segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Poesia e rupturas em Luiz Filho de Oliveira*

                                              
                                                                  Cunha e Silva Filho


            1.  INTRODUÇÃO.
                          
           Duas diferenças de construção poética saltam à vista após a leitura das duas obras do jovem  poeta piauiense Luiz Filho de Oliveira; a primeira, suscitada pelo livro BardoAmar [1] me conduz como leitor diretamente ao aspecto visual; a segunda, provocada pela leitura de Ondehumano[2] (Teresina, Nova Aliança, 2009, 114 páginas) me leva sem esforço ao universo do léxico, i. e., da palavra, tomada aqui no sentido mais despojado de   poiésis, do vocábulo  elevado ao estatuto mais nobre  do eixo da seletividade (paradigmático)  sobre o eixo da combinação (sintagmático), segundo o pensamento teórico de Jakobson sobre  o que pensava  da função poética. Dessa junção lúcida  e lógica advêm as chamadas  estranhezas do discurso poético moderno.        Essa ideia do fazer  poético corresponde, a meu ver,  àquele conceito de  “imprevisibilidade”  de outra  linha de pensamento crítico-teórico. Não quer isso significar que, no primeiro livro, o  poeta  abdique de suas preocupações com o verso  enquanto discurso lírico. Longe disso, as duas diferenças são somente componentes  básicos nas duas obras mencionadas.
        Neste estudo, vou-me concentrar no que os dois livros de  poesia de Luiz Filho de Oliveira possam propiciar de novo ou de velho  à lírica brasileira. Em carta do autor a  mim endereçada, o poeta fornece  alguns dados paratextuais sobre os motivos de sua  experiência não só quanto ao início de seu interesse pelo gênero poético mas também como  chegou a publicar seus  poemas e mais outras  razões que o fizeram  trilhar a solitária aventura  do que já se  chamou a mais pura das formas literária.
    Já anteriormente havia lido alguns textos em prosa do autor, os quais  me provocaram uma sensação de  estar diante de um  escritor avesso ao conservadorismo ou à gratuidade. Sua prosa (tanto quanto com maior  intensidade na poesia)), diria  mais  precisamente crônica ou ensaio,   é  vazada de  estranhamentos, sobretudo no modo de  colocação  dos pronomes oblíquos  e de outras  excentricidades  de usos gráficos e léxicos  no corpo de  discurso.  Não sei se,  no futuro, vai  se afastar  desses expedientes - o que para mim  seria melhor quando  se tratasse daqueles  gêneros  literários.
       Creio que o caminho  melhor seria aquele  trilhado  tão bem  por  Ferreira de Gullar na crônica ou no ensaio (ele, que  já foi tão  subversivo  e experimentalista na poesia). Por outro lado,  no  âmbito do poema,   em decorrência da própria natureza  intrínseca   da linguagem   poética, aí sim, todo  esforço  criativo e "contra-ideológico" seria válido nos  estreitos  limites  da literariedade e com uma vantagem a mais: respeito, ousadia e dignidade intelectual.
.     O resultado da leitura dos dois  livros, no geral,  é promissor. Além disso,  acrescentaria um pormenor curioso. Segundo o autor, Ondehumano enfeixa poemas anteriores à  experiência  experimentalista de BardoAmar que,  de certa maneira, inverte o processo de continuidade da segunda obra.
     Ou seja,  enquanto vivência  poética, o segundo livro, Ondehumano, cronologicamente deveria ser  virtualmente  o primeiro, visto que, segundo  aduz  o poeta,  “é um livro experimental mais sóbrio” se comparado ao primeiro. Para simplificar,  do meu  ângulo  de leitor, Ondehumano,  a despeito de  incluir grande parte de poemas  anteriores ao  primeiro livro, é, todavia,  o que, a meu juízo, servirá como  coerente avanço no percurso poético de Luiz Filho ainda que seja um pouco cedo demais para  um julgamento mais conclusivo  das possibilidades futuras de seu estro, sem cair numa  espécie de fatalidade  que tem acometido  poetas  piauienses, os quais, depois de publicarem  um  número pequeno de obras, ainda dispondo de muitos anos pela frente, silenciam praticamente  ante o futuro de seu projeto poético no início  tão promissor. Não resta dúvida,  entretanto,   de que Ondehumano  é, até agora, a constatação  mais  consistente de um talento com indicativos seguros, vias  nítidas  e potencial criativo aberto e pronto a desenvolver novos temas e formas elaboração no domínio do verso.
         Permito-me delimitar porém, o alcance lírico de BardoAmar e procurar então, sondar—lhe as especificidades de um   autor que deu  seus primeiros  frutos no difícil e competitivo mundo das letras. Oh! como  estava longe da verdade contemporânea  o historiador literário  inglês John Burguess Wilson, ao  vaticinar, erroneamente, como, aliás,   outros,  o futuro da poesia: “Não existe um poeta vivo que consiga viver  de poesia. Mau sinal  que talvez acene para a inexistência de um  futuro para a poesia.”[3] 
         Sua  produção editada é diminuta se confrontada com  os  anos de sua convívio com a musas. Isso, porém, não vem  ao caso quando o que pesa  para a literatura é a qualidade do que se escreve e, nesse particular, Luiz Filho com apenas dois livros já me  permite  um julgamento favorável, segundo anteriormente assinalei.

               Na introdução à poesia de Luiz Filho de Oliveira,  a princípio prometera, num  só estudo, abordar as duas obras  do poeta. No entanto, à medida em que ia desenvolvendo as ideias sobre o livro de estreia, BardoAmor, ia verificando que a análise estava crescendo  além do objetivos previamente  traçados. Por isso,  me decidi a me ater neste  trabalho somente ao primeiro livro. Vou  reservar o segundo livro, Ondehumano para um   outro ensaio que pretendo escrever posteriormente.
               Pela faixa etária, Luiz Filho se colocaria na geração de poetas do final dos anos   oitenta aos inícios dos anos noventa. Quer dizer, geração de poetas bem atravessados pelos tempos da pós-modernidade,  da experiência cibernética, de uma indústria cultural cada vez mais  tentacular em razão dos avanços vertiginosos na área tecnológico-eletrônica, em tempo de economia globalizada, em tempo também  de ameaça cíclica de instabilidade econômica e de hegemonia midiática, principalmente via Internet.
          O poeta viveu também na carne,  posto que, pela idade, ainda imatura para a compreensão de tantas  mudanças  estruturais e políticas no  país, os últimos anos da ditadura  militar, as primeiras  manifestações da redemocratização política nacional, assim como testemunhou o período pós-Guerra-Fria, a Queda do Muro de Berlim, o  esfacelamento do Comunismo russo, a Guerra do Golfo Pérsico, as ditaduras na América Latina