terça-feira, 27 de março de 2018

CONTINUA SOLTA A VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO



                                                          Cunha e Silva Filho

    O general Braga Netto, interventor federal no Rio de Janeiro,  ainda tem meu voto de confiança. Contudo, sabe ele que todo voto de confiança tem seus limites de validade. Espero, então,  que  o   eminente militar  não ultrapasse esse prazo que os cariocas e fluminenses lhe estão concedendo, porquanto é à população  amedrontada  e refém que  dele está exigindo  algumas vitórias concretas, práticas  e imediatas nesse  combate contra   a criminalidade que  infestou  as favelas  nos morros e nas periferias  do nosso Estado. 
    Hoje mesmo,  vi pela TV,  tropas federais  armadas movimentando-se  na Avenida Rio Branco, coração da cidade do Rio de Janeiro. Isso é bom sinal  e é uma prova   evidente de  que   a intervenção  não está  apenas se exibindo diante  dos cidadãos de bem. A sociedade quer ver  logo  resultados  positivos, transparentes,   ou seja,  patrulhamento  nos lugares onde a bandidagem  teima em   resistir   à lei  e às instituições de segurança  do Estado Brasileiro, quer dizer,  os morros  mais perigosos   da cidade.
      Estancar  os focos  de criminosos, traficantes  e milicianos é uma questão de honra para a segurança  nacional, e , em particular,  para  salvar o Rio da iniquidade  e da desordem  instaladas nos morros cariocas  e nas periferias. Os marginais têm que entender que o país  possui   um governo,  uma estrutura   de segurança  e os meios  de debelar  ao máximo  o caos  urbano, as balas perdidas e as execuções sumárias  verdadeira implantação às avessas da pena de morte  no país ao arrepio das leis.
      Diariamente,  conforme vemos  nos programas de televisão que abordam  temas policiais  e de violência, ficamos horrorizados diante  da selvageria e da hediondez   sem precedentes de que a sociedade é   vítima. Cada vez mais, diante da impunidade que  reina no país,  os facínoras estão mais   audaciosos  no ataque  a pessoas nas ruas,  às portas de suas residências  e em toda a parte. São feras, monstros  que de ser humano só têm a aparência  física. 
      Não respeitam  crianças,  jovens e velhos. A sua sanha  só tem um alvo:  tomar à força  os objetos  de algum valor que estejam  com as suas vítimas:  celulares, relógios, aliança,  carros, carteiras de dinheiro. Tudo que possam   encontrar  em suas vítimas   para satisfazer a sua avidez  de  ganhar fácil sem trabalhar  e , ainda pior, fuzilando os desprotegidos. 
    Sua covardia  e sua brutalidade sem freios,   a meu ver,  só poderiam  ser  respondidas   por uma mudança  radical   no Código Penal  brasileiro e através de instrumentos de dissuasão e aplicação efetiva da lei: prisão perpétua ou, nos casos  mais  horripilantes de  hediondez,   a pena de morte. Já, por mais de uma vez, afirmei que a questão da altíssima violência  é uma  questão de segurança  nacional.  
   Seria até um lugar comum reiterar que  a impunidade   esta intimamente   relacionada com  o aumento da violência. Os  celerados em nosso país e alhures  não podem  respeitar  o cumprimento  das leis  vigentes  tendo a certeza de que, cometendo  um  crime de alta monstruosidade, ainda podem  se livrar do encarceramento através das  famigeradas  brechas legais, verdadeiros  penduricalhos  que    protegem e  realimentam   as mentes  criminosas, que são  “bom comportamento,”   “prisão domiciliar,” “uso de tornozeleiras eletrônicas”(as  quais, há pouco tempo  estavam  faltando no sistema prisional do   país) “indultos de natal,”  “comutação da pena,” e outros  recursos   legais (sic!)  a que, no país,  têm direito  os criminosos de todas  as modalidades, de colarinho branco aos meliantes  de alta periculosidade.  
