domingo, 29 de junho de 2014

A Fifa, a Copa e outros prolemas

                
                            
                                                                  Cunha  e Silva Filho


              Moro Rio de Janeiro há cinquenta anos. Já vi muita coisa,  boa e ruim, nos diversos  aspectos em que se queira colocar  o que tem atravessado  este Brasil,  belo na paisagem, difícil na condução de sua  política, nos grandes desafios que teimosamente  continuam sem solução, nas descontinuidades de seus  principais  problemas: desmoralização da coisa publica,  corrupção  crônica que se vai naturalizando, violência  insolúvel,  transporte ruim, educação pública municipal e estadual do ensino fundamental e médio ainda bem deficiente, saúde precária, bons  hospitais particulares só para a elite, segurança  do indivíduo por tempo determinado, só para inglês ver,  ou melhor,  para turistas estrangeiros  que vieram  acompanhar suas seleções em alguns estados brasileiros.
                           Perguntando, em dia de jogo  de seleções  estrangeiras,  a um  soldado da Polícia Militar do Rio de Janeiro por que eu não poderia entrar por uma rua  pela qual  costumo  passar a fim de dar caminha em volta do Maracanã, ele me  respondeu que por ali não poderia, acrescentando:  “São ordens da FIFA.” Então,  lhe  respondi, em tom de  desabafo e  indignação patriótica, como se eu  tivesse assumindo  o papel quixotesco    do   personagem de Lima Barreto - o   tragicômico  Policarpo  Quaresma: “Mas a Fifa é quem dá ordens agora no país? “Cadê meus direitos de ir e vir?”  O militar,   com ar sorridente, não me disse mais nada e eu tomei meu rumo.
O país da Fifa é  uma quarentena alegre e festiva – não há como  não concordar  com  a alegria que paira no ar  brasileiro, sobretudo agora com  a vitória do Brasil sobre o Chile. Vitória suada, arrastada, sortuda porque conquistada pelo acaso dos  pênaltis. A manchete hoje da Folha de São Paulo resume o resultado do jogo nestes termos desoladores: “Júlio César e trave salvam  Brasil  de vexame em casa.”
O país, até no  futebol,  está desconcertante. E não é pela força  grande que os torcedores  dão  de coração e alma  abertos tanto os  entusiastas  do futebol quanto  os  torcedores apenas  de Copa Mundial. Embora a nossa seleção não seja a dos sonhos  dos brasileiros, não é hora de  abandonar os nossos  jogadores, dentre os quais se   destaca a figura de um star, de um craque,  o nosso Neymar Jr. Deus sabe que, diante da tela da TV, acompanhando  os jogos  de nossa seleção, tenho   me esforçado  para   torcer e até me emocionar, derramando lágrimas,  quando está em jogo   o destino da nossa seleção.
