quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A PEC 241: FICÇÃO OU MISTIFICAÇÃO?









                                                     
                                                 Cunha e Silva Filho


            É preciso urgentemente ler ou reler Os bruzundungas (1923) de Lima  Barreto (1881-1922). Não tenho a menor dúvida  de que o leitor vai ter  um banho de tragicomédia. Não vou  dizer ao leitor por quê. Que ele descubra por sua conta, risco  e sobretudo  leitura  proveitosa  para entender  o que é característico, imutável e  intrínseco no  país tupiniquim.
          De repente, o Brasil se deu conta de que  tudo  estava errado,  tanto  o passado  remoto quanto  o passado mais próximo de nós,  digamos,  antes dos governos Lula, durante o período de mandatos  desse  presidente  até o limite presidencial do governo  Dilma, quer dizer,  até ao seu  impeachment.
          A motivação dessa urgência é a PEC 241, transformada em  verdadeira tábua de salvação de um país que se viu  no fundo do poço após o lulopetismo e memso  com sérios  problemas  antes do Lula.  Nunca fui petista nem  pertenço a partido  algum e nem  mesmo  me esforço  por pertencer  a esse saco de gatos, pois estou  escaldado  para entrar numa outra fria.
        O abre-te, Sésamo, a varinha de condão formados  por  gente  que  gosta de muito  dinheiro  para si  mas não para a sociedade  em geral são os novos  Nobéis  brasílicos.  alguns  doutorados   no exterior,  de preferência em universidade americana,  já que lá é o centro  nervoso do capitalismo  selvagem  e da iniciativas  privada, imitada  aqui  pelo  conjunto de privatizações dos governos Collor e  FHC  nos   vagalhões tsunâmicos  provocados pelo  neoliberalismo que se implantou  no país  e, ao que tudo  indica,  sem retorno  nem retrocesso..
         O Meireles é um deles, mas não me consta que seja  Ph.D em economia.  É apenas um engenheiro   formado pela UFRJ que virou,  por vocação para o dinheiro e habilidades  de cálculos  monetários,   um economista e um conhecedor  das contas  públicas e privadas,  inclusive   aposentado  há algum tempo da presidência de um  banco  americano,  onde trabalhou  por muito tempo., naturalmente com  um  polpudo  salário.segundo li  há tempos em algum  jornal. O mesmo  Meireles    fez parte também  do governo  Lula, cumpre recordar..
        Destarte,   a economia brasileira se encontra  sob o seu comando na Pasta da Fazenda. Ele é o homem forte do governo-tampão do presidente  Temer. Seu  objetivo  maior  é  fazer o ajuste fiscal  à custa  da pindaíba  em que  está afundada parte considerável  do povo  brasileiro com todas as mazelas  de hoje: desemprego,  violência colossal,  congelamento de salário  e absurdamente -  liberdade para  subir os preços do que  de essencial   se tem que comprar: alimento,  remédio,   roupa,  lazer, livros,  sem falar de outros  itens  relevantes: saúde privada (sempre aumentando seus planos   por determinação do governo  federal)),  transporte,   educação.
       A tudo isso acrescentaria  mais:  a falência  de alguns  Estados da Federação,   a segurança   sucateada,   a saúde pública falida.    Quer por força  estagnar  o salário  do funcionalismo  público  durante  muito tempo, falam em  vinte anos  como se, em vinte anos,  parte da população, agora idosa ainda,  pudesse usufruir de um país  melhor.
     Por que só agora  é que deram uma guinada  de desejo de   consertar  a quebradeira em que  estava   o país com  a roubalheira  infernal,  os maiores escândalos  de que já se teve  notícia na história da administração  pública  e da política  no  Brasil? Como o povo vai  resistir a tudo isso? Não se pejam do fato de que grande parte dos políticos que se bandearam  para o  governo  Temer, como o próprio Temer,  não foram  base aliada  do luloptismo? Por ventura,  pensam  que os brasileiro são  idiotas e analfabetos   como  grande parte   do povão?
     Já aprovaram  na Câmara legislativa  a famigerada PEC 241 que vai mexer com a vida do brasileiro, em todas as instâncias da administração  baixa e média, mas não necessariamente alta ou altíssima. Já vão  querer  votar, sob o  instituto dessa  PEC,  a aprovação de regulamentos que vão modificar   estruturalmente  com a Previdência Social,  aposentadoria dos setores  privados e públicos   cogita-se que até em mudanças de pensões dos militares das  Forças Armadas. Fala-se também  em  igualar    aposentadorias   da Previdência  Social com a dos funcionários  públicos   federais. Qeur mais  arrocho do esses?
       Esqueceram  os autoritários  “comandantes” da finanças  federais  atuais de  que estão  brincando  com  o eleitorado  que, mais adiante,em 2018,  elegerão  um novo  presidente da República e o vencedor  seguramente  não virá do PSDB, do PMDB e de outros  partidos aliados agora ao governo   Temer. A indignação dos descontentes  que virem seus direitos   autoritariamente  diminuídos ou subtraídos, sobretudo os direitos adquiridos, dará a resposta cabal  ao governo  Temer. Disso não há sombra de dúvida. Quem viver, verá.
      Ora, se o atual  governo  quer reinventar  só agora a roda,  por que não o fez antes  com  calma  e  consulta  popular  o que  estão  aprovando  hoje ou o  que vão aprovar  depois? Por que, ao contrário,  não vão  recuperar   os bilhões e bilhões de dinheiro surrupiado dos  Tesouro Nacional de governos anteriores até ao período do lulopetismo? O país, se tivesse sido  poupado dessas  falcatruas recalcitrantes  entre governo  e empresariado não estaria  com a sua dívida pública  tão  gigantesca  e no vermelho?