    Julgo  que não estou sendo  extremado   ao propor  os dois tipos de ~punição acima-mencionados e direi  por quê. Na implantação  desse ambos, há que considerar   os casos  declaradamente de violência abominável. E ainda assim,  diria que se tais formas de punição fossem  empregadas, que, no  caso brasileiro,   se tentasse  fazê-lo  por um tempo  determinado, a  fim de que  pudéssemos   saber como, durante  o tempo  experimental, se comportaria o quadro estatístico de níveis de criminalidade. Somente, a partir dos resultados verificados,  se poderia pensar  em outras  formas  ou alternativas para  a solução dos gravíssimos problemas  de violência.
      É óbvio que a violência  pode ser, a médio e longo  prazo,    combatida  através das chamadas  políticas  públicas, onde setores vitais  de governança  poderiam desempenhar  papéis  relevantes de mudanças efetivas e urgentes pelas quais  o país tanto anseia: educação  pública de  qualidade e com  professores bem remunerados, hospitais  em perfeito funcionamento,  bom transporte  de massa, combate às desigualdades  sociais, empenho  de governantes  com firme  propósito de   mudanças para melhor nas obrigações  que os governos  devem ter pelo bem-estar  da sociedade e um sistema de segurança  pública  voltado  para realmente atender  bem  à sociedade e aos mais desprotegidos. Seria isso tudo utopia de um articulista? Claro que não. Tudo pode melhorar se a alma dos políticos se revestir, na condução dos seus mandatos,  de dignidade  e respeito  ao povo, à nação e à sociedade.
    Desta maneira,  ao general  interventor cabe levar em conta todo este conjunto de complexos  aspectos da realidade brasileira  ao dar seguimento  às estratégias que,  assim espero,  tenham  sido formuladas nos diversos  encontros e discussões das autoridades  de segurança    com vistas  a pô-las  em prática o mais rápido possível e sem muita interferência  paternalista e  político-ideológica que um provérbio inglês  tão bem  ilustra: “Too many cooks spoil the broth” (“Muitos cozinheiros estragam a comida”).
    Não é impossível  dar solução, ou pelo menos,  amenizar, o maior problema  que o país tem  que enfrentar. É hora de atacá-lo de frente e com  firmeza, sem ceder  às pressões de toda ordem. Urge ir fundo na questão e nas suas causas mais imediatas e talvez mais perigosas: a do crime organizado,  das milícias e  dos traficantes de drogas e de armas pesadas, num trabalho conjunto de fiscalização rígida  com as forças de segurança de  países  vizinhos, a fim de  desmantelar   o contrabando  de armas para o Brasil. Ou seja, o problema da violência exige igualmente  a contribuição  indispensável de natureza  diplomática.  
    Paralelamente,  esforços  dos governos estadual,  municipal e federal  não podem  ser descartados nem sofrer   interrupções  ou   retiradas que só  humilhariam  os objetivos  da intervenção em   devolver  ao Rio de Janeiro,  cidade e estado, um lugar em que se possa  andar nas ruas  a qualquer hora  sem  o fantasma  diabólico  de assaltantes  e delinquentes   espreitando a todos  nós.  Da mesma forma,  espera-se que  os objetivos mais  prezados  da intervenção  sirvam para trazer  maior segurança ao cidadão contribuinte num patamar  de longa permanência de paz   sem a desordem  urbana que nos atormenta até hoje.
 