É neste período dos  jogos da Copa  que devemos  dar todo o  nosso apoio  aos nossos atletas, esquecendo  até mesmo  algumas  fraquezas  de desempenho  dos jogadores. Por cima dos  problemas brasileiros,   há uma  voz interior, mais forte do que nós,  que nos   arrasta para manifestarmos  o nosso apoio e os nossos desejos de que  iremos  ganhar  a   Taça. É curioso  esta metamorfose que  ocorre em tempos de Copa Mundial de Futebol,  principalmente. Chamo a isso o sentimento da pátria, do amor  ao solo  brasileiro, à nossa língua, ao que temos de bom, ao que podemos ainda  construir.
Em síntese, isso  é patriotismo, sentimento  que  fala mais alto do que as misérias  que não podemos nem devemos   deixar de  denunciar  e reprovar, exigindo constantemente  melhorias para nosso país  cansado  de tantas    mazelas que nos envergonham  e nos entristecem a ponto de  perdermos as esperanças  em nossos políticos em todos os níveis de governo.
Se o analfabetismo  que ainda  existe no país  é um prato cheio para  os  que se elegem graças  ao clientelismo histórico  de nossos  políticos, e  à `irresponsabilidade de nosso  eleitorado  que dá votos para  picaretas  que se aproveitam do que  conquistaram no meio  artístico  de baixo nível ou em outros setores  de atividades que lhes dão  visibilidade  e fama, for  debelado  da cultura   nacional, então é possível  ter-se alguma  esperança de que   teremos  melhores tempos para o  Brasil.
O país será melhor em todos os sentidos  quando   a consciência de nossa    cidadania atingir  um nível razoável de visão  imparcial   de nossos problemas mais agudos: educação, saúde,  trans porte e segurança.  A sociedade brasileira precisa de encontrar  um caminho que,  conquanto tenha  divergências  ideológicas,  possa  levá-la a  uma convivência solidária, se não em  completa  comunhão de ideias, pelo menos  a um  estágio de relativo equilíbrio entre  todos  os níveis  de classes existentes,  sem preconceitos,   nem   prepotência,  nem   ambições desmedidas e individualismos  reprováveis.
Este  relativo  equilíbrio a que  me refiro é exequível. Pode ser alcançado. Só depende de forças  interiores, de transformação  moral  e ética e de um componente  que a pós-modernidade e   épocas  passadas não souberam  aplicar na práxis da vida  civilizada: a dimensão religiosa sem fanatismos nem cegueiras. Os fanatismos  não veem  senão seus próprios   princípios    ou dogmas obedecidos  na teoria,  nos rituais, ou nos livros sagrados, tanto  no mundo  ocidental quanto  oriental.
Essa dimensão espiritual, “the missing  dimension,”   como  a definia  um pastor  americano há muito falecido, é que está  faltando, com urgência, à  população  da Terra,  agora devastada,  poluída,   maltratada. Planeta  judiado  pelos homens,  pelos governos,   pelas pessoas. As consequências já estão à vista: enchentes devastadoras,  estranhas    mudanças climáticas,  efeito estufa,  degelo das calotas polares,  aumento  do nível dos mares –  este último um gravíssimo  problema  que pode rondar  os continentes  habitados  do Planeta. Eis a questão.