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

NOTAS À MARGEM DE POLÍTICOS DO RIO DE JANEIRO







                                         
                                                      Cunha e Silva  Filho


      O eleitorado carioca  bem informado e consciente   do que seja  um bom candidato há de convir  que os dois  candidatos à prefeitura,  Marcelo Crivella e  Marcelo Freixo,  não são  absolutamente  os políticos   ideais  para se tornarem   o novo alcaide  que ficará à frente  da administração  da bela cidade  do Rio de Janeiro, principalmente se levarmos em conta a  alta relevância histórica, cultural,  paisagística e turística   dessa metrópole no cenário  internacional
       Os defeitos de um e de outro candidato  são  diferentes  mas nenhum dos dois  reúne  o que sonhamos  para a nossa  cidade. O Rio de janeiro, cidade que se diz ser a mais politizada do país,  pelo  nível político,  ideológico e e de baixa expectativa que, em geral,  os eleitores têm pelos candidatos, mais uma vez,   se mostra como um incógnita  que não acena  para  nenhum bom governo   à frente da prefeitura. É de se lamentar  a que nível  baixo moral chegou a política  carioca e , por extensão, a política nacional..    
       Na verdade,  o Rio de Janeiro tem sido  vítima  de administradores  que mal  chegam  à mediocridade tanto na prefeitura quanto no  governo  estadual. Temos tido o que há de pior nos últimos  anos, com raras exceções,  como a de Marcelo  Alencar (1925-2014) como  prefeito  que tirou o Rio da bancarrota   em que o deixou  o  Saturnino  Braga, não obstante ser este um  competente senador, homem  de bem,  culto,  mas um  péssimo   administrador.
       Tivemos o Brizola  no governo  estadual  que, no geral,  fez alguma coisa boa, como,  por exemplo,  o cuidado com que teve  pela educação mas falhando em outros  setores,por exemplo na segurança. O Moreira Franco, como governador  do  Rio de Janeiro,   fez um governo  burocrático,  medíocre e não deu  importância à  educação,. Pagava pessimamente o professorado  e outras categorias  funcionais. O prefeito César mais, a meu a ver,  fez uma boa  administração. Tratou  o funcionário  público  de forma  com respeito e se revelou  um bom administrador.Tratou a  educação com  sensibilidade  e respeito.
      O governador  Garotinho  decepcionou   o eleitorado,  como governador.  Prometeu muito e não fez quase nada,  inclusive   nas suas  promessas de  livrar o  Estado  da violência já alta no seu governo igualmente   desapontou  os fluminense . Tornou-se mais um  político fisiologista e não legou   praticamente nada   de importante de sua  administração. 
      Tivemos  Sérgio  Cabral como  governador  do Rio de Janeiro.  Não há muito a falar desse governador. O que no mínimo  se poderia  afirmar é que  foi um dos mais  impopulares governadores  que o Rio de Janeiro já conheceu. Autoritário,  tratou  mal  o servidor público do Rio de Janeiro Pouco realizou  e  ainda se caracterizou  como  um  governante  nepotista,   mais politiqueiro do que  administrador.  Seu mandato  foi  muito  tumultuado, com greve de servidores  e  repressão  policial   truculenta. Sua administração  foi pontuada com    denúncias que  lhe foram  dirigidas  pela imprensa  acerca de controvertidas  realizações de obras  públicas. É um  político sem mais futuro e logo cairá no  olvido da sociedade.
       O  governador Pezão encontrou o Estado do Rio de Janeiro praticamente  liquidado  quanto às finanças.  Logo  encontrou  pela frente uma grave crise financeira no país. O governador logo  adoeceu e  assumiu  o vice-governador,  Francisco  Dornelles, que vai tocando  a máquina  administrativa  com pernas bambas. As finanças abaladas foram  o maldito  legado que lhe deixou  o  impopular  Cabral.  Com os cofres vazios, quem está sofrendo  são os servidores  públicos  com os seus salários  pagos cm dificuldades  e com atraso. É um governo incerto quanto  ao que pode  fazer  pelo  Rio de Janeiro. Não sei até aonde vai  essa incerteza de um  Estado  sem perspectivas.Causa vexam constatar que o Estado do Rio de Janeiro  tenha chegado a esta situação financeira   lamentável.
      Os governos  biônicos estaduais do tempo da ditadura da mesma forma agiram apenas  burocraticamente,  tocando  a máquina   sem  nenhuma eficiência digna de nota.
     O único  governador  que, a despeito de suas  posições  políticas  muito polêmicas  e em virtude de seu temperamento  combativo e de suas  com tradições,  fez  uma boa administração  no  então  recém-criado  Estado da Guanabara ( a cidade do Rio de Janeiro que, na época,  virou  o Estado da Guanabara, hoje,  Estado do Rio de Janeiro) com a transferência da capital do país, em 1961, para  Brasília, foi  Carlos Lacerda (1914-1977). Jornalista de amplos recursos,  grande orador,   culto, refinado    intelectual, escritor, tradutor,  Lacerda, na lembrança dos mais  velhos ainda  divide as opiniões e continua  sendo uma figura  controversa e ao mesmo tempo provocativa   do ponto de vista de suas ideias   e de seu  papel  na cena  política  brasileira.   
     Lacerda  é mais conhecido  pelo seu lado  político controvertido do que por seu   real   .valor como  administrador  competente, quiçá o governador que  mais tenha  realizado  obras públicas  de alta envergadura  para  o melhoramento da população  do Rio de Janeiro, como foi a construção da estação de tratamento de água do Guandu, livrando  os cariocas  da centenária   escassez de água com boa distribuição, dando, além disso,  especial atenção à educação,  à saúde e a construções de túneis ligando a Zona Norte à Zona Sul.
        Quanto ao  Eduardo Paiva,   para ser franco,   nos dois mandatos tem sido  um administrador   que cumpriu  pelo menos com  alguns compromissos:  nunca deixou de pagar em dia o funcionalismo   municipal,  fez algumas obras  ousadas e  altamente  dispendiosas (quem sabe,  intimamente desejando  ser um novo  Pereira  Passos, engenheiro  que governou  o Rio de Janeiro de 1902 a 1906 e se notabilizou  por uma série  de obras que  mudaram   a fisionomia  urbana  do Rio de Janeiro) como a área  do Porto do Rio de Janeiro e outras obras  que deixarão  marcas  de um governo    dinâmico, descontando  o lado  falastrão   de sua personalidade.


