domingo, 29 de setembro de 2013

Meus olhos serão teus olhos



Cunha e Silva Filho 
                
               
                No sem-lugar, no sem-tempo onde só a memória  dirige as vontades, estarei sempre contigo. Ver-me-ei por teus olhos e, assim,  estarei sempre vendo  a natureza,  o sol, o mar, os campos,  os vales e montes,  o respirar  dos teus pulmões,   sentindo  o vento. Verei  o que  estarás fazendo e desde já sei que estarás fazendo  o Bem e, de quando em vez,  pensarás em mim com ternura e saudade, não aquela saudade doentia,   mas aquela que não mais dói e desliza na memória  como  um   valsa  vienense.
Sim, pelos  teus olhos estarei  vendo,  sabendo  o que  pensas, o que fazes,  o que amas. Tenho certeza  de que  o encaminhamento  de  tua trajetória – esta travessia  de todos os mortais sem exceção – será bem  conduzida. Nos teus olhos  caminharei contigo e, desta  forma,  me prolongarei em ti,  superarei  o limite de uma  existência longa ou  mais longa, mas jamais  curta, embora pressintas que  não seja tão longa. Estás enganado  ou enganada.. Pelos  teus olhos  não serei  um só homem, seremos dois, ou uma mulher especial, sem saberes que   contigo  estarei sempre. Seremos   três , cada um de cada vês ou todos  ao mesmo tmepo. O que  importa  sempre  é que  estarei contigo nos teus olhos em todos os instantes,   em todas as situações,  no  trabalho,  no descanso,  na vigília  dos estudos,  no trabalho  de casa, ou nas compras    da rua, na leitura  dos grandes  livros  da Humanidade. ou dos pequenos  livros simples, de leitura fácil mas útil, ou se não,  da leitura da  vida sem livros, o que n ao deixa de ser uma leitura.Há muita  sabedoria   fora dos livros .
Verei  por teus  olhos  o andar  da vida,  o passar  dos anos,  os teus  temores,  as   tuas aflições,  a tua sensibilidade  e emoções dirigidas para tantos   lados da existência efêmera, volátil, naquele  mesmo  parâmetro  que Pascal (1623-1662)  compreendia  a pequenez  da existência, a magnitude e o assombro  do  infinito.
Verei  por teus olhos  o teu dia-a-dia,  o teu esforço,  a tua luta  da vida  e os teus  sonhos  realizados  ou não  realizados. Verei teus choros  silenciosos,  discretos,   sofrendo  a dor  sozinho, ou sozinha. Estarei  acompanhando  teus passos, tuas ideias,  tuas indignações  jamais  justiçadas no lugar  que ocupas  como  filho  ou filha  de uma  pátria.
Verei  sempre  por teus olhos   o “Assim caminha a humanidade”, para    fazer uma correlação  entre a vida  e um filme que vi há tantos anos. Nos teus  olhos,  da minha parte sempre  vigilantes, mas sem  prejudicar-te os atos  e as decisões,  estarei  vivo  e quem,  sabe,  tendo a sensação   - vã sensação!  - de que  serei   eterno,  tanto quanto  os filhos de Eva após o pecado  original.   Pensam os ingratos   que estão no caminho certo, na sua   ingenuidade   boba   e  inconsciente,   sob o domínio do hedonismo   da civilização   contemporânea,  indiferentes  ao sentimento  de coletividade.
Ao ver o mundo  físico pelo teus olhos  não quero nunca que   te sintas  como  os   seres apressados, à procura da ilusória  fama,  seja esta de que forma for. Nesta pressa  sem termo   deixam eles, os apressados,   as oportunidades   do convívio  com  os amigos  que dissiparem   como  bolhas de sabão, amigos  logo  esquecidos  pelos   desejos  irrefreáveis  da pressa  pós-moderna. Fazendo assim,  perdem  as grandes  oportunidades de  manter  as velhas amizades das quais  vão se distanciando,  tendo a falsa  ideia  de que  melhores amizades    farão esquecer  as  mais simples e por isso  mesmo mais  autênticas.
A nossa, não,  é infinita sem  compromisso  com  o tempo, a vaidade,   a riqueza material,  já que  a sua matéria  não é feita  do   interesse ou egoísmo  humano, mas por um pacto com  o não-tempo, o não-lugar. Ela nasceu do sangue, do mesmo sangue  que corre nas minhas veias ainda  vivas e,  tenho certeza,  há de correr  pela veias  de teu  sangue comum ou do sangue fruto  do amor.
Viverei, sobreviverei  nos  teus olhos  e pelos teus olhos e, assim,  terei a   mesma sensação da imortalidade  relativa, porquanto  ela  depende  do espaço de tempo  físico  que  passares na  Terra.
Pelos teus olhos   ainda por longos anos ou por menos anos    poderei  ter  as sensações  várias   de que desfrutam  os viventes. De certa maneira,   pelos teus olhos  não morrerei  tão cedo. Ainda haverá tempo a percorrer com alegrias  e  vitórias, com sonhos  e amores redobrados..
Meus olhos  serão teus olhos nas mudanças do tempo,  das fases da vida,  dos deveres  e obrigações. Verei ainda muito desta vida  dura   e contraditoriamente  bela. Verei o tempo  passar na celeridade  mais intensa dos tempos atuais, nos quais  uma semana  parece um dia   em época  de pós-modernidade. A velhice  física não passa  de um suspiro da mocidade.
Porque meus olhos  verão pelos teus olhos   minha alma  se acalma ,  se alegra,  pela perspectiva que tem  pela frente  onde juntos tu (em duplo) e eu,  passaremos  pela  vida e descansaremos  à sombra de uma  árvore amiga,  com a brisa   passando  pelos nossos  rostos feitos  do físico e do imaterial, mas vivos, eternamente vivos  na   amplidão da interioridade   de nosso  espíritos.
Pelos teus olhos,  sim, adormecerei  em paz, estarei sempre  em tua companhia   e  conquistaremos   o pequeno  universo  da  Terra. Pelos teus  olhos,   verei  a Vida e terei, por algum tempo  não-sabido,  relativa eternidade    da existência física.
Pelos teus olhos  sentirei  o prazer  de continuar  vivo, vendo  o teu sucesso,  os teus passos,   o teu envelhecer, os teus cansaços   a tua procura, do Bem,  a tua  luta  contra  a Injustiça do teu país e do mundo.Pelos teus olhos  verei também  a derrocada  dos  prepotentes,   dos facínoras  e dos inimigos   da humanidade.  Acompanharei  a tua ascensão, o teu triunfo,  a tua cura, depois  das dores e sofrimentos, incompreensões e indiferenças. Verei, enfim, a tua alegria conquistada,  o teu  caminho  percorrido,  os teus feitos, as tuas obras e tuas ações  dignas, o teu labor  diário, a tua  comida  bem feita e por ti feita,.Nada disso esquecerei  porque  estarei sempre  vendo  o mundo  pelos teus  olhos  abençoados. 










quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O descanso de Aquiles







     Cunha e Silva Filho

              Eu o vi pela primeira  vez na cidade de Teixeira Soares, interior do Paraná. Tinha sido adquirido por meu  filho, o professor e  advogado Francisco Neto,  há pouco  tempo e ainda  era bem  pequeno. Demonstrava, contudo,   que seria um cão belo,  forte, grandão,  como são os    de sua  raça, pastor belga. Era preto e peludo,  elegante, e já dava  sinais evidentes  de que  seria   firme e decidido, sempre   pronto a  proteger o lar que o   acolheu até o seu  último  dia  de velho  guardião da casa.
           Deram-lhe o nome de Aquiles, de resto,  nome  bem  escolhido, por   certo  inspirado  naquele  herói máximo da Guerra  de Tróia,  aquele que  fora  mergulhado no  rio Stix para se  tornar  invulnerável.Sua mãe, a ninfa  Tétis,  ao colocá-lo na água,  esqueceu de  molhar-lhe  o calcanhar. Daí a expressão que correu  mundo,”calcanhar  de Aquiles,”para significar a única  parte de seu corpo que poderia  atingi-lo mortalmente, ou seja,  generalizando,  o ponto  fraco de alguém. 
Aquiles foi crescendo até tornar-se  um cão adulto com todo o seu  viço, sua beleza apolínea,  sua pujança,  seu latir portentoso, assim,  impondo-se mitologicamente  a quem se atrevesse  a fazer algum  mal ao seu dono e à família  que o   amava e da qual passava a fazer  parte  integral, como  um membro  merecedor  de cuidados e de  carinho. Quantas  vezes,  falando  com meu  filho,  ouvia  pelo telefone  o seu latido  heroico,  ressoando   pela  vizinhança na sua  posição  sempre alerta contra  qualquer   inimigo  que  pudesse  ali surgir! Sua presença,   seus movimentos  em frente  da casa de meu  filho, seus sinais,    seus aviso, sua defesa  feroz  contra   o perigo   que pudesse ameaçar  aquele lar  eram  mais do que  transparentes. Eram para valer.
Todas as vezes que pude vê-lo ainda  com toda a sua energia, ele me olhava fixamente, se aproximava de mim com  todo  aquele  peso e tamanho. Era um  deus grego. Era  um  titã do lar,  pronto sempre, disponível sempre,  a defender a quem  amava  e por quem  velava  nas vigílias  das noites e das madrugadas. Ninguém  ousaria   transpor  aquele  espaço  de lar sem que  primeiro   sentisse  a presença poderosa  e decidida  daquela  fortaleza  inexpugnável. E, se o fizesse,   sentiria   fatalmente  o peso  enorme daquelas patas  preciosas e poderosas.
Não é possível que os cães não tenham alma e sentimento humanos. Tantos  são os exemplos  na vida  real, na ficção, no cinema, nos quais os cães  se mostram amigos  fidelíssimos, até mais do que os familiares,  tanto  na vida como  no túmulo. Os cães têm alma, sim leitores,   não tenham  dúvidas  dessa  afirmativa.
Agora,  me lembro daquela   página antológica,  escrita  com  a  extraordinária  capacidade de descrição de Buffon (17-7-1788), célebre   escritor  francês,  grande naturalista que,  na literatura,   ficou   famosos  por aquela   frase com a qual  compreendia a relação  entre a personalidade  de um  escritor com   a sua obra: “O  estilo é o homem,” afirmativa que li, pela primeira vez, na velha Gramática Expositiva  - curso superior, de  Eduardo Carlos Pereira (1855-1923),  publicada pela  Companhia Editora Nacional , volume da biblioteca de meu  pai. A passagem de Buffon faz um perfil  psicológico  de um cão, ou melhor,  de qualquer cão. Página lida na minha adolescência no livro  de Marcel Debrot, da Faculdade de Filosofia da  Universidade de Minas Gerais, Le français  au gymnase,  da Companhia  Editora Nacional,  livro,  por sinal,  adotado  por meu  pai, meu  professor de francês,  no período ginasiano do Domício,  um famoso e popular   colégio de  Teresina. O texto tem por título Le chien.  Basta  esse  trechinho para exprimir todo o valor  universal  que  o cão  reúne em si: “Sans avoir comme l’homme, la lumière de la  pensée, il a toute la chaleur du sentiment, il a plus que lui, la fidelité, la constance, dans  ses affections:  nulle  ambition,  nul  intérêt, nul désir de vengenance, nulle crainte que celle de déplaire...”
Aquiles, nos últimos  meses,   quando já tinha doze anos – e nessa idade já   considerado  idoso na sua espécie animal -  com  largos serviços  prestados à família que o   recebeu  de braços  abertos,  foi atingido na sua parte  vulnerável de herói  grego: um câncer na próstata. Era o seu calcanhar  incapaz de conter  a força  indiferente  da natureza  física. Seu latir  começava a fraquejar,  seus movimentos  não eram mais os mesmos,  seus latidos emudeceram, seus afagos se esfumaram.  Tinha dificuldade para  alimentar-se, seus sintomas  estavam  a olhos  vistos. Quanta  tristeza dele não  poder  mais dar conta  da  defesa  de quem  o amava . Veio inclemente a fraqueza geral, a meia-vida, o sofrimento  mudo e profundo. À minha  mente me vem  a figura da   Baleia,   de Graciliano    Ramos (1892-1953),  personagem  criada   de forma genial  na obra Vidas seca,  graças à humanidade  que   transmitia, ou aqueles  bichinhos todos,  cheios  de  humanidade  na obra  de Guimarães Rosa (1908-1967). Isso tudo  me veio à tona  ao pensar  no destino  do  velho  Aquiles, o Cachorrão,  como,  às vezes, o  chamava  com ternura..

Era tempo de partir,  de “adeuses  às disponibilidades.” Aquiles,  no meu espírito,  tem o seu  panteão de honra  e glória  pela ajuda  inestimável  prestada  à família de meu  filho,  a  quem serviu com denodo,  bravura, na chuva,  no sol,  no frio  curitibano.  Assim nos deixou na memória e na ternura com as marcas da nossa  dor  e saudade  

sábado, 21 de setembro de 2013

"Velho gagá"



 Cunha  e Silva Filho
                                

                                  A expressão que  emprego como título desta crônica me ocorre toda vez que a ouço  num filme,  numa  novela de televisão ou numa  conversa  ouvida  por acaso  num diálogo na rua ou  em  algum  lugar  qualquer  da vida. O sentido    acabrunhante que  ela passa é tão negativamente  forte e pesado que   equivale a qualquer  expressão  depreciativa  e preconceituosa  simbolizando a absoluta   incompreensão e a brutalidade      estabelecida  pela distância  geracional  entre  novos  e velhos. Seu conteúdo  semântico  é profundamente  excludente,  abastardado   e  reprovável sem  querer aqui  dar  lição de moralismo, que é alguma  coisa que não me agrada.
Ao utilizar-se desse sintagma, duplamente  preconceituoso na combinação  do substantivo e do  adjetivo  chulo,  as duas fases da vida mergulham  numa contradição que  dói pela  obtusidade unilateral  dos mais  novos   e pelo   violência   que sinaliza  ou seja,  pela  quebra   do respeito entre o  interlocutor  jovem e  o de idade  bem   avançada,    entre a inexperiência  cega  e  a experiência   enriquecida  dos anos. A expressão  faz parte   do campo semântico dos  “tabus  linguísticos” e  seu  emprego    só vem à tona  quando    a incivilidade  dos mais jovens   é contrariada  justa ou  injustamente   pelos mais  velhos. No entanto,  do uso  dela no instante em que  é proferida  não existe tantos   anos-luz assim. O tempo  é  breve e acelerado  e o que se afirmava contra um outro  de repente se volta para si mesmo  como um despertar  de um longo  sonho.E aí é que a dor   causada  pelo  vil  preconceito  se torna  dor  própria,  sangrando  tão ou mais  fortemente do que há tempos  passados   machucou  a alma de alguém.
Atenção ao tempo que, célere,  passa  e, ele, o tempo,  como  a maré do provérbio  inglês,   “...não esperam  por ninguém.” O instante  é a eternidade. O  presente, o passado e o futuro,  naquele tempo  tríduo gilbertofreiriano,  é o  momento   presente,  abissal e devorador como  a  “Areia, grão a grão,  escoa  na ampulheta...” do soneto de Da Costa e Silva (1855-1950).
“Cuidado,  pois, com  o que dizes diante  de um ancião, ó ser finito e relativo!” O tempo é contratempo na voragem  dos instantes  fluidos, no escoamento   dos anos dos  tempos apressados,  idiotamente   apressados,  sem rumo e sem  remo.
Envelhecemos a cada dia, embora  aparentemente, ao  olharmos para alguém, não  sintamos  a nitidez  dessa transformação. Não  adiante,  jovem,  sonhar  com  o  elixir da longa  vida,  nem  com os poderes dos pactos   fáusticos nem  com  a  aventura  malograda   de Dorian  Gray. O tempo  é voraz,   ávido  das travessias   do corpo, da matéria física,   da beleza  apolínea   e  das fugazes   ilusões dionisíacas. Nada  consegue detê-lo. Nem as plásticas mais  refinadas dos tempos  high tech,  nem  a  última    promessa da beleza   física que luta  contra  a eternidade do finito belo. Tudo  isso  porque, caros jovens,  somos mortais, eternamente  mortais.
Todo cuidado  é pouco  com   as expressões   que   ferem  o corpo e  o espírito e deixam sempre marcas da ausência do respeito àqueles que um dia também  foram  belos,  jovens  e pensavam  que tudo  aquilo  seria  duradouro.
Quero  concluir   este texto com  uns versos  de um  velho  poema  de Henry Wadsworth  Longfellow (1807-1882), que já traduzi no verdes anos e que,  depois, na maturidade,   republiquei com algumas   modificações: “For age is opportunity no less/Than  youth itself in another dress,/And  as  the evening twillight fades away/The sky is filled with stars, invisible by day” [Tradução: "Porquanto a velhice é oportunidade não menor/E, à proçorção que a tarde vai morrendo,/O firmamento se nos desvela prenhe de estrelas, invisíveis à luz do dia".]