quinta-feira, 22 de março de 2018

SOBRE AGENDAS: TEMPO E PASSAGEM


    


                                                  Cunha e Silva Filho


        Se existe alguém que não sabe lidar com agendas telefônicas e para outros  fins, esse alguém sou eu. Nem mesmo sei se outras pessoas guardam suas agendas de anos anteriores, uma vez que, agora,  é bem capaz de que elas, as agendas,   estejam fora de moda por serem impressas. Presumo que as agendas, agora, sejam eletrônicas ou por outra,  virtuais. Perdoe-me , o leitor,  o meu lado gauche à Drummond  sobre gadgets ou outras  formas  de anotação de dados, tais como endereços, telefones,  pen-drivers ou  outras informações que a gente faz com as agendas  impressas.
      Mesmo no celular ainda não me dei ao trabalho  de aprender como  falar via WhatsApp, ou  pôr um vídeo  no Face. Embanano-me  todo e transformo o  uso do celular num caos virtual sem tamanho. Os amigos, ao verem isso,  me dão um sorriso escarninho. Da mesma forma,  é com alguns procedimentos  de links,   e transferências  nesse navegar   pela internet. Contudo, não estou  sozinho  nessa modo  argel de lidar com  o mundo virtual  ou com o  mundo  eletrônico.
     Disseram-me  uma vez que o escritor Jorge Amado (1912-2001) não sabia nem como   sintonizar  uma estação de rádio. Meu pai, também escritor,   era pouco dado  a ouvir rádio e nem mesmo  teve um rádio para uso  próprio. Por outro lado,  escritores, mais velhos aderiram  à aprendizagem do computador,  ao passo que outros nem mesmo ainda  sabem  usá-lo e me afirmaram que não  querem aprender mesmo. 
   Mas, acredito que eles seja as últimas gerações  de idosos que não desejam   familiarizar-se com  o  mundo virtual. Mais anos pela frente e todos indistintamente, crianças, moços e idosos  estarão navegando  naturalmente   pela Internet. Ou seja,  todos  beberão do mesmo   vinho do universo virtual. Todos, assim, globalizarão a virtualidade em todos os sentidos: afetivo,   comunicativo, ideológico, profissional  etc.
  A minha intenção central desta crônica  são as agendas impressas  que, no meu caso  particular, já formam  uma um embrião de “biblioteca.” As agendas são de vários tamanhos: pequeninas,  médias e grandes,. Estas são as de que mais gosto por terem mais espaço e mais páginas. Ora,  nelas está  anotada um multidão de  dados: nomes de conhecidos,  de amigos,  de pessoas de variadas  atividades  profissionais, de nomes  que, no presente,  já não identifico.
   Tudo esta anotado ao acaso na maior parte, acronologicamente, alguns com e-mails, outros com o nome da profissão. Alguns são ex-alunos que se perderam na multidão e, para resumir,  há uma lista enorme de pessoas queridas que já se foram  do meu convívio na Terra.
    À medida  em que releio ou passo  a vista distinguindo os que se foram para sempre, me vem à lembrança,  em ponto pequeno,  o número bem visível  de mortes relatadas na narração de Dom Casmurro -  essa obra-prima de Machado de Assis (1839-1908). Talvez já tenha aludido a esse detalhe alhures: em Dom Casmurro (1899) foi, pela primeira vez no âmbito da literatura, que  tive a sensação estranha e singular  da efemeridade  da vida tão genialmente  transmitida pelo  narrador Bentinho, por sinal, a meu ver,  cruel narrador machadiano.
    Nem mesmo o  foi pela quantidade de  personagens que morrem ao longo do enredo, mas pela forma como a morte é anunciada  pelo narrador aqui e ali na obra. Dom Casmurro é o retrato mais  perfeito, em termos  de forma narrativa que  já experimentei  como  leitor. Daí a sua grandeza, a sua  singularidade, o seu sopro da vida mais “real” do que a própria  existência porque um grande romance  nos permite  ter uma visão mais profunda  do ser humano e de seus  problemas  e enigmas.
  As agendas antigas têm esse condão de nos  transportar ao passado e simultaneamente de nos  projetar  ao futuro e às transcendências. Elas são tempo e  passagem. Fixam homens, lutas e  acontecimentos  alegres ou  tristes já pretéritos. Dão  também um certo perfil de nosso travessia  cá entre os mortais e nos fazem questionamentos sobre a eternidade e a  intemporalidade   das quais  não escapamos  como viventes.
  Quem quiser encontrar organização  e cronologia  nas minhas agendas perderia seu tempo. Ao abrir as páginas dessas agendas, o leitor terá que  reordenar tudo e usar a imaginação a fim de  pôr ordem no caos. As agendas, no meu caso, serão caixinhas de surpresas. Darão boas pistas,  porém não darão a chave. Não fiz isso de propósito, porque elas se construíram da desordem e da emoção. 
   Já me fizeram entender que a  sociedade funciona  porque nada é muito lógico e a vida é feita de  acasos (William Shakespeare,1564-1616,) e, se tudo fosse certinho,  matemático, lógico, a vida seria insuportável, da mesma maneira  que ela não bastaria se não fosse complementada pela Arte, conforme declarou  o poeta Ferreira Gullar (1930-2016). A Arte nos liberta pelo menos dentro de nossa indevassável  solidão.

