segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Fernando Pessoa: "Sonnet XI"

Fernando Pessoa: “Sonnet XI”


Sonnet XI



LIKE TO A SHIP that storms urge on its course,
By its own trials our soul is surer made.
The very things that make the voyage worse
Do make it better; its peril is its aid.
And, as the storm drives from the storm, our heart
Within the peril disimperilled grows;
A port is near the more from port we part –
The port whereto oour driven direction goes.
If we reap knowledge to cross-profit, this
From storm s we learn, when the storm’s height doth drive –
That the black presence of its violence is
The pushing promise of near far flue skies.
Learn we but how to have the pilot-skill,
And the storm’s very might shall mate our will.


Soneto XI

Tal qual um navio por borrascas em seu curso impelido
Com mais certeza de nossos próprios sofrimentos se forma nossa alma.
Tudo o que pior torna a viagem
Pra aprimorá-la serve; sua salvação é seu perigo.
E, à medida que da borrasca a borrasca vem, nosso coração,
Frente ao abismo, menos perigosos se faz;
Fica um porto mais próximo quanto mais dele nos distanciamos –
O porto para o qual nosso impulsionado curso leva.

Com as borrascas experiência ganhamos, esta
Quando, na verdade, um ponto alto atinge, com aquelas, aprendemos –
Que a negra presença de sua violência é
A promessa que nos empurra até próximo dos longínquo ares dos céus.
Aprendemos apenas a lição do piloto,
Das borrascas a verdadeira força ao nosso querer se há de fundir.
( Tradução de Cunha e Silva Filho)

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Tradução de um soneto de Baudelaire

Tradução de um soneto de Baudelaire


Cunha e Silva Filho



La géante

Du temps que la Nature em as verve puissante;
Concevait chaque jour des enfants monstrueux;
J’eusse aimé vivre aupré d’une jeune géante;
Comme aux pieds d’une reine um chat voluptueux;

J’eusse aimé voir son corps fleurir avec âme;
Et grandir librement dans ses terribles jeux;
Deviner si son coeur couvre une sombre flamme;

Parcourir à loisir ses magnifiques formes;
Ramper sur le versant de ses genoux énormes;
Et parfois en été, quand les soleils malsins;

Lasse, la font s’étendre à travers la campagne;
Dormir nonchalamment à l’ombre de ses seins;
Comme un hameau paisaible au pied d’une montagne.
(Fleurs du mal, XX, 1857)

A giganta

No tempo em que a Natureza, em sua verve poderosa,
Cada dia monstruosas crianças concebia,
Aos pés de uma jovem giganta viver tanto queria,
Como um voluptuoso gato aos pés de uma rainha.

Com sua alma florescer ver seu corpo tanto queria,
E no meio de suas estanhas brincadeiras livremente crescer,
Adivinhar se seu coração, em segredo, uma chama sombria oculta,
Que, nas humildes névoas, em seus olhos flutuam,

À vontade percorrer suas magníficas formas,
Pela vertente de seus enormes joelhos subir,
E, quem sabe, no verão, quando, insuportáveis, se mostram os sóis,

A fonte, cansada, pelos campos nas sombras, se estender,
Na sombra de seus seios dormir,
Como um tranqüilo vilarejo perto de uma montanha.

O lado podre do computador

O lado podre do computador


Cunha e Silva Filho


Alguém, em sã consciência, pode negar a importância do computador? Óbvio que não. Muito menos, eu. Como havia de? Me lembro de uma colega do magistério que me repetia sempre que a conversa levava a esse assunto: “nunca vou aprender a manipular o mouse, aquele ratinho feio cujo manuseio não foi feito pra minhas mãos inábeis e desajeitadas. Não, decididamente não. Tentei várias vezes aprender. Mas, qual nada! Sempre que tentava apontar para a tela do monitor, enquanto a minha vontade era pra direita, o ratinho me levava pra esquerda. Depois, havia aquelas inúmeras divisões na tela com vários ícones, símbolos, setas, letras com traços debaixo delas, sinais de igualdade, seqüência de xis ao quadrado que mais me pareciam uma equação algébrica. Não, não vou mesmo aprender. Você sabem, leitores (quanta presunção minha, a de colocar este vocábulo no plural, ainda bem que não sou Machado de Assis). Na época em que primeiro falei com a minha colega sobre a necessidade de aprender o bê-a--bá do computador, eu também não sabia nada do riscado. Mas, ouvia sempre gente alertando todos que, para continuar no magistério, teria o professor que dominar pelo menos o feijão com arroz no uso do computador. Ou seja, preparar provas, digitar notas, tudo isso seria preciso dominar.
Foi então que me decidi a comprar um computador e começar a aprender do zero. Foi um luta pra aprender,. Sempre que tinha dúvida, perguntava a meus alunos sobre isso, sobre aquilo no trato com esse aparelho cujo surgimento veio pra ficar . E mais: pra ajudar em mil e uma coisas. Esse gadget viraria, com o tempo, uma preciosidade, substituindo, em qualidade e eficiência, milhões de vezes, o que faziam a máquina de escrever e a máquina elétrica. Hoje, só tenho encômios pra essa máquina de ouro Não, de diamante.
Atualmente, muitas vezes, digito diretamente do computador os meus textos, quando antes pensava que meus pensamentos, minhas idéias não me surgiriam se as digitasse direto do computador, e não segundo a grande tradição de, primeiro, escrever, à mão, e, depois, passar pro computador. Não posso, contudo, esconder que me é ainda muito caro escrever à mão os meus textos. É um prazer diferente, que não quero perder por nenhuma coisa desse mundo, inclusive, a minha antiga e habitual maneira de preparar o meu texto manuscrito, assunto ventilado há pouco tempo em artigo de Umberto Eco postado aqui mesmo no Entretextos..
Mas, ao lado dessas vantagens do computador, havemos que pesar as desvantagens, como ataques dos hackers, esses grandes inimigos dos usuários do computador, e o mau uso do computador, segundo adiante ilustraremos.
O computador que possibilitou o acesso à internet. Esta, aliás, está fazendo 40 anos se tomarmos a data da sua alvorada com os computadores de Leonard Kleinrock e de Douglas Engelbert, este do Instituto de Pesquisas da Universidade de Stanford, aquele da Universidade da Califórnia, Ambos, com seus computadores, se conectaram com a Arpanet, ou seja, um sistema de quatro computadores, os quais constituíam um projeto do Departamento de Defesa americano. Com o tempo, aquela conexão ainda tão tímida, progrediu, saindo da órbita da pesquisa de Estado para o uso pelo público e, finalmente, para o que conhecemos todos sob o nome de internet.
Foi uma tremenda revolução nos hábitos das pessoas muito mais impactante do que a própria história da criação da imprensa. Hoje, a internet, globalizada, atinge os quatro cantos do planeta Terra. Entretanto, daí começaram a surgir problemas com o avanço da informática. Daí também surgiram inúmeras dores de cabeça para o usuário, ou não, do computador, uma vez que todos fomos influenciados pela sua disseminação. Bancos, aeroportos, fábricas, repartições, supermercados, lojas, tudo, enfim, passou a depender dessa máquina.
Por exemplo, o sistema bancário se informatizou em tal grau de sofisticação que hoje tornou-se dependente absoluto dos computadores. Mas, os inimigos dele se tornaram tão perigosos que, atualmente, estão trazendo sérios problemas para a população usuária do cartão de crédito. Formando quadrilhas, especializadas em tecnologia voltada para o mal, esses criminosos praticam ações que vêm prejudicar enormemente o cidadão comum, através da chamada clonagem, artifício técnico que penetra nos caixas eletrônicos e captam dados fundamentais do cliente para, em seguida, fabricarem falso com os quais irão lesar o cliente pelo país afora.
Dessa forma, o computador, que é a base de tudo isso, torna-se uma presa fácil para esses criminosos, sempre ávidos em conseguir dinheiro sem trabalhar. Caso de polícia. São tão ardilosos esses delinquentes que conseguem ter acesso a contas bancárias e, dessa forma, lesam os clientes dos bancos. Eu mesmo fui vítima desses facínoras recentemente. Tais crimes merecem a atenção das autoridades de segurança no país a fim de que o Estado possa ter uma infraestrutra sólida e de ponta para dar cabo dos meliantes virtuais. É um apelo que daqui faço ao governo federal: invista no contra-ataque desse tipo de crime que já se vem alastrando por toda a parte.
Os bancos também devem investir mais nas tecnologias da área da informática para que reduzam ao mínimo as possibilidades de acesso aos dados do cliente, redobrando os cuidados no uso do cartão de crédito, como , mesmo no caso de cartões dispondo de chips, exigindo do comércio de vendas, em todos os setores, que cada usuário do cartão de crédito, simples ou múltiplo, não importa, que, em qualquer compra, o cliente seja obrigado a exibir a carteira de identidade e assine a nota de compra, como fazem os bancos quando o cliente, nos “caixas-gente,” vão sacar ou receber algum dinheiro.
Esse é o lado podre do computador, quer dizer, sempre que a pessoa é prejudicada em seus direitos de consumidor por tipos de criminosos dessa espécie, o computador se transforma em inimigo potencial. Os criminosos, que o transformam nisso, devem ser perseguidos sem trégua nem piedade.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Dia de aposentado