 

domingo, 23 de outubro de 2016

AGORA SÃO ARMAS QUÍMICAS






                                                   Cunha  e Silva Filho


         O mundo civilizado não pode se calar diante da catástrofe que se abateu e se abate  sobre a Síria. Ou melhor,  o mundo  não pode mais  permitir que o ditador  Bashar Al-Assad e o governo de Putin,  sob o argumento de  que estão “limpando” o país  do terrorismo   do Estado  Islâmico, da oposição  rebelde e de outras nichos   que desejam  um pedaço  de terra no território  sírio, destruam  uma nação  que  há tanto tempo  se encontra em guerra fratricida.
      Quem vem acompanhando como eu, através de artigos contundentes   contra o ditador Assad,  a trágica  guerra civil  travada   naquela região, sabe  que todos os limites de paciência  foram  esgotados  pelos que  repudiam    esse rio de sangue  que tem   sido derramado  naquele país,  cujo epicentro da tragédia é a cidade de Allepo.
       Hoje praticamente uma ruína de  tão  destroçada que ficou  com  os sucessivos e  covardes  bombardeios  comandados  pelo  ditador   com o apoio  integral  do truculento   Putin, apoio tanto  em  armas  de alto potencial  de destruição quanto  nas estratégias  militares   tramadas  com  o ditador que, numa  conversa falada em  inglês fluente,  com uma jornalista,   simplesmente  referia-se  a   “limpeza,” à ação de “matar” e outros  absurdos  somente   proferidos  por uma mente doentia  e  genocida.
         Nessa conversa,  percebe-se claramente o tom  frio,  impassível  do tirano e das suas reais  intenções de não desistir  do conflito bélico e, portanto,  de dar sequência às  suas  investidas contra o seu próprio  país dividido ente  os que infelizmente lhe dão  apoio e as forças rebeldes.
       Hoje ou ontem,  a imprensa televisiva  informa   os ataques  do ditador   desta vez   com  uso de armas  químicas, colocando a  população  civil  em  estado de desespero  que só  tem similar  na Segunda  Guerra Mundial. Pessoas mortas, outras  gravemente feridas,  usando   aparelhos  para respiração, numa  cenário terrível, desumano, inimaginável. Ora, os ataques infernais atingem indiscriminadamente  soldados e  civis  inocentes, não poupam ninguém: recém-nascidos,  crianças jovens,  velhos, doentes.
       É uma quadro tétrico digno do fim  dos tempos  e da maior prova  de que este ainda iniciante  século  XXI  tem sido  um período  de retrocesso   nas relações entre  os indivíduos,  entre  irmãos da mesma  pátria e entre  nações. Pelo visto,  não aprenderam nada  com  os apelos  de homens   de  grande   reserva moral  e intelectual  como   Bertrand  Russell1872-1970), Gandhi 1869-1948),   Martin  Luther King (1929-1968), entre outros. 
      Os novos vilões mundiais transmudados em autocratas,  ditadores,  tiranos, falsos democratas  ainda  estão  em plena  estado    de beligerância,   de desrespeito  ao ser humano, às liberdades dos povos,  à liberdade  de expressão, ao direito de um  cidadão  sair  ou não de seu país sem que  tenha que se submeter  às  leis (sic!) de proibições   ditatoriais  de  seus países.
     Somos muito   céleres em   fundar  organismos   internacionais    para protegerem a  paz mundial,  mas somos ao mesmo tempo   lentos  em  pôr em prática   medidas  que   interrompam    as arbitrariedades  e as atrocidades genocidas – verdadeiros crimes contra a humanidade -  de alguns   povos   que   não respeitam sua  população civil.  Nem é preciso mencionar   a que  estou me   referindo: a ONU e ao seu  Conselho de Segurança. 
       Marcam-se as reuniões  em Nova Iorque  para debaterem  questões   vitais  como são  os crimes  de algumas nações  contra   os seus cidadãos e, por  terem  alguns de seus membros  assentos permanente    de  vetar   uma decisão e, desta forma,   impedir  que  medidas  enérgicas sejam  tomadas  contra  governantes  facínoras. E não adianta mudarem  os dirigentes  principais  desses organismos   mundiais. Tudo permanece  praticamente como  está, quando, ao contrário,  deveriam, sim,  lutar  pela paz   entre os povos do Planeta, Há mais  conversa  diplomática  do que medidas  concretas que abram caminhos  para soluções duradouras
      É cômodo estarem representantes  dos seus respectivos países  sentados  nas reuniões  da ONU, bem vestidos,   bem  alojados  e longe dos fronts,   sem que  efetivas medidas sejam    concretizadas  na solução dos conflitos   armados. Enquanto isso,   milhares de seres humanos são  pulverizados  por armas  assassinas e  covardes, inclusive as que não  são permitidas  nos acordos  de guerra.
     A Síria, suas cidades,  em especial  Allepo,  continuam sendo   destroçadas  sem  misericórdia, sem que haja  uma reação  vigorosa  de todos os povos amantes da paz a fim que uma solução de paz  seja  alcançada e os  responsáveis  por crimes contra a humanidade sejam  sentenciados pela Corte  Penal Internacional, sediada em Haia. O maior entrave é que  nem a Rússia nem os Estados Unidos  não são membros   dessa Corte  e,  por razões históricas  facilmente   explicadas, não sabemos  quando    decidirão  ingressarem  naquele  Tribunal.  Essa omissão é causa e efeito  do comportamento  dos dois países  no que diz   respeito  a tantos  conflitos   em vários  países  .
       Continuarão  se deslocando em frágeis embarcações contingentes  de refugiados vindos da Síria e de outras regiões que  também  se encontram  em desassossego   e  em  sofrimentos atrozes   provocados  pelos   detentores  do poder  nos  países  em conflagração. Tais contingentes   não deixarão  de emigrar de seus países   enquanto  persistirem  os mortais  ataques  do governo  sírio  em conluio com  o governo   russo.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