quarta-feira, 18 de setembro de 2013

BRAZIL'S OVERVIEW CORNER: The portrait of a dictator



[ A Portuguese text of this article  follows the  English  text below]


                                                        By Cunha e Silva Filho



     It  looks like  the story  of the cat and the mouse, only that, unlike the fable,  it seems it will  not have a happy  end.  Who is going to win   the opponent? Who will be the winner? Of course,  the smartest one. And  for the time being,regrettably ,  the smartest  one   seems to be     the dictator,  Dr. Bashar al-Assad,  leader of the Baath Party. To be quite frank, reader,  one can hardly foresee  which side   will be successful, but be sure that I cheer for the victory of the rebels.
Who would say that an underdog student of Medicine in Damasco would   turn into  a bloodthirst dictator    on whose shoulders   fall  the blame of  so many   people killed in Syria? That  shy  young man who,  at the age of 27 years, moved to  London  to major in  ophthalmology at  the Western  Eye Hospital, in the  region of Paddington, was one of the sons of  the dictator Hafez Assad who, with  strong hands,  ruled Syria  until 2000, when he had  a heart  attack. The young  doctor, after  finishing  his course in London in  the field of  eye health, was  much  praised by  his tutor,  the scientist and  doctor John Hardy and the future  medical career  of  Bashar,    according  to the  general   academic opinion  of the  university,  would be a successful  one.
Bashar  al-Assad was never thought of   to  become a politician. The vacancy left by  Hafez Assad , according to  official  information,  was to be filled by  his brother  Basil, his eldest  brother. However,  Basil  suddenly died in a car  accident in 1994. Bashar  at that time  was still in London. And until  then  there was no room  He was soon called on   to  go back to Syria as he would be  chosen  to  take  his father’s   position and made the leader  of Syria. It so happens that he did not yet have the right age (in the case,  he should be 40, but he was only 34) to  occupy the  presidency  of  his country, but through a quick  change  in the Law the Parliament entitled him  to be  elected by  the Baath  Party, a party   governed by  muslim  sect  called alauitas  which  his family  belonged to. We might  add that  this sect  represents   only 12% of the whole Syrian  population.  This is very little if  the  whole  population  of the country  is considered.
The turning-point in Bashar al-Assad’s life  was given  when, having  been  chosen  to  replace his father,  he started to be prepared alongside military  lines at Homes Military  Academy and  became the right arm  of  his father and was made colonel.  All this  done as if by magic. This was the first step towards getting   ready to take over after his  father’s passing. The military  formation  undeniably  caused a  metamorphosis in the  young doctor, or in other words, arouse  his  inborn    instincts of  perversity and evil  feelings that  ultimately   turned into  his new behavior or  his  new view  on  life, on vanity and greed  for  power and luxury,  an utter  change,   sort of  a new  version of Dr Jekyll. and   Mr Hyde.  a double personality  character cunningly   created by  Robert Louis Stevenson (1850-1894) in the  novel  called Dr.  Jekyll and Mr. Hyde.
As a journalist named Leandro Colon rightly   pointed out in  a well  written   report  published by Folha de São Paulo, a leading Brazilian  newspaper (section World, September 15, 2013),  Bashar  weas a president by sheer chance as nothing    would  indicate that  he was to become  a politician and mainly  a hated  dictator.
The readers who accompany my articles  posted in this blog have noticed that  for several  times I have been  harshly  criticizing  the evil acts  committed by  the dictatorship in Syria,  especially if we take into account  the  span  of time  in  which  the country  has been  engaged in a  civil  war between  the oppositions   or rebels and  the  Bashar’s  military  forces.. This  level  of   atrocities  killing  hundreds of  innocents, including  children, have been  continuously reported by  international   press and on the TVs  the world over.
Several  attempts have been done in order  to  put and end  to this  disastrous  war and carnage, which  the  civilian  population  have  been the fatal  victims of.   International   organizations   such as  the UN  have tried for   at  least two years to reach  a peace agreement between  the  government  and the   opposition. Nevertheless,  all  efforts have proved useless  so far.
Lately   new rounds of  negotiations  have been  carried out  by  UN and the Syrian  government   aiming  at finishing  the conflict. These diplomatic  steps  are  necessary  but should not   last  endlessly, especially because nations  like the United States and France,  for example,  have strongly  repudiated   recent massacre  ordered  by  the Syrian  government which resulted  in  the  deaths of   many innocents (at least one thousand  people), mainly children by the use of  chemical weapons, a resource  regarded  as  war crimes.
Inspections   carried out by  representatives  of the UN have concluded that  chemical   poisonous   weapons  have indeed  been used in the  fightings by military  forces of  Bashar  al-Assad.  His  government  continues denying   having   used these mortal  weapons and, unfortunately,  in this connection,   the same viewpoint is shared by  Russian  government 
The fact is that the United States   and their allies have met  diplomats from  Russia  in order to  think up a plan to solve  the conflict.
  Many analysts  of Western   press do not   trust  in the disposition  of Russia to  compromise with  the United  States,  France or other  allied nations to put an end to  the  war. A Brazilian   diplomat well familiar   with this type of  conflicts has shown  himself  reticent as to a short term  end for the war in Syria. If nothing   positive  may  come ahead it is  likely  that  either the UN  or the United States  for  his  own account  will   use  military  force in Syria.
 A lot of  people  have suffered  more than their  possibilities  of enduring   the carnage,   the  bombardments  and  the  coward  use  of  mortal  chemical  weapons. They  are  tired of  suffering, and that is why a  significant   number of Syrians  are  leaving their country  and  have become  refugees in  neighboring  countries such as  Turkey,  Lebanon and  Jordan.
 Syria  is but a  stage of horror,  destruction, cries  and despair  seen  everywhere  in the  country. It is not  possible that  world  powers  like  France,  England, the United States and other nations  will not   find a definite solution  to  this  fateful   state  of living (Can it be called living?) in a  country where  a considerable  part of civilian society is no longer   treated as  human beings. The world in sound conscience   ought to   rethink this   statement in-depth:  dictatorships should be wiped out  of  the  world as far as  political  ruling is concerned. The only way out   that remains for any  country  is to  reach  freedom in all  aspects  of life.
From this column here,  I  will be  anxiously  awaiting for the unfolding   facts  regarding  the  fate of Syria and I  hope that the best  ways  will certainly  spring up, i.e,  there will be a way  out  to  free the Syrians  from  the  grips  of  the dictator and  a new wave of  peace shall surmount  all  the  deep  scars of  poor Syiria.

