sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O que o homem não pode evitar

Cunha e Silva Filho



Somos, por natureza, seres em luta contra as adversidades de toda espécie: sociais, físicas, religiosas, políticas, filosóficas econômicas e principalmente contra aquelas ainda mais poderosas e incontroláveis, as quais a mão humana, com todo o seu atual arsenal tecnológico-científico, jamais poderá alterar.
A nossa luta na Terra é, pois, uma luta de Sísifo, de contínuos reinícios, de suores repetidos, de energias retemperadas. Ainda bem que o ser humano seja dotado dessa qualidade: a de resistir sempre, a de não se deixar vencer diante de tantas calamidades, sofrimentos e dores sem fim. A capitulação ante tantos desastres, sobretudo os incontroláveis, porque oriundos das forças da Natureza, a que o idioma inglês chama ambiguamente de acts of God, obviamente seria a extinção da humanidade. Por esta razão, se justifica o papel da resistência às adversidades como ações de Sísifo.
O terremoto que se abateu há pouco sobre Christchurch, Nova Zelândia, é mais um exemplo de nossa atribulada condição de criaturas dependentes da inevitabilidade das condições geológicas do Planeta. Em qualquer parte, a dor é a mesma. Não poupa pobres nem ricos, nem nacionalidades, nem mesmo essas criaturinhas inocentes, que são as crianças. Tudo é destruído pelas forças da estrutura da Terra.
Belas cidades, lugares magníficos, construções imponentes, igrejas grandiosas , tudo se desmorona diante da inclemência das forças naturais, dos abalos sísmicos, das acomodações das camadas profundas do solo.
Ninguém está a salvo de tragédias desta ou de outra natureza, mas todas são em geral provocadas por alterações do solo universal ou de condições climáticas.
A condição da existência é mesmo precária e imprevisível em muitos casos. Não é de hoje que as populações mundiais sofrem., porém há alguns sinais que acenam para certas circunstâncias. O Planeta esta mal cuidado pelo homem. As condições de países ricos têm um grande parcela de responsabilidade por muitos desastres sofridos em várias partes do mundo. A Terra está se exaurindo. Sofre com a exploração das minas, com a sede tentacular de descobrir cada vez mais reservas petrolíferas, até no mar, quando a ciência já deveria estar muito mais adiantada no que tange a substituições de um produto que tem limites de reservas.
Mas, os humanos são teimosos e imediatistas, são individualistas ao extremo, e pensam que as riquezas da Terra não acabam. O capitalismo não tem juízo e, se o tem, o seu limite é a cegueira de não atentar para todos esses problemas que se avolumam em escala descomunal. Não enxergam que o excesso de produção econômico-industrial tem que ter equilíbrio de planejamento que não pense só nos lucros do capitalismo mundial interligado - o que não significa solidário e pacífico - firmemente entre os países, mesmo entre países de sistema de governo teoricamente inimigos. Aquilo a que visam, em última instância, seja a China, seja os Estados Unidos, é um componente vital e intransferível : o lucro, a riqueza em dimensões ciclópicas que vão levando de roldão, como os tsunamis, o que esteja travando seus objetivos e estratégias num ritmo de gold rush que não respeita valores sagrados da pessoa humana, de povos, de condições político-ideológicas das nações.
Enquanto isso, em linhas paralelas aos males humanos contra outros humanos, há os sinais de um outro competidor que entra em cena e para este não há diálogos inócuos e festivos, não há “faz de conta” para que, ao final e ao cabo, tudo permaneça quase na mesma situação, ou seja, a do desequilíbrio entre o que se extrai do Planeta e o que não se poderá nele repor.Esse outro competidor que entra em cena, repito, não está pra brincadeiras: age e o faz com fúria e sem misericórdia, visto que reúne em si as forças naturais que os homens teimam em não respeitar indefinidamente.
Ora, o resultado desse diálogo quase mudo, mas regado a boas hospedagens em luxuosos hotéis do mundo civilizado (inclusive o nosso país), com tudo pago regiamente pelos respectivos países participantes, ou seja, pela arrecadação de impostos de seus povos, é que muito pouco se tem avançado quanto à redução de taxas de poluição dos países mais responsáveis diretamente pelos níveis altíssimos de deterioração da atmosfera do Planeta.
A Terra,, como todos os planetas e outros astros do Universo têm suas leis próprias regidas por razões que remontam à sua Origem. Nenhum pedaço da Terra está isolado do conjunto da sua estrutura inteira. É como riscar um fósforo com os outros fósforos na mesma caixa. Ao riscar apenas um, todos serão atingidos no fogo comum e irreversível. Há ainda lugar para especulações filosóficas ou espirituais, conforme suas convicções do pensamento, no que respeita à dependência entre o céu e a Terra. Os sinais da Natureza não vêm em vão.
É preciso amar a Natureza para compreender esses sinais. São como o amor das estrelas de Bilac daquele soneto célebre em que dois amigos, conversando, um não entende por que o outro por ele chamado de “tresloucado,” ouve e conversa com as estrela. O amigo, que para o outro tinha perdido o senso, simplesmente, conclui o diálogo afirmando que só quem pode ouvir e entender as estrelas é quem sabe amá-las e entendê-las.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Memórias: a máquina de escrever, fracassos e sucessos(1)

Memórias: a máquina de escrever, fracassos e sucessos (1)