A VIDA LITERÁRIA BRASILEIRA SOB A PERSPECTIVA DE AFRÂNIO COUTINHO



                                                    

                                                                   Cunha e Silva Filho




                    Afrânio Coutinho (1911-2000), ao classificar os  textos reunidos  na obra  No hospital  das letras[1] de “panfleto,” (termo  usado por ele  próprio),  dá o  tom  do tipo de discurso que intenta  imprimir a essa  obra. Ele  próprio declara que  foi  buscá-lo na obra homônima de Francisco  Manuel de Melo (1608-1666), famoso  escritor  português  do  período setecentista que,  não obstante ter  falecido  aos cinquenta e oito anos, deixou uma  prodigiosa e multifacetada   obra. De resto,  Coutinho  fez uma leve alteração  no  título da  obra  de D. Francisco  Manuel  de Melo, que é  Hospital  das letras, acrescentado-lhe no  início  a contração  “No,” inexistente  no título  do autor  luso.
D. Francisco  Manuel de Melo  foi  um intelectual  prolífico de vida  acidentada e aventureira, por sinal, na condição  de degredado, viveu  três anos  no Brasil,  no estado da Bahia (p.483), punido, ao que tudo  indica,  por um  suposto assassínio de um  dos mordomos  do conde de Vila Nova de Portimão. Melo  foi  julgado  e condenado,  recebendo  “desterro  perpétuo” a ser cumprido na África e, depois,  após ser-lhe comutada a pena,  veio ser   degredado  no Brasil,  no estado  da Bahia em 1665 e aqui  permaneceu até o final do degredo[2].
 Num  memorial dirigido ao  rei D.João IV,  escrito  em linguagem  magistral, elogiado  até  pelo  célebre  historiador  e  romancista Alexandre Herculano, Melo pediu ao rei  que  por ele intercedesse, mas de nada  lhe valeu seu esforço. Segundo  o historiador  Joaquim  Ferreira,[3] o rei  D. João  IV não confiava  na “lealdade  de Melo, nem mesmo uma “carta  de clemência”  do   rei  Luís XIV dirigido  ao monarca luso surtiu  efeito. Melo  amargou  a prisão por seis anos até  embarcar  para o Brasil. Afirma-se – inclusive  esta é a  opinião  do escritor Camilo Castelo Branco que sua  prisão   se deveu  a um  affair  que Melo  teve com a  esposa  do conde e este, por  vindima,   acusou Melo de  ter sido  o assassino  do mordomo, de nome Francisco Cardoso.
Segundo salienta Maria Lourdes  Belchior,  professora da Universidade  de Lisboa e autora  do verbete sobre  Francisco   Manuel de Melo   incluído no Dicionário  de literatura dirigido  por Jacinto Prado Coelho, Manuel de Melo  fez “uma crítica   de costumes,”[4] naturalmente se referindo a um das quatro  partes  que  constituem  a obra  Apólogos  dialogais,designadas  por ele  como  “esquisitas”, as quais se  intitulam Relógios  falantes,  Visita  das fontes,  Hospital das  letras e Escritório  avarento.
No entanto  a sua  obra geral não  se restringiu só a isso. Foi poeta,  prosador,  historiador, dramaturgo,  memorialista,    arguto crítico  literário, o que o tornou, na  opinião de Rebelo  da Silva,  citado no referido verbete,  um dos “primeiros eruditos  de seu  tempo e talvez  o prosador mais  substancial da língua  portuguesa.”[5]
Não é, portanto,  gratuita a escolha do autor português e do título No hospital  das letras de Coutinho,  alusivo a uma das obras  de Melo, seja  por este ser  igualmente um crítico literário, seja  porque a obra Hospital das letras, em conjugação  com  Visita  da fonte – convém  assinalarmos  para sermos mais coerentes e precisos  -  mantém traços e  pretensões comuns com o livro  de Coutinho. 
Obviamente guardadas as devidas proporções de tempo e de alcance  geral: crítica   acerba contra  escritores  medíocres, importância dada  à obra de Aristóteles, de Platão e Sêneca, preocupações   teóricas  com  conceitos  de  poesia,   de  linguagem, da decadência  intelectual  da  época,   da falta de talento, do espírito   rebelado  contra  o meio  literário, os gramáticos anacrônicos, a natureza de libelo, algumas  apreciações   nem sempre justas  contra  escritores   de  reconhecido   valor, o tom moralista e didático de que se revestem  alguns  textos.[6]
Tanto  no Hospital  das letras de Melo quanto  No hospital  das letras  de Coutinho – urge  considerar -  o lexema  “hospital”  aponta para  campos semânticos  relacionados  a doença, a cura,  a reabilitação,  a melhoria   do  ambiente literário e a desejos de aprimoramento  e de  reformulações  de  novos valores estéticos no campo da literatura, quer  considerados  em julgamentos   coerentes, quer  em  julgamentos   errôneos.
A  importância do pensamento   crítico de Melo, tendo em vista  a obra  Hospital das letras, segundo   argutamente   afirma   a  professora  Maria  Lourdes Belchior, guarda afinidades   de situações   no que tange  a algumas visões  do pensamento  crítico enfrentadas  por  Coutinho. São  palavras  dela: “Esta  obra é indispensável  para o conhecimento das correntes literárias do tempo  e dos juízos feitos sobre autores e obras,  maiores e menores.”[7]
Desta  forma,  temas e questões assemelhados entre Melo e Coutinho sinalizam  propósitos de cunho  polêmico e  de natureza  panfletária, i.e., não é difícil deduzir que Coutinho  provavelmente fosse um admirador da obra de Melo, não só pela grandeza de sua  produção literária em vários  gêneros, conforme    frisamos, mas  sobretudo  porque Os apólogos  dialogais constituíram, na visão dos  historiadores   portugueses de maior conceito, um dos monumentos  da literatura  lusa, ou  para corroborarmos  a  opinião  do historiador  Feliciano  Ramos, “.. uma das obras-primas  da literatura clássica.”[8]
Por outro lado,  no deslindamento  das questões  concernentes ao julgamento  crítico, a obra de Melo difere num  ângulo de tratamento destinado  aos autores    analisados: ela se  pauta  pelo “equilíbrio crítico,” conforme assinala  Feliciano  Ramos:

