segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Da importância de ser avô

Cunha e Silva Filho


Na Rodoviária de Curitiba, estávamos aguardando que meu filho, Francisco Neto, me apanhasse de carro. Minha mulher e eu acabávamos de desembarcar do ônibus. Era uma manhã de sol acolhedor. A cidade pra mim sorri e é um sorriso que não sei explicar do ângulo meramente pragmático, materialista. Você sabia, leitor, que as cidades falam a sua própria língua?. É só atentar pra esse lado de sentir a natureza, quer artificial, quer a natural, composta do solo, das árvores, dos lagos, dos rios, dos pássaros, enfim, de tudo com que a Providência nos prodigalizou. A manhã de uma cidade psicologicamente é diferente da tarde ou da noite. Cada qual nos comunica alguma coisa que se vai instilar no recôndito de nossa alma. Em literatura, há um termo para exprimir melhor essa ideia, a “atmosfera,” sentimento de emoção exercida sobre o nosso ser em determinado lugar ou ambiência.
De repente, assomam lá na extremidade da porta de entrada de quem vem do estacionamento, duas criaturas queridas, meu filho e Amanda, a netinha mais nova, de cinco anos apenas. Lá vêm os dois com passos apressados. Amanda, desvencilha-se da mão paterna e vem correndo ao encontro dos avós paternos. Toda sorrisos que se vão refletir no brilho dos seus olhos verdes. Cada vez que a vejo me dá a impressão de que está maior. A mais velha, Isabella, de dez anos, não pôde vir. Está na escola.
Nos abraçamos e ela logo me entrega duas folhas de papel sem pauta, dobradas em forma de envelope. Abro-os e neles vejo, desenhados, com tinta azul, duas figuras humanas. Nos dois “envelopes”, um nome da remetente que dispensou os protocolos dos Correios: Amanda. Logo descubro quem são os representados nos desenhos: a imagem do avô e da avó. São traços simples mas eloquentes de uma criança de cinco anos que desejou homenagear e dar as boas-vindas à avó e avô. Não lhe interessou fazer as duas imagens de corpo inteiro, mas só do rosto. A avó ali está figurada nos cabelos em forma de uma maçã, no olhar de esguelha e numa linha curva simbolizando a boca. O avô de imediato se descobre: tem um rosto másculo, meio alongado (o meu é arredondado), com alguns fios de cabelos encaracolados ( os meus são levemente ondulados) e o desenho do avô, feito com amor e perspicácia infantil, não esquecera um detalhe importante: nos olhos a presença dos óculos com os quais se acostumou a ver a minha figura.
Em casa, já com a irmãzinha de volta da escola, com os cuidados da mãe, do meu filho e dos avós, a rotina da família era quebrada com aquela amistosa troca de informações sobre o dia-a-dia de uma família reunida. Agora, só brincadeiras do avô com a netinha mais nova, perguntas feitas à mais velhas sobre a vida escolar, os livros lidos por ela (levei-lhe um livro de literatura infantil), os passeios que iria fazer ou que já fizera recentemente e tantas outras coisas aprazíveis que constituem as delícias do mundo infantil.
Há dez anos tenho vivido a experiência de ser avô e por isso posso mesmo adiantar algumas conclusões sobre essa nova fase de minha vida. A condição de avô nos pega de surpresa. Nela nos mergulhamos por inteiro. De certa maneira, ser avô é momento apropriado para refletirmos sobre a existência e o sentido tanto da efemeridade da vida quanto da importância da necessidade da perpetuidade dos seres sobre a Terra. Isto é, o ser avô nos leva à consciência plena da vida entendida na sua totalidade, ou melhor, na sua complementaridade, onde o finito se funde ao infinito formando a unidade do ser. Não é um elo perdido, mas um encadeamento de mistura e de permanência de genes cuja compreensão só pode ser lobrigada com mais clareza à medida que avançamos na nossa vida adulta e adentramos na velhice.
Ao nos tornarmos avô, não se pode negar que há uma nova transformação de nossa natureza psíquica e humana. Passamos da condição de seres que orientam para seres que orientam duas vezes, nossos filhos e nossos netos. Porém, não é uma orientação com o rigor de pai ou mãe. Antes, é uma orientação tolerante, conciliadora, sábia, modelo de dignidade passado adiante, própria de quem já pode ter um olhar mais distanciado, sem os deslizes dos jovens pais, sem os arroubos da paternidade mais diretamente comprometida. A experiência dos avós geralmente se faz proveitosa sem o antigamente chamado “conflito das gerações.” Não, nada disso. O conhecimento que os avós transmitem assenta-se no diálogo seguro, aberto e resultante da combinação do amor incondicional e da vontade de ver o bem-estar dos seus descendentes. Por essa razão, frisei atrás que a maior herança dos avós aos netos é o exemplo de dignidade familiar que – isso sim -, pode ser transmitido através das gerações da mesma família que, com outras famílias, pelo mundo afora, constituirão uma cadeia de união, felicidade e duradoura paz.

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