Para Daddy, Mr. Dudley, do City Bank

Cunha e Silva Filho


Desculpe-me, leitor, por um pouco de “Sessão Nostalgia”, expressão que, pensada em termos de cinema, um ilustre professor da UFRJ e hoje lecionando na UERJ, Helênio Fonseca de Oliveira, costumava usar toda vez que um assunto por acaso levasse a nossa conversa a um passado comum de estudantes do curso de letras da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, hoje UFRJ.
Na realidade, nela ingressara três anos depois dele. No entanto, creio tê-lo conhecido nas idas à Biblioteca do curso de letras, localizada, naqueles meados da década de sessenta, num antigo e possante prédio do Tribunal Eleitoral, localizado na Av. Presidente Wilson, Centro. O prédio, não sei por quê, não me agradava. Tempos depois, esse prédio fora demolido e dera lugar ao espigão moderno e imponente, segundo me informaram, pertencente à Academia Brasileira de Letras. No espigão, cujo nome oficial é Palácio Austregésilo de Athayde, que é um edifício moderno e imponente, de 28 andares, a APL, também chamada Casa de Machado de Assis ou ainda de Petit Trianon brasileiro, mantém uns dois andares que completam a limitada e bela construção de arquitetura neoclássica imitada do Petit Trianon do Versailles, em Paris O prédio do Petit Trianon, que abrigara uma Exposição Francesa comemorativa do Centenário da Independência do Brasil, , fora doado, em 1923, pelo governo francês ao Brasil.
O velho e antipático prédio do Tribunal tinha duas entradas, uma no térreo, onde se abrigava, como disse, a Biblioteca da Faculdade e outra, no andar superior, com duas rampas de acesso, abrigava salas emprestadas pelo Tribunal, um auditório com uma espécie de grande estrado lembrando um palco. O conjunto de salas, mais a Biblioteca ( por sinal, durante algum tempo dela foi diretor o grande escritor Otto Maria Carpeaux), era chamado de Anexo do curso de letras da FNFi. Em outra oportunidade, ainda falarei da participação dos alunos nos encontros dessa Biblioteca. Assistíamos, pois, aulas no prédio da Faculdade Nacional de Filosofia na Av. Presidente Antonio Carlos, Centro, onde fica a Casa di Itália, e no Anexo. Ao que me parece, esse edifício da Embaixada era emprestado ou “alugado” pela Embaixada Italiana, quando esta fora transferida para Brasília. Atualmente, o mesmo prédio voltou ao dono, abrigando o Consulado Italiano.
O ponto central destas notas de memórias é relatar a minha malograda relação com a máquina de escrever, só melhorada, como se verá mais adiante, com um traquejo melhor da minha parte, e a minha procura de emprego a fim de me defender na luta pela sobrevivência. Essa relação entre mim e a máquina tem uma história mais remota.
Em 1964, recém-chegado ao Rio de Janeiro, me encontrava, lá pela metade daquele ano, internado no Hospital Pedro Ernesto, em Vila Isabel, na Av. 28 de Setembro, onde permaneci uns dois meses. Infelizmente, no organismo, trouxe do Piauí o necator americanus, que me deixou bem mal, acometido que fui de uma grave anemia. Fiquei todo inchado, na cara sobretudo, e sentia tonteiras, além da visível palidez, sintomas de desmaio. Minhas mãos estavam brancas, sem sangue. À vezes, mal podia ficar em pé.
Fui bem tratado no hospital, fizera amigos na minha enfermaria, assim como com o meu médico, as enfermeiras. O diretor da clínica de hematologia era o Dr. Hildebrando Monteiro Marinho, um médico conceituado. O médico que cuidou de mim era o Dr. Franco, ainda bem jovem, pessoa competente, amiga, simpática. Saí de lá curado.
Antes de me darem alta, num domingo, tinha lido no JB um anúncio precisando de pessoas que conhecessem inglês. O emprego era na Embaixada Americana. Pedi, então, autorização à coordenação da enfermaria pra sair. Vesti um terno e lá fui eu fazer o teste de conhecimento de língua inglesa. Consistia duma conversação de alguns minutos com o examinador e duma prova de datilografia. Me saí bem na primeira parte e me dei mal na datilografia.
Ora, mal catava milho e nem mesmo sabia usar papel carbono pra cópia de um texto. O examinador, pra me acalmar, me recomendou fazer um curso de datilografia. E só. Saí desapontado descendo o elevador com algumas jovens senhoras falando inglês melhor do que eu. Tão desapontado que me inscrevi, pouco tempo depois, num curso de datilografia na Praça Tiradentes. Era a Escola Edson, na qual fiquei por pouco tempo, já que não podia arcar com a mensalidade do curso. Não mais existe. Tudo muda, tudo passa e, muitas vezes, acaba. Dinâmica da vida. Sentido de finitude. Aviso aos mortais e advertência aos prepotentes que se pensam eternos, jovens e felizes para sempre ...
Recebi alta do hospital e fui à luta. Lá deixara amigos, o meu médico, um enfermeiro e também uma bela e bondosa enfermeira.
É bem verdade que, antes de cair doente, trabalhara fazendo correspondência oficial num Diretório Acadêmico de Engenharia da PUC-Rio no belo bairro da Gávea. Trabalhei coisa de três ou quatro anos. Era um bico que me ajudou financeiramente muito. Na verdade, lá cuidava mais era de fazer cartas pra deputados e senadores em Brasília e de outras coisas de escritório. Fora um bico arranjado pelo secretário particular (um maranhense inteligente, intelectualmente preparado, já falecido, se não me engano, se chamava Olavo) do deputado federal, M. Sousa Santos, que era também dono de um construtora junto com outros irmãos. A propósito, este foi quem, a pedido de meu pai, conseguira a internação minha no Hospital Pedro Ernesto. Entretanto, mas quem se encarregou mesmo de intermediar os preparativos pra minha internação.foi meu irmão Winston que, então, se encontrava no Rio. Me disse o mano Winston que tinha sido duro com o secretário do deputado Sousa Santos, instando que resolvesse logo o meu problema de internação, que o meu caso era grave e urgente. O secretário Olavo tinha seu escritório num dos andares altos do Edifício Central, na Avenida Rio Branco, coração do Centro do Rio de Janeiro.
O diretor do diretório do curso de engenharia chamava-se Arsênio de Sousa Santos, que, hoje, deve ser um engenheiro vitorioso. Era um rapaz muito exigente, muito sisudo. Pagava em dia o meu salário. Foi tão correto comigo que, quando não mais aguentava trabalhar em razão da anemia que me estava destruindo, mandara uma senhora ao hospital - bondosa criatura! - que trabalhava lá comigo, pagar-me uma indenização, que muito me ajudou ao sair do hospital. Deixei lá um grande amigo, um senhor negro, carioca, íntegro, bondoso, amigo, já idoso, que trabalhava na PUC também, se não me engano, na seção gráfica. Um dia, fiz um poema em homenagem à sua bela pessoa humana. Não me lembro mais do seu nome, porém sua lembrança guardei pra sempre. Tinha sido um pai pra mim, até me conseguia algum dinheiro quando estava apertado. Preocupou-se com a minha doença.
Dois anos depois de ter saído do hospital, conseguira trabalhar em dois bancos privados.

