo federal, bipolarizando, desse modo, entre eles e os da oposição, as duas posições e reforçando a contradição em causa. A partir de então, o papel do intelectual da situação, que se esperava fosse imparcial aos acontecimentos condenáveis e altamente lesivos aos interesses da nação e do estado democrático, se altera e cede vez às paixões e interesses pessoais e sectários. Passam alguns a defender o partido de sua opção com argumentos e retórica habilmente articulados e encontrando uma ardilosa fórmula de transformar erros e desacertos em procedimentos corretos.
Na minha condição de leitor, o que mais me surpreende vem a ser a capacidade que as estratégias discursivas construídas revelam de tendenciosas e de mistificadoras, fazendo silenciar verdades, fatos e acontecimentos que pertencem agora à cronologia da história política brasileira nesta primeira década de um novo milênio.
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