terça-feira, 20 de março de 2018

TRADUÇÃO DE UM POEMA DE VICTOR HUGO ( 1802-1885)






   MORTS POUR LA PATRIE


  Ceux qui pieusement sont morts por la Patrie
Ont droit qu’à leur cercueil la foule vienne et prie,
Entre les plus beaux noms leur nome est le plus beau.
Toute gloire près d’eux passe et tombe éphémere;
           Et comme ferait une mère,
La voix d’un people entire les berce en leur tombeau.

          Gloire à notre France eternelle!
          Gloire à ceux que ont morts pour elle⁢⁢⁢⁢
          Aux martyrs⁢ aux vaillants⁢ aux forts⁢
         À ceux qu’enflamme leur exemple,
         Qui veulent place dans le temple,
         Et qui mourront comme ils sont morts!

C’est pour ces morts dans l’ombre est ici bienvenue
Que haut Panthéon elève dans la nue,
Au-dessus de Paris, la ville aux mille tours,
La reine de nos Tyrs et de nos Babylones
         Cette couronne de colonnes
Que le soleil devant redore tous les jours.

Ainsi, quando de tels morts sont couchés dans la tombe,
Em vain l’oubli, nuit où va tout ce que tombe,
Passe sur leu sepulcre où nous nous inclinons;
Chaque jour,  por eux seuls se levant  plus fidèle,
        La gloire, aube  toujours nouvelle,
Fait luire leur mémoire et redore leurs noms.
                                   
                                                  (Victor Hugo, Les chants du Crépuscule)


    MORRERAM  PELA PÁTRIA


Aqueles que piamente  pela Pátria sucumbiram
Direito lhes assiste que a multidão  ao seu  enterro vá e reze.
Entre os mais belos nomes, os deles os mais belos são.
Perto deles toda a glória se apequena e efêmera é
E tal como qualquer mãe agiria
A voz de todo  um povo em seu túmulo acalenta.

       Glória à nossa França eterna!⁢⁢
      Glória àqueles que por ela  tombaram!
      Aos mártires! Aos valentes! Aos fortes!
      Àqueles que seu exemplo inflama,
      Que a um lugar no templo aspiram,
      E que como eles mortos foram!

É por estes mortos,  cuja sombra aqui  bem-vinda é
Que o alto Panteão as nuvens alcança,
Por sobre Paris, a cidade de torres mil
A rainha de nossas  Tiros e Babilônias
        Esta coroa de colunas
Que o sol à frente todos os dias redoura.

Desta forma, quando esses mortos  na tumba dormir forem,
Debalde o olvido, noite sombria à qual  se encaminha tudo que tomba,
Por seu sepulcro atravessa  e diante do qual nos inclinamos
Cada dia, tão só para eles dedicado,  mais fiel revelando-se,
          A glória, aurora sempre  revivida,
Lhes faz brilhar a memória e  os nomes lhes redourando.
             
                                                           (Trad. de Cunha e Silva Filho)