No City Bank, Foreign Exchange Department,onde precisei apenas de usar o inglês para a função de atender no balcão. Para essa função, não me pediram datilografia. Ainda bem. O teste foi apenas uma conversação com um dos officesr (eram assim chamados os funcionários de posição elevada) do banco que me fizera uma observação apenas com respeito ao meu inglês. Dizia que eu falava com sotaque, mas isso não ia interferi no meu desempenho. Inclusive, esse officer me perguntou se desejava seguir carreira bancária, pois poderia me mandar pros Estados Unidos, talvez, Nova Iorque na condição de trainee. Disse-lhe que não, pois estudava letras e queria ser professor.
No City Bank, que ficava então na Avenida Rio Branco, num belo prédio que até hoje lá está, tive o meu primeiro emprego com carteira assinada. Me assinaram a carteira na função de escriturário principiante.Eu ainda era soletiero.
Em outro banco particular, o Banco de Intercâmbio Nacional, trabalhei também na Seção de Câmbio. Fiz apenas dois testes, uma carta pedindo emprego e um questionários sobre cultura geral. Também isso é explicável. O emprego foi arranjado por um piauiense, amigo de minha mulher. Devo a ele essa gentileza e gesto de solidariedade. Esse piauiense era, na época, gerente-geral do Banco do Brasil. O nome dele: Moacyr Freyre. Foi uma pessoa generosa, que muito me ajudou e à minha mulher quando, solteira, veio pro Rio fazer um curso. Toda a família dele me tratou bem e, no meu começo de vida de casado ( época em que entrei pro Banco do Intercâmbio) me apoiou e à minha mulher. Não me lembro se fiz teste de datilografia. O banco hoje está extinto. Era de porte pequeno. Nele prestei serviços como escriturário, mas, na verdade, me usaram mais pra fazer correspondência em inglês e responder às cartas do exterior. Foi aí que notei o quanto os italianos bancários da época redigiam mal em língua inglesa. Vez por outra, me mandaram verter pro inglês cartas da diretoria do banco.
A princípio, até um gerente falara que meu inglês não era assim tão bom, o que me deixou chateado com a injustiça. O nosso amor-próprio não aceita ser subestimado. Quanto mais fundo se tem a convicção de que se está sendo injustiçado, aí é que auto-estima mais sofre.O fato é que, naquela época, eu não dominava o vocabulário técnico do comércio e bancário. Mas, fui me assenhoreando de temas e do vocabulário dessa área. Aquele período, no segundo banco, me meu mais cancha na datilografia. Estava melhor e mais rápido, não obstante nunca ter conseguido ser um excelente datilógrafo. Talvez isso explique por que nunca serei um bom usuário do teclado do computador.
Certa vez, assumira uma das gerências daquele banco um cearense gordo e baixote já de idade e metido a saber inglês que, vendo um fecho de uma carta minha em inglês, me chamou a atenção, dizendo que estava errado um emprego de uma certa expressão.
No momento em que estava com ele falando sobre esse problema linguístico, sem se anunciar, entrou na sala ( provavelmente era pessoa importante do ramo de negócios e familiar ao banco) da gerência um senhor meio idoso, baixo, mas bem forte ainda, de olhos vivos que, me vendo explicar ao cearense a expressão que eu havia utilizado, segundos depois, meteu-se na conversa e afirmou categoricamente que eu estava certo e a expressão, além de correta e genuína pro contexto, era muito elegante numa carta. Parte da expressão era: “...whenever an opportunity presents itself...”
O cearense teve que engolir em seco. Conversando, depois, com aquele senhor muito seguro de si, me dissera ele que era grego e era exportador, e conhecia muito inglês. Me elogiou até o conhecimento de inglês e me entregou um cartão que, depois, reconheci tratar-se de uma agência internacional de emprego. Nunca mais vi aquele grego que tanto me impressionara com a sua segurança a e sua simpatia.Quanto ao gerente cearense, deixei pro esquecimento.
Depois deter tido as duas experiências de banco fui dar aulas em colégios e curso particulares. Foi quando melhorei um pouco as finanças, não tanto. .Contudo, dava pro mínimo.
Uma outra vez, procurando um ganha-pão complementar li um anúncio de escritório procurando tradutores.. Que ousadia a minha ser tradutor àquela época! Os jovens são impulsivos, destemidos, pensam que sabem tudo, ou talvez suas ações sejam resultantes de ingenuidade, falta de senso dos limites e desconhecimento da própria capacidade de se julgar intelectualmente. Mas, vale a experiência, ainda que malograda.
Cheguei ao escritório. Ficava na Rua Graça Aranha, Centro. O responsável pelo teste me abriu um romance em inglês, o famoso Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Me pediu que traduzisse alguns parágrafos . Em seguida, me conduziu a uma escrivaninha na qual me aguardava ansiosa aquele velho e conhecido “inimigo”: a maquina de escrever, uma Remington meio velha. O examinador me deixou sozinho. Procurei me concentrar e comecei a bater algumas frases, talvez uma página apenas. Tinha certa dificuldade de organizar bem o enunciado traduzido. Passaram-se uns quinze minutos ou mais um pouco talvez. O examinador regressou. . Olhou o que eu traduzira sem fazer comentário algum. Contudo, foi sincero: “Você bate mal à máquina. Neste ritmo lento não dá pra fazer tradução. Veja se melhora a datilografia e apareça depois.
Para concluir essas notas rememorativas, que, antecipo, não seguem uma cronologia rigorosa, ainda tentei, tempos depois, conseguir um trabalho de correspondente comercial. Sempre achei que, um dia, encontraria o anúncio da minha vida, um “abre-te, Sésamo”, que viria solucionar todos os meus problemas pecuniários e me deixaria plenamente contente e realizado. Talvez, isso nunca tenha realmente acontecido e ainda esteja à procura do “anuncio “ ideal.
A função seria redigir cartas em inglês, ou traduzi-las. A essa altura, já estava um pouco melhor em datilografia. Não sei se era porque havia comprado uma Olivetti portátil e, com o breve manual sem mestre incluído na compra, Em casa, praticava, à minha maneira, mesmo olhando sempre o teclado, as lições do manual. Acredito que esse treinamento me auxiliou bastante. Aproveitava pra bater na máquina tudo de que precisava pras minhas aulas e até artigos de jornal que, de vez em quando, enviava pra Teresina.
No dia do teste, , me encaminhara pra uma ampla sala com várias divisões à semelhança de biombos, formando salinhas, onde trabalhavam funcionários de setores administrativos e possivelmente da diretoria ou da gerência. Não sei.
Me lembro de que um funcionário me conduziu até uma dessas salinhas onde um moço com aparência estrangeira me testaria conhecimento de língua inglesa. Era um moço de uns trinta e tantos anos, de olhar simpático, educado, mas de poucas palavras. Assim se dirigiu a mim em inglês: “Please, open this book anywhere, and read at least one or two pages aloud”. Abri uma página e a li toda. “That’s enough”, acrescentou ele secamente. Pude verificar que ele ficou me ouvindo atentamente. Em seguida, me fez fazer um ditado de dois parágrafos, valendo isso seguramente como exame escrito e compreensão oral. Final mente, me levou a uma ampla sala onde vários correspondentes estão trabalhando Só se escutava o ruído orquestral das máquinas. Fiz uma ligeiro teste de datilografia, que seria uma cópia de um texto em inglês para avaliação de rapidez e eficiência na máquina. Neste passei.
Daí a uns quinze minutos, o funcionário que me havia levado a ele, voltou. O moço que me testou simplesmente disse ao funcionário: “O rapaz lê, entende, fala e traduz”. Fiquei contentíssimo.
Aconteceu, todavia, que, desta vez, a minha “inimiga não me ia reprovar. O que me reprovou foi o horário incompatível com a minha frequência no curso de letras, do qual não abriria mão mesmo arrostando privações e sacrifícios. Eu teria que trabalhar full time naquela firma. Tive que desistir