NOTE TO THE READER:  After rereading my  own  article,  I noticed that  I could not make myself  fully understood  as far as  the first  paragraph  is concerned. So, I had to  reshape it so as to  make it more  clear and according to my  true  viewpoint. I'm  sorry.


O retrato de um  ditador
                               
                                             Cunha e Silva Filho

Parece  a história  do gato e do  rato, só  que,  ao contrário da  fábula,  parece que não terá fim. feliz.  Quem  vai vencer o   adversário? Quem será   o vitorioso?  Obviamente,  o mais  esperto.  Por enquanto,  o mais  esperto, lamentavelmente   me parece ser  o ditador,  Dr. Bashar al-Assad,  o líder do Partido Baath. Para  falar a verdade,  leitor,  mal se pode prever qual lado terá êxito, mas  torço sem dúvida  pela  vitória dos  rebeldes.
Quem diria  que um aluno tímido de medicina em Damasco tornar-se-ia um sanguinário ditador sobre cujos  ombros  recai culpa de tantas  pessoas  assassinadas na Síria? Aquele  jovem  tímido que, aos 27 anos,  foi para Londres a fim de especializar-se em oftalmologia no Western  Eye Hospital, na região de Paddington,  era um dos  filhos  do ditador  Hafez Assad que,  manu militari, dominou a Síria até 2000., quando  foi  vítima de um ataque cardíaco.
Nunca se  cogitou que Bashar  se tornasse  um  político. A vaga deixada por Hafez Assad, conforme  dados  oficiais,  era para ser  preenchida pelo  filho mais  velho,  Basil.  Este,  todavia,  morreu de repente num  acidente   de carro em  1994. Naquele tempo, Bashar ainda se encontrava em Londres e não havia  até então,   nenhum espaço  político  para  ele. Não obstante isso,  não demorou a ser  chamado  para   retornar à Síria, pois seria   escolhido para  assumir   o cargo   do pai e tornar-se líder da Síria. Ocorre que ele  não  estava  ainda com  a idade  legal  para  assumir  o governo (no caso,  deveria legalmente  ter 40 anos e só tinha 34)  Porém, por um  rápida mudança na Lei,  o Parlamento  o autorizou a ser eleito pelo Partido Baath, um partido  dirigido por uma seita  muçulmana de nome aulita, à qual  pertencia  sua família. Poder-se-ia  acrescentar  que  esta  seita  responde por 12% de toda a população síria.  Isso não é muito  com  relação  ao todo da  população.
O ponto de reversão na vida de Bashar se deu  quando,  tendo sido escolhido  para  substituir  o pai,  começou a se preparar estrategicamente na Academia Militar de Home, virou  coronel e tornou-se o braço direito  de seu pai. Isso tudo num passo de mágica. .Este foi  o primeiro  passo na sua preparação   para  o poder após o falecimento do  pai. A formação militar inegavelmente  provocou uma metamorfose no jovem médico, ou em outras palavras,   despertou instintos latentes  de perversidade e de sentimentos  baixos que, no final,  mudariam   seu comportamento  para  uma nova   visão da vida,   com vaidade e avidez  do poder e da ostentação, um  alteração  perfeita,  espécie de nova versão do Dr. Jekyll  e Sr. Hyde, uma personalidade  dupla inteligentemente  imaginada por Robert Louis  Stevenson (1850-1894) no romance de título  Dr.  Jekyll e Sr.  Hyde.
Um jornalista de nome Leandro Colon com  justeza assinalou,  numa  esmerada reportagem publicada pela Folha de São Paulo, um  importante jornal brasileiro (seção Mundo, 15 de setembro de 2013),  que Bashar foi um presidente  por  acaso, porquanto nada indicava que  seria um político e sobretudo  um  ditador  odiado.
O leitor que acompanha  meus artigos  postados  neste  blog observou  que,  por diversas  vezes,  tenho  dirigido  duras críticas      contra as ações vis praticadas   pela ditadura  na Síria,  em  especial se levarmos  em conta o  espaço de tempo no qual  o  país  se envolveu numa guerra civil entre os opositores  ou rebeldes e  as forças  militares de Bashar. Este  patamar de atrocidades  levando à morte centenas de inocentes,  incluindo  crianças,  tem  sido  continuamente  noticiado  pela  imprensa  internacional e pelas  TVs do mundo inteiro.
Várias  tentativa se fizeram com o fito de  pôr termo  a esta guerra  e carnificina  desastrosas  de que  tem sido  vítima  a  população civil síria. Organismos  internacionais,  como a ONU procuraram, pelo menos durante  dois anos, conseguir  acordos  de  paz entre as partes. No entanto,  todos os esforços  têm sido  infrutíferos até agora.
Ultimamente, novas rodadas de negociações foram  realizadas  entre o governo sírio e a ONU visando ao mesmo  fim  do conflito. Estas  providências  diplomáticas são necessárias, mas  não  devem se prolongar indefinidamente, sobretudo porque nações como a França e os Estados Unidos, por exemplo, repudiaram veementemente   um recente massacre comandado  pelo governo  sírio, com um saldo  de mortes de inocentes ( no mínimo  mil  pessoas mortas), sobretudo  crianças e com  o emprego de  armas  químicas, um recurso   considerado  como crime de guerra.
Inspeções realizadas pela  ONU concluíram que armas químicas foram  mesmo  utilizadas nos combates  pelas forças militares do governo de Bashar al-Assad. O governo  continua  negando  a utilização  destas  armas  químicas e, neste sentido,  infelizmente, o governo   russo partilha da  mesma  opinião.
O fato é que os Estados Unidos e seus aliados se reuniram  com  diplomatas  russos a fim de que  pudessem divisar  um plano  com vistas a uma  solução para  o conflito.
Muitos analistas da imprensa  ocidental  não confiam  na disposição do governo  russo  no que tange a um  acordo com  os Estados  Unidos, França,Inglaterra e outros  nações aliadas a fim de pôr fim  a  esta guerra. Um diplomata brasileiro,  muito  familiarizado com  este  tipo de conflito, mostrou-se reticente quanto ao término de uma guerra em curto  prazo na Síria.  Se nada for conseguido para a frente,  é provável que   o Conselho de Segurança  da ONU,  ou  os Estados  Unidos,   por iniciativa  própria,  lancem mão do emprego da força militar na Síria.
Um contingente enorme de pessoas já sofreu  além das suas possibilidade  de enfrentar  a carnificina, os bombardeios e o emprego covarde de armas químicas. Estão cansadas do sofrimento e esta é a razão  pela qual  um número  considerável  de sírios  está deixando   sua  terra e se tornando   refugiado em nações  vizinhas, como  a Turquia,  o Líbano, a Jordânia.
A Síria não é mais do que um palco de horror, de devastação,  de gritos e desespero observados no país inteiro. Não é possível que os Estados Unidos, a França e outras   nações   não  vislumbrem  uma solução para  resolver   este  estado fatídico de vida  (seria  isso  viver?) de um país  em  que grande arte da sociedade  deixou de ser tratada como ser humano. O mundo, em sã consciência,  poderia  repensar  profundamente  nesta afirmação: as ditaduras deveriam ser apagadas  do mundo no que concerne  ao domínio político. A única saída  que resta a qualquer  país  é alcançar  a liberdade em todos os  aspectos da vida.
Desta  coluna aqui aguardarei  com ansiedade o desenrolar dos fatos   sobre a Síria e  tenho esperança  de que melhores caminhos surgirão,  i.e.,  haverá uma saída para uma Síria livre das garras do ditador  e uma nova onda de paz há de sobrepujar todas as cicatrizes  profundas da pobre Síria.