               

sábado, 21 de junho de 2014

A paz mundial: ainda uma miragem




                                      Cunha e Silva Filho


               Há pouco  tempo o Papa Francisco esteve em  Jerusalém, na Terra Santa.Teve encontros com líderes religiosos judeus. Orou junto ao Muro das Lamentações. Encontrou-se também  com  Mohmoud Abbas, Presidente da Autoridade Nacional Palestiniana,  e  Shimon Peres, Presidente de Israel, detentor do Nobel da Paz em 1994,  num diálogo a três seguramente  com o objetivo mais  almejado, que é o de alcançar a paz entre palestinos e judeus.No entanto,  não basta uma conversa  protocolar, um diálogo formal, mais para   gentilezas diplomáticas.É claro que o Sua Santidade  deseja, no fundo da sua alma,   a paz entre  os dois  povos, a paz entre os homens da Terra.Enquanto os espíritos não se desarmarem,  os riscos   das rivalidades entre  a Palestina e Israel  continuarão.
Hoje ou ontem,   um adolescente  palestino  foi  morto  por  balas do Exército de Israel em Dura, perto de Hebron,  Sul da Cisjordânia.”Um tiro no peito,”   informou  o jornal  O Globo na seção Mundo.  Os soldados  israelenses estavam  procurando por três  jovens israelenses sumidos.  O jovem palestino  só tinha   14 aos e se chamava Mohamed Dudin. Houve confrontos e a morte de Mohamed foi decorrente deles.
É assim a imagem que se pode ter de povos que não se entendem e por isso são hostis entre si. É assim o cenário  internacional  do mundo  contemporâneo, tão avançado nas ciências e tecnologias e tão  bruto  na convivência  entre os povos. Onde ficam  os princípios religiosos, onde fica a prática de fazer o bem e de amar  o próximo. Não é certo nem humano que religiões e  ambições  materiais, políticas, étnicas não acertem o passo. Maomé,  Cristo, só para citar dois  exemplo de elevação  espiritual,  de  amor ao ser humano,  de exercer o bem  não estão  valendo  pelo  que representam. As religiões só têm validade se  puserem  em prática os seus valores  espirituais.  Por isso, as chamadas  guerras santas não têm sentido e são  uma contradição  da alma humana.
Os conflitos  em várias partes do mundo  continuam ceifando  vidas, desarticulando  famílias,   provocando  fome,  miséria,  mutilações,  mortes de crianças, deslocamentos  de  povos  para outras regiões  em que possam  ter mais  sossego. Tudo em nome  do fanatismo,  das diferenças  religiosas  e da ambição do poder.
É assim no Egito,  agora novamente no Iraque quase em pé de guerra civil entre grupos  xiitas, sunitas e curdos. É assim na Síria, com um governo  autoritário,  com uma país semi-devastado e um  ditador que se perpetua,  ganha  novamente as eleições e sua nação   prossegue na carnificina,  na divisão  de seus irmãos  da mesma  pátria,    inimigos,  com uma população  se deslocando como refugiados,  indo para a Turquia, o Líbano, a Jordânia, o Iraque, sendo que  este último se encontra, agora,  em estado de desespero  com  a própria população correndo,  amedrontada com os jihardistas. 
Às vezes, me pergunto  se valeu a pena os americanos  terem  permanecido   por tanto tempo no  Iraque após a queda de   Saddam Hussein. Tudo voltou  à tona. Parece uma sina.  Como não bastasse, estão  ainda em  conflitos sérios, com mortes  e massacres, além de Israel e a Palestina,  países como  a Ucrânia,   a Colômbia,  a República Centro-Africana. O número de refugiados de regiões conflagradas já atingiu 51, 2 milhões e, segundo a imprensa,  é o mais elevado   desde a Segunda Guerra Mundial. São, até agora,  dez  países que  têm  suas populações    se refugiando em  outros  países.
Nem as Nações Unidas  conseguem  dar  apoio  especial   a tanta gente  esperando  ajuda em todo os sentidos  da vida: moradia,  alimentação,   educação,  saúde, emprego  etc. O Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
É difícil que esse órgão  das Nações Unidas    consiga  dar   conta de tantas   necessidades  das populações  em êxodo  decorrente  de guerras civis,  bombardeios,  fome e miséria.Admirável  Novo mundo  é  esse que estamos   vendo. E, o que é  pior,  as nações mais  ricas  estão também  com  problemas  financeiros,  o que  reduz  as possibilidades de auxílios e doações aos refugiados que se espalham  por várias partes do  Planeta.
Este  retrato  de um mundo em crise e no caos limita  as nossas esperanças  no ser humano  e as possibilidades de recuperação da crença   de que haverá melhoria no comportamento das sociedades humanas, pelo menos  a médio  prazo.Mas, um culpado  existe de forma  explícita:   o descompasso entre os princípios  religiosos e sua  prática, entre o que  se escreve nos livros sagrados e o que se  faz na vida privada e na vida coletiva, entre  os valores  éticos e a brutalidades das ações do homem.
De que valem  as pregações religiosas, seus rituais,  suas orações, seu aprendizado se, na vida  em sociedade, não são postos   em  execução. Se as religiões  se transformam  em fanatismos   e anacronismos   contra  a dignidade humana, contra a vida e os sentimentos de amor e paz,  elas  perdem sua razão de ser.

Diria mais: se as religiões, a educação  e os  sistemas de governos  não conseguirem  reduzir  os excessos  de ações desumanas em que o mundo  contemporâneo está afundado, dificilmente  iremos atingir  uma fase de paz duradoura, na qual o homem  não veja o seu semelhante  como um inimigo e sim como alguém que está  disposto a lhe estender a mão  amiga e solidária. O ser humano, com todas as diferenças  culturais,  étnicas, religiosas e políticas, não pode  desmerecer  a sua dimensão  humana e pacífica na vida em sociedade. 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Quem são os meus amigos?