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Um poema de Felicia Hemans (1793-1835)*

Where is the sea?

Where is the sea? – I languish here
Where is my own blue sea?
With all its barks in fleet career,
And flags, and breezes free.

I miss that voice of waves which first
Awoke my childhood’s glee;
The measured chime – the thundering burst –
Where is my own blue sea?

I hear the shepherd’s mountain flute –
I hear the whispering tree; -
The echoes of my soul are mute; -
Where is my own blue sea?

Oh! rich your Myrtle’s breath may rise,
Soft, soft your winds may be;
Yet my sick heart within me dies –
Where is my own blue sea?

* Poeta inglesa, muito popular em seu tempo.


O mar, pra onde foi?

O mar, pra onde foi? – me despedindo, aqui estou
O meu mar azul, pra onde foi?
Com todos os seus barcos, velozes, singrando
Com suas livres brisas e bandeiras.

Saudades daquela voz de ondas, a primeira que
Da minha infância alegria despertou;
Do toque do sino a hora certa – do trovejar súbito –
Meu mar azul, pra onde foi?

Na serra do pastor um som de flauta ouço –
Da árvore o murmúrio ouço; -
De minha alma, emudecidos, os ecos –
Meu mar azul, pra onde foi?

Oh! Por mais profunda que seja a tua Murta,
Por mais suave e suave que teus ventos sejam,
Em mim, o coração enfermo de bater cessou –
Meu mar azul, pra onde foi?

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Democracia pela metade

Cunha e Silva Filho




Sempre me agridem a visão, em qualquer parte do Planeta, em todo tipo de sistema de governo, e principalmente de governos, no Ocidente ou Oriente, os excessos de violência praticadas pelos sistemas de repressão do Estado que, embora sendo uma prerrogativa ( não para a prátca de brutalidades e atos de crueldade) de governantes estaduais ou municipais, se aproveitam da fraqueza dos povos nas eventuais e conhecidas manifestações de protestos contra uma causa ou um estado social em que a população se vê lesada ou explorada.
Sinto, nessas situações-limite, o quanto são uniformes, iguais e universais (só mudam as línguas dos Estado repressores) os usos da força das armas contra o povo desarmado. Em São Paulo, ontem cerca de 400 manifestantes, na maior parte, estudantes se confrontaram com guardas municipais, logo associadas à polícia de São Paulo, ambas, em fúria, contra jovens estudantes que se rebelavam contra aumento abusivo de passagens de ônibus.
Nessas ocasiões de conflitos, os ânimos se acirram e jovens, que estão numa fase de imaturidade e, portanto, muito inclinada à extravasar sua indignação e descontentamento contra abusos do poder público, já que partem deste as determinações de aumentos de tarifas diversas que irão beneficiar principalmente o setor privado (no caso o transporte) e, indiretamente, o público com o aumento de arrecadação, iniciam as provocações verbais e, daí para outras ações ao seu alcance, como paus, pedras, ou mesmo utilizam o próprio corpo em direção à forças de segurança. Estas,, naturalmente, partem para o revide e saem atropelando a todos e tudo, lançando mão de gases lacrimogêneo, balas de borracha, cassetetes, socos, pontapés e, muitas vezes, até o recurso de armas de fogo, dependendo da nível do confronto alcançado. Neste ponto é que está o perigo porque , em geral, às forças policiais faltam equilíbrio e preparo técnico para lidar com situações que nem chegam a extremos. São homens mal selecionados, mal treinados, segundo temos notícias de inúmeros flagrantes de policias envolvidos com bandidos pelo país afora. A polícia digna é aquela cuja performance se impõe pela retidão de caráter, pelo espírito de solidariedade e de respeito ao cidadão de todas as classes sociais. Obviamente, existem exemplos de bons e excelentes profissionais militares, assim como de guardas municipais prestativos e cuidadosos com a população.
Uma boa e rigorosa seleção de bons profissionais nas áreas de segurança é uma prioridade dos governos e das prefeituras. Indivíduos desequilibrados que trabalhem em órgãos de segurança devem ser alijados das corporações. Proporcionar-lhes, além do treinamento tático-militar, uma boa base de formação ética, conhecimento razoável de leis e de comportamento social direcionados para compreender o que seja o respeito à cidadania me parece serem vias corretas para aprimorar as forças de segurança em nosso país.
Uma força de repressão pública só pode ser respeitada quando se constitui de um organismo atuante baseado mais na estratégia para evitar o agravamento dos conflitos. Uma forma policial que não respeita os direitos da cidadania, ainda mesmo que esta seja composta de jovens, não tem condições, do ângulo de repressão, para solucionar impasses que poderiam ser solucionados com acordos ou pelo diálogo. A repressão desorientada pode trazer sérias consequências, inclusive lesões profundas desnecessárias, inclusive vítimas fatais.
Na manifestação ocorrida ontem na capital paulista, houve excessos e abusos por parte dos militares que não respeitaram nem mesmo um representante do poder legislativo municipal, ainda que o vereador tenha exibido sua identificação a policiais. O parlamentar, um senhor idoso, foi agredido com borrifos de gás pimenta, ato de covardia que, neste caso, pode até prejudicar a vista do vereador que só estava tentando apaziguar a situação mostrando as razões que originaram a manifestação e criticando a violência contra os manifestantes.
Jovens, assim, foram espancados brutalmente pelos militares, numa afronta aos direitos humanos e universais. Governos que compactuam com esses atos de selvageria e de abuso de poder não são democráticos, mas de fachada.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Razões de não ser ficcionista