Visita de um aposentado


Encontrava-me, naquela manhã, para matar um pouco a saudade. De quê? Havia mesmo saudade ou outra espécie de sentimento que me levava àquele lugar no qual trabalhei quase treze anos? Passei pela entrada com cartão magnético que me permitiu a entrada só depois de duas tentativas. Nos tempos de trabalho sempre acontecia de o cartão magnético não me liberar a entrada senão na segunda ou, às vezes, na terceira tentativa. Dizem que se a gente o coloca no bolso da calça, junto de um molho de chaves, desaparece a força magnética do cartão.
Não sei se isso é verdade. Também não entendo nada dessas coisas eletrônicas. Nem sei como aprendi o feijão com arroz do computador. Puxei a papai que nem mesmo sabia como ligar um rádio, embora fosse uma pessoa culta, inteligente, bom aluno em todas as matérias, mas lidar com coisas práticas não era com ele, não. Talvez fosse pela vontade de me comunicar na Internet.
Dentro da sala de contabilidade, vendo meus colegas que ainda estavam trabalhando, senti um conforto enorme. Ah, não mais terei que obedecer a horários e a chefes imediatos. Sou livre e desimpedido. A sala era ampla com mesas distribuídas, em fileiras, formando um retângulo. Nem todas estavam ocupadas com funcionários.Um pouco afastada, encontrava-se a mesa do chefe da seção. Ele lá estava sentado, de cabeça pra baixo lendo algum relatório. Sua fisionomia denotava preocupação. Nunca fui com a cara dele depois de tantos anos enfrentando-o todos os dias úteis da semana, exceto durante os períodos de férias, o que para mim era um alívio.
Quando cumprimentei a todos, ao entrar na sala, percebi que ele levantou a vista, olhou ligeiramente pra mim e esboçou um cumprimento mais com o olhar do que com palavras. Não liguei pra isso. Já sabia que seria sempre assim. Nunca iríamos mesmo ser amigos verdadeiros nem íntimos. Nossos espíritos não combinavam. Questão - diziam meus amigos espíritas -, de reencarnação. Sei lá? Nunca aprofundei leituras espíritas. Ainda andei lendo um livro que me recomendaram, O livro dos espíritos, conjunto de princípios do que Allan Kardec (1804-1869) denominava de Filosofia Espiritualista. Preferi a versão inglesa feita por Anna Blackwell, porque gostava muito de ler no original dessa língua, só para praticar a compreensão escrita e também porque houve uma época em que procurei conhecer alguma coisa sobre essa área de conhecimento espiritual.
Dentro da seção, fui conversar com um dos colegas com quem me dava muito bem, se bem que não era uma amizade muito estreita, mas dava pro gasto. Trocávamos certas confidências, nos abríamos um para o outro em assuntos mais de problemas de saúde, pois Carlos sofria de labirintite e eu provavelmente também. Na verdade, foi ele que me sugeriu que fosse procurar um médico para ver se tinha mesmo essa doença. Nunca fui ao médico. No entanto, de vez em quando, sinto sintomas que, de acordo com a experiência de meu amigo, devem ser de crise de labirintite. Até uma vez, passando mal, tive que ser consultado por uma médica numa emergência de hospital. Ela me diagnosticara apenas subida de pressão. Era hipertenso. No entanto, a sensação que tive em casa era de que ia apagar, morrer mesmo ali em pleno lar.
Era horrível aquela sensação de que não conseguia ficar direito em pé, nem sentado. Parecia que me faltavam as pernas, a posição ereta do corpo. Aquela sensação de que fosse desmaiar era insuportável. No meio da tonteira, havia também um pouco de vontade de vomitar, sensação de náusea na boca. A médica me receitou dois remédios para que tomasse um de doze em doze horas e o outro, de oito em oito horas. Me falou que começasse pelo remédio de doze em doze horas, me recomendando que, após tomar o primeiro dos remédios, ficasse em repouso, na cama. A tonteira iria passar dentro de aproximadamente duas horas, me assegurara a médica.
Por falar em tonteira, me lembro daquela noite em que acordei estranho na madrugada, com a cabeça pesada. Da minha cama fiquei olhando para o quarto quase escuro não fosse um pouco de luz que entrava pela vidraça da janela na pequena parte da cortina afastada pro lado esquerdo, enquanto minha mulher dormia um sono tranquilo. Não a quis acordar pra não preocupá-la, pois teria um dia estafante de trabalho na escola, na manhã seguinte. Tudo passava a rodar, a rodar, a rodar... O quarto, as paredes, o teto, os armários, a estante-mesa do computador. Fiquei apavorado, com medo de que era o final dos meus dias, Segurei-me às travezinhas daquela bela e decorada cabeceira da cama. Com receio de que o rodopiar era mais forte do que eu, me mantive firme, segurando-me às travezinhas curvilíneas da cabeceira da cama.
Se não o fizesse, tinha certeza quase de que seria levado para o espaço, suspenso no ar, tragado até mesmo pra fora do quarto, cuja porta estava aberta e até mesmo ficaria rodando a esmo pelos cantos das paredes em várias direções, quem sabe, tentando esse rodopiar me levar à força, derrubando a porta que dava pra varanda e lançando-me pelo espaço na rua, no céu, sem órbita certa. Parecia um pesadelo, um sonho indesejado, mas que, nas proporções racionais da minha lucidez, me parecia mesmo enxotar-me do leito.
“Júlio, meu amigo, não aguentou a saudade, não é? “Sim é verdade, mas ... e você, como está?”. “Aqui, tudo normal. Só muito trabalho, sobretudo agora, com tanto imposto de renda a fazer pros clientes. Ainda bem que eles não sabem preparar o imposto de renda. O que seria de nossa empresa nesse período de entrega de declarações? “Dá pra tomarmos um cafezinho aqui perto, já que, agora, é horário de almoço. Vamos?” “Sim, vamos”. “Mas, não vou me demorar muito. Tenho que almoçar, na sala de refeitório aqui da empresa”.
“Júlio, preciso te contar algo. Nos dois últimos anos, não tenho aguentado as reclamações do chefe, o Eulálio, que você conhece tão bem “Não se acanhe, te abre comigo... quem sabe, posso ajudá-lo a encontrar alguma ajuda pra você. Você sabe, o quanto sofri nas mãos desse tipo, suportando sua prepotência, sua falta de educação.
“Olha, Júlio, você sabe que eu não morreria de necessidade se deixasse este emprego. Minha mulher trabalha, ganha bem, se dá bem comigo. Somos felizes. Ocorre que eu trabalho na firma há muitos anos, até podia requerer aposentadoria, mas não desejo ficar sem trabalho. As coisas pioraram muito no escritório nos últimos dois anos. O chefe sempre arruma uma jeito de me chamar à atenção diante de todos os meus colegas. Isso me constrange, me humilha. Já não suporto .”Mas, Carlos, aposentar-se não é tão ruim como pensa. Olha, você tem, que eu sei, aquela casa de praia em Búzios. Em Búuuuzios, ouviu? Não é em qualquer lugarzinho aí. Pense na praia, no sol, nas caminhadas, no seu hobby de pescar, na brisa marinha que vai desfrutar. Isso não é felicidade? Além disso, você tem tua mulher, tua amiga, que, dentro em pouco, estará aposentada como você, e os dois irão curtir melhor o precioso resto de suas vidas.
“Mas, amigo, o problema é que o trabalho pra mim é o ar que respiro e, apesar de detestar aquele chefe, amo o que faço, nasci pra trabalhar em escritório, para fazer o que faço. Essa é a minha vida”. “Quem sabe, tu não tem uma novidade. Vem outro chefe, outra pessoa com quem possa fazer amizade e trabalhar em harmonia, Tudo é possível, não é?”
Olhei pro Carlos. Seu rosto oval, branco, com a barba bem feita, seu corpo avantajado, seus olhos azulados, sua barba bem feita, estava com um ar triste, os olhos lacrimosos. Quase não fixava diretamente os olhos pra mim, como que receoso de se abrir mais comigo. Não havia dúvida de que me escondia algo mais no imo do seu ser. Tentei dizer-lhe alguma coisa animadora. Ele me olhava e me parecia que isso lhe fazia bem. Tinha certeza de que ele confiava em mim e sabia que lhe queria bem, ainda que nossa amizade não fosse tão profunda quanto eu queria. Creio que nunca sabemos se alguém é mesmo nosso amigo, e nele podemos depositar total confiança. A alma humana é insondável.
Tomamos o café. Nos despedimos. Fiquei, à porta daquele barzinho em frente da firma, na qual trabalhei tantos anos e acompanhei os passos daquele colega quase amigo que não era feliz no trabalho e, contraditoriamente, gostava do que lá fazia. Seu caminhado era engraçado, parecia que andava tentando evitar pisar forte no chão tanto quanto sua pessoa não gostava de desagradar ninguém. Carlos queria ser apenas feliz (como, certa vez, lhe disse um astrólogo que lhe fez o mapa) e também desejava que o mundo fosse feliz, que todos fossem felizes, que todos se dessem as mãos e atravessassem a vida sem machucar o coração de ninguém. Era uma utopia?
Talvez sim, talvez não. Duas semanas após o nosso encontro, me telefonaram do escritório dizendo que Carlos, ao se vestir pra trabalhar mais um dia útil da semana, fora acometido de um enfarto do miocárdio. Isso foi numa sexta-feira, pela manhã, antes de tomar seu café em casa. No dia anterior, durante uma reunião na firma, Carlos teve uma crise de choro inexplicável diante dos colegas de trabalho. Chorou como uma criança.
Búzios, a praia, o sol, as caminhadas, a brisa da manhã ou da noitinha, a pesca ficaram para trás, assim também como seu trabalho na empresa, sua labirintite, seu chefe detestável. Seu rosto oval, claro, seus olhos azulados, seu porte avantajado, quase gordo, seu sorriso largo, seu andar engraçado, sua quase amizade eram tudo que dele me restou na memória.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Fernando Pessoa: "Sonne tX"

Fernando Pessoa: “Sonnet X”



Sonnet X

AS A CHILD, I talked my heart asleep
With empty promise of the coming day,
And it slept rather for my words made sleep
Than from a thought of what their sense did say.
For did it care for sense, would it not wake
And question closer to the morrow’s pleasure?
Would it not edge nearer my words, to take
The promise in the meting of its measure?
So, if it slept, ‘twas that it cared but for
The present sleepy use of promised joy,
Thanking the fruit but for the forecome flower
Which the less active senses best enjoy.
Thus with deceit do I detain the heart
Of which deceit’s self knows itself a part.


Soneto X

COMO UMA CRIANÇA, falando, fiz adormecer meu coração
No dia seguinte com vãs promessas,
E antes adormeceu em face de adormecidas palavras
Do que, por um pensamento, os seus sentidos realmente afirmavam.
Pois, se ele se importasse com os sentidos, não despertaria ele
E indagaria sobre o prazer do amanhã com maior precisão?
Não se aproximaria muito mais de minhas palavras, cumprindo
A promessa na sua exata e justa medida?
De sorte que, se adormecesse, era porque se importava apenas com
O adormecido uso do presente de uma prometida alegria,
Somente o fruto agradecendo pela vindoura flor
Que os sentidos menos ativados mais apreciaram
Assim, com o logro impedir consigo o coração
Do qual o eu do logro uma parte dele bem sabe ser.

Tradução de Cunha e Silva Filho

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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Estilo e ensaio

ESTILO E ENSAIO



Cunha e Silva Filho


Não sei se algum leitor ou leitores que gostem de ler ensaios literários já perceberam que atualmente o que se tem visto nas resenhas publicadas em jornais conhecidos, como o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo e O Globo, embora sejam escritas com seriedade, conhecimento do assunto e revelando boa apreensão das principais idéias do tema das obras lidas e naquela síntese necessária à natureza de uma resenha, é uma certa equalização de estilo literário, uma forma-padrão de organização do pensamento.
Tal uniformização estilística me parece digna de comentário, visto que o problema que, em tal situação aí se cria muito tem a ver com a falta de estilo, e esta não me parece boa pra o bom nível do ensaísmo entre nós. Afinal, de contas a resenha está a um passo do ensaio acadêmico. A diferença entre ela e o ensaio de maior fôlego reside no aparelhamento sofisticado da fôrma de gênero literário chamado ensaio.
Ora, o que se tem como pressuposição é que a escritura ensaística, a meu ver se deve destacar, como traço fundamental,, pela originalidade, pela diferença de estilos de escrita, que faz com que, ao se ler um trabalho acadêmico, ou mesmo uma boa resenha, nele ou nela se perceba logo a marca do autor na formulação de sua estrutura sintático-estlística. Citemos, para ilustrar, ensaístas já mais antigos ou mesmo menos antigos, como Alceu Amoroso Lima, Álvaro Lins, Afrânio Coutinho, Antonio Candido, Fausto Cunha, Cassiano Nunes, José Guilherme Merquior, Eduardo Portela, Luís Costa Lima e Fábio Lucas, Roberto Schawarz, Davi Arrigucci Jr., para não alongar a lista.
Todos os autores acima, separadamente, se distinguem por uma forma de linguagem acadêmica que, se omitissem os seus nomes das suas obras, um leitor inteligente e bem lido seria capaz de identificar cada um deles. E por quê? Porque cada um escreve segundo a sua forma de estruturação da linguagem, do seu estilo, em suma, da sua maneira singular de analisar obras e de as interpretar. É claro que não estou pensando na especificidade da linha ou corrente de seu pensamento crítico. Falo do velho conceito de estilo há tempos proclamado por Buffon.
Essa individualidade que encontro em tais ensaístas e crítico é que aqui me interessa como fator determinante de diferenciação de um estilo de escrita para outro. Nem falo de valorização estética na expressão do seu pensamento crítico-teórico. Falo da peculiar forma de uso da linguagem, da inconfundibilidade de forjar o pensamento analítico de cada um. Falo , em suam do ato de escrever, que deveria, na sua forma ideal pelo menos, ser um ato identificatória e distintivo entre a linguagem literária de cada ensaísta.
É essa ausência de particularidade diferenciadora que me preocupa quando leio resenhas ou mesmo ensaios na atualidade. Será que se dá aqui o fenômeno da indiferenciação no modo de escrever da chamada pós-modernidade.? Será que os jovens e muitas vezes talentosos ensaístas de hoje sofrem de uma padronização insossa e álgida na formulação do sua escrita? Isso não é bom para o ensaísmo nem para os estudos literários.
Será tal fenômeno algo que ocorre subconscientemente na comunicação ensaística a esta altura do progresso humano e tecnológico? Não estamos nos tornando demasiadamente iguais como produto de uma época que tende a uma forma globalizada de comportamento e hábitos que já se fazem sentir nesta primeira década do século 21?
Não estou de modo algum advogando nem a clareza rasa do pensamento crítico nem tampouco a obscuridade, o estilo cifrado, circular, que, por sinal, se poderia encontrar em algum crítico acima citado. O que proporia seria uma saída para uma retomada da originalidade na construção estilístico-formal do crítico, ainda que fosse para encontrar bons modelos na crítica passada, excluindo obviamente o estilo terrivelmente arrevesado e pesado de José Veríssimo.
O que não vejo bem para o ensaísmo atual é essa uniformidade de estilo de escrita que, além do mais, não prima por um traço singularizador e que me encanta como leitor de ensaio, que é o estilo de escrita idiossincrático que, na sua objetividade de análise e interpretação das obras, deixe perceber uma espécie de alma na escrita, permeada de humanidade na exposição das ideias, no palpitar sensível pensamento que, na sua subtextualidade faça vibrar, junto ao leitor, uma visão da obra na qual não se ausente o sentimento do escritor que dela se desentranha.