                                                                       Cunha e Silva Filho

         
                           À medida em que vou envelhecendo,  sinto a solidão dos amigos, e aqui  aludo até  mesmo  aos amigos mais  íntimos,  não aos colegas fortuitos, aos amigos de conveniências, aos de um dia, de uma semana, de um mês, de um ano,  de horas,  da infância (já quase apagados, tudo é penumbra,  que mais está para o fog inglês), aos amigos formais. Parece que a tecnologia,  o louco mundo contemporâneo,  das amizades virtuais,  dos facebooks, do telefone,  dos tablets e outros gadgests está  substituindo, parcamente,  é claro,  as grandes amizades. Considero que o verdadeiro amigo  é aquele com  quem se pode   desabafar,   dizer verdades  e até mesmo   soltar uns palavrões. Amigos que se encobrem de formalidades não são  verdadeiros amigos.
                            Eu sei que estou  sendo  duro  com  o desenvolvimento do tema  desta crônica, mas não me conformo em absoluto com  a falta do sentimento mais puro  e  incondicional. Na vida social, todos são “amigos,” até os estranhos  muitas vezes chamamos  de “amigos.” O sentido genuíno, nobre,   solidário,  preciso,  afetuoso, a amizade livre  que não tem receio de errar diante de um grande amigo, é esta que me  faz falta no mundo  atual. Estou cansado de expressões  meramente  corteses: “meu amigo”, querido amigo”,  ”um abraço do amigo etc.”   Elas só valem  pelo significante, é incompleta na inteireza semântica, na verdade íntima, não vai ao  “eu profundo” dos simbolistas.
                        Da infância para adolescência, desta para a vida adulta e da vida adulta para a velhice  vamos  acumulando um monte  de perdas de amigos, que se afastam, somem nas multidões. Sei que a vida presente é um frenesi,  um açodamento, uma correria,  um pensar em si mesmo,  e, então,  os outros, vão sendo deixados para trás,  até serem  definitivamente   esquecidos pelo  animal social.
                           A corrida para o sucesso,  para a sobrevivência,  para o que dá mais  lucro e conforto são fatores  agravantes da  fragmentação  do indivíduo.  E é nessa  corrida que as promessas  se vão  esfacelando. A passagem  da existência terrena é  mesmo  escassa de grandes amizades. O tempo urge. Os compromissos inadiáveis na agenda do  individualismo  estão acima  do sentimento  lídimo da amizade. Para  o nosso  pequeno mundo,  passageiro  e curto,  temos todo o tempo do mundo. E isso vale para pai, filhos,  netos,   parentes em geral.  Há quem me diga: “Mas você não me procura, não me telefona, não me  escreve, anda sempre sumido...”  Não,  não sou eu que não escrevo, não sou eu que estou sumido,  é a amizade que está fenecendo. E este fenômeno  social abarca não só os que não são parentes, segundo falei atrás,  mas todos socialmente   considerados
                 .Há quem  fale de uma amizade  que me decepciona    em especial:  a amizade  que chamo de “interessada.” Não é uma amizade  de verdade,  ela vive das aparências  e da hipocrisia; é plena de    carinhos,  atenções,  bajulações. Não se sustenta na verdade dos sentimentos,  conserva-se sob o escudo  das exterioridades, das superfícies, do faz de conta. O seu motor  propulsor, o seu dínamo se alimenta  da fachada, do postiço, do irreal. Seria como uma amizade “comprada.”   Ela dura enquanto dura o interesse maior  interpessoal  mediado pelo fetiche do dinheiro  e  do poder  econômico-financeiro.Seu passaporte é o prestígio financeiro de um dos lados, o lado mais forte, que é o capital, a conta corrente gorda e verdadeira fábrica  de amizades  de fancaria.
Talvez,  uma  única saída para  essa carência é cultivar a solidão  da arte, do artista,  do nosso mundo  íntimo e profundo.Que me seja  consolo  a seguinte admirável  passagem de um texto do crítico  Álvaro Lins (1912-1970),  autor que tenho  ultimamente tanto lido por injunções  de pesquisa e pelo prazer de seus  textos: “Porque é um solitário  é que o artista constrói um universo de imagem onde possa introduzir as raízes mesmas do seu ser.Porque é um artista é que um homem tem  que ser solitário, porque somente na solidão a arte existe.” (LINS, Álvaro. Teoria literária. Rio de Janeiro: Edições de Ouro,  1970, p. 109).
A pergunta do título desta crônica não é um mero  jogo   retórico, mas a constatação da experiência de quem  viveu mais do que  tantos que já se foram, alguns ainda tão cedo. A sociedade,  capitalista, ou não capitalista,  dos nossos tempos  é que nos empurra  para a solidão e perda das amizades feitas ao longo  da vida.Todos, ou quase todos,  estão  pensando mais no seu próprio umbigo,  na sua aventura  pessoal e no seu  hedonismo  intransferível. Só as aparências valem, combinadas  harmoniosamente – quão lamentável! - com o dinheiro e a conquista  pessoal, o culto  à beleza  da juventude e  a obsessão  pelo aqui e agora. Amizade, família   pais  ficam  para trás. Que fosso tão profundo existe entre novos e velhos, entre a alegria  do primado do presente eterno e efêmero e a solidão  dolorida  da experiência a caminho da eternidade, vista esta em todas as suas formas  de  expressão  e busca pelo  sentido  do tempo e da existência. Volto à pergunta inicial: Quem são os meus amigos? Quereis, leitor,  a minha  resposta? Não vou  dizê-la. Deixo-a em aberto. Muitas vezes,  prefiro a ambiguidade à clareza sob o manto opaco da  hipocrisia: uma  realidade digna da ficção  machadiana