Cunha e Silva Filho



Uma vez um dos meus filhos, me confessara: “Papai, sou de uma área humanístico-científica, mas, como admiro quem escreve ficção, seja romance, seja, novela, seja conto! E ainda mais, viver apenas do suor da pena, da força da escrita, circunstância feliz que dá a alguém um sensação de liberdade quase absoluta.” Creio que inventar vidas e conflitos seja algo maravilhoso. Extrair do nosso próprio talento situações, tempos, eras, personagens, paisagens, cores, sons, perfumes, cheiros, espaços, ambiências, linguagens, seja em que estilo narrativo for, mas desde que convincente e criativo na harmonia do todo e na capacidade de verossimilhança, de convencimento, de espontaneidade em lidar com fatos e a realidade, sem , contudo, duplicar esta servilmente tentando artificialmente compor histórias forçadas, sem sopro algum de vida e sem personagens de “carne e osso”, como diria o velho e esquecido crítico Agripino Grieco (1888-1973)
Dar vida plena a tudo isso, fazendo com que o leitor, ao abrir as primeiras páginas de uma história, se veja em outra plano de uma existência parecidíssima com o chamado mundo empírico, porém urdido com um convencimento tão notável que, ao fim, faça aquele leitor sentir ser a vida um a realidade bem menos completa e interessante do que a imaginária e, além disso, com aquele poder mágico e encantatório de ser capaz de penetrar no pensamento do personagem ou do narrador. Isso não é grandioso no domínio estético?
“Por que, meu pai, o senhor não se tornou um escritor, quero dizer, um ficcionista?” A estas indagações filiais, responderia que o melhor seria ler o que José de Alencar (1829-1877) e tantos outros escritores têm a afirmar sobre esse questão tão complexa e fascinante ao mesmo tempo.
Até poderia ensaiar alguma ficção com o esforço do intelecto, com a experiência da leitura de grandes autores brasileiros e estrangeiros e com o conhecimento teórico da estrutura do texto ficcional. Entretanto, existe algo mais que inibe a possibilidade de alguém se tornar ficcionista. Esse “algo mais” chamarei simplesmente de talento, um termo antigo, mas ainda bem indicado para essa ideia que tenho de alguém vocacionado para a criação literária.
Se não há talento, espírito inclinado ao ato de “fingere” “modelar, imaginar, fingir, compor” (MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literário. São Paulo : Cultrix, 1992, p. 229), ou a presença da “poesis” (para o poeta Wallace Stevens [1879-1955], “a poesia é a suprema ficção”), ou o uso adequado do mimetismo aristotélico, do “fabbro”, ou ainda a natureza contida na definição magistral de Fernando Pessoa(1888-1935) sobre a figura do poeta, num poema tão conhecido e citado, que é “Autopsicografia”, todo esforço de querer inventar mundos e vidas, intrigas e os chamados “mundos possíveis”, os mundos de papel barthesianos, fazendo a movimentação necessária do desenrolar da narrativa, da representação dramática, do diálogo ou do monólogo exterior ou interior, do trabalho de engenharia no uso do tempo e do espaço, do domínio indispensável da descrição, da narração, tudo isso perderia seu sentido mais elevado e pleno na criação artística. Tudo isso seria fracasso e não construção ficcional.
Se o escritor não reúne atributos inatos no uso da linguagem literária, na habilidade do desenho dos personagens, na construção da trama ou intriga e na expressão de sua cosmovisão, na descrição da natureza, dos objetos concretos, na visualização do ambiente físico ou psicológico dos personagens, no conhecimento perfeito da paisagem, do interior das habitações, do urbano e do campo, na descrição das ações físicas, nas expressões adequadas à situação narrativa, ou seja, se não for equipado com um vasto e variado domínio de vocabulário e o que for de artifício de técnica narrativa, seja por linhas de construção romanesca tradicionais, seja modernas ou pós-modernas, de nada adiantará ao “would be writer” desejar chegar à praia de uma criação literária de qualidade. Neste caso específico, não há oficina de ficção que dê resultados eficazes. Lembre-se o leitor de que aqui se está discutindo o campo da criatividade, da arquitetura do belo, do sensível, do palpável, do pictórico, do lúdico e de outras formas de construir experiências humanas e objetos naturais e culturais paralelos ao mundo físico-existencial, uma forma de idealizar, via emoção e beleza, o mundo imaginário através do chamado “correlativo objetivo” formulado por T.S. Elliot (1888-1965) A vocação é condição sine qua non do surgimento de um escritor verdadeiro.
No Brasil, e certamente em outras países, sempre tivemos exemplos de homens cultos, versados numa dada área, até mesmo associada às letras, que escreveram ficção sem que tivessem nenhuma repercussão, só se restringindo a um pequeno círculo de amigos que a leram e sobre ela se calaram ou fizeram algum comentário critico mais fundado na amizade do que no valor artístico da obra. São inúmeros esses exemplos.
O intelectual deve, portanto, tomar cuidado, auscultar sua consciência, conhecer melhor suas possibilidades e ser, antes de tudo, um severo crítico de si mesmo.
Encontrar o caminho mais afinado com o seu talento - e é aqui que a repercussão dos leitores conhecidos ou desconhecidos – vai jogar um papel decisivo – será a maneira mais correta de o intelectual não se iludir com uma suposta vocação para ficcionista.
Naturalmente, há os talentos múltiplos, que produzem, até em nível acima da mediania, abrangendo gêneros literários diversos. São as exceções. Todavia, mesmo neste caso, o talento múltiplo tem gradações qualitativas e de competência com frequência desigual com relação aos inúmeros gêneros por eles cultivados.
Um mínimo de autocrítica e, sobretudo, estar atento às repercussões dos leitores e de pessoas conhecedoras de literatura, tais como críticos, teóricos, professores de letras, amigos amantes de livros, escritores. Serão estes que servirão de baliza para que o candidato a escritor reconheça suas limitações e se dedique com mais intensidade aos reais talentos com que a natureza o prodigalizou.
Ante todas essas considerações, julgo que de alguma forma respondi à indagação de meu filho e à expectativa de algum leitor.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Enfim, um sopro de liberdade