 Há que destacar ainda  o equilíbrio  crítico que Melo denota no Hospital das  Letras, o quarto dos Apólogos, dialogais. Não envelheceram as  apreciações formuladas sobre Tito Lívio, Gil Vicente, Luis de Camões, Rodrigues  Lobo e outros.[9]

No hospital das Letras de Coutinho, consoante  tivemos   oportunidade  de  acentuar,  existe  um deliberado  objetivo de  desancar  e pulverizar  o alvo  principal  de sua  acidez de linguagem contra a vida literária viciada de imperfeições dos anos  1940, 1950 e  meados dos  aos  1960. Referimo-nos  ao  desenho  caricato que  faz de Lins,  trazendo-nos  à mente aquele período em que Sílvio Romero  procurou apequenar a figura crítica   pessoal  de José Veríssimo com a  obra  Zeverissimações  ineptas da crítica  numa tal semelhança  de situação que valeria  a pena aqui  citar a seguinte  reflexão de Brito Broca acerca  do  assunto:

A polêmica do tipo camiliano  que encontrou  em Carlos de Laet um dos seus maiores  adeptos entre nós, já estava um tanto fora de moda por volta de 1909, quando Sílvio Romero desfechou contra  José Veríssimo o violentíssimo ataque das Zeverisssimações   ineptas da crítica. Tínhamos aqui de novo  agressão  mais no terreno  pessoal do que no das ideias, em termos  rudes e brutais, com um  requinte de plebeísmo a que nunca chegara  Camilo nem mesmo  Laet.[10]