Nota ao leitor:  No que diz respeito ao  primeiro parágrafo do meu artigo acima,  após mais uma  leitura  que dele fiz, observei  que  não me  expressei  da maneira  que  na verdade  desejava   mostrar  o meu  ponto de vista . Por isso,  o reformulei. Sinto muito.


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Tradução do poema "When I Was One-and-Twenty", de A.E. Housman (1859-1936)




When I Was One-and-Twenty

When I was one-and-twenty
I heard a wise man  say,
“Give crowns and pounds and guineas
But not your hear  away;
Give  pearls away and rubies
But  keep your fancy free.”
But I was one-and-twenty,
No use to talk to me.

When  I was one-and-twenty
I heard him say again,
“The heart out of the bosom
Was neve given in vain;
‘Tis paid with sighs a-plenty
And sold for endless rue.”
And I am  two-and-twenty,
And Oh, ‘tis true, ‘tis  true.

Aos Um-mais-Vinte anos

Aos um-mais-vinte anos
De um sábio ouvi:
“Usa o dinheiro que  quiseres
Mas não deixes que  o coração te roubem
Abre mão de pérolas e rubis
Sem, contudo,  perderes  tuas paixões”.
Às palavras  do sábio ouvido não dera,
Pois aos um-mais-vinte anos  ninguém o faria.

Mais um conselho do  sábio ouvi:
“Em vão não foi que o coração  entregaste.
Só te custou  longos  suspiros
E um rosário de pesares infindos”
Agora, aos dois -e-vinte anos,
Conta me dou de que ele tinha razão,  tinha  razão!

                                                                  (Trad. de Cunha e Silva Filho)



quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Afrânio Coutinho e as mudanças na história literária, na crítica literária e no ensino de literatura no Brasil

Cunha e Silva Filho
                               


 Ao concluir a leitura de Correntes cruzadas (Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1953, 383 p.), fico a pensar na  ação dinâmica de um intelectual determinado que, com o tempo,   resultou   em efetivas mudanças no domínio  dos estudos literários no país, se não imediatas, mudanças a médio e longo prazo.

Obra polêmica, às vezes  com traços de paixão exagerada pelo desfecho de suas aspirações e planos, não deixa de constituir um panorama, como era do feitio do crítico Afrânio Coutinho (1911-2000), do que o maior estudioso do Barroco entre nós pôde escrever sobre o que presenciara na vida literária brasileira, sobretudo no domínio da crítica literária, da historiografia literária e no ensino de literatura brasileira e de Literatura em geral.      

Personalidade polêmica, por vezes contraditória, mas sempre corajosa, meteu o dedo na ferida do que via no Brasil como grandes mazelas e atrasos culturais que vigoravam nos anos  de 1948 a  1953, intervalo de tempo compreendido  na reunião de alguns textos recolhidos de sua coluna dominical no Diário de Notícias do Rio de Janeiro. Esclarece Coutinho, na sua longa introdução ao volume, que neste havia incluído outros textos saídos em diferentes épocas e publicações.   

Percebe-se nitidamente nos textos compilados e selecionados, sem rigor cronológico, que o estudioso conhecido como o introdutor do new criticism no país, ao ter saído  da Bahia, estava decidido a abrir caminhos na vida literária carioca, sobretudo após a sua permanência nos Estados Unidos de 1942 a 1947, período em que lá trabalhou como redator-secretário do Reader’s Digest (Seleções) e, como estava nos seus planos de intelectual, aproveitou para realizar cursos na Universidade de Colúmbia e em outras instituições universitárias 

Foi com essa formação sólida e renovada que, de volta ao país,  deu continuidade aos seus planos e ambições intelectuais. O então jovem intelectual baiano não sossegou nas suas pretensões de galgar posições de relevo na história da crítica literária brasileira e na transformação radical de novos hábitos de estudos da sua área, tendo como meta tanto o ensino médio quanto sobretudo o universitário, onde firmou seu nome e conseguiu respeitabilidade de seus pares. Mas, tudo conquistado a duras penas, arrostando os obstáculos do meio literário e cultural do Rio de Janeiro, já com as suas lideranças e grupos dominantes, ou, conforme Coutinho gostava de assinalar, com as suas ”igrejinhas, "suas “futricas”, seus parti-pris, suas lideranças no jornal, no ensino, na produção editorial, na vida literária em geral. 

Essa temporada nos Estados Unidos foi-lhe utilíssima à formação literária nas áreas da crítica, na teoria literária, na historiografia literária, na literatura comparada e na atualização das áreas do ensino de letras, história e filosofia, tendo sido naquele período aluno de Jacques Maritain (de quem traduziu duas obras) e de eminentes professores universitários, grandes scholars , tais como René Wellek, Austin Warrren, Roman Jakobson entre outros grandes estudioso da literatura e da linguística de renome universal. O que se desejava, com a nova visão teórica da literatura era distinguir na obra as características formais, e específicas da linguagem, sua literariedade, seus artifícios e estratégias de composição, sua retórica, que a tornassem um produto da técnica, um artefato, resultante não só do   talento individual, do preparo e estudos sérios,  mas  sem  amadorismo nem   aventureirismo intelectuais  ao  lidar com as questões de literatura, sem laivos subjetivistas de fundo romântico, sem mais a ideia de “gênio criador”  tão forte no século  19

Afeito ao desenvolvimento alcançado nos meios culturais americanos, Coutinho estava pronto para aqui desbravar horizontes novos nos campos da crítica literária através da divulgação e doutrinação do new criticism, ou como ele, preferia rotular, “nova crítica”, que, de resto, não era estritamente a corrente de procedência anglo-americana, mas que na verdade seria um movimento de ruptura de métodos e approaches que, em diversas partes do mundo desenvolvido, estava se consolidando em novos princípios teóricos lastreados pelas descobertas dos estudos da literatura com fundamentos científicos que fariam a passagem da corrente crítica impressionista para a crítica formalista, ou estilística, ou poética, valorizando a obra nos seus componentes estéticos, intrínsecos, i.e., dando valor capital à autonomia do aspecto literário, da análise e interpretação da obra literária, alterações estas que vieram colocar o historicismo, o determinismo, de orientação tainiana, ou anatoliana, ou saintbeuviana, em segundo plano.

Em segundo plano, ficariam os elementos extrínsecos, como a biografia do autor, a sua situação social, a sua época, o seu espaço de atuação. Quer dizer, os estudos literários deslocaram o eixo de interesse do autor para a obra em si Esta é que importava para o entendimento do que fosse a obra literária, nos seus diversos gêneros. São esta questões de que se ocupa Coutinho em grande parte de seus artigos em Correntes cruzadas.

 Evidente que um crítico ainda desconhecido nos meios intelectuais do Rio de Janeiro e surgindo com um instrumental de renovação do establishment literário que encontrava diante dele, não encontrou facilidade de nele penetrar com as suas novidades trazidas dos centros americanos de Letras.