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AO PÉ DA PÁGINA



               Precisa  ler mais

                                                      Cunha e Silva


      (...)  O povo brasileiro precisa ler mais. Ler, não apenas livros instrutivos e de deleite intelectual, como romances, contos e poesias, como também jornais e revistas, aliás, de custo mais barato e ao alcance de gente de todas as camadas sociais, desde os proletários às mais providas de recurso  financeiros. A leitura do jornal e da revista é de grande utilidade para a educação política e cívica do nosso  povo alfabetizado.
            Com a leitura do jornal e da revista o povo brasileiro terá mais capacidade para o exercício do voto e, por conseguinte, saber melhor escolher bons  candidatos para as funções administrativas e representativas.
            Pouco se lê no Brasil em virtude de não  haver estímulo para o hábito da leitura. O descaso de se ler neste país é tão grande que é irrisório o número de Bibliotecas Públicas existentes nas capitais e cidades maiores de cada Estado. . Em Buenos Aires –  a bela, pitoresca e rica capital da Argentina – existe mais Bibliotecas do que no Brasil.
           Ora,  isso nos causa vergonha.Quem não gosta de ler, não gosta, portanto, de saber e de se instruir.  E povo sem instrução, e educação é povo sem sonhos de grandeza material e espiritual. Como poderá a democracia brasileira se aperfeiçoar com o  povo atrasado e sem entusiasmo para o estudo e para a leitura? (...)