quinta-feira, 15 de março de 2018

BASTA DE VIOLÊNCIA, CRIME E SELVAGERIA






                                                                    CUNHA E SILVA FILHO


       A violência no Brasil cresce assustadoramente e  não me reporto tão-só à violência praticada por bandidos, mas ações violentas  das quais a  sociedade  se torna calamitosamente   refém, ou seja,  violência sofrida  pelo cidadão  oriunda da própria estrutura  de segurança  do Estado  Brasileiro, seja na forma  de  condução  discricionária  do gerenciamento  do poder  público, seja  pela exclusão  de direitos  assegurados  constitucionalmente  ao povo em geral. Por conseguinte, a violência,  empregada   no seu  sentido mais lato  possível,  atinge o todo  das instituições, quer no governo federal,  nos governos  estaduais e nos governos municipais.
    Quem se encontra  no poder,  cedo ou tarde, vai mostrar  sua  verdadeira  fisionomia  moral e seu caráter. Esse comportamento  autoritário  é uma manifestação  da violência. Vejamos um exemplo: professores municipais  da capital paulista  revoltaram-se  com uma determinação  do prefeito segundo a qual  seria aumentada a alíquota de descontos do funcionalismo para a previdência social da Prefeitura de São Paulo. 
    Ora,  tal medida se me afigura um confisco  nos vencimentos   dos professores. Se o executivo faz  isso   a fim de   diminuir o rombo  bilionário   do Município,  a culpa não é dos professores que, em geral,  ganham  baixos salários. Isso é uma  insensatez porquanto  o  prefeito  deveria - isto sim -, diminuir drasticamente  as mordomias  dos altos escalões   do seu governo,  do legislativo, judiciário e  de outras  despesas astronômicas   que se acumulam  de governo  para governo. Além disso,   os professores que desejam  manter seus direitos  salariais  foram  violentamente  reprimidos por guardas municipais.
  A cena foi  de violência e ferocidade  sem tamanho na qual uma professora  que protestava  no recinto  da Câmara Municipal  teve seu nariz  quebrado  por  golpes de truculentos guarda. Esse incidente  depõe contra  a imagem de um prefeito que, ao  que tudo indica,  saiu  arranhada e o prejudicará  politicamente. Mais uma vez, a classe dos professores brasileiros  é recebida  com cassetetes, escudos  e selvageria. Como, então,  um país   quer se tornar  respeitado no mundo democrático  se não  protege seus professores do  arbítrio e da pusilanimidade   de guardas ignorantes  e despreparados?  
    Os gases lacrimogêneos  lançados contra professores   é sintoma  de  prepotência  de governantes   não talhados  para o exercício de um mandato no executivo. Esse prefeito, empresário, capitalista,  neoliberal,   se assim  continuar  se  comportando,   não terá  futuro   na política brasileira. É também claro sintoma da degradação em que se encontra a educação pública  nacional. Ora, um pais sem educação  e sem valorização dos docentes é uma país  fadado ao insucesso  e com riscos  em cair  no autoritarismo.   
   Não é sacrificando  os professores  que o prefeito  irá  alocar  recursos   para  sanear  as despesas  públicas. Num dos mandatos do  ex-presidente Lula, os funcionários  federais  também foram vítimas desses descontos  previdenciários  no  contracheque, quando o funcionalismo, mesmo  se aposentando, passou a descontar  para a “Seguridade  Social” após a aposentadoria. Todo o mundo engoliu sem protesto essa determinação esdrúxula e autoritária (forma de violência financeira imposta à sociedade)  do governo federal. É preciso  salientar que  o rombo  federal  se deve muito mais  à gastança  multimilionária  com  a máquina do Estado,  as mordomias  dos  congressistas com o Executivo e com o Judiciário.
   Os governos interferem arbitrariamente nos  vencimentos  do funcionalismo com a aprovação dos parlamentares, estes últimos quase sempre  acordes com  o executivo,  de seus decretos  ou leis   prejudicando  a vidas dessas pessoas, porém  não interferem  duramente  no aumento do custo de vida  da  população, nos aumentos  de impostos e taxas   de toda espécie a fim de  arrecadarem cada vez mais. A violência de  atos do governo só vale para aqueles que estão  dependentes   das demandas  governamentais. Contudo,  não vale para a economia, para o livre mercado , este sempre mais ávidos  do vil metal  e pouco se importando  com  o consumidor numa fórmula engendrada  do capitalismo  na base de “Se não compras  por falta  de  dinheiro,  há os que podem comprar.”