sábado, 21 de novembro de 2009

A fumante

A fumante

Cunha e Silva Filho


Estava de volta do Colégio em que lecionei durante 12 anos. Ao sair pela porta lateral, por onde passam os alunos na ida à escola ou na volta dela virei, à esquerda, na esquina da calçada. Foi nessa hora que, à minha frente, com passos firmes, uma mocinha, com uniforme escolar, e carregando uma mochila nas costas, me deu o primeiro sinal de desconforto: o cheiro de fumaça. Olhei para as mãos dela e logo percebi que numa delas estava segurando, entre dois dedos, um cigarro.
Não sei por que motivo, mas senti raiva dela. Raiva porque estava fumando e deixando atrás de si um rastro de cheiro desagradável, um cheiro forte de cigarro grosseiro. Parecia que me fazia aquilo, na minha frente, para me atazanar a paciência e sentir o dissabor de levar restos de fumaça na cara. Eu sei que ela estava fumando ao ar livre, mas, mesmo assim, julguei aquilo um desaforo. Parecia que era interminável aquela fumaça se espalhando pelo ar na longa calçada que, naqueles momentos, me parecia sem fim. Lá ia ela, indiferente ao meu protesto interior, fumando, tragando, jogando fumaça para trás, para os lados, para cima, para a frente, fumaça que ia até as minhas narinas. O pior é que os passos dela estavam sempre à minha frente. Acelerei o passo para ultrapassá-la, mas em vão. Ela, muito jovem, cheia de energia ainda, ficava ali à minha frente.
Parecia realmente que fazia aquilo de propósito, para me castigar, a mim, que não fumo e detesto fumaça de cigarro.
Dizia pra mim: puxa, essa garota está me perseguindo mesmo. Para onde vou, ela me aparece à frente, despejando pelo ar aquela maldita fumaça. E, assim foi que, por toda a outra rua, tive que aguentar o cheiro do tabaco forte nas narinas. Até parecia que ela estava fazendo tudo de caso pensado, para me chatear como não-fumante, como alguém que deplora esse vício. Então, passei a refletir sobre as leis que agora estão fazendo contra fumantes. Estão certos os legisladores: abaixo os fumantes! Mais respeito aos que não fumam, os “fumantes passivos”, os mais prejudicados, segundo dizem os médicos.
Estava tão distante daquele tempo das cenas de filmes hollywoodianos, onde belas atrizes e galãs costumavam contracenar fumando conhecidas marcas de cigarro. E, não sei por que razão naquele instante de reflexão, me veio à tona aquela gravura de um jovem de cabeleira lustrosa partida ao meio, fumando um cigarro. Era uma ilustração numa página distante do meu livro didático de inglês, o King's English, de Harold Howard Binns, conhecido professor de inglês, ele próprio, britânico, que deu aulas pelo rádio em São Paulo e se tornou autor didático de boas obras para a aprendizagem do inglês nos anos quarenta ou cinquenta, aproximadamente, do século passado. Até me lembro da frase alusiva à ilustração: "This man is smoking a cigarette". A nossa memória é engraçada, une o que está solto pelo tempo e pela distância. Eram chic, tinham charme aquelas cenas de ídolos nossos fumando. Agora, não, a realidade mudou e os cigarros viraram objeto de hostilidade, de protesto, de reclamação. Qualquer lei que venha nos ajudar a não respiramos fumaça a contragosto será bem-vinda. Abaixo os fumantes! Eles não sabem o que possa sobrevir a esse vício terrível, mas tão entranhado quanto os tóxicos infelizmente usados pelo mundo afora.
O que não suportava era o fato de que alguém, mesmo ao ar livre, espalhasse fumaça na cara dos outros sem a mínima complacência. Cheguei ao cúmulo de pensar que os legisladores deveriam também proibir o uso de cigarro ao ar livre. Sei que seria um exagero exigir-se isso das pessoas fumantes. Afinal, a rua é púbica, e quem fuma tem o direito de fazê-lo pelas calçadas, na rua, nos parques, desde que o espaço fosse a céu aberto.
Continuei caminhando em direção a minha casa. Já estava relativamente perto. Mas não é que a mocinha não me largava de mão. Prossseguia andando, passos firmes, fumando, fumando, tragando, tragando, poluindo o ar livre, a calçada, a rua, o mundo, e sempre à minha frente. De repente, me distraí e, ao procurá-la, não mais a avistei. Ela havia se embarafustado por uma das ruas transversais que ficava entre uma avenida de duas pistas e uma longuíssima rua no bairro da Tijuca.Numa dessas transversais, ficava o meu prédio.
Lá se foi a fumaça, o odor, “esse objeto abjeto” que me vinha perseguindo como se eu fosse um criminoso. O pior é que não a vi de frente, não sei como era seu rosto, seus olhos, sua boca. De costas pra mim, sabia que era morena e tinha o cabelo encaracolado, altura média. Parecia que não era bonita, porém um tipo comum de jovem, que não inspirava nenhuma sensualidade no andar. Só isso.
Finalmente, cheguei a minha casa. A fumaça ficara para trás com aquele cheiro insuportável que penetrava nas minhas narinas e me deixara irritado. Não mais vi a fumante e, se a vi, não a reconheci porque seguramente passávamos um pelo outro em direção oposta. Pela frente, as pessoas são diferentes, assim como quem está de óculos escuros e não sabemos como são seus olhos - espelho da alma e do físico.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Um poema de Gustavo A. Bécquer

Um poema de um poema de Gustavo A.. Bécquer


Cunha e Silva Filho


Leitor, hoje lhe trago outro poeta, desta vez do Romantismo espanhol. Seu nome; Gustavo Adolfo Dominguez Bastide, nascido em Sevilla, em 17/2/1836 e falecido em Madrid, em 22/12/1870. Entretanto, assinava Gustavo A. Bécquer, acompanhando a forma de assinatura vinda de seu pai, que foi conhecido pintor. Além de poeta, Bécquer fez ficção com muito êxito e foi crítico literario e, como o pai, também fez pintura. Abaixo segue o poema no original e a minha tradução:


Poema

¿Qué es poesia? Dices mientras clavas
en mi pupila tu pupila azul.
¿Qué es poesía? ¿ Y tu me lo perguntas?
Poesía ... eres tú.
¿Cómo vive esa rosa que has prendido
junto a tu corazón?
Nunca hasta ahora contemplé en la tierra
sobre el volcán la flor.



Poema

O que é poesia? afirmas, enquanto cravas
tua pupila azul em minha pupila.
O que é poesia? Por que me perguntas?
Poesia... és tu.
Como vive essa rosa que fizeste brotar
junto ao teu coração?
Até agora, na terra, nunca vi
uma flor sobre um vulcão.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Fernando Pessoa: "Sonnet IX"

Fernando Pessoa: “Sonnet IX

Cunha e Silva Filho


Leitor, segue a tradução de mais um soneto pessoano. Veja-a:


Sonnet IX

OH TO BE IDLE loving idleness!
But I am idle all in hate of me;
Ever in action’s dream, in the false stress
Of purposed action never act to be.
Like a fierce beast selfpenned in a bait-lair,
My will to act binds with excess my action,
Not-acting coils the thoought with raged despair,
And acting rage doth paint distraction.
Like someone sinking in a treacheroous sands,
Each gesture to deliver sinks the more;
The struggle avails not, and to raise no hand,
Thought but slowly useless, we’ve no power.
Hence live I the dead life each day doth bring,
Repurposed for next day’s repurposing.

Soneto IX

AH INDOLENTE SER a indolência amando!
Sou, porem, indolente pelo simples ódio contra mim mesmo;
Na pressão falsa em atividade o sonho sempre
Da ação como alvo sem alvo ser.
Tal qual uma fera indomada presa numa toca-isca,
Cola-se por excesso a minha vontade de ação à minha ação,
E a ativada ira, na realidade, do desespero o transtorno retrata.
Como alguém se afundando, mais se afunda;
De nada vale a luta ou a mão erguer,
Quanto mais lento o pensamento, mais inútil, força não temos.
Daí, cada dia que, firme passa, a vida morta viver,
Tudo retomar para, a cada dia, uma retomada.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Fernando Pessoa: "English sonnet"

Fernando Pessoa: “Sonnet VIII”


Cunha e Silva Filho


Prossigo, leitor, com mais uma tradução dos “English Sonnets” pessoanos. Ei-lo:


Sonnet VIII

HOW MANY MASKS wear we, and undermasks,
Upon our countenance of soul, and when,
If for self-sport the soul itself unmasks,
Knows it the last mask off and the face plain?
The true mask feels no inside to the mask
But looks out of the mask by co-masked eyes.
Whatever consciousness begins the task
The task’s accepted use to sleepness ties.
Like a child frighted by its mirrored faces,
Our souls, that children are, being thought-losing,
Foists otherness upon their seen grimaces
And get the whole world on their forgot causing;
And, when a thought would unmask our soul’s masking,
Itself goes not unmasked to the unmasking.

Soneto VIII

QUANTAS MÁSCARAS usamos, quantas máscaras menores
Sobre nosso semblante d’alma e, quando,
Embora por diversão, a própria alma a si mesma se desvela,
Sabe ser ela a última máscara revelada e o rosto, enfim, descoberto?
A máscara genuína não sente o que oculto está.
Porém, com olhos mascarados da máscara se defende.
Seja o que a consciência por dever tenha
O uso aceito deste ao estado de sono se une.
Tal como uma criança assombrada com o rosto em espelhos refletido,
Nossa almas, que são crianças, sendo pensamento em declínio,
Através de visíveis caretas a alteridade forçam
E, ao provocarem o esquecimento, o mundo inteiro para si ganham;
E, quando a máscara de noss’alma em pensamento revelasse,
Ele mesmo, ao revelar-se, não se revela.