N. do Blog: O trecho do recorte  do artigo acima, não  vem a data nem  o nome do jornal.Talvez seja o Jornal do Piauí.



  



sábado, 14 de junho de 2014

Na onda da bola

                         


                                            Cunha e Silva Filho


                  Não vá  o leitor pensar  que sou um expert em futebol. Longe disso. Creio que o interesse pelo futebol no Brasil é algo entranhado como  o samba, o carnaval, as mulheres brasileiras.
Quando  adolescente,  lá em Teresina,  na Rua Arlindo Nogueira esquina com a São Pedro, tudo poderia ter sido diferente se, nas peladas, do lado da Arlindo Nogueira,  eu me saísse melhor nos chutes e nos dribles. "Qual nada!” Mamãe era a primeira a lembrar, tempos depois,  quando   já era adulto, que eu,  não aguentando o lado  mais  violento  do futebol, de repente saía  do jogo quase chorando  por ter levado alguma pancada mais forte na canela. Não gostei desse comentário de mamãe,  por que me expunha  aos risos  de colegas, amigos e  parentes. E eu não suportava  tais confidências. Mexia com os meu  brios de adolescente . mas deixemos isso pra lá que,  do contrário,  iria transformar-se em  desabafos  à maneira de Graciliano  Ramos.
Há pouco,  fui chamado pela minha esposa para colocarmos a bandeira brasileira  na grade protetora da varanda do meu apartamento. O meu ato de escrita, pode se chamar com rigor, foi  uma pausa no tempo real  da narrativa, ou seja, o real se intrometeu  na crônica, o que  me faz lembrar daqueles  dois elementos da narrativa  - o interno e o externo -  componentes “dissociados,” expressão do crítico  Antonio Candido, que, segundo  este mesmo critico, se tornavam unificados  já que o externo (a realidade empírica, os fatores sociais, históricos,   biográficos etc) se tornava interno, quer dizer,  passa a fazer parte integral da  compreensão  estrutural  da  ficção, sem  os receios de subordinar-se ao interno ( a linguagem literária, "sistema semiótico  secundário",  a história inventada, as personagens,  o enredo,  o tempo, o espaço, os símbolos,  a imagem,   a metáfora, o ritmo,  os recursos retóricos, tão prezados  pelo pensamento  crítico formalista dos anos  setenta, oitenta do século passado
Depois dessa digressão cansativa ao leitor que espera alguma   fato  surpreendente, leve ou poético no gênero  da crônica,  quero-lhe dizer que há uma hora atrás estive   quase a dar uma volta nas pistas  de ciclistas do belo   Estádio do Maracanã – delícia dos  turistas nacionais e estrangeiros,  principalmente daqueles  tão  aficionados  ao futebol e desejosos de conhecer  o  mundialmente  famoso   estádio. Com um sol  forte pros dias de um mês mais geralmente  frio,  o estádio estava em festa,  com gente circulando por toda a parte externa daquele  “santuário" do futebol brasileiro.
O Maracanã está pronto,  por dentro e por fora, a fim de receber, no domingo duas seleções (deixe-me consultar a tabelinha da Copa do Mundo-20140. Ah, aqui está: no domingo, amanhã: Espanha e Chile. Não irei assistir ao jogo  in loco.  Verei pela TV. O receio é que amanhã possa haver manifestações contra a Copa, digo, contra os gastos  governamentais na construção de estádios ou em  reformas  de estádios. Fora outros  gastos derivados  das exigências da toda poderosa  FIFA. Esperemos que  tudo ocorra  bem dentro do Maracanã e fora dele.
Sou informado  pela TV que o Brasil  está melhor no que tange à vida dos brasileiros. Contudo, essa declaração  da imprensa   internacional  nunca espelha  a verdade mais  funda, i.e., a dos brasileiros  que tanto ainda sofrem  pelas graves  deficiências  já  tão conhecidas dos leitores. Continuam  morrendo pessoas por falta de assistência médica em toda a parte do país. Os transportes de massa  ainda precisam  dar conta da demanda crescente  das megalópoles.
A escola pública (estadual  e municipal –  é bom que lembremos  isso - , está ainda em baixa, tanto na valorização dos professores quanto  na eficácia dos ensino  oferecido. A violência sem freios, a impunidades que lhe é corolário  determinante,   o tráfico,  as drogas, as milícias,  a delinquência de menores e adultos  continuam  livres e fagueiras.
 Essa dimensão do país não pode ser  jogada debaixo do tapete, mas denunciada sempre e sempre aqui e fora de nossas fronteiras. E, last but not least,  a corrupção  da politicagem, que parece  não ter  fim. Esta imagem podre  do Brasil tem que ser levada em conta em  qualquer  análise da sociedade brasileira.
Não queremos um país dividido entre riquíssimos e  miseráveis, que ainda os há pelo Brasil afora.  O que não se pode suportar,  sem protestos   e indignação, é  passivamente ver   jornais ou  pesquisas de estatísticas   no exterior passarem uma imagem edulcorada de meu país. Só quem vive o dia-a-dia do povo brasileiro  pode avaliar  o que aqui se faz, como se faz e por que se faz. É preciso  ter vivência suficiente para   fazer-se uma estimativa  sobre as condições  e os vários aspectos da realidade nacional. O olhar do estrangeiro nem sempre  confirma  a experiência de nosso  quotidiano e de nossas mazelas  em todos os sentidos.
Não podemos   perder a onda da bola. Tentar decifrá-la é matéria  de quem  ama o país de verdade e não na limitada   forma de individualismo burguês refestelado,  bem nutrido, como  já afirmei alhures,  em poltronas macias,    alienante, hipócrita e  mistificador.