                   No  hospital  das Letras, definido por Coutinho, conforme já assinalamos  atrás,  como um  panfleto,  na realidade assume  mais   caracterizadamente  esta forma  de crítica e virulência de análise e de  linguagem  no  derradeiro   capítulo, ao qual  deu por título  “O Impostor,”* capítulo este de resto  iniciado  com duas  parataxes com teor pedagógico-moralista.[11] (p.179).
Antes de desenvolvermos  uma discussão específica daquele  capítulo, o que faremos  mais adiante neste   estudo, é preciso   enfatizarmos  uma circunstância relacionada  à composição  de No hospital das Letras, ou seja,  evidenciar que esta obra  está  associada  intimamente na maior parte dos temas  debatidos a uma  obra,  por muitos  ângulos,  fundamental  ao  pensamento  crítico-teórico-historiográfico de Coutinho.
Ao fazer essa associação  aludo ao grosso  volume  Correntes cruzadas ( 19530, no qual   Coutinho  reúne o que  ele chama  de  “crônicas, volume   precedido  de um longo e  bem  elaborado   prefácio ou  introdução, no qual  Coutinho   traça os principais   pontos  de seus  objetivos não só em  referência  às suas  ideias  polêmicas  envolvendo   questões atinentes à defesa  de seu  pensamento   crítico que  o levaram até  à  polêmica  pessoal,  como ainda  à situação,    ao seu  ver,  caótica, estéril  e  desatualizada   do meio   intelectual   brasileiro,  do ensino de literatura e das urgentes  demandas  de uma   nova   forma  de   trabalhar em  áreas  da teoria literária, da crítica literária,  da  historia literária no ensino secundário   no  ensino superior  de Letras.
Para ele,   esse grande salto só se daria principalmente  pelos efeitos  sadios  de mudanças  e  renovação  no ensino  universitário, livrando  o meio literário brasileiro ainda muito  preso  ao conservadorismo   que,  na sua visão,   impedia  o pleno  desenvolvimento  dos estudos  literarios  entre  nós.
Não será preciso  afirmar  ser No hospital  das letras  um livro no qual  subjaz um fato  determinante  da  posição  intelectual de  Coutinho se excetuarmos  o  último   capítulo a que  fiz  referência linhas  atrás:  o seu caráter  pedagógico,  que  ao leitor  atento  não  é lícito  passar despercebido.
 Coutinho é, antes de tudo,  um crítico-pedagogo,  um crítico  educador que, para  atingir seus  objetivos, não poupará   esforços, ainda que para isso,  utilize  da sátira  e do panfleto  demolidor,  no sentido  de  mostrar  caminhos  e vias novos  pelos quais  a crítica  literária,  o ensaio  literário,  a história  literária e especificamente o ensino da literatura  consigam  ser  instrumentalizados  por padrões de técnica e de  enfoques  hauridos  nas fontes  mais  originais   da tradição  universal.
 Daí ser seu  alvo  principal  a atualização   do saber  literário  entre nós que liberte  formas  anquilosadas   de ensino  e de crítica  dissociados  do  estudo sério,  profundo,  produtivo, como se  desejasse  aproximar  o pensamento   literário  brasileiro  o máximo  possível  dos níveis  avançados   da literatura   ocidental estudada  e ensinada nos  grandes  centros   do mundo, seja nos Estados Unidos, seja na Europa.  A citação seguinte  dá a medida  certa  desses  objetivos   a serem  colimados :

        O melhoramento da literatura   no  Brasil não resultará de arranjos na vida de alguns   intelectuais, mas de medidas de ensino literário; o enriquecimento de nossas  bibliotecas com  instrumentos de estudo e pesquisa, de modo a  tornar acessíveis as grandes fontes da cultura a fim de que não continuemos atrasados cinquenta e cem anos...”[12]