Encontraria resistências, desconfianças nos hábitos já enraizados de cultura predominantemente francesa, que tinha no seu bojo a prática dominante do impressionismo crítico com seus reflexos no ensino médio e superior, no jornal através da crítica de rodapé com seus nomes estabelecidos, alguns dos quais desfrutando de real reconhecimento como foi o exemplo do notável crítico Álvaro Lins acompanhando, nos rodapés do Correio da Manhã, a segunda fase da produção do Modernismo, tanto na ficção, quanto na poesia e no teatro. Ao lado de Álvaro Lins, se achavam outros ilustres críticos como Tristão de Athayde, Temístocles Linhares, Olívio Montenegro, Sérgio Buarque de Holanda, Wilson Martins e, mais tarde, Antonio Candido, entre outros. Cada um desses seguia sua própria orientação crítica, ora de cunho impressionista e humanístico, ora de abordagem sociológica, mas já se servindo de princípios renovadores teóricos visando a componentes estéticos no julgamento do fenômeno literário. Seria, um pouco mais adiante, o caso de Antonio Candido e outros. Ou seja, havia críticos e críticos.

Entretanto, Coutinho vinha para realizar rupturas radicais, tanto no domínio da crítica, da teoria literária, da historiografia literária quanto da pedagogia da literatura, que deveria oxigenar-se dos seus sólidos conhecimentos assimilados nos Estados Unidos e implantados no ensino médio (Colégio Pedro II) e na universidade. Primeiro, em 1950, no Instituto La Fayette da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade do Estado da Guanabara, hoje Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), na qual viu triunfante o seu projeto de criação da disciplina teoria literária, depois, na cátedra de literatura brasileira da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

  "Correntes cruzadas,"  a seção  que sustentou,  segundo já  assinalei, no Diário de Notícias do Rio de Janeiro,se torna, assim, o seu espaço de combate sem trégua contra a crítica impressionista, não poupando nem seus maiores e mais acatados cultores, tendo à frente o crítico Álvaro Lins com o qual encetou uma polêmica declarada com seus artigos na coluna do Suplemento Literário do Diário de Notícias. Afrânio Coutinho, no volume que estou comentando, tem páginas em que se pode ver bem a quem se destinavam os seus ataques, que, por terem o sinete da polêmica desabrida, extrapolam em suas invectivas muitas vezes  de forma injusta. 

 O livro, porém, dedica a maior parte de seus artigos a difundir suas ideias teóricas sobre crítica, teoria literária, valorização dos estudos de literatura comparada, parte do volume que na verdade valoriza o todo dos seus textos e onde se nota a sua grande contribuição para a divulgação  de todas as questões fundamentais atinentes  aos estudos literários.
  
A melhor parte de Correntes cruzadas encontra-se na defesa intransigente de mudanças  nos estudos literários no país, os quais, segundo   o  autor,  deviam ser feitos em bases renovadas. O que de fato ocorreu, pois,  até hoje,  estão dando  frutos mesmo se considerarmos  todos os avanços por que passaram os estudos de literatura entre nós, com  novas correntes do pensamento crítico, elevando ainda mais o nível de qualidade do ensino superior de Letras no país  quanto  a orientações teóricas e sua produção  na crítica,  no ensaio, nas novas disciplinas que deram seus primeiros sinais de vitalidade na época de Coutinho, como a ciência da literatura, a teoria literária, a literatura comparada, a poética, os estudos de literaturas modernas e antigas. O fermento dado por Coutinho teve frutos,  amadureceu e cresceu.
  
Por vezes, se nota alguma redundância na focalização de temas e ideias no campo da crítica e da história literária Mas, este defeito é ofuscado pelas páginas originais e sensíveis que dedica à literatura, como aquelas páginas que, com descortino e argúcia,  fala da importância da descentralização da vida literária e cultural brasileira, ou daquele artigo em que mostra todo o seu respeito e admiração pela literatura produzida na Bahia, ressaltando suas qualidades e sua força lírica, seus intelectuais, sua produção de peso, uas grandes figuras de nível nacional.
   
Em Correntes cruzadas, o leitor está sempre tomando lições de literatura, ampliando seus repertório e vendo o quanto um crítico sério consegue imbuir-se de invejável capacidade de leitura de autores, temas e obras sem fronteiras de nacionalidades.
   
Não poderia afirmar que Coutinho, em seus artigos desta obra  tenha acertado sempre, nos seus juízos e julgamentos, como no excessivo plano superior em que coloca Sílvio Romero e, em menor posição, José Veríssimo, sobretudo tendo em vista que o último foi sempre tido como o crítico que maior relevância deu ao elemento estético na análise de obras, ao passo que o primeiro, inegavelmente um primoroso historiador literário e de grande capacidade produtiva, trabalhou a literatura mais em bases sociológicas do que estéticas. 

Contudo, o ponto alto de Correntes Cruzadas é a sua constante afirmação de que a leitura dos princípios aristotélicos que estão consubstanciados na Poética de Aristóteles é o maior contributo do filósofo grego para rastrear as raízes primordiais do elemento estético-literário nos estudos da crítica literária e da teoria literária de todos os tempos como foram também determinantes ao desenvolvimento da crítica literária moderna a obra Biographia Literaria (1717) de Coleridge, a Mímesis de Auebach, os ensaios de T.S.Elliot.

Definindo-se como crítico, Coutinho rebatia os que lhe negavam essa condição, pois para ele, a crítica literária não somente se apresentava nos rodapés da imprensa, ou mesmo na militância de julgamentos de obras, mas no papel que o teórico, o professor universitário exercem na cátedra, nos livros, nos congressos, e em revistas. Da mesma sorte, o historiador literário exerce o ato crítico no seu próprio papel de estudar as obras, os gêneros e de lhes dar interpretação fundadas em critérios de avaliação e valorização das obras, dos períodos literários, dos temas gerais ou específicos de crítica e teoria literária, de apresentação de grandes panoramas enfocando obras, gêneros e autores.

 Um último aspecto focalizado no seu livro diz respeito à orientação do ensino de literatura brasileira, de sua pedagogia, de seus critérios modernos e de cunho científico, mobilizando todos os instrumentos de trabalho de exegese, como a valorização da bibliografia, a abordagem crítica nos trabalhos de monografias e teses, nas suas diferenças e finalidade sem os exageros de erudição e desnecessárias minúcias de notas de pé de página, em detrimento, pois, do desenvolvimento e originalidade do estudo que se faz. 

Correntes Cruzadas ainda apresenta uma valiosa bibliografia de obras de vulto nos campos da crítica literária, da teoria literária, da história literária, de literatura comparada, obras gerais, antologias de textos críticos, revistas, história da crítica, antologias e coleções de textos críticos cobrindo literaturas das principais línguas modernas, do passado até de produção da década de 50 do século 20.   

 Finalmente, o volume insere cinco páginas extraídas, em forma de entrevista, do Jornal de Letras (fevereiro de 1951) concernentes à repercussão que teve um artigo de Coutinho acerca da vida literária brasileira publicado na seção “Correntes Cruzadas,”   por mais de uma vez aqui  referida, do Suplemento literário do Diário de Notícias do Rio de Janeiro. O artigo de Coutinho causou “celeuma” e reações “veementes” da parte de muitos escritores.

 Coutinho reafirmou a sua posição sustentada no artigo sobre a os males de nossa vida literária naquela época, sobre comportamentos éticos de escritores e sobre a situação da crítica e da teoria literária para as quais reivindicava novos formas de abordagem do fenômeno literário, ou seja, substituir o impressionismo crítico e a orientação teórica em bases estéticas, objetivas, científicas, visando a dar ênfase aos aspectos intrínsecos da obra literária, na valorização desta como fundamento para a análise e julgamento crítico, na defesa da autonomia do fenômeno estético, no tratamento da linguagem literária, na autotelicidade de base aristotélica do texto, refugando, assim, a continuidade do impressionismo de viés romântico, que valorizava a personalidade do crítico e o primado do autor.