domingo, 8 de junho de 2014

De repente, o Brasil vira uma bola




                                            Cunha e Silva Filho


              É claro, leitor, que ninguém  do meu país   vai tratar mal  os turistas, nacionais ou  estrangeiros. Todos são  bem-vindos ao meu pais que agora, se torna uma pátria-mundo, tendo como  motor de funcionamento a bola com B maiúsculo -  significante-significado do signo  da pátria acolhedora. Ninguém há de querer  tisnar a festa do maior esporte  do mundo, o futebol,  o footbal, o soccer, la pelote, la  pelota,  ou seja,  tudo que seja conduzido pela bola, até mesmo a nação. 
Dizem os entendidos ( não me venham  interpretar essa palavra com  outro significado que serve de combustível para preconceitos) em dinheiro e em economia  que a Copa  do Mundo, cujo símbolo mais  emblemático é a FIFA, hoje,  sigla que virou moeda corrente   empregada  até como  bordão ou lema  de trabalhadores em greve ou  na iminência de greve, trará  uma  imensidão de dólares ao país, beneficiando  outras tantas  quantidades de pessoas direta ou indiretamente.
 Mas, essa linha de pensamento econômico tem como contrapartida outra pergunta que se torna necessária: a quem realmente vai beneficiar,  no cômputo geral,  a invasão dos dólares: o  povo,  os pobres, a classe média,  os ricos, os miliardários,  os mega-empresários, incluindo,  entre eles,  os médios e micros, os hospitais públicos, a educação pública, a segurança pública do cidadão na rua, na sua residência, no seu bairro?   Vai diminuir  o nível insuportável da violência extrema nas megalópoles e pequenas cidades, espalhada nos quatro cantos  do território nacional? Quem sou eu para deslindar  tal conjunto de problemas  da responsabilidade dos governos  municipais, estaduais e  federal?
Todos  queremos torcer pela vitória de nossa seleção – é uma fato inquestionável. Contudo,  o país, traduzindo-se,  o governo federal,  nos seus deveres de casa,  não está com esta bola  toda, e a população,  por menos consciente que seja, sabe bem. disso.  Estamos, assim,  atentos para as  empulhações e  as anestesias  vindas dos ventos demagógicos em tempo de pré-eleições.
Os bares andam  cheios,  os restaurantes, os shoppings, idem. Mas, a classe média não é o todo e o Brasil  da baixa política funciona por metonímia Sabe que a parte,  a grande parte,  faz parte do todo.Este depende da parte e vice-versa. A bola  vai rolar  em vários estádios, em cujas construções foi injetado o dinheiro  do povo, com montantes em  bilhões de reais, muito acima  do que era previsto de gastança do Erário,  pois a Presidente não é rainha nem tampouco   autocrata,  se bem  que o regime presidencialista  enfeixe poderes  quase imperiais.
Viramos, agora, uma bola no mapa brasílico.O país se unirá por algum tempo e, mesmo assim,  só por amor à bola, que rolará nos gramados. O objetivo da bola é fazer gol. Contudo, a bola,  esse objeto  redondo,  fetiche das multidões de torcedores e fanáticos, aqui e no estrangeiro, mais aqui talvez do que lá,  tem  lá seus caprichos. Do que ela fizer nos gramados país  afora é que muito coisa  dependerá,  inclusive os humores da política  brasileira.