O poeta menor

O poeta menor


Cunha e Silva Filho


Já escreveu alguém que os escritores menores, os que não atingem o estrelato, são muito úteis à vida literária, porque é neles que os historiadores vão buscar apreciáveis subsídios para a compreensão da história literária. Por isso, eles fazem parte do rol de escritores como um todo.
A posição secundária deles não os impede de serem lidos e até estudados. Os ingleses até têm uma denominação para esses escritores de projeção restrita: minor writers, em oposição aos major writers.
Os autores menores, ficcionistas, poetas ou dramaturgos, têm muito a nos ensinar e a nos transmitir. Todavia, o gênero poético é o que mais inflaciona um contingente enorme de autores menores, os quais tanto podem aparecer nas metrópoles quanto nas cidades menores.Há quem os chame depreciativamente de poetoides ou poetrastros, versejadores ou por outros epítetos análogos. São denominações constrangedoras, que suscetibilizam as pessoas, que devem ser usadas com muito cuidado. Alguém já afirmou que a literatura não só vive de gênios ou de grandes talentos. Não teria graça se assim o fosse. Os gênios são poucos. O que, porém, não falta são escritores de menor expressão. Ainda mesmo entre os talentosos há os que não alcançam notoriedade nacional e muito menos universal.
Basta examinarmos o número de poetas que já apareceram no Brasil para concluirmos que a maioria deles não vinga. Desaparecem como fumaça pelo tempo afora. São nomes que estão mais nos registros da historiografia literária. Os que se distinguiram são proporcionalmente pouquíssimos. Os que dominam as nossas antologias poéticas atuais são relativamente poucos e quase sempre são os mesmos nomes, os happy few do cânone brasileiro e isso não deixa de ser uma tremenda injustiça.
Tomando, por exemplo, como marco o período do Modernismo na poesia brasileira, constatamos que o número de poetas conhecidos do grande público é muito reduzido: Bandeira, Drummond, João Cabral, Cecília Meireles que, com outros, formam um pequeno círculo da nossa poesia. O país tem dimensões continentais. Em cada estado da Federação, há uma quantidade considerável de poetas, sem falarmos nos municípios. Somando tudo, a estatística oferece uma número gigantesco. E não estamos falando nos vários estilos, fases ou movimentos por que passou a poesia brasileira.
Com relação a poetas menores e anônimos, que seria um tipo mais abaixo do poeta menor, com uma produção que não atinge mais do que um único pequeno volume, publicado em edições particulares – autores que casualmente nos chegam ao conhecimento -, inexiste registro deles. Ficam de fora das histórias literárias.
O que diferencia o poeta menor do poeta maior: Eis uma questão que não é tão fácil assim de resolver, pois depende de vários fatores valorativos e formais, tendo à frente a questão da expressão verbal, enfim, da linguagem literária, da literariedade, da densidade temático-conteudística, da formação intelectual, do talento, da genialidade, da atividade poética contínua, entre outros.
Em geral, o que separa o grande poeta do mau poeta é semelhante ao teste da diferenciação entre um bom compositor de música popular de um mau compositor. Numa palavra, é uma questão de valor estético.
Um dos traços pertinentes e caracterizadores da poesia é o seu caráter de imprevisibilidade,[i] e é esse traço distintivo que delimita a fronteira do nível elevado de expectativa lingüístico-formal. O poeta menor não é alguém visceralmente preocupado com a linguagem elevada ao estatuto metalinguístico. Esse nível altíssimo de elaboração formal tem por meta perseguida pelo artista da palavra a construção de metáforas e imagens que traduzam sentimentos humanos, emoções e realidades diversificadas. Poesia maior é “luta pela expressão.” É a “palavra mágica” drummondiana.
Sem preparo artístico, aperfeiçoamento de técnicas e sólida formação literária, não há grande poeta. Ao contrario, o poeta menor, o versejador, esse resulta mais da improvisação, do mimetismo fácil, do que do estudo. Seria poeta mais dependente do fogo da inspiração fácil e artificial, do narcisismo, da imitação ingênua, da espontaneidade circunstancial que pensa fazer poesia quando apenas está dando largas a desabafos subjetivos, a dores de cotovelo, a particulares circunstâncias enfrentadas em dado momento da vida. Alguns deles há que conseguem até ser felizes em alguns poemas escritos, mas, no geral, não conseguem um bom nível formal e inventivo de produção poética.
Os poetas menores por vezes nos causam alguma comoção, porquanto, em geral, nos vêm bater à porta. Decididamente, não devemos fechar-lhes as portas, quando não, pela educação devida, pela obrigação que temos de ler o que escreveram, ainda que não tenham sido ungidos pela consagração da crítica.
Todos conhecemos esses poetas que nos vêm com as suas pequenas produções impressas em alguma gráfica ou editora modesta, sem o chamado selo das editoras famosas. Seus livros foram escritos com o desejo - como é natural – de serem lidos. São autores que não vendem sua obra, antes saem distribuindo-a casualmente entre leitores acidentais, amigos, conhecidos. São os poetas anônimos, desconhecidos, esperançosos de elogios que nunca lhes chegam. Procuram por vezes, vender até alguns exemplares em bancas de jornal, nas estações rodoviárias, ou pessoalmente, como faziam os escritores marginais, os poetas do mimeógrafo dos anos setenta do século passado. Na rua, nos bares, nas esquinas, em todos esses lugares lá estão eles, esperançosos do aceno de alguém que manifeste a vontade de ficar com um exemplar, até mesmo para não o ler, mas apenas para sere solidário com eles.
Nenhum pesquisador até hoje, ao que eu saiba, se deu ao trabalho de catalogá-los pelo país afora. Seria uma tarefa que demandaria uma grande equipe nos moldes das pesquisas do IBGE.
Imagine-se a publicação em vida desses anônimos, rotulados de poeta menores. Causaria, por certo uma convulsão social, pois nenhum deles , em vida, se sentiria poeta menor. Portanto, afigura-se-me paradoxal o registro deles em vida, já que haveria a possibilidade de criar sérios constrangimentos e melindres de natureza bairrista. A publicação teria que ser mesmo póstuma. Alguns deles, de tão anônimos, nem mesmo chegariam ao conhecimento do historiador. Todavia, não se pode negar que a existência deles sirva para ensejar uma visão global da produção marginal,[ii] material farto e útil para a sociologia da literatura. As gráficas e tipografias espalhadas pelos quatro cantos do país seriam indicações certas para a coleta de informações sobre esses poetas menores.
Entretanto, alguns desses poetas se julgam ingenuamente com talento e dignos de publicação. Abrimos-lhes as primeiras páginas e ali vamos seguramente encontrar o déjá vu : os habituais acrósticos, as dores amorosas, versos às flores, o canto aos símbolos nacionais, os versos à natureza, e frequentemente o clássico lugar-comum: os poemas sobre o amor, correspondido ou não, as palavras adocicadas, com rimas, estrofes, a linguagem correta, a métrica certinha, tudo segundo o emparedamento tradicionalista do tipo romântico (mais frequente), simbolista ou parnasiano, que pensa que Poesia se faz apenas de rimas, métrica, estrofe, algum ritmo, sentimentos de boa intenção ou palavras de efeito. Nada tão distante da Poesia. ,

Notas:
[i] Ver SOUSA DANTAS, José Maria de. Discurso poético e Discurso não-poético, in: SOUSA DANTAS, Jose Maria de. Didática da literatura. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1982, p. 18.
[ii] Emprego o termo “marginal” aqui no sentido de publicar uma obra sem as exigências de fichas catalogação nos órgãos competentes, i. e., trata-se de publicações particulares em gráficas ou tipografias. O termo, neste contexto, nada tem a ver com poesia marginal, ou ficção marginal, que são formas literárias diferentes e já bem conceituadas teoricamente.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Celso Barros Coelho: tempo e sabedoria