   O outro lado da violência, muito mais direto e transparente na sua   potencialidade  deletéria, constitui a violência dos bandidos tanto  a dos  facínoras  dos morros  quanto  a   dos colarinhos brancos. Os primeiros  se expandindo  pelo   país  inteiro, os segundos, igualmente. Ambos prejudiciais e talvez  os de colarinho branco  ainda mais   prejudiciais  porque afetam  medularmente   a vida do país em todos os setores, uma vez que  causa devastação  financeira em razão dos desvios  bilionários  dos Erário Público, prejudicando profundamente   setores vitais  da sociedade:  educação,  saúde, segurança, habitação   e transporte.
  Quer dizer,  quanto mais  propinas   vão se alojar  cinicamente nos bolsos  de políticos  e empresários   marginais tanto mais  frágil se torna  a estrutura do Estado e sua forma  real de democracia. Por isso, o combate à impunidade  é uma estratégia de segurança  para a  não derrocada da democracia  e estado de direito, assim como  a impunidade de bandidos  controladores  dos morros é fator  de desordem social e demonstração da fragilidade de nossas políticas de segurança.
  Cumpre,  pois,  ao Estado Brasileiro   combater  severamente  os dois lados da moeda, ambos  podres e repugnantes aos olhos  dos homens de bem. A luta aguerrida contra esses dois lados não é uma utopia,  é exequível. Basta  vencê-los com as armas  da lei e do voto   consciente posto que,  nas duas situações,  haja  muitas  falhas, falta de  consciência  de cidadania, ética e vontade firme  de governantes operosos   e honestos que tanta  falta os fazem na condução do país.
    Para o problema dos marginais dos morros, vejo como súmula  de enfrentar  o mal, a   sugestão dada por uma   brilhante  antropóloga   brasileira sobre  temas de violência, que é a professora da UERJ, Alba Zaluar. Ela   é autora de uma  obra densa de esclarecimentos  sobre  a violência, A máquina e a revolta (São Paulo: Editora Brasiliense, 1985), originalmente  uma Tese de Doutorado na área de antropologia defendida  na Universidade de São Paulo (USP).
   Daquela obra tenho gratas  recordações  do tempo  que a consultei na preparação de minha Tese de Doutorado em literatura brasileira,  sobretudo no entendimento  dos conceitos antropológicos do malandro e  do bandido, que muito  me serviram, entre outros autores,  para fundamentarem minhas análises sobre o tema nuclear   da  minha pesquisa da figura do malandro no conto de João Antônio ( 1937-1996).      
  Em  percuciente artigo publicado no jornal O Globo, “Funcionalidade criminosa” (10/03/2018), ela afirma : “Sem resolver a questão penitenciária nem desmantelar a companhia do crime organizado que se expande por todo o Brasil, não há solução para a violência no  país.” A meu ver,  aí está a raiz da violência que, em artigo neste Blog, considerei  o problema  nº 1 do país. Sem desbaratar  frontalmente  a bandidagem que se instalou  no país, sem ouvir  pesquisadores   com larga experiência e talento,  não surtirá  efeito  positivo  a intervenção do general  Braga Netto.   
    A questão já está equacionada  pela antropóloga citada. O que, daqui para a frente  se deve fazer  é pôr em ação a logística   militar  para desmantelar   as organizações  criminosas com a lei e com a inteligência,  punindo  culpados sem causar  males a  inocentes e pobres, sem balas perdidas nem  torturas. 
   Basta contar com a inteligência e as forças militares federais, limpar a polícia  dos maus elementos  de suas corporações, tantos  de patentes  superiores quanto inferiores. Retirando  criteriosamente  os impuros,  é possível colher alguns  frutos  dessa intervenção  das Forças Armadas.      
    Oxalá elas consigam. Afinal,  o nome  e a imagem do general e de seus assessores estão em jogo.  Hão de vencer essa batalha  contra  o banditismo. 
    A outra batalha,  a dos  marginais de colarinhos brancos, a dos  políticos corruptos e dos empresários  escroques,  há de ser  travada  com a punição deles pelos ditames da Lei expressa e interpretada  com ética e competência jurídica. Que as investigações da Polícia Federal, o acompanhamento  pari passu   do Ministério  Público  e  as decisões dos membros do  Supremo Tribunal Federal   sejam firmes, éticas   e patrióticas. Assim espero.   
     