             Os vigilantes dos estabelecimentos  bancários há mais de um mês estão em greve e um dos seus lemas ou bordões diz : “Estamos  em greve. Basta de escravidão. Queremos salários  padrão FIFA.” Ora, nunca a FIFA se imiscuiu tanto em negócios no país. Ela manda, ela fiscaliza, ela exige, ela aprova ou desaprova. A FIFA virou  zona   aérea, ou melhor, terrestre neutra, com poderes  de  reivindicações de alto padrão em diversos setores  da infraestrutra  do país, sobretudo,  aeroportos,  hotelaria,  meios de transporte,  segurança, tudo por conta  de verbas do governo federal, sobretudo. Quem manda na bola, agora tornado   este objeto  divino e milagroso,  é a FIFA. Manda e desmanda e, quem sabe, seu poder  de decisões avança Alvorada adentro.Eu nunca  pensei que chegasse a tantos poderes dentro de uma nação  supostamente soberana.
Como o Brasil  mudou, ou parafraseando  Machado de Assis – mudou ou mudamos nós?, e para, talvez, pior em coisas de política e de governabilidade.  Pior, porque a corrupção  ainda se encontra entranhada no solo político  da pátria, nos três poderes. Não somente corrupção, mas também  o seu corolário, a impunidade  que não quer  deixar o osso como cachorro faminto.Corrupção,  impunidade e violência  são faces da mesmo  problema. Ia dizer da mesma moeda,  mas a frase ficaria maluca.
Leis idiotas e inócuas, na prática, não funcionarão, pela impossibilidade de fiscalização e de subjetividade no que concerne à vida privada das famílias, como foi a aprovação  da “Lei da Palmada,”  algo que beira o ridículo e  a falta do que fazer  de deputados federais que estariam, sim, prestando um bem ao país se modificassem, ou melhor, endurecessem as leis   que  regulamentam  a punição de menores  infratores e de crimes  hediondos, até mesmo  podendo se estender à implantação da prisão perpétua para  crimes abomináveis.
Naturalmente, sem  as contumazes brechas  das leis, os jeitinhos “legais”  com  diminuições de tempo  de  prisão ou em razão de “bom comportamento”(outro  expediente  hipócrita e astucioso de “meirinhos” para   livrar  criminosos  e  malfeitores da prisão integral),  e indultos presidenciais  a  reconhecidos  bandidos de colarinho branco de todos  os níveis e profissões, como foi  exemplo paradigmático  o   do juiz Lalau.

A bola  rola nos amistosos por enquanto, mas vai rolar  de verdade nos jogos  decisivos dos quais   espero aquela  integridade  moral  do fair play tão   necessária à seleção brasileira quanto às demais  seleções  estrangeiras. Oxalá esse comportamento  de fair play  se infiltre nos espíritos de quem  deseja  ver um  Brasil  de verdade e exemplo  de civilização. Que role, soberana e verdadeira,  a bola  da nossa seleção rumo  à conquista   tão almejada  Taça.”Viva o  povo brasileiro!"