Em Correntes cruzadas, há passagens notáveis em que o critico sai do estritamente literário e envereda pela crítica de natureza social, e política, quando descreve, com grande sensibilidade, a vida capitalista americana, com seus erros e acertos. A obra traz artigos, comentários, fragmentos de citações de grandes autores, sobretudo ingleses e americanos, o que demonstra a sua constante preocupação por se mostrar atualizado, ao corrente do que se produzia então  nos Estados Unidos, na Europa. Os fragmentos de textos são lições indiretas de sua finalidade precípua, pondo o  nosso país a par do que de melhor se produzia nos país adiantados do mundo, nos dominós da literatura e do pensamento crítico universal.

Para o pesquisador interessado nas questões polêmicas  em que Coutinho  se viu envolvido intensamente, o volume acrescenta,  em forma de apêndice,  “12  perguntas a Afrânio Coutinho" (p.355-361) a propósito de sua Tese Aspectos da literatura barroca e do concurso para a cátedra de Literatura do Colégio Pedro II. As perguntas, que trazem as resposta  de Coutinho   não "simetricamente" expostas, fazem parte de uma sequência de depoimentos que professores deram ao Tribuna das Letras (22-23 de dezembro de 1951), tendo sido anteriormente entrevistados o crítico Álvaro Lins e o filólogo Celso Cunha. As resposta de Coutinho valem como síntese enriquecedora de suas preocupações de analista literário e  de docente.
O  depoimento de Coutinho, embora muitas vezes contundente, se afirma como um comovente gesto de amor aos estudos literários, de exercer a crítica, a teoria literária, a história literária como um “destino,” uma forma voluntária de opção e de crença nos valores estéticos que a literatura propicia àqueles que por ela se decidiram a dedicar sua vida profissional por vocação e sem nenhum arrependimento ou possibilidade de não  a ter substituído por atividades mais rendosas, econômica e socialmente. Para facilitar o pesquisador, o volume finaliza com um índice onomástico.




terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Sete de Setembro não é mais o mesmo









                                               Cunha e Silva Filho



                  Leitor, já vi muitos  desfiles de Sete de  Setembro,  os quais,  para mim,  sobretudo quando  criança e adolescente,  diziam muito e muito do meu país,  dos  fastos da História  pátria,  do Grito do Ipiranga,   das aulas de  História do Brasil, dos compêndios didáticos   escritos em geral do ponto de vista dos dominadores, ou seja,   subordinando os fatos supostamente   acontecidos  ao crivo  da  historiografia oficial.
Os desfiles de  Sete de Setembro,  do qual  participavam   o  Exército,  as Polícia Militar,  os Bombeiros e os colégios  públicos e  privados  eram  uma festa  na  Teresina dos  anos  de 1950 e, para mim,  até o início da década de 1960.
De alguns desfiles,   ou como  chamávamos, de algumas “paradas”, participei,  como  aluno do Domício e  do Liceu Piauiense. Era um grande evento  para o qual afluíam  gente de todos os bairros e de todos os níveis sociais.
Nessas “paradas”, não havia  passeatas,  manifestações,  desprezo  às forças  policiais, às autoridades, não havia  cartazes  atacando  corruptos nem  reclamando  das condições deploráveis do país.Era   tudo alegria,   comemoração,  reverência,  respeito, enfim,  moralismo  pleno.
Isso tudo, com os anos,  pelo país afora,  foi  diminuindo  em sua beleza  de comemoração ao Dia da Pátria  e na reflexão  voltada  para  os destinos do nosso  povo. No dia seguinte  às “paradas,” só havia um assunto nas escolas ou nos lares:  saber quem  tinha  desfilado melhor, quem havia “marchado” co mais perfeição e mais garbosamente, este colégio  ou aquele? Quem  havia   vencido  e levado  os louros?
A imagem mais  bonita que me vem agora ao espírito era observar  a cadência dos militares  com seus passos  marciais  que faziam  um único  vinco  nos movimentos    exatos ao  ritmo  do passo acertado. Perfeição total  no jogo   dos joelhos  dobrados  nas calças das fardas  ou nos uniformes      dos  estudantes,  bons marchadores.
Agora,  resta  perguntar:  aquela  tranquilidade,  paz,  alegria de outrora  era ou  não o reflexo de uma  sociedade   domesticada e alheia às lutas do poder  político  e dos bastidores  dos palácios  de então? Seria preciso   chamar um  Roberto DaMatta para  explicar  tudo isso.
Cinquenta e poucos anos  depois. Estamos  em 2013 e, neste ano,  no Rio de Janeiro, em Brasília,  em Belo Horizonte, em São Paulo,  praticamente no  país inteiro,  o Sete de Setembro  perdeu  o brilho, sobretudo no Rio de Janeiro, que é a cidade que mais conheço.
Várias condicionantes    e  novas circunstâncias  de ordem  social e pública e institucional   conspiraram para que  o Sete de Setembro  se tornasse um fiasco. Vejam  os fatos.  No palanque  oficial  nem  o governador  do Estado do Rio  se achava presente. Nas arquibancadas   atualmente  montadas para o público  que  ia sempre homenagear e  assistir  ao desfile, o    Corpo de Bombeiros,  as Forças Armadas, os raros  sobreviventes  pracinhas  da Segunda  Guerra Mundial,  o desfile  dos alunos  do  respeitado e centenário  Colégio Militar do Rio de Janeiro, e   tantos  outros participantes   praticamente    desfilaram  para   um reduzido  público  na Avenida  Presidente Vargas, em frente ao  imponente  Palácio  Duque de Caxias, velho  e  belo  prédio  onde já funcionou  o antes denominado  Ministério da Guerra.
De repente,  surgem  grupos de manifestantes,  no meio dos quais  penetram  os  chamados   baderneiros ou vândalos, depredadores -  até hoje não sei quem está  por detrás disso tudo -,  de prédios  públicos,  de bancos, de postes,   de placas  com o nome de ruas. Depois que  Nero  mandou  queimar  Roma e pôr a culpa nos cristãos, tudo  se pode  cogitar  em termos  de  mandantes ou insufladores  do “quanto  pior, melhor.”  O confronto na Presidente Vargas entre manifestantes e baderneiros  empanou a  grandeza  do tradicional   desfile de Sete de Setembro. Das arquibancadas houve uma  debandada geral   correrias,  atropelos,  medo,   violência  policial  que,   sem preparo tático  e competência,  se estende em suas ações  truculentas  indo atingir   inocentes,  idosos, crianças.
Esses acontecimentos   recentes  que o país  tem  vivido  são sinais de que algo  errado e podre existe no  reino da Dinamarca. O clima do  país está mais para uma tragédia shakesperiana, com seus  Macbeths,  seus Shylocks,   seus Iagos, não faltando  algumas  pitadas de comédia  de erros  e de quiproquós  de  um sonho de uma noite de verão, respingando seus efeitos e “malfeitos”  também e principalmente na Câmara  dos Deputados, do Senado, do    Judiciário e de alguns  palácios  estaduais  já por demais  conhecidos da população brasileira.