quinta-feira, 8 de março de 2018

SOBRE A AMIZADE E OUTRAS VARIAÇÕES

                             

                                                                             Cunha e Silva Filho


           A amizade é um vocábulo cuja acepção tem que ser levada a sério. Não pode ser  banalizado nem pode ser  dito da boca pra fora, a não ser quando,  em circunstâncias ditadas apenas pelas convenções sociais,  seja usado por mera formalidade, como sói acontecer amiúde nas redes sociais. No segundo caso,  o seu uso é vazio  de sentido. Creio que, na psicologia  do brasileiro em geral,  há uma tendência a tratarmos  outrem com  uma certa  intimidade ainda que, aos olhos do interlocutor,  sintamos  um certo   desagrado. 
          Ou seja,  somos  avessos aos protocolos e, por conseguinte, só  a muito  custo  aceitamos  os distanciamentos.   Preferimos as liberdades, as  aproximações antecipadas, as intimidades.  Por esta razão não apreciamos os diversos  pronomes de tratamento  na comunicação oral  e descontraída. Escolher um “você,” um “tu, ” um “senhor” causa  alguma dificuldade no nosso  interior. Em razão mesmo  dessa dificuldade  de uso de tratamentos, há duas  opções gerais: ou usamos em grande parte do país,  um “você,” como é tão frequente no Rio de Janeiro, ou, em outras regiões, no Sul do país, por exemplo,  empregamos  um “tu.” Por outro lado,  o mesmo indivíduo, ainda tomando o Rio de Janeiro como referência,  usa indistintamente , no mesmo dialogo,  os pronomes  você e tu( mistura de tratamento), o que é muito  frequente no  português do Brasil, já bem observado  pelo  linguista J. Mattoso Camara Junior (1904-1970).
          Porém, não é  de gramática ou variações linguísticas  que quero falar nesse texto, mas do sentido da amizade nas relações humanas, atualmente ou  em priscas eras. Em resumo,  a minha hipótese, se é que é hipótese,  é a de que o fator  determinante   da amizade  vitoriosa  não é sempre o tempo, seja de cinco, dez, vinte,  trinta anos ou mais. No conjunto de  fatores  secundários que leva duas pessoas  a manterem  uma saudável amizade  por toda a vida teremos que  considerar as afinidades  de ideias,  de gostos,   de valores  éticos, religiosos, ideológicos  e de outros valores culturais.
        Tomemos, em princípio, a categoria tempo, a duração  das amizades e seu fim. Dois amigos se encontram,  Começa uma amizade  que  dura um longo tempo. De repente,  não se sabe por que cargas d’água,  um foge do outro sem explicação plausível alguma. Evidente que  houve um fator de estremecimento da amizade.Houve uma razão  íntima que não aflorou às consciências de ambas  as partes. Da noite pro dia  apagou-se a chama da amizade.
       Subitamente,  a amizade feneceu,  deixou de nela haver  um sopro forte  do verdadeiro sentimento  da amizade, vocábulo  que, na sua formação  está intimamente  ligado à união, ao amor no sentido  lato. Os dois lados se separaram. Houve, então,  um quebra, uma ruptura  de afinidades  eletivas que, num átimo, desfez  todo  um  repertório de sentimentos  de mútua admiração que  se pensava ter enraizado.  E aí, doce ilusão, a amizade  perdeu  a motivação,   os liames  sólidos que  a mantinham inabalável como uma rocha. Entre a amizade de outrora e a realidade atual fez-se um abismo. Contudo,  os fundamentos da amizade ruíram  e se preferiu o silêncio  das partes. Cada qual foi cuidar de seus restos de vida. Aquele sentimento  inicial,  tão caro ao ser humano,  aparentemente virou uma página final  de um livro.
       Me vem, agora, a imagem da baleia de Moby Dick(1851) de Herman Melville (1819-1891)). Nada sobrou  após a vitória dela e o naufrágio  de todas as perseguições debalde  feitas contra  ela. Só o oceano - pélago profundo -,  ficou como  testemunha  da fúria dos homem e da baleia branca.