                       No hospital das letras, por ser, no geral,  uma  obra  acentuadamente  detratora  de erros e males de nossa  vida literária,  no conjunto de  obras do autor,  se torna um trabalho  em que se constata    uma queda no bom  nível geral do livro,  tendo em vista que   o seu  último capítulo me parece  dolorosamente  parcial   para com o seu adversário, Álvaro Lins (1912-1970). O intento caricatural  de que  se reveste o capítulo  em questão  - reforço -   prejudica  o todo da obra, particularmente pelas   referências  por vezes exageradas e destemperadas no que concerne à  figura de Lins. Esse tipo de caricatura, no entanto  -  reconhecemos -  é inerente à condição de alguém que  se sentiu  injustiçado pelo seu   opositor,  o crítico Álvaro Lins.
                     Entretanto,  conforme   assinalamos  anteriormente,  No hospital das  letras Coutinho, ao  analisar  a situação   da vida literária  brasileira em  muitos  aspectos possui  o seu tanto  de  obra  saneadora  e  identificadora  de  tantos  males  por que  atravessaram  a vida literária  brasileira  no  recorte temporal   selecionado   por Coutinho. O que,  porém,  diminui um pouco  o seu  valor  de  comentários  candentes é o fato de que  não cita  quase  nomes  dos  personagens   aludidos  e dissecados  nos seus comentários.    uma excesso de generalização  de bons     juízos  críticos  acerca  dos  males,  do estado  de   inércia e do clima  arrivista   que permeava  os anos   visados  pelo autor. 
Desde o primeiro  capítulo ,  intitulado intencionalmente de “A comédia da vida literária” podemos  antecipar  o que  o livro   nos revelaria  da vida literária  nacional e da  visão  acerba de crítica    que Coutinho   passaria a nos  transmitir  com a coragem   que  o caracterizou ao longo de sua  vida  intelectual. Ponderações  como a seguinte  apontam  para  o tipo de vida literária  dominante  nos anos  1940, 1950 e  1960 aproximadamente: “A vida literária é, no Brasil, muito mais importante do que a própria literatura”.[13] (grifos nossos)
Discutindo os  desacertos da vida literária do seu  tempo, Coutinho disso se aproveita para compor  um  “panfleto” o mais  abrangente  possível em temas  e situações  do que  podemos   definir como a política literária do baixo clero nacional a qual,  por isso,  não se cinge apenas a atingir seu adversário de longa  data, Álvaro Lins, mas também lançar setas ferinas contra uma série de  mazelas  no campo   intelectual, quer da vida literária, quer  do ensino da literatura, quer da crítica literária e da teoria  literária aaté então  não devidamente  formulada como  um corpus   teórico   que  seria  obrigatório  conhecer.
Seu desiderato  era  sanear  a  politicagem  literária, sentimento  que está  encerrado  no  na própria escolha do  título  do  livro onde os lexemas “hospital” e “letras”  semanticamente  apontam  para  o lugar  de “cura”, de “tratamento,  de reabilitação  de uma  vida literária   cheia de males, improvisações,  mandonismo  e imperfeições flagrantes. 
Para isso, não  poupa  por vezes  transmitir  suas  opiniões  em linguagem  desabrida, como são  ilustrativos  os vocábulos  “chacrinha, “cafajetismo,” “palhaçada,” “picaretagem”, “vigaristas” etc.
O seu espírito  polêmico,  inconformado  diante de nossos  deficiências  culturais  isso  tudo  não poderia   passar  incólume. Daí a sua  maneira  beligerante  de  se contrapor  à estagnação de estudos literários e de um a vida literária  feitas  por vezes de grupinhos, de camaradagem, de interesses  políticos, de favores,  de tráfico de influência,   de mistura com  um  arremedo    de vida intelectual.
Qualquer desvio de conduta nos nossos  mores literários foi alvo    das verrinas de Coutinho por longos  anos. Por isso,  chamara de “comédia da vida literária” ao primeiro  capítulo  de sua  obra. Obviamente,  nem  sempre  alguns   pontos de vista  expendidos  por ele  são  justificáveis, porquanto em  num  panfleto,   como na  polêmica  acirrada,  os contendores  cometem  muitas erros e exageros, hipertrofiam  os defeitos  dos  seus em êmulos, afirmam  coisas  que nem sempre correspondem com rigor  à   realidade dos fatos, exageram na caricatura e se movem  pela  paixão  e, chegando  a  esse nível,  cometem disparates  e, ao final,  se tornam  amiúde  parciais   e passionais, perdendo  o controle  e a lógica  de suas  argumentações. 
 A polêmica  tem essa dimensão  menor, esse lado  burlesco,  carnavalizado,  em que  o  polemista  inverte  a verdade dos fatos,  escamoteia  outros,  perde-se   nos seus  sofismas e na sua capacidade  de    emitir   suas ideias  com equilíbrio e isenção.
 Contudo,  em No hospital  das letras,  sem dúvida há  juízos  ponderados,  equilibrados,  voltados  para  a moralização  de nossa vida  cultural e o que Coutinho  achava de ruim  nela se afirma como  denúncia  necessária, a meu  ver,  tem do em vista  o  objetivo  de mostrar ao leitor daqueles anos do século  passado    como  não  deveria ser a vida  literária  no país.
Quer  dizer,  Coutinho  combateu ferozmente as frivolidades do homem de letras sem qualificação, ou como ele  define,  do pseudo-intelectual,  dos arrivistas,  dos  “profiteurs”,  das mediocridades  cuja meta era  galgar   posições  relevantes  na  vida  intelectual  nacional, ainda que  fosse  por  meios  pouco  escrupulosos. Lutou com veemência contra as falácias  perpetradas por  aquelas   nulidades, lutou contra  a fanfarronice,  a malandragem   da baixa  literatura, a ausência de seriedade nos   estudos  literários e  no o preparo  constante  exigido  por quem   se dedica  à produção  literária  de qualidade.
Coutinho  verberou  os malefícios  decorrentes de nossa  descontinuidade   no desenvolvimento  da  literatura brasileira  e dos estudos   literários, os quais   segundo ele,   sempre   lhe pareciam  estar  num  recomeço estéril  por falta  de  continuidade, de metas,  de projetos,  de  melhoramento  e de atualização. Para ele,  o país   carecia de valorizar devidamente os que realmente  produziam algo  de  alto  nível no campo  literário, e nos estudos   teóricos embasados  em técnicas,  metodologias, bibliografia   atualizada e  em estudos   sintonizados  com   o que  de mais avançado   se ensinava  e se  transmitia  nos países  adiantados, tal como ele  viu  na sua permanência  em solo   norte-americano, nas suas melhores  universidades onde figuras eminentes  da Europa  ali  lecionam.
A abrangência de seu panfleto resumia-se no  combate sem trégua às deficiências de nossas   cultura, de nosso  ensino,  da necessidades de aperfeiçoamento  de  nossas   Faculdades de Filosofia que datam  do final da década de 30 do século   passado e, particularmente,  dos seus cursos de letras, do ensino secundário que deveria,   segundo  ele,  separar,   os estudos de língua  dos de literatura.
Na sua luta contra a  estagnação literária  e espírito  crítico  ainda  apegado  ao  impressionismo, entre  tantas outras mazelas, Coutinho  se refere aos chamados   prêmios  literários  concedidos a escritores em concurso  com todos  os vícios e desmandos  de seus julgadores, onde não havia  por vezes   a mínima lisura, mas o  domínio deletério do capadócio     da vida literária deblaterado  por ele com  muito vigor como podemos   perceber da citação  seguinte:
   
 É fácil comprovar sempre os resultados da cobiça na disputa nojenta em torno dos  prêmios.Candidatos  a um prêmio que são, ao mesmo tempo, juízes no outro; barganhas;cálculos; acordos; bate-bocas; cavações; transigências; faltas de critério e idoneidade para  julgamento; de tudo o que a literatura  está ausente.[14]