Brasília, assim,  sem ainda  temer  os protestos  e reivindicações  dos manifestantes  sérios  e conscientizados, continua indiferente na sua soberba e cinismo  nunca antes visto  no passado  da política brasileira.   O  cineasta Cacá Diegues,  na crônica “Vamos tirar a máscara” (O Globo, Opinião 7/9/2013), definiu com  propriedade o que  vem a ser  Brasília na simbologia tragicômica de sua imagem ante os olhos do povo brasileiro: “Brasília é a nossa Versalhes republicana. lá está a nobreza secular de nossa vida pública, a bailar ausente do que se passa no  resto do país, se sentindo injustiçada se algum  ingrato reclamar do uso  indevido do que não é deles. Da Praça dos Três Poderes, não se vê a Bastilha cair.”(grifos meus)

domingo, 8 de setembro de 2013

Escrever à mão:o medo de perder esta habilidade







                                                        Cunha e Silva Filho


             Dizem que  o escritor  Ernest   Hemingway (1899-1961)  tinha um pavor  enorme na vida, o de perder  a capacidade  de  continuar fazendo ficção Era um fantasma  que  me parece tê-lo acompanhado na sua trajetória de  escritor. No meu caso,  não descartando  de todo  o medo  do autor de O velho e o mar (1952),  tenho  ainda o temor   de perder  o costume,   aliás, o bom e saudável costume, de  escrever à mão. 
           Confesso,  porém, que tenho,  sim,  esse receio tecnológico  à medida em que vou  me utilizando mais  da tecla do computador. A princípio, supunha eu que  jamais  seria capaz de escrever um texto  literário diretamente  no teclado. De repente, me descubro que inconscientemente  o estou  fazendo cada vez mais frequentemente. Daí o meu  temor de  não mais  necessitar  de  fazer meus manuscritos. Realmente, leitor,   isso está me  preocupando.
Isso me leva agora àquela imagem encantadora  e lírica de  tantas vezes  ver meu pai, Cunha e Silva (1905-1990), jornalista, professor e escritor  piauiense,  escrevendo  seus artigos febrilmente,  utilizando-se  da caneta esferográfica e,  muito antes,  da pena  molhada no tinteiro,  numa  escrivaninha  que  usava  em  seu quarto que, um dia,  chamei de “quarto-biblioteca’, alheio a todos ao seu redor,  mas    movimentando a caneta -  quase  sem  fazer  pausa -, com  os dedos ágeis e firmes  da mão direita. Isso até seus últimos dias. Seus  artigos saíam  praticamente  sem rasuras, escritos que  eram ao correr da pena como se costumava   falar antigamente.
Poucas vezes, nele reparei  modificações  à margem da página. Os artigos, em geral, saiam  perfeitos,  com a  clareza  que lhe era  inata ainda que  tratando de  temas  mais  complexos  envolvendo  argumentação mais cerrada. Ao contrário,    amiúde surgiam  erros nos seus artigos quando  ele ia ler as chamada  “provas  dos artigos,” com  os  senões de impressão  que vinham das redações dos jornais  para os quais  escrevia.
 Aí é que revelava seu cuidado de ler a prova toda, sobretudo  daquelas composições  antigas  antes do surgimento da linotipia. Ficava  zangado quando,  depois  de ter ele mesmo feito a revisão, ainda mostrassem,  no exemplar  da edição, algumas gralhas. Contudo,   não esquecia,  para qualquer  erro grosseiro que ainda  aparecesse no jornal já pronto para a tiragem  ao público, de, na próxima coluna,  fazer constar, ao final do artigo,  uma errata alusiva a algum  erro ou erros do número  anterior.Todo esse processo  eu acompanhei durante o início da minha adolescência   quando eu mesmo  lhe ia  pegar  a "prova do artigo" para ele corrigir em casa. Era rigoroso  com  a correção  de seus escritos.
Como estava falando no  início desta crônica,  o meu temor  é  deixar completamente  de escrever  à mão, embora venha  fazendo isso  ultimamente com mais  frequência .   Sei que antes  pensava  que escrever direto  no computador  era impossível e me  atrapalhava -   não vou  chamar  isso de “inspiração,” para não me classificarem de  romantismo  tardio -,  no que concerne à a fertilidade das ideias, o germinar  das frases  e à transformação  destas  no texto  completo. Uma coisa, entretanto,   observei: quando  se trata do ato  escrever um texto  de natureza  ensaísta ou crítica, de maior  ou grande extensão,  o faço  primeiro à mão e, em seguida,  passo ao computador.
 Na passagem do  manuscrito, já por si  cheio de  correções feitas e    modificações várias indicadas nas duas  margens   do papel  com  linhas  em formas  de setas para  alterações  que me ocorrem na trabalho  da  escrita,  mudanças  de  palavras, enxertos, torneios diversos dado a enunciados, melhoria  de construções  frasais,  ou  de  parágrafos  inteiros ou mesmo de   ter que  fazer um  “x” enorme   como sinal de  descarte  de parte  do texto, aquela velha ideia de escrita  fluente comigo não  aconteceu. Para mim, o ato de composição  escrita sempre  me foi  difícil, suado,   trabalhoso,  por vezes cansativo, a ponto  às vezes de sentir  vontade de  desistir de muitos parágrafos  já feitos  e  de recomeçar  tudo da estaca zero.
Por outro lado,  sei que escrevendo  diretamente no computador como estou fazendo agora,   me dá a possibilidade  de correção  mais rápida, de  alterações  e inversões  necessárias, de melhoria  no arranjo das frases, ou “amanho do texto, para empregar uma expressão  colhida na leitura  dos  artigos de meu pai.
De alguns escritores brasileiros famosos   tive a oportunidade  de  ver, nos fac-símiles de  seus   manuscritos  o quanto   modificavam   partes  de suas construções ou trocavam  de palavras,  pondo um risco  em cima  das palavras ou borrando–as por inteiro  com  a tinta da pena ou da caneta .Em Rui Barbosa (1849-1923), em Euclides da Cunha (1866-1909), em Guimarães Rosa (1908-1967), enfim,  em  muitos  escritores. Dificilmente,  vemos  um manuscrito  de um  escritor  impecavelmente  limpo e fluente -  indicadores  de uma  escrita que já sai quase perfeita  e pronta para a impressão.  Desses tenho  uma ponta de inveja, mas que hei de fazer?
Não aconselho a ninguém  desistir de  usar algumas vezes ou mesmo  sempre  a forma  manuscrita de seus textos.Há pouco  li que o poeta  Armando Freitas Filho,  mais radical ainda, usa,  primeiro, a  forma manuscrita, em seguida, a datilografada – isso mesmo,  a velha máquina de escrever! - e,  finalmente, passa  o texto para o  computador. O cuidado, neste caso,  é triplo.
Descobrir  as facilidades  e as potencialidades  de escrever  diretamente  no computador   é uma  sensação  agradável, mas agradável  mais  é recorrer ao velho hábito de  pôr no papel as ideias que  vão surgindo  naturalmente no nosso  cérebro, fazendo  as necessárias pausas para dar continuidade  à estruturação   das frases, dos parágrafos e do conjunto  inteiro do texto a que  daremos, na horaa  certa, um   ponto final.
Prometo a mim mesmo  que retornarei sempre ao texto manuscrito, embora  tenho  certeza de que, usando o teclado, as ideias  não me faltaram e as possibilidades  múltiplas  estarão  ao meu alcance. Pausa para  refletir e descanso não serão  impedimentos  à capacidade  criativa por via digital.
O medo,  leitor,  de que eu falava há pouco, pensando  melhor,  reside no  ato  puro  de escrever à mão,  de não  perder   o talhe  caligráfico  intransferível, i.e.,   de  dar  o desenho  próprio à letra  de nossa  escrita graças aos   movimentos  motores imprimidos e à   liberdade de sentirmos  o controle sinestésico  do próprio  punho ao constatarmos   que    o processo de criação de um  texto é tanto físico como   imaterial. É corpo e alma.