       Uma vez  uma senhora me falou que a vida de cada um de nós tem um “prazo de validade.”  Com todas as letras eu poderia argumentar   contra essa assertiva. Mas, não vem ao caso aqui  alongar-me por  estas divagações  existenciais. No entanto, recuando  diante da minha dúvida, estendo  a minha linha de raciocínio àquela  observação das senhora e me pergunto ou pergunto a Você,  leitor querido:  “A amizade tem prazo de validade?” Eis uma pergunta que bem merece uma  discussão homérica.
    Retorno à minha hipótese sobre a amizade e a sua durabilidade. Na minha experiência de vida,  tenho   comprovado  que a amizade é uma “vexata  quaestio.” Posso  adiantar que já provei dela e de sua permanência,  como já  senti   o gosto acre  de suas perda  que sempre me deixou  intrigado e a me questionar: “Por que acabou?  Como se explica  isso?”  Num abrir e fechar de olhos  se evaporou.  Mas, a grande questão é que não estou me referindo somente  a quebra da amizade entre familiares que é, por sinal,  terrível em suas consequências  psicológicas, emocionais, sentimentais) mas  sobretudo a amizades entre  estranhos que se tornaram  amigos e que resultaram  desastrosas  no enfraquecimento  de seus laços  tão profundos.
      No nosso  “eu  profundo," como diziam os poetas simbolistas,  de vicissitudes, que   amargamente   colhemos   pela vida afora,  é que sentimos a alma dilacerada.  É certo que muita gente   de altas qualidades morais  nos estimam. Contudo, é certo também  que, a qualquer momento,  por um motivo ou outro, lá se vai   fenecendo a amizade que supúnhamos   duradoura. É tudo tão imprevisível como o ser humano, essa  esfinge que nos   espreita  no curso de nossa existência, de nossa  travessia  pelo sofrido  mundo dos vivos.  
   Há um consolo que gostaria de cultivar: que as nossas amizades durem a efemeridade  própria  do ser humano  no planeta Terra. Não é isso uma solução  à amizade transcendente, mas,  pelo menos é um fato  que  vamos   constatando  com o passar dos anos.  Ah,  terminei me esquecendo de   dar demonstrações cabais  de minha  pobre hipótese  de trabalho.
     Deixarei, assim, para as locubrações (termo que, pela primeira vez,  vi  no título homônimo de um  livro do escritor maranhense Antonio  Henriques Leal (1828-1885), no exemplar datado de 1874 que pertenceu a meu  pai e que guardo com carinho há tanto tempo)  muitas vezes, áridas e cansativas  de uma possível   dissertação acadêmica, com bibliografia,  ementa e  tudo o mais  que os muros das universidades tanto prezam.  Por falar desse autor maranhense,  que se doutorou em medicina no Rio de Janeiro, foi Comendador da Imperial  Ordem da Rosa,  Membro do Instituto  Histórico, Geográfico e Etnográfico e da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. Alfredo Bosi, em sua História concisa da literatura brasileira,  por equívoco, afirmou ser português esse autor maranhense.
    Em Locubrações (em português  há duas  variações gráficas “lucubração” e “elucubração”), obra  dedicada  ao Imperador Pedro II. Além de reunir  estudos científicos  realizados  pelo autor, ele dedicou um capítulo, “A literatura brasileira contemporânea” (p.187-233), escrito em Lisboa. Outros capítulos ainda discorrem  sobre uma edição de Iracema(1865),  em ensaio  de caráter filológico,  de José de Alencar (1829-1877), sobre autores portugueses, um ensaio sobre a Guerra do Paraguai. Locubrações se divide em duas  partes: ciências e  letras. Merece uma  leitura ou releitura, sobretudo   porque  é uma oportunidade de entrarmos em contato com  as perspectivas  críticas do autor  sobre  alguns autores brasileiros  mais conhecidos  de então.