Cunha e Silva Filho


Hosni Mubarak errou desde o primeiro ano na condição de todo poderoso da terra dos faraós. Ao invés de, naqueles anos distantes foram trinta anos de ditadura - preparar o país para uma sociedade livre e democrática, optou pela permanência e ambição do poder. Nele se eternizou, e isto, a longo prazo, daria no que deu. Foi obrigado a renunciar tão grandes foram as pressões da nação para que deixasse o cargo de presidente-ditador, cujas eleições apresentavam sempre um único candidato. Quem? Ele, claro, e , segundo fontes da imprensa, foram todas eleições e reeleições fraudadas, manipuladas a fim de que o poderoso chefão se mantivesse a salvo de toda contestação ao seu domínio político.
Oh, como foram inúteis as mortes de manifestantes contra seu governo, contra a situação insustentável em vários setores da sociedade, sobretudo no cotidiano dos egípcios, enfrentando, sem liberdade de expressão, todas as mazelas sociais que se iam acumulando ao longo dos anos de autoritarismo.
Presidentes e mais presidentes dos Estados Unidos se sucediam no poder e ao Egito se reservou sempre a ajuda financeira às forças militares de Hosni Mubarak. Os norte-americanos, assim, se calavam porque, não obstante sabendo que Mubarak representava um paradigma de ditador com todas as sequelas que essa condição de forma discricionária de governo acarretavam de males a essa nação árabe, ainda assim mesmo continuavam dando apoio financeiro ao ditador, fortalecendo militarmente o país, em lastimável contradição com os proclamados princípios democráticos da Terra do Tio Sam.
Os norte-americanos são espertos. Para a sua política externa, o Egito é uma região estratégica, sobretudo pela existência do Canal de Suez que, por hipótese alguma, deve sofrer embargos, impedindo a passagem de petróleo com direção ao Ocidente.
Mubarack ficou tão politicamente forte que, muitas vezes, serviu como intermediador nas questões delicadas entre palestinos e judeus, ou como força dissuasória entre agravamentos de natureza belicosa entre o Irã e Jerusalém. O governo estadunidense não perde ocasião de se proteger financeiramente e, sobretudo, de, com o apoio da nação egípcia e outras, manter um a situação geopolítica no Oriente Médio que possa arranhar o mínimo possível a sua liderança e sua hegemonia ante o equilíbrio de forças políticas mundiais. A cumplicidade norte-americana com os governantes autoritários se torna, assim, um calcanhar de Aquiles aos adversários da política dos EUA e faz do país de Lincoln um alvo sempre arriscado nas retaliações do terrorismo mundial, além de atrair e reforçar o repúdio e o ódio de muitos países contra a política externa norte-americana. Quantas vezes vêem-se inflamadas manifestações de repúdio aos ianques queimando o símbolo maior dos EUA, que é sua bandeira, seguidas de palavras rancorosas contra esse país! Eis um dado que o governo norte-americano não deve desprezar.
Mubarak não suportou o clamor público, o estado de exaustão em se tornou o Egito, notadamente porque mm povo não pode continuar acumulando problemas de natureza econômico-financeira, ou graves dificuldades de desemprego, de miséria, de descontentamento geral, envolvendo segmentos diversos da sua constituição como Estado. Sabia que sua queda era questão de dias, ainda que, em comunicados à nação, ele negasse esboçar o passo definitivo de renunciar ao poder. A gravidade social do país era tão grande que, em algumas manifestações gigantescas da população, até oficiais do exército chegaram a solidarizar-se com seus compatriotas, em cenas emocionantes exibidas pelos canis de televisão para o mundo.
Refugiando-se num balneário, de nome Sharm-el-Sheikh, no Sinai, Hosni Mubarak, cm seus depósitos em bancos suíços que montam a bilhões, trouxe alento e esperança para um povo sofrido, pobre e enlutado, já que, num levantamento do número de vítimas fatais ao longo das manifestações de protesto contra o governo, contaram-se trezentos mortos. Isso tudo poderia ser evitado se, da parte do tirano, a renúncia fosse logo a decisão correta que deveria ser por ele tomada para o bem da n ação. Esses mortos, imolados, servirão, agora, como símbolos de mártires que, em defesa de seu país, perderam o seu bem maior, que é a vida.
Resta, agora, um caminho seguro, ainda que de transição, que deve ser encontrado pelos militares egípcios. Nesse período transitório todo cuidado será pouco a fim de que o poder não caia nas mãos de outro tirano. Desta maneira, os militares, que, segundo a imprensa , sã ainda respeitados pelo povo, têm uma missão grandiosa e patriota:a de fazer do Egito uma pátria democrática, com liberdade assegura em todas as suas formas de expressão e que o grande povo egípcio possa escolher, entre candidatos, aquele que mais condições reúna para exercer um mandato e dirigir em paz os destinos do Egito. Quando uma nação se liberta do jugo de um tirano, isso serve de estimulo a outros povos que ainda anseiam pela liberdade e bem-estar social. Oxalá a queda de Hosni Mubarack sirva de espelho às nações sofridas e ainda subjugadas por ditadores.

Na Academia Piauiense de Letras e em Teresina

“em teu seio hospedeiro
de mulher-moça-menina!
Eu te amo e tu me amas,
venturosa Teresina!”
(Hardi Filho) (