Celso Barros Coelho: tempo e sabedoria


Cunha e Silva Filho


No início dos anos sessenta do século passado, tive os primeiros contatos - diria -, indiretos, com essa figura de intelectual de primeira grandeza, que é Celso Barros Coelho. Havia um jornal, dos mais conhecidos de Teresina, para o qual, através de papai, mandava meus artigos juvenis sobre literatura brasileira e até tentativas de ensaiar textos ficcionais. Nesse jornal, havia um página dedicada a literatura – que luxo para aquela época! – e nela pontificavam alguns intelectuais já respeitados pela sua atuação nos meios culturais piauienses.
O professor Celso Barros era uma deles. Lia seus artigos, e confesso que, por ser eu muito imaturo ainda, alguns deles não conseguia entender bem, em razão do seu elevado nível de exposição. Mas, escrever ao lado de figuras já representativas do mundo das letras e da cultura piauienses, já me deixava envaidecido nos meus dezessete anos.
Outras informações que dele tive vieram de meu pai. Lembro-me até de um fato: numa manhã, em Teresina, quando eu já não mais morava nessa cidade e ali estava a passeio em visita a meus pais, o professor Celso Barros, dirigindo seu carro pela Avenida Frei Serafim, e vendo que papai e eu estávamos caminhando pela calçada em direção ao centro da cidade, nos deu uma carona até uma das ruas em que deveríamos ficar. Meu pai e ele conversaram um pouco sem que eu tomasse parte mais ativa no diálogo.Falaram, entre outras coisas, sobre línguas estrangeiras e me recordo de que o professor Celso Barros lhe dissera que gostava de italiano. Naturalmente papai lhe fizera alguma referência ao meu gosto por línguas estrangeiras.Daí, talvez o comentário do professor Celso Barros.
Com o tempo, fui conhecendo mais o papel influente que esse maranhense de Passos Bons desempenhava na vida cultural piauiense. O tempo foi passando e minha admiração por esse piauiense de coração foi aumentando. Li alguns textos dele sobre Da Costa e Silva, que, inclusive, fazem parte da bibliografia dacostina no meu livro Da Costa e Silva: uma leitura da saudade (1996) Me refiro a seus ensaios sob o título Três poetas de sua terra, Brasília, Câmara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, 1984). Li outros textos seus nas áreas de direito, filosofia, mas, confesso, li sobretudo seus trabalhos no domínio ensaístico-literário. Aos poucos, fui compondo o meu juízo intelectual desse estudioso maranhense/piauiense, e, dada a abrangência de sua larga produção, distribuída entre vários domínios da cultura, não tenho dúvida em afirmar ser ele um dos nomes mais significativos da cultura piauiense contemporânea.
Não por simples julgamento apressado, mas porque Celso Barros Coelho tem a seu favor um invejável currículo, dividido em áreas como, entre outras, literatura, direito, história, filosofia, ou seja, campos de atuação intelectual que só as individualidades de sólida formação humanística podem nelas se sentir à vontade para estabelecer diálogos fecundos com a cultura universal.
Faço esses breves comentários, ainda tão distantes das potencialidades desse escritor, a fm de aproveitar neste artigo para saudá-lo como autor de mais uma obra que me vem revelar outra faceta do sua múltipla atividade de notável publicista: o memorialista. Aludo ao seu mais recente livro, Pastos Bons: tempo de memória. ( Imperatriz, MA.:Ética, 2009., 163 p.), com elucidativa introdução e apresentação de João Renôr Ferreira de Carvalho e bem escritas “orelhas” de Adalberto Franklin.
Pastos Bons: tempo e memória, antes de tudo, é uma obra deliciosa, que encanta e ensina - trabalho de amor e de afeto. Livro saído do coração, em estilo que prima por um traço estilístico forte no autor, a originalidade de saber escrever, de encontrar aquele equilíbrio entre clareza e pensamento, entre concisão, correção e fluência, qualidades – diria -, só conseguidas por uns poucos eleitos, isto é, aqueles escritores que o tempo e o estudo são decisivos na plasmação daquela forma de escrita fluente e ao mesmo tempo elegante. Assim vejo a escrita de Celso Barros, escrita que não oculta do leitor atento o trabalho de estilo e forma literárias, fruto das lições de grandes autores do passado combinadas e atualizadas com as do presente, resultando num estilo moderno e criativo Celso Barros escreve num nível estético com plena autonomia da construção sintática. E essa excelência só o tempo e os estudos podem conseguir. Forma de linguagem e pensamento nele se unificam para o ato da criação literária, seja na complexidade dos assuntos tratados, seja, como na obra que ora lança, nos temas da sua memória afetiva, brotada do sentimento da saudade da infância e da rememoração, em idade ideal, de fatos e acontecimentos que lhe ficaram indelevelmente associados à sua experiência em idade mais avançada.
O binômio que está no subtítulo de recente livro explicita por si mesmo, as duas vertentes em que se divide e ao mesmo tempo se une: a memória centrada na meninice de sua querida terra natal – Passos Bons -, revisitada depois de tanto tempo, e o tempo, que lhe serve de veículo para recuperar proustianamente aquela idade da história de cada homem.
Na realidade, tudo circula tematicamente para justificar a rememoração, para a revivescência do que lhe ficou atrás, dentro daquele princípio comum de “recordar é viver”. E Celso Barros e o faz com a delicadeza do espírito no que este tem de mais terno e de mais saudoso.
Por isso, nas crônicas em que se volta para o passado, para o coração de sua infância, ali tem a forma mais lídima de explicar, de narrar, de contar, de observar temporalmente. E relembra, então, seus familiares, seus lugares queridos de Pastos Bons Recorda, na crônica”Heloísa – minha professora” a figura imarcescível de sua amada professora Heloísa, que lhe imprimirá marcas eternas no seu mundo interior, a ponto de colocar a figura de Heloísa num plano sentimental de natureza platônica, espiritualizada, chegando a compará-la à Virgem da Roca, de Da Vinci. Nas seis crônicas tematizando a infância, além da já citada, “A igreja de São Bento”, “Monólogo de um cego”,“Pequeno Memorial”, “Olho d’água de São Bento”, “A igreja de São Bento, o autor mergulha fundo nos tempos mais felizes de sua existência, nos quais cada detalhe, cada lugar, ou pessoa, ou monumento, ou templo, ou a natureza no passado passam a ter lugar privilegiado no seu universo de adultos e sobretudo na sua idade da sabedoria. Nada é esquecido, tudo se faz presente. É a transfiguração das coisas dos homens e da paisagem para um plano da transcendência, que é o da saudade. Não posso me furtar a dizer que, embora todas as crônicas em conjunto sejam significativas no livro, as de que mais gostei foram essas seis. Todas essa crônicas falam do passado na medida certa do contar, do expor e do narrar. Não dizem o excesso nem dizem o de menos. Por isso são todas lapidarmente concisas e não cansam o leitor com divagações desnecessárias.
O livro se compõe de 6 capítulos, todos estes precedidos de uma análise apreciativa de cada tema ventilado a cargo do professor João Renôr Ferreira de Carvalho, que introduz o leitor no contexto histórico-social-afetivo-cultural de cada crônica de Celso Barros. Convém lembrar ao leitor que todas as crônicas foram originariamente publicadas no jornal Pastos Bons, periódico criado pelo próprio Celso Barros Coelho em 2003, sendo que, dois anos depois, esse mesmo intelectual resolveu fundar também uma Academia, com o sugestivo nome de Academia de Letras, História e Ecologia da Região Integrada de Pastos Bons. A se ver pela denominação dessa Academia, sua meta ultrapassa os limites em geral das academias meramente com fins literários. Essa, não, visa à defesa dos temas ecológicos e históricos. Portanto, tem finalidades mais ambiciosas, porque passa a ser uma espécie de fórum privilegiado para levantar bandeiras em defesa de momentosos problemas nacionais, não apenas regionais.
As demais crônicas do volume enfocam temas diversos ligados principalmente ao estado do Maranhão e particularmente a Pastos Bons, à história, à literatura, à política, à ecologia e a discursos proferidos pelo autor.Entretanto, há uma espinha dorsal permeando todos esses trabalhos: Celso Barros, em quase todos eles, se revela um intransigente defensor dos valores humanos – ele próprio um humanista por formação intelectual e por princípios e convicções morais, dos quais não se afasta um milímetro a fim de preservar a sociedade e o mundo dos males provocados pela tempos modernos, como a destruição das nossas tradições culturais, do nosso patrimônio histórico , da nossa natureza, dos n ossos rios, enfim de todos essa mazelas que o nosso país ainda não se dispôs em debelar para o bem do homem e da sociedade.
Numa crônica das melhores do volume, chamada “O compromisso da Academia”, o ilustre professor de direito civil dá exemplo de seu incondicional papel de defensor do que representa o substrato do passado representado pelas academias, não vendo nelas nenhuma forma de retrocesso, mas antes uma forma até democrática de levar adiante objetivos ligados à defesa da cultura e da preservação e valorização de um presente não dissociado do passado.
Há um trecho dessa crônica que considero admirável pela força que seu verbo imprime ao seu pensamento voltado para a exaltação dos atributos inerentes a uma instituição acadêmica, e particularmente para a sua Academia de Letras, História e Ecologia de sua a querida Pastos Bons : “O compromisso das letras nos leva a um mundo de ficção. Nesse território penetremos sem a angústia da servidão humana, pois para ele levamos a esperança da libertação ...”(p.135).
Pastos bons: tempo e memória ainda inclui um brilhante discurso de Dom Franco Masserdotti, que é uma aula de ecologia e de amor a esta causa, de exemplo de um sacerdote estrangeiro perfeitamente sintonizado com as causas da defesa da natureza e da preservação da saúde do planeta Terra.
A obra, além disso, inclui dados biobibliográficos do organizador e do apresentador do volume, o professor João Renôr, assim como uma bem planejada biobibliografia, aos cuidados de Celso Barros Coelho Neto e Karine Campelo de Barros, respectivamente, neto e filha do autor.

sábado, 14 de novembro de 2009

Acordo Ortográfico

Acordo ortográfico
Cunha e Silva Filho

Tenho acompanhado com interesse o desdobramento da aprovação definitiva do Acordo Ortográfico celebrado entre Brasil e Portual e alguns países lusófonos, o qual tem gerado uma série de divergências entre escritores, gramáticos, filólogos, lingüistas, políticos e os próprios falantes em geral da língua portuguesa, sobretudo dos países que detêm maior poder de fogo, isto é, o Brasil e Portugal. Tenho lido sobre o tema e mesmo consultando gramáticas a fim de poder tentar tirar conclusões pessoais sobre o assunto. Me lembro de que a minha geração foi escolarizada seguindo as normas ortográfcas de 1943, época em que começou a vigorar o regime ortográfico resultante da Convenção Luso-Brasileira de 1943. As modificações que ocorreram decorrentes de um novo encontro de delegados das duas Academias, a Academia de Ciências de Lisboa e A Academia Brasileira de Letras, em 1945, em Lisboa, denominadas “Conclusões Complementares” do Acordo de 1931, passaram a viger em Portugal a partir de 1º de janeiro de 1946.
As alterações trazidas desse encontro de 45 foram tantas que provocaram protestos de conceituados professores brasileiros como Julio Nogueira e Clóvis Monteiro.Além disso, não vingaram no Brasil, que continuou com a ortografia de 1943. Tal ortografia foi consubstanciada no Pequeno Vocabulário Ortográfico de Língua Portuguesa, organizado pela Academia Brasileira de Letras com aprovação unânime na sessão de 12 de agosto de 1943 sob a presidência de José Carlos de Macedo Soares.
Em pleno regime militar, foi aprovado e sancionado o projeto de Lei Nº 5765, de 18 de dezembro de 1971, resultante também de um parecer conjunto da Academia Brasileira de Letras e da Academia de Ciências de Lisboa, obedecendo ao disposto no artigo III da Convenção Ortográfica selada em 29 de dezembro de 1943 entre os dois países, que dispunha sobre alterações referentes ao trema, acento circunflexo diferencial e acentos circunflexo e grave. As alterações foram, ainda de pouca monta no complexo universo do cipoal ortográfico da língua portuguesa.
Conforme ensina Rocha Lima ( (Gramática normativa da língua portuguesa. 27 ed., Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1986, p. 38), a história da ortografia portuguesa conhece três períodos: o fonético, o pseudo-etimológico e o histórico-científico. O primeiro se situa na fase arcaica da língua portuguesa, indo até o século XVI; o segundo surge no Renascimento e se prolonga até o século passado; o terceiro teve início com a chamada “nova ortografia”, e data de 1911.
É preciso acentuar que, de todas as reformas por que passou a ortografia portuguesa, o que lhe trouxe maior consistência foi o início dos estudos lingüísticos ( a partir de 1868, cf. Rocha Lima, op. cit, p. 39.) em bases científicas realizados em Portugal por Adolfo Coelho e, posteriormente, pelo eminente filólogo e romanista Aniceto Gonçalves Viana, através de seus estudos reunidos na obra utilíssima Ortografia Nacional, saída a lume em 1904. O trabalho desse estudioso foi tão influente que o governo português designou uma Comissão, em 1911, para elaborar as bases da reforma ortográfica portuguesa para a qual foram convidados os mais proeminentes filólogos portugueses de então, como, entre outros, Leite de Vasconcelos, Carolina Michaëlis, Adolfo Coelho, Julio Moreira, José Joaquim Nunes. As pesquisas de Aniceto Gonçalves Viana foram, segundo Rocha Lima, acolhidas com ligeiras alterações.
Ainda no ano de 1911, foi oficializada a “nova ortografia” em Portugal. No Brasil, em 1931, essa ortografia foi também adotada após Acordo celebrado entre a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras Nossos melhores filólogos da época, Silva Ramos, Mário Barreto, Sousa da Silveira, Antenor Nascentes, Jacques Raimundo, entre outros, a receberam com aplausos. Esse Acordo, porém, teve curta duração devido a motivos políticos (estávamos no período revolucionário de Vargas). Desta forma, a Constituição Brasileira de 1934 exigiu que a norma ortográfica refluísse para o sistema de 1931.
A proposta atual atende a antigas reivindicações de gramáticos e filólogos brasileiros, como, dentre outros, Rocha Lima, Antonio Houaiss. Na realidade a proposta presente reúne características da ortografia com base fonética combinada com o período histórico-científico. Portugal, Brasil e as antigas colônias portuguesas englobando o universo lusófono, compreendido por Cabo Verde, São Tomé e Príncipe já aprovaram o novo Acordo Ortográfico. Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste deverão certamente acompanhar aqueles países. A nova Reforma Ortográfica no país fica dependendo da sanção do Presidente da República, estando prevista para 1º de janeiro de 2009.Em termos práticos, contra ou a favor, já nos vamos preparando para o seu uso nas novas publicações respeitando os períodos de carência e outros expedientes protocolares envolvendo o espaço editorial e a mudança que se acena pra os nossos hábitos de escrita.
Me preocupa um pouco a exclusão dos acentos nos ditongos abertos e do acento circunflexo em hiatos formados de vogais iguais, forma gráfica aliás, já utilizada em nossa grafia anterior a 1943, uma vez que sendo fonético o princípio fundamental da reforma, essas mudanças ofereceriam dificuldades a quem está aprendendo a ler e sobretudo a estrangeiros que estão aprendendo o português. Também me parecem tímidas as alterações no emprego ou não do hífen – calcanhar de Aquiles tanto de professores de português quanto de alunos e usuários ou utentes – com se diz em Portugal - da língua escrita. Além disso, reincorpora as letras k, w e y que, agora, passam a integrar o alfabeto, o que me parece uma redundância.
Tenho restrições à extinção do trema nos vocábulos formados de qu e gu, seguidos de e ou i, que podem dar margem a erros crassos de pronúncia mesmo entre falantes de língua portuguesa. Imaginem os estrangeiros... A Reforma é muito restritiva nas suas alterações e está longe de uma reforma simplificadora e abrangente que viesse mesmo tornar mais racional, eficiente e menos