É nesse diapasão de crítica demolidora de nossas   imperfeições culturais que Coutinho desenvolve seus  comentários e reflexões, suas análises da vida literária brasileira. Fustiga nossos  defeitos culturais mas apresenta  soluções de melhoramentos.
          Não ri como se faz na comédia para  castigar  os costumes, antes  castiga  a vida literária   pelo  mau  uso  que  fazem  suas figuras em evidência, i.e.,   fantoches  posando  de escritores. Seus ataques  ferinos desbancam as “bombachatas” (termo  empregado  por Coutinho) de nosso  cenário  literário de fancaria.
         É pena que Coutinho  não  revele os nomes da maior parte  dos personagens   aludidos  no livro. Provavelmente o faz  desta forma  para não  aumentar  o número de seus  adversários,  alvos de  sua censura.  Não  se utilizou  da sátira  camiliana ou  à moda de Agripino Grieco que,  por sinal,  é duramente  criticado  por Coutinho num artigo em defesa de Machado de Assis.*
O que  expusemos até aqui  constitui o cerne  da visão  de Coutinho acerca da vida literária a partir, segundo  acentuamos  anteriormente,  pelo menos  dos anos 1940  do último  século até os anos  de 1960. Seu propósito  foi  dissecar, através do tom  polêmico, o mapa  humano  da deplorável   realidade de  parte  considerável  de quem  se definia como  escritor no interregno recortado  por Coutinho.
O autor  age no livro  como doutrinador de suas ideias, divulgando  o seu pensamento  crítico, sua visão aberta do fenômeno  literário  pondo sempre  como  condição   fundamental  o  valor da obra  literária como  um  produto  estético. Revela-se, assim,  um pedagogo do ensino da literatura que para ele deveria  passar  do amadorismo  para   uma fase  madura  de disciplina  a ser  lecionada  com método, base científica  e rigor  de pesquisa,  de análise  e interpretação, de revisão bibliográfica e de uma  nova  abordagem   a que  denominou “nova crítica”,  aspecto que  focalizaremos  ainda  neste  estudo. 
No hospital das letras  compõe-se de 37 pequenos  capítulos, todos  girando  em   torno   de temas correlatos desvelando  os bastidores e os desvãos da vida intelectual  brasileira. O panfleto, pela sua amplitude de assuntos levantados, em resumo,  visa  a discutir a falsidade de nosso  hábitos de estudos, o pseudo-intelectualismo, o ensino de literatura ultrapassado e ineficiente, os erros de nosso  ensino  superior de letras, a introdução de novas abordagens crítico-interpretativas,  a história  literária feita em geral sem critérios e metodologias que  priorizassem   a obra literária e não  a vida literária.

NOTAS:



[1] COUTINHO, Afrânio. No hospital das letras. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1963. Este ensaio  faz parte de minha pesquisa de Pós-Doutorado em Literatura Comparada, submetida e aprovada pela  Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Ciências da literatura da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ. Faculdade de Letras, 2014, 167 p. O texto, para os objetivos  deste estudo, sofreu algumas alterações e acréscimos face  ao original..O objetivo  deste ensaio  se deve, a meu ver,  a uma certa  atualidade do assunto no tocante  à vida literária  e à história literária ainda vigorantes  em certas partes do país. .
[2] FERREIRA. Joaquim. História da literatura portuguesa, 3 ed. rev.   atual. pelo autor, Porto: Domingos  Barreira, 1971, p. 488-493.
[3] Idem, p. 490.
[4] Ver verbete: MELO, D. Francisco Manuel de. In: PRADO COELHO, Jacinto do. (Dir.). Dicionário de literatura.brasileira, literatura portuguesa, literatura  galega e estilística literária.  Porto: Figueirinhas, 1973, p.621.
[5] Idem, ibidem, p.622-623.
[6] RAMOS, Feliciano. História da literatura  portuguesa. Braga: Livraria Cruz, 1950, p. 310-313..
[7] PRADO COELHO, Jacinto do. (Dir.). Op. cit. 621.
[8] RAMOS.  Feliciano. Op. cit., 313.
[9] Idem, p. 312.
[10] BROCA,  Brito. A vida literária no Brasil – 1900. Introdução de Francisco de Assis  Barbosa. 3. ed. Livraria José Olympio Editora, 1975. Coleção  Documentos Brasileiros, p. 199.
[11] COUTINHO,  Afrânio.  No hospital das letras, Op. cit., p. 179. São as seguintes as parataxes:
“E necessário uma mente equilibrada e um mínimo de decência humana para se ter um bom escritor.”
“O processo de fazer de si um melhor artista literário torna-se inextricavelmente ligado ao de fazer de si um homem melhor.”
[12] Idem ,  p. 35.
[13] Idem, p. 27.
[14] Idem, p.37.
[15] COUTINHO, Afrânio. A filosofia de Machado de Assis e outros ensaios. Rio de Janeiro: Livraria  São José, 1959, p.162-181.O desenvolvimento desta parte do livro vem indicado por seções de títulos  por vezes irônicos e demolidores: “Machado e Grieco,” “Livro de Negação,” “Machado e a Teoria do Molho,”  “A Brasilidade de Machado” “O Idioma da Crítica.”