Cunha e Silva Filho



Desta vez, infelizmente, a minha viagem foi rápida a Teresina. Só passei três dias e uma manhã. Apenas isso para quem desejava permanecer pelo menos uma semana. E uma semana ainda é pouco Fui lançar meu livro As ideias no tempo, uma edição da Gráfica do Senado em convênio com a Academia Piauiense de Letras (APL), também chamada a Casa de Lucídio Freitas.
O evento se deu numa manhã de sábado de uma Teresina quente. O lançamento foi marcado pras 10 h. Fui ao belo prédio, construção antiga e elegante. Fica num plano alto da Avenida Miguel Rosa.
Meu filho, Cunha e Silva Neto, professor universitário de Direito em Curitiba e advogado, um estudioso da área jurídica, especialmente do direito constitucional, com trabalhos relevantes já publicados, e eu fomos recebidos primeiro, pelas secretárias da APL, Verinha e Cremísia. As duas, por assim dizer, são a alma da Academia e dela cuidam com desvelo e profissionalismo. Não faltou a presença pontual do porteiro Caú, que conhece minha família há muito tempo. Poucos instantes depois, surgiu um membro da Academia, o poeta, advogado e jornalista Altevir Alencar, que nos convidou para uma salinha que deve ser a do presidente da APL, Reginaldo Miranda.
Enquanto o presidente da Academia não chegava, entretivemos uma agradável palestra com o Altevir Alencar. Em seguida, foram aparecendo homens ligados à APL, escritores, membros da Academia e, finalmente, o presidente, o Reginaldo Miranda, pessoa que havia apenas conhecido em conversa pelo telefone a fim de combinarmos antecipadamente tudo para a realização daquele lançamento.
Reginaldo Miranda é pessoa educada, simpática, simples e transmite tranquilidade a quem dele se aproxima. Muito jovem ainda, é advogado e historiador e me parece alguém talhado para o cargo que ocupa na Academia que, naquela manhã, iria abrir o calendário acadêmico programado para este ano. Ficarei torcendo a fim de que toda a programação de eventos seja cumprida e com muito sucesso.
Pouco a pouco, foram chegando novas pessoas, convidados, amigos, leitores, escritores, membros da APL e autoridades representativas de órgãos públicos de setores da cultura e educação.
Fomos convidados para o espaço do auditório da Academia, onde já nos esperavam os convidados. Alguns presentes, constituídos de entidades culturais (APL, FUNDAC, UBE-PI, Secretaria de Educação, Conselho Estadual de Cultura), compuseram a mesa, incluindo a pessoa do meu filho e a de quem assina esta coluna. Ao poeta Altevir Alencar coube a parte do Cerimonial. O presidente Reginaldo Miranda abriu a sessão acadêmica e relatou uma série de projetos que deverão ser implementados pela Academia, como a retomada da publicação da tão aguardada Revista da Academia, dar continuidade à publicação do boletim Notícias Acadêmicas entre outras realizações a serem desenvolvidas ao longo deste ano pela APL. Reginaldo Miranda, com muita elegância, dirigiu palavras a meu respeito e reafirmou a alegria e o prazer de me receber naquela manhã de autógrafos. Sua oratória é límpida, fluente, polida e ao mesmo tempo objetiva.
O presidente do Conselho Estadual de Cultura, M. Paulo Nunes, professor emérito da UFPI, crítico literário, ensaísta e educador, além de ser um dos mais eminentes intelectuais do Piauí da atualidade, fez uma bela apresentação do meu livro, que considerei pessoalmente, uma aula viva de literatura brasileira, abordando, com a sua vasta experiência e saber, com equilíbrio e mesmo eloquência, não só os principais aspectos do conteúdo do meu livro, mas articulando a sua palestra ao conjunto de fundamentais temas e autores da literatura brasileira, sobretudo na esfera da crítica literária, sendo, por isso, duas vezes justamente aplaudido pela seleta e ilustre assistência e membros da mesa. Antes, em jornal, no Diário do Povo (03/02/2011) já havia antecipado uma generosa e lúcida resenha sobre meu citado livro. Por sinal, Paulo Nune é o prefaciador do meu livro.
Finalmente, usou da palavra o autor desta coluna a fim de, emocionado, agradecer aos presentes, isto é, tanto da assistência quanto dos membros da mesa, que, naquele recinto destinado ao saber nas diferentes áreas do conhecimento, ali estavam abrilhantando o evento. Finalmente, recebi os convidados para a manhã de autógrafos, enquanto já se estava servindo, na sala fora do auditório, um gostoso coquetel.
Ainda sobre a viagem, mas agora no plano do relacionamento social, o prof. M. Paulo Nunes e o professor Celso Barros Coelho convidaram-nos, a mim e ao meu filho, para almoçarmos no domingo num aprazível restaurante, quando pudemos falar sobre temas relacionados à literatura e à ciência do direito. Isso porque sem que o notássemos, formou-se quase um par bifurcado de conversas.
Entre mim e o ilustre professor Paulo Nunes, o diálogo tomou o rumo da literatura; entre meu filho e o grande jurista Celso Barros Coelho, o bate-papo gravitou em torno de temas jurídicos. Contudo, o professor Paulo Nunes e eu, e bem assim meu filho e aquele jurista maranhense, mas piauiense de coração, não ficamos indiferentes àquelas duas áreas distintas, porquanto ao estudioso de literatura e ao estudioso do direito o saber latu sensu também faz parte do conhecimento deste mundo, principalmente hoje em dia atravessado pelos estudos e pesquisas multidisciplinares e transversais. E só pra lembrar, Celso Barros cultiva e produz na área de letras; Paulo Nunes é graduado em direito, meu filho aprecia ficção e eu não desdenho o direito. Ficamos, portanto, em família.
Na segunda-feira, dia 7, meu filho e eu visitamos a nova sede do Conselho Estadual de Educação, no bairro da Vermelha, convidados que fomos pelo professor M. Paulo Nunes. A nova sede está funcionando num sólido prédio de uma antiga Escola Pública. Está todo reformado, limpo, bem cuidado por dentro e por fora. Por dentro, é valorizado por murais do talentoso artista piauiense Nonato Oliveira que, na opinião criteriosa do professor M. Paulo Nunes, está no mesmo nível dos mexicanos Orozco e Diego Rivera e dos artistas piauienses do porte de Mestre Dezinho e Mestre Expedito, famosos como santeiros.
O professor M. Paulo Nunes, nosso anfitrião, nos fez conhecer todas as dependências que formam as seções do Conselho: o acolhedor auditório ( capacidade para 120 lugares), a sala da Biblioteca, de cujo acervo 1500 livros foram doados da biblioteca particular deste dinâmico presidente, o centro de informática no qual se pretende criar uma biblioteca virtual destinada sobretudo a jovens, afastando-os, assim, das ameaças da indolência e das drogas Uma das metas do seu setor de informática é conseguir digitalizar todo o acervo da biblioteca, conectando-a com a internet e, por conseguinte, com o mundo.
Toda a atenção do presidente M. .Paulo Nunes é no sentido de que a nova sede Conselho Estadual se torne um espaço aberto e democrático à comunidade local e de outros bairros, realizando, no relativamente amplo espaço à entrada do seu prédio, eventos culturais a céu aberto e mesmo durante noites enluaradas, como bem-humorado assinalou o professor M. Paulo Nunes. São muitos os planos já projetados pelo professor Paulo Nunes. Oxalá que se concretizem todos eles, pois todos visam ao desenvolvimento cultural-educacional dos piauienses, particularmente os jovens.
As horas que me sobraram foram limitadas, mas uma não podia deixar de aproveitar. Fui, com m eu filho, até à casa do saudoso escritor e acadêmica José Lopes dos Santos visitar sua viúva, a Miriam, e familiares. Com um deles, o Oscar, demos um pulo num dos shopppings de Teresina. À tardezinha, saí com meu irmão Evandro pra dar uma olhada no belíssimo point turístico chamado “O Encontro das Águas,” porém, quando lá chegamos, já era noite e não fazia mais sentido me demorar lá. Também, desta vez, não pude ir a Amarante. Deixarei pra outra oportunidade. Na tarde do dia 7, meu filho e eu regressamos pro Rio de Janeiro. Como sempre, ao deixar Teresina, levo saudades imensas do Piauí.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Caminhada