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O retrato na parede

O retrato na parede

­
Cunha e Silva Filho


O retrato estava ali, na parede, imutável, o mesmo que há uns poucos anos, tinham tirado numa dia feliz sem data agora. Quando, porém, olhava, havia sinal de que o sinal de que o reconhecia. Pelo menos, é o que suponho da cena presenciada aqueles poucos instantes em que ali fiquei E isso a deixava mais tranquila.Em torno daquela bela sala de biblioteca, com livros atrás da velha escrivaninha, livros com lombadas de diversos assuntos: literatura, direito, livros religiosos, história, filosofia, livros do autor , que ali, ao lado, na parede, continuava e continuaria imóvel. Nenhum pacto o modificaria. As feições dele não se desfigurariam como as do personagem Dorian Gray do célebre escritor Oscar Wilde.
Eu a encontrei, após ser anunciado por um parente, sentada, elegantemente vestida, de uma discreta elegância que ia dos pés à cabeça. Ela ali estava à minha frente, pois as estantes embutidas da biblioteca não mudaram de lugar, mas a escrivaninha foi invertida. Agora, ficava de frente para os livros, e não mais de costas para estes.
Cheguei, um tanto sem jeito e a cumprimentei. Ela, com um olhar distante, levantou a vista para mim e me cumprimentou, não com as palavras que esperamos de um cumprimento, mas assim:
- Olhe, ele está ali, apontou-me movendo a cabeça meio grisalha. Eu fiquei meio constrangido, sem saber o que dizer pra ela.
- Ah, sim, é ele.
Aquela mulher, uma bela mulher que conheci ainda bem jovem, na época, tinha uns quarenta e poucos anos, o que mais nela notei era sua sensualidade de andar, de falar, de movimentar os braços. A sensualidade ainda era mais intensa no olhar. Olhar de uma mulher cheia de vida e de desejos comuns às mulheres sensuais. Mas, agora, não passava daquela educada senhora com o olhar fixado na foto da parede, esquecida de seu passado e de seu presente, esquecida de todos e de quase tudo. Não me reconheceu nem reconheceria minha mulher. Tudo se havia apagado de sua memória fértil de outrora. Perguntou-me pelo meu nome e lhe respondi, inclusive lhe falei de minha mulher e de meus filhos. Ela nada comentou. Disse apenas novamente:
- Veja ele! Como está bonito! Na parede, aquele homem que conheci melhor quando eu já era casado e tinha filhos, lá, imóvel, permanecia na parede. Entre ele a mulher, uma vida de amizade e de cumplicidade, quiçá de amor mesmo. Davam-se bem. Não tiveram filhos juntos, mas criaram duas filhas, agora, já moças e uma delas prestes a e casar, como me falara a velha empregada da casa.
Não ia me demorar muito naquela velha, bela e confortável casa. Mas, eu me senti um pouco triste ao ver a cena de decadência de um ser que fora belo e ativo, cheio de sonhos, sobretudo quando adolescente na cidade de São Paulo, onde eu morava. Novamente ela se dirigiu a mim, sempre sentada, como se estivesse sempre pronta a sair pra fazer compras ou ir a um shopping center elegante tanto quanto ela o foi fisicamente no passado. Na cidade de São Paulo, morou nos anos cinquenta do século passado. Saíra do Piauí para passar uns tempos com um tio, que exercia funções importantes no governo paulista.
Naquela época, o tio residia no centro de São Paulo. Morava numa casa majestosa, com jardins e um pequeno chafariz jorrando água da boquinha de um anjo de chumbo. Belíssimo jardim bem cuidado tal como aqueles lindos e floridos jardins que encontramos na Inglaterra e na Escócia. Nela havia três bancos para a família conversar nas tardes dos sábados paulistanos. Jardim grande, com um coreto, à noite, sempre iluminado e com aqueles pequenos postes de iluminação espalhados nos quatro cantos. O seu tio, bonachão, sempre a deixava à vontade. Estudava numa escola conhecida pela sua educação com forte influência francesa. Por isso, ela sabia falar bem francês. Amava os romances de M. Delly, os poemas de Lamartine, de Musset, quase todos os românticos franceses. Seus passeios, seus namorados, sua íntima vontade de ser atriz. Voz bela possuía, assim como o rosto meio quadrado e os cabelos negros um pouco encaracolados, o corpo bem torneado, com aqueles volumes que nos lembram a arquitetura de Oscar Niemeyer.
Mas, os sonhos não se realizaram. Voltou pro Piauí, para sua Teresina. Lá casaria. Tornou-se funcionária pública do Estado, no Tribunal de Justiça. Aposentara-se.
Eu já me ia despedir quando ela me perguntou:
- Como está São Paulo?
- São Paulo está completamente diferente, acrescentei. Vida agitada, violência, trânsito sempre pesado. Ninguém aguenta. Ela, por sua vez, não deu importância ao que dissera e me veio com a mesma pergunta:
- Como está São Paulo? Aquela rua em que morei. Ah, aquela rua... Quanta alegria vivi naquela rua ! E me perguntou outra vez:
- Como está São Paulo? A Helena está bem? Helena é minha mulher e só usou o nome dela porque pouco antes havia eu mencionado o nome de minha mulher, pois as duas foram, apesar da diferença de idade, boas amigas.Não satisfeita ainda perguntou:
- Você está vendo ele? Como é o seu nome mesmo? São Paulo, com está São Paulo?
- Meu nome é Paulo Cardoso. Sua amiga Helena vai bem, e lhe mandou muitos abraços. Está com saudades de você. Ao que, antes de lhe dizer adeus, por fim interpelou:
- Como é seu nome? Olhe o retrato dele. Veja como está bem, e me apontou com o indicador um tanto trêmulo. Daquela casa bela e velha, já sem a alma da alegria me despedi despedaçado por dentro.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Money, money, money...

Cunha e Silva Filho

A intensidade da semântica do título acima é mesmo proposital, visa a épater le burgeois, as “adiposidades cerebrais” dos famosos versos marioandradianos, ainda tão atuais, ainda tão oportunos.
Estou um tanto convencido de que a sociedade de espetáculos se move por cifras, antes mesmo do que pela ética, justiça, fé, crença, valores outros etc., etc., etc.
Não há nada que se faça hoje sem que logo da pessoa se exija alguma quantia, seja através do dinheiro vivo, do famoso cash, seja por vias virtuais, bolsas de valores, papéis, promissórias, títulos, ações, juros, dividendos, lucros, cotações, ou seja, um mundo de caminhos conducentes a um objetivo único e fetichizado: o resolve- tudo, o deus-de-tudo, o senhor-todo-poderoso, o criador não da Terra, mas do cifrão, sobretudo iconizado no seu símbolo mais idolatrado, totem da Estátua da Liberdade, ou se não, da Wall Street: o dólar -- sinônimo perfeito e versão atual dos Shylocks pós-modernos.
Cada dia mais dele dependemos e sem ele nada conseguimos. Afirmas-se até que, com ele compramos amizades, amor, afeto, companhia etc. Sem ele, nada feito.
Em todos os setores da vida em sociedade, nada se resolve sem, primeiro, desembolsar-se alguma quantia ou montante.
Na verdade, há uma simbiose perfeita entre o sistema capitalista e a sociedade subdividida em seus vários e “necessários” estratos, da humildade do viver à arrogância dos borbulhantes do colunismo social: dividir para reinar. Eis um princípio velho e certeiro, além de perpetuador das regalias de poucos, não só nos domínios tupiniquins, m as também nas grandes terras da América e outros continentes.
Tudo se faz em torno do vil metal, do “amor” comprado a pessoa de ouro, como os casamentos por contratos de duração determinada e efêmera até o suposto “amor” das boas famílias brasileiras.
A força do capital suplanta tudo e todos e é avassaladora nos seus objetivos e realizações. Em nome de estas todos os fins são permitidos e todos os meios são possíveis.
Vejam –se os diversos tipos de transações econômicas,, financeiras e cartoriais de que dispomos não em abundância de números existentes, mas na escassez da medida certa das concessões outorgadas desde os tempos reinóis...
A engrenagem que nos força a gastar e gastar é tão poderosa que, desde o início da formação dos burgos, das cidades, dos seus mecanismos de arrecadação pecuniária, os indivíduos vão a pouco e pouco naturalizando sua realidade e sua necessidade e, hoje, há alguém que reflita sobre ela, que nela veja o dedo forte e impiedoso das diversas fontes das galinhas de ovos de ouro, dessa pantaguélica tributação compulsória e insaciável na sua busca de novos modos de abocanhar capital alheio?
Foi o ser humano supostamente civilizado que inventou a máquina de fazer a fortuna dos governos e de alguns senhores feudais de hoje, muito ciosos do seu poder e da sua fortuna. A invenção do dinheiro foi feita para que uns poucos privilegiados se mantivessem, com a força da lei e da estrutura do Estado, inalteráveis, sempiternos.
Tanto na burguesia estatal comunista, quanto no capitalismo neoliberal controlado e protegidos, sempre que necessário, pelo grande Leviatã, a força centrípeta do dinheiro pouco ou nada, em algumas situações, altera a sua movimentação em direção às fontes de arrecadação. Vejam-se os cartórios de ofícios, os impostos recolhidos minuto a minuto, em toda parte de uma nação. É uma acumulação sem fim e líquida, protegida pela lei e pela espada, ou melhor, pelo fogo.
Tudo se resume a um resultado esperado: o dinheiro que paga tudo, de forma obrigatório ou não.Do nascimento à sepultura, ali está ele pronto a pôr suas garras afiadas, levando sempre vantagens, até nos momentos de infortúnios pelo qual todos passamos sem exceção.
Abstraindo todo esse contexto diversificado, o que nos sobra? Pouca coisa. A pressão do vil metal invade por dentro e por fora, numa ciranda sem limites nem solução. Viver é conviver com esse bicho devorador, antropofágico, sem alma nem sentimento, cuja única consequência sobre nós se resume a metamorfosear-nos em seres reificados ou coisificados, na sua visão distorcida e burra dos outros, por eles considerados simples autômatos destituídos de sentimentos e de calor humano, e por tempo indeterminado enquanto – ressalve-se -, bater esse cansado e magoado coração humano.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Fernando Pessoa: "SonnetVII"

Retomo, leitor, o Pessoa em inglês, na minha tradução:


Fernando Pessoa: “Sonnet V


Cunha e Silva Filho


Sonnet VII

THY WORDS are torture to me, that scarce grieve thee –
That entire death shall null my entire thought:
And I feel torture, not that I believe theee,
But that I cannot disbelieve thee not.
Shall that of me that now contains the stars
Be by the very contained stars survived?
Thus were Fate all unjust. Yet what truth bars
An all unjust Fate’s truth from being believed?
Conjecture cannot fit to the seen world
A garment of its thought untorn or covering,
Or with its stuffed garb forge an otherworld
Without itself its dead deceit discovering;
So, all being possible, an idle thought may
Less idle thoughts, self-known no truer, dismay.