Cunha e Silva Filho



Vou, por uma meia hora aproximadamente, esquecer os problemas graves que está vivendo o velho Egito, a notícia dos novos parlamentares brasileiros, o rescaldo devastador na região serrana, os desconcertos da existência, as notícias dos falecimentos de pessoas estimadas, talentosas em suas respectivas atividades e meter o pé na estrada, ou melhor, na rua a fim de respirar melhor, evitar os dissabores do aumento dos triglicerídeos, da pressão alta, das dores físicas e olhar as ruas de uma quarta-feira de calorão carioca, simplesmente olhá-las com atenção, com carinho, com vontade de melhor conhecê-las, ver o que têm de interessante e de fonte de conhecimento, desse conhecimento só adquirido quando se procura também sair às ruas, ver pessoas, paisagens, em suma, o humano e o construído, o natural e o artificial, o comum e o excêntrico, o interior, se possível, e o exterior, o grito e o silêncio, pois as ruas por vezes são silenciosas, pelo menos em alguns segundos, e esse silêncio me interessa como observador.
O silêncio também ensina. O que os estudiosos chamam de distração muitas vezes não passa de nossos momentos de monólogos interiores, tão produtivos à nossa inteligência, ao nosso pensamento. A nossa memória interior nos conduz, em camadas de imagens e ideias sobrepostas e quase simultâneas a pessoas diferentes, lugares diferentes, tempos diferentes. Num átimo, regressamos ao presente e ao pragmatismo da existência. Esses monólogos são de natureza recorrente e, de alguma forma, complementam nossa existência pessoal. Contudo, na rua, esses estados da memória não podem se estender muito sob pena até de porem a nossa vida em perigo e como disse um conhecido antropólogo, “o perigo é a rua.”
Muitas vezes, moramos em vários anos no mesmo bairro e nunca aprendemos a conhecê-lo de verdade: saber-lhe os nomes das ruas, examinar pelo menos aquelas que mais nos dizem respeito, que estão mais próximas de nós. Conhecer as ruas é saber o que nelas existe. Se são casas, prédios de apartamentos, se são arborizadas – as de que mais gosto -, se nelas há também lojas, pequenos comércios, botequins, restaurantes de diferentes níveis de qualidade. Muitos são os aspectos que podemos considerar sob a nossa visão tentando exercitar as nossas qualidades de flâneur, não com a intensidade e maestria descritas pela pena de Walter Benjamin ( 1892-1940) mas de um simples mortal que sente prazer de ver o que sucede à sua volta e considerando os dois lados da rua, é claro, ou da avenida.
De bermuda, tênis e meias curtas, vestindo uma camiseta esportiva que me dá a sensação de que estou mais rejuvenescido, lá vou eu, com passo mais firme, fazer a minha caminhada pelo lindo e velho bairro da Tijuca. Como é bom respirar em plenos pulmões, “oxigenar” estes segundo recomendava uma médica amiga e ir andando sentindo o gosto da vida, vendo pessoas, passando por abrigos de pontos de ônibus!
Sei que é um truísmo, mas a vida é movimentação, dinamismo, de gente, de carros, de barulhos, de poluição vindo dos canos de descargas dos veículos. Pessoas em toda a parte, principalmente na Rua São Francisco Xavier. Passo pela velha calçada à altura da entrada do Colégio Militar. Dou uma rápida olhadela para a alameda ladeada de palmeiras possivelmente tão centenárias quanto o famoso Colégio. No meio das palmeiras até uma certa distância, o caminho de calçamento abre para um largo com prédios antigos e a Casa Rosa, a Casa de Tomás Coelho, que abriga várias salas com funções diferentes. Numa delas instala o gabinete do Comandante, em cujo cargo fica por dois anos. Não há prorrogação para esta função.
Continuo a minha caminhada. De repente. Uma jovem vindo em direção contrária na calçada na mesma São Francisco Xavier, me interpela: “Senhor, sabe me dizer onde fica a rua Lafayette Cortes? “Sim, continue andando em frente e, na esquina, vire à esquerda.” “Obrigada”, me respondeu com um sorriso simpático e me olhando com seus belos olhos azuis.
Andando e sempre olhando para o que me chama a atenção, resolvo descer mais uma quadra e virar para a rua Almirante Cochrane, uma rua também muito arborizada. Passo adiante de outros prédios de apartamentos, vejo placas e nomes de curso de inglês, a Cultura Inglesa, uma casa de festas; mais adiante, uma Igreja Evangélica e, do lado da calçada por onde estou andando, atravesso de uma calçada a outra e passo por uma espécie de prédio com uma grande garagem. Mais à frente, um supermercado. Para passar por ele, devo com cuidado atravessar uma pista de entrada separando um pedaço de uma calçada para outra. No meio da rua, que é muito movimentada e nos dois sentidos, vejo um relógio digital de rua, no qual só está funcionando a marcação das horas, porém não está mostrando a temperatura, que deve estar em torno de 40 graus. Faz tempo que o relógio está assim.
Não vou até o fim dessa rua. Meu percurso me faz dobrar à direita da primeira esquina, já na Rua Pareto que vai dar numa espécie de largo, separando duas ruas e, em linha reta, iniciando a rua Soares Passos. No final desta, viro à direita e entro na Barão de Mesquita. Já estou pertinho da minha rua.
Muito suado, porque o calor é intenso àquela hora de sol a pino, entro no meu prédio, tomo o elevador e, finalmente, estou em casa. Que alívio! Nada melhor do que uma boa ducha fria para concluir a caminhada. Não terminei ainda: nada melhor do que um copo dágua geladinho para o sagrado esforço da minha caminhada. O dia foi ganho e a saúde, idem.