Soneto VII

TUAS PALAVRAS, que mal te afligem, me torturam –
Todos os meus pensamentos a morte há de apagar;
Não porque não creia em ti, o que me atormenta,
Mas porque de ti não posso descrer não.
Será que aquela parte de mim que, agora, as estrelas abriga,
Há de sobreviver com as estrelas que ali se encontram?
Se assim o fosse, o Destino seria muito injusto. O que, porém, impede
De se crer na verdade de um Destino muito injusto?
Hipóteses não combinam com o mundo visível
Um traje ou uma coberta unidos ao pensamento
Ou com seu traje completo inventam um mundo estranho
Sem revelar, em si, sua falsidade morta;
Tudo, pois, é possível, um pensamento inútil pode desanimar
Outros ainda menos inúteis, não mais autênticos do que os seus próprios.

domingo, 8 de novembro de 2009

Poesia e charge: o encontro perfeito*

Poesia e charge: o encontro perfeito*

Cunha e Silva Filho



Os vinte e cinco “Poemitos da Parnaíba” de Elmar Carvalho, agora tipograficamente grafados PoeMitos da Parnaíba, com certeza para combinar duas funções da linguagem propostas por Roman Jakobson (1896-1982) a poética e a metalinguística, conheci da primeira vez em que apareceram na parte final da edição de A rosa dos ventos gerais (Editora Gráfica da UFPI, 1996) – coletânea de poemas reunindo dezoito anos de poesia daquele poeta com prefácio de Hardi Filho e Posfácio da minha autoria.
É provável que, naquela ocasião, não tivesse dado maior peso crítico aos poemitos sobre figuras populares de Parnaíba, importante cidade piauiense. Os pequenos ou médios poemas tinham para mim um certo sabor circunstancial tanto quanto é costume encontrá-los em outros poetas brasileiros, como seria o exemplo de Manuel Bandeira ( 1886-1968) em Mafuá do Malungo (1948), definido pelo próprio Bandeira como poesia circunstancial, mas negada energicamente pelo prefácio de Carlos Drummond de Andrade(1902-1987). Com uma diferença que faço questão de aqui assinalar: os poemas circunstanciais de Bandeira não são de modo algum satíricos; é possível que em alguns haja humor, mas não sátira.
Posteriormente, Elmar Carvalho reedita a mencionada coletânea, numa edição acrescida de mais dezesseis poemas e acompanhada de uma boa fortuna crítica, além de um estudo erudito final tratando do uso de tropos na poesia de Elmar assinado por José de Ribamar Freitas. A edição foi publicada pela SEGRAJUS, 2002, 258 páginas Até no título houve alteração, com a exclusão do artigo precedendo “Rosas”. Essa edição contém uma pequena introdução de quem assina esta Apresentação.
Entretanto, em 2006, Elmar, comemorando seus cinquenta anos de idade, lança uma bem organizada antologia reunido o que lhe parecia de maior significação da sua lírica, inclusive até demonstrando real modéstia ao solicitar-me opinião sobre que poemas deveriam figurar ou não na coletânea. a que deu o título de Lira dos cinquentanos, propositalmente remetendo à Lira dos cinquet’anos (1948) de Bandeira. Não seria, claro, uma pretensão tal título, mas uma homenagem ao grande lírico de Pasárgada.
Essa bela antologia, em edição primorosa da FUNDAPI, Teresina, 2006, 271 páginas, com apresentação do autor, inclui, além disso, alguns textos em prosa, uma Entrevista com Elmar concedida à historiadora e ensaísta Teresinha Queiroz e à ensaísta, crítica e professora Maria do Socorro Rios Magalhães, uma bem considerável fortuna crítica do poeta, bela iconografia biográfica do autor e, finalmente, uma síntese biográfica. Nesse volume, ficaram de fora os poemitos parnaibanos.
No entanto, não contente ainda com a sua inquietação intelectual, o poeta Elmar Carvalho, juntando-se a outro artista piauiense, o chargista Gervásio Castro, natural de Parnaíba, mas radicado no Rio de Janeiro, resolveu, de comum acordo, dar uma dimensão pictográfica aos “PoeMitos da Parnaíba”. Seus personagens, outrora figuras de carne e osso, conhecidos tipos ou figuras populares de Parnaíba, se transformaram em excelentes charges pelas mãos criativas e reveladoras dos melhores atributos dos grandes chargistas.
As 25 figuras ou tipos populares, recriadas poeticamente por Elmar - e se diga a bem da verdade -, com o mesmo cuidado que o poeta destinou aos chamados poemas sérios, com os seus processos de composição centrados no trabalho da linguagem lírica e com os recursos de criatividade já conhecidos dos seus principais exegetas, saltaram do espaço poético para o desenho ilustrado, adquirindo ainda mais vida e complementando as descrições físicas, morais e psicológicas pelas quais ficaram conhecidos na crônica social da cidade de Parnaíba.
Acredito que, agora, elevadas à arte da charge, aquelas figuras ou tipos, com suas peculiaridades diferenciadas, ora exóticas, ora engraçadas, ora provocando o riso e a chacota, ora causando sentimento de emoção poética e ternura, hão de ressignificar sua importância na crônica viva do passado parnaibano.
É claro que algumas dessas figuras que combinavam traços grotescos ou escatológicos e foram vítimas dos gaiatos da época certamente o foram pelos excessos de traquinagens de crianças e adolescentes e até de adultos brincalhões.
Por outro lado, há que levar em conta outras figuras dignas da consideração e da admiração dos seus contemporâneos, seja pelo talento, seja pelas qualidades morais, seja pela ingenuidade, pela insanidade, pelo quixotismo, pela megalomania, enfim, pela multifária idiossincrasia de cada um. Nesses poemitos texto e charge se complementam e se engrandecem artisticamente.
Os melhores poetas fizeram algum uso, a par de seus textos chamados sérios, de assuntos elevados, nobre, também da poesia cômica, burlesca, satírica, e até obscena., cujo exemplo maior na literatura brasileira do Barroco começou com Gregório de Matos (1636-1695), com os seus conhecidos poemas satíricos. Carlos Drummond de Andrade, poeta sisudo, retraído, aparentemente bem comportado, da mesma sorte escreveu poemas sensuais e mesmo eróticos.
O certo é que não podemos deixar de nos enternecer, com certas figuras desses poemitos elmarcarvalhianos, com essas figuras encantadoras como Alarico da Cunha, Mestre Ageu, Mário Reis, Zé bispo, Parassi, Cego Bento, ou com tipos realmente engraçados e histriônicos como Maria das Cabras, Marechal, Boa Idéia, Pacamão, ou tipicamente burlescas como Simplição, Lobaia, Alain Delon, ou ainda patéticas como Jibóia, Derocy, Hosana, Marechal.
Não é, contudo, somente a crua biografia da figura ou tipo popular que, pela suas virtualidades cênico-cômicas, faz a grandeza do texto poético. Falar com descontração, no registro oral, é uma coisa. Transformar em síntese poética tais figuras ou tipos é tarefa difícil de composição literária. Que formas de linguagem, que semântica expressiva, que dicção adequada ao personagem resultariam eficazes em obras de arte poética? Só muita experiência, talento e domínio da técnica do verso.
Da mesma sorte, ao artista da charge se exigem dotes especiais, de atenção, de concentração, de perspicácia visual-anatômico-psicológica para captação, no caso, pela via indireta, ou seja, pela linguagem literária, dos traços certos do personagem desenhado em direção ao que física ou moralmente é depreendido e transfundido pela desproporção das formas e pelo exagero das pinceladas do artista. Traços certos que seguramente são o reflexo da verdade do texto.
Penso que Gervásio Castro atingiu esse ponto de captação de cada figura ou tipo por ele caricaturado, sem se falar aqui da forma erótica ou mesmo obscena implícita, explícita ou no nível da ambiguidade pictórica, cuja depreensão depende da perspectiva do olhar do observador do desenho, tal como ocorre com as figuras de Maria das Cabras, Lobaia, Pacamão e Simplição. Convém ponderar que nos poemitos nem sempre há charges, há também caricatura, entendendo os dois processos artísticos de criação pictográfica conforme a realidade físico-psico-moral da figura ou tipo tratados pelo desenho.
Se a figura ou tipo configuram uma sátira pura ou humor, tem-se a charge; se há apenas a intenção do desenho acentuando o lado humorístico das gestualidades, dos “vícios e hábitos particulares em cada indivíduo”, tem-se a caricatura. Ambas as formas de ilustração não podem prescindir do exagero e da intencional desproporção de traços. É preciso que, ao olhar para a charge ou a caricatura, logo venha, sem esforço, à mente a pessoa ali figurada. Não podemos, ademais, levar ao extremo afirmando onde exatamente começa e termina a fronteira entre a charge e a caricatura.
É pena que, numa simples Apresentação aos PoeMitos da Parnaíba, não tenhamos espaço para aprofundarmos a análise das duas linguagens que ora se apresentam, juntas, no trabalho criativo do poeta e na destreza genial dos traços do chargista parnaibano. Entretanto, dou uma sugestão em mão dupla ao leitor: leia o texto de Elmar e, em seguida, faça a leitura visual das charges procurando no intertexto pictórico a literariedade dos PoemMitos da Parnaíba. Use a outra mão, e veja o resultado produtivo do processo de leitura inverso.

Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2009

* O texto acima é reprodução da Apresentação (p. 7-13) do livro PoeMitos da Parnaíba, de Elmar Carvalhoo. Teresina: Gráfica do Povo, 2009, 64 p.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Fernanado Pessoa: "Sonnet VI"

Fernando Pessoa: “Sonnet VI”


Cunha e Silva Filho



Voltamos, leitor, ao Pessoa em inglês, dando continuidade às nossas traduções bilíngües:


Sonnet VI

AS A BAD ORATOR, badly o’er-book-skilled,
Doth overflow his purpose with made heat,
And, like a cxlock, winds with withoutness willed
What should have been an inner instinct’s feat;
Or as a prose-wit, harshly poet turned,
Lacking the subtly music in his meausre,
With useless care labours but to be spurned,
Courting in alien speech the Muse’s pleasure;
I study how to love and how to hate,
Estranged by consciouness from sentment
With a thought feeling forced to be sedate
Even when the feeling’s nature is violent;
As who would learn to swim without the river,
When nearest to the tric, as far as ever.


Soneto VI

Tal qual um péssimo orador, de pouca instrução
Que, com rigor, se excede no propósito de criar inflamado discurso,
E, como um relógio, corda dá a um querer vazio,
O que deveria ter sido um ato perfeito de interior instinto,
Ou, como um prosador espirituoso transmudado em dissonante poeta,
A quem falece, na exata medida, a música mais requintada,
Labora inutilmente senão para provocar o desprezo,
Cortejando, em alheio discurso, das Musas o prazer,
Aprendo a forma de amar e odiar,
Distanciando, pela consciência, do sentimento,
Impulsionado, com o pensamento do sentir, a impassível ser,
Ainda quando violenta seja sua natureza,
Igual àquele que sem o rio a nadar aprende,
Quando muito, próximo aos artifícios, como sempre, tão distantes.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

A literatura que vende

A literatura que vende

Cunha e Silva Filho


Uma vez, conversando informalmente com um professor universitário que me deu aula no doutorado, a um passo de nossa conversa, me fez (ou fez a si mesmo a meia voz ) esta pergunta em tom de perplexidade: - Por que Paulo Coelho vende tanto livro? Que mistério seria esse que faz de um autor um best-seller pelo mundo afora? Eu tenho minhas dúvidas sobre o fator determinante de tanto sucesso, concluiu ele com um rosto demonstrando funda reflexão a respeito do tema do sucesso de um ficcionista.
Inferi de suas palavras um certo convencimento de não ser possível no autor best-seller, não haver alguma coisa expressa em forma de valor na sua obra, quer dizer, os livros daquele escritor seguramente contêm algo que, por ser minimamente positivo no campo da ficcionalidade, induzisse leitores, mesmo em traduções para inúmeras línguas, a serem atraídos pelo seu universo constelado de magos, aventuras de peregrinos, feiticeiros e sortilégios contagiantes.
Aquele meu professor, ele próprio, tem livros publicados na área da ficção. No meio acadêmico universitário, acredito que seja respeitado e até admirado. Contudo, meu ex-professor não se tornou um sucesso de venda, e talvez não o será, como outros bons ou ótimos prosadores nossos, contemporâneos ou não.
Essa preocupação de um ficcionista de talento, mas que não vende tanto assim, dá o que pensar se voltarmos nosso foco para a questão da atividade literária, questão que, no fundo, envolve compreender por que a literatura de bom ou alto nível de formalização estética não tem vingado em geral, no meio editorial brasileiro, ou melhor, não tem se transformado em, pelo menos, relativo êxito de venda.
Vejo, entre outras razões, um componente antagônico nessa relação entre escritor e público leitor: o ficcionista da literatura de estilo mais complexo, mais sofisticado, em grau maior ou menor, vai com certeza apenas dispor de um número de leitores intelectualmente equipados a assimilar e a fruir esteticamente aquela escrita que, como dado de construção, não vai abrir mão do experimentalismo na sua forma narrativa. Creio que em parte será esta a condição em que sobreviverá esse autor de estilo literariamente elitista, empregando este termo na sua acepção de qualidade e não como forma de criar arte ficcional de viés social e culturalmente preconceituoso, o que não seria correto na criação artística em geral.
Nesta sentido, não há senão que divisarmos, grosso modo, dois tipos de autores no gênero da ficção: a) os que escrevem para atender a um público não exigente culturalmente falando, ou seja, tratar-se-ia de um escritor para o leitor de background mediano: b) os que permanecerão cultivando um estilo literário para cuja compreensão e deleite estético implica leitores com repertório cultural sofisticado, em nível, pois, de compatibilidade receptiva aos intrincados meandros da narrativa atual.
Essa questão, a meu ver, se põe como desafio à sociologia da literatura. Todavia, não vejo que as duas espécies de escritores aqui considerados manter-se-ão continuamente em campos opostos.no tocante ao problema do sucesso de venda. Ocorre-me, agora, recordar aquele estudo de Antonio Candido discutindo, com a conhecida argúcia e luminosidade de sua crítica, o papel da literatura junto à sociedade em escalas de estratos sociais diversos. Aludo ao ensaio “O direito à literatura”, que faz parte da obra Vários escritos (São Paulo: Duas Cidades, 1995, p. 235-263), sobre o qual escrevi um artigo, nesta coluna, de título “A literatura como inclusão social”.
Para Candido, a compreensão da literatura, ainda que nas suas formas de expressão estilística refinada ou revolucionária, deve ser um bem cultural a ser compartilhado por todas as classes desde que, com o avanço da educação dos indivíduos, possam estes alcançar um nível de excelência ou próximo desta tanto quanto o das segmentos sociais mais letrados que ainda detêm essa hegemonia de absorção e assimilação da chamada alta literatura ou das outras espécies de arte ainda privilegiadamente consumidas pela burguesia letrada.
Por outro lado, há que levar em conta um outro ângulo da mesma questão. O exemplo de Paulo Coelho não é, como todos sabemos, um caso tipicamente brasileiro. Sua literatura transpôs fronteiras de países altamente letrados e, mesmo nestes, o sucesso de vendas se mantém.A literatura mundial de best-sellers seria outro exemplo de venda certa contada em cifras de milhões de cópias vendidas no Brasil. Somos ainda, infelizmente, culturalmente apegados ao que vem de fora, ainda que não seja sempre de qualidade. É um exemplo nosso, entre outros, de comportamento de leitor ainda persistentemente colonizado via leitura de origem estrangeira notadamente de autores de língua inglesa.~
Mas, então, podemos argumentar: em outros países, da mesma forma que no nosso, a mediania de leitores é uma evidência. Portanto, não é um país altamente letrado que vai responder por essa questão de sucesso editorial.
A questão para mim se desloca para um outro patamar. A elevação do nível cultural dos leitores não deve ser considerada como um grande bloco privilegiado de indivíduos, mas como leitores isolados que, por uma razão ou outra, atingiram um alto nível de capacidade interpretativo-crítica a ponto de se igualar a determinados segmentos da burguesia altamente culta.
De outra parte, nada me assegura que, com a elevação cultural do público leitor, tomado na sua globalidade, haverá por força de mudanças de hábitos de cultivo da inteligência no domínio literário, uma melhoria tão significativa, a despeito das esperanças nutridas por Antonio Candido na fruição desejável das complexas narrativas contemporâneas ou pós-modernas, produzindo cada vez mais ficções ( ou mesmo poesias), as quais teoricamente se chamam de metaficções, ou seja, ficções sobre os mecanismos internos da própria criação literária, tão distantes formalmente daquela velha forma literária de alguns narradores tradicionais – José Américo de Almeida, Jorge Amado, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Raquel de Queirós, entre outros - que centravam sua estórias predominantemente na criação de personagens, enredos espaço social ou psicológico, utilizando um estilo literário sem experimentalismos, sem grandes rupturas ou subversões estilísticas (caso da primeira geração modernista de 1922) que dificultariam o entendimento dos leitores, quer médios, quer mesmo cultos.
Daquele citado grupo de ficcionistas da chamada geração dos anos 30 e 40, regionalista ou urbana, talvez só Graciliano Ramos apresente certa diferenciação nos modos de sua narrativa em razão de alguns elementos de sua estrutura ficcional que já indicam inovações no equacionamento do enredo e mesmo da linguagem já em alto nível de qualidade estilística. Não se desejando, entretanto, aqui desconsiderar aqueles autores que, da mesma forma, escreveram algumas obras de altíssima qualidade literária. Entretanto, eram obras de ficção que tinham um legibilidade mais acessível a uma gama de leitores.
Penso que o excesso de instrumentos estilístico-formais na ficção contemporânea seja um fato determinante da persistente carência de leitores de hoje que se afastam do texto narrativo na medida em que ele se volte mais para tentar construir ficção com a obsessão de fazer da trama da obra um exercício centradamente metaficcional, sobretudo daquele romance que, em geral, tem como protagonista um escritor, o que é dar um primeiro passo para cair no vezo da arte ficcional autocentrada nos processos de ficcionalização, da quebra de ilusão mimética do realismo, num desvelamento que vai mostrando ao leitor que ali tem ele uma “construção da realidade” e de como o autor foi montando suas peças servindo, principalmente mais ao próprio autor ou a um seleto grupo de iniciados nas técnicas de desconstrução do edifício tradicional do antigo romance de origem burguesa de começo, meio e fim, do “velho e clássico realismo burguês,” cujo centro de gravidade era o enredo e os personagens, seguidos da linguagem, mas não fazendo desta o centro de atenção do leitor.
Os autores esquecem o fato de que o leitor, na obra, procura o prazer de, durante o tempo da leitura, conviver com vidas, com experiências ou vivências de personagens cheios de sangue, de nervos, mas também de alma, numa narrativa que nos permita haurir o sentido da realidade da vida e de seus problemas pelo mistério da criação literária. É pedir muito?

A fugacidade dos homens e dos objetos

Da fugacidade dos homens e dos objetos


“Memento homo, quia pulvis est et in pulverem reverteris”

Cunha e Silva Filho


Foi ontem mesmo. O porteiro do meu prédio tocou a campainha e, muito suado, com o coração quase saindo pela boca, me fez uma proposta de cunho comercial.
- Seu Francisco, aqui tem esse monte de livros que ganhei de presente de Dona X, sua vizinha do prédio ao lado.
Olhei para as três caixas, todas quase apinhadas de volumes, na maioria com capa dura e lombada larga, em bom estado de conservação, como costumam dizer os livreiros virtuais. Logo me lembraram tratar-se de calhamaços jurídicos. Pois não eram?!
Os volumes pertenceram a um jurista bem conhecido, professor titular de universidade no Rio de Janeiro e autor de muitas obras.Um scholar do Direito, em suma.
O porteiro, então, sem delongas, me perguntou um tanto desconfiado:
- Valem muito?
- Valem, respondi-lhe sem pensar. Vou tentar vendê-los a um sebo de um amigo. Calculo, pelo número de livros, que teremos um lucro de, pelo menos, uns dois mil reais, pois as obras são valiosas. Minhas palavras não passavam de um leigo no ramo de livros usados. Desse dois mil a metade ficará com você e a outra comigo, ou melhor, dividiremos por três, pois meu filho mais novo também quis entrar no negócio que, para mim, iria dar algum ganho de capital. Todos ficamos contentes com o combinado.
O porteiro, em seguida, entrou com as três pesadas caixas, ajudado pelo meu filho. Uma das caixas era de plástico duro; as outras, de papelão. Não preciso dizer que minha mulher fez uma cara feia dando-me a entender que tudo aquilo não ia caber n o apartamento, já em si atulhado de livros meus, parte na sala , parte nas dependências de empregada.
O porteiro saiu do apartamento cheio de esperanças. Eu, logo, fui examinar os títulos das obras. Naturalmente, pensando que no meio delas haveria alguns livros da minha área de interesse. Pois não é que havia?! E livros úteis, um dos quais já tive, mas terminei presenteando a meu filho mais vleho, que também é um bookworm e não pode ver livro em livraria que deseja logo comprar pelo menos um.
Os volumes sobre a ciência do Direito eram, na maioria, de autores de renome, como o gigante do Direito Pontes de Miranda, o pernambucano Aníbal Bruno ( que, se não me engano foi autor didático também) José Cretella Júnior(que também foi notável autor didático de compêndios de latim e português do meu tempo ginasiano), José Carlos Barbosa Moreira, Moreira Alves e muitos outros. É bem verdade que as edições eram todas antigas, mas não tanto.
Assim mesmo, liguei pro meu amigo do sebo que fica no centro do Rio. Qual não foi sua resposta: comercialmente não valiam pra nada, porquanto eram edições desatualizadas. Desmoronei. A notícia veio como um terremoto nos planos de venda e ganhos de capital.
Interfonei pro porteiro, um nordestino esperto:
- Antonio, os livros não valem um tostão furado.
-É mesmo? – acrescentou ele com voz quase emudecida pela decepção.
Conversando com o meu filho mais velho, contei-lhe sobre o acontecido e citei nomes de alguns autores, incluindo os dois volumes de Direito Romano, de Moreira.Alves Sucede, contudo, que, antes de telefonar pro meu filho, tinha pra mim que lhe reservara uns quatro ou cinco volumes, porquanto sabia que os receberia como bons presentes por ser um estudioso do Direito.
Mas não. Eu só tinha mesmo separado livros do meu interesse específico, segundo atrás assinalei. Foi um exemplar daquele que, tempos atrás, dera a meu filho mais velho, um livro do filólogo Silveira Bueno, Como falar em público, da editora Saraiva.
Nesta crônica não posso omitir uma particularidade alusiva ao ocorrido. A viúva do famoso jurista - não sei por que razões – não poupou nem mesmo a tese de doutorado do marido -, que, na minha modesta opinião, teria pelo menos um valor afetivo ou simbólico pelos anos de união do casal e possivelmente pela dor da saudade do ausente. Sendo a viúva uma nonagenária, é bem provável que não tenha atinado para esse descuido ou cochilo, o de descartar-se da tese do marido.
Esta não é a primeira vez que ouço falar do triste destino de nossos livros. Claro que o destino não é o mesmo entre um e outro caso, posto haja semelhanças ou graus de tristeza.
Os livros deixados para a família podem ser vendidos, descartados ou entregues às mãos calosas do papeleiro ou de um burro sem rabo. Podem ser deixados ainda a um canto da rua, esperando o recolhimento pelo carro da COMLURB ( órgão municipal que cuida do recolhimento do lixo na cidade do Rio de Janeiro) . Podem, enfim, ser doados em vida ou post mortem, através de testamento expresso do falecido, a bibliotecas públicas ou particulares no país ou no exterior. Obviamente estou me reportando a bibliotecas volumosas, de milhares de obras. Só não podem é ficar - porque vira estorvo - no lugar que lhes era reservado, i.e., a linda e espaçosa biblioteca de um ilustre professor de Direito.
Os homens se vão, e bem assim seus pertences. Quase nada fica dos tantos volumes comprados, muitas vezes, a peso de ouro e nas edições atualizadas da época de aquisição.. Volumes comprados muitas vezes com sacrifícios, no país ou no estrangeiro. Volumes guardados a sete chaves, bem cuidados, nunca emprestados, egoisticamente vigiados enquanto o dono era um vivente. ,
Vão-se os livros, ficam os anéis que, por seu turno, se vão aninhar ao dedo anular da viúva, compondo um par, símbolo da eterna união do amor e da eterna felicidade e fidelidade matrimoniais.. Desta sorte, nele (no dedo anular) viverão, não para sempre, mas até que a morte os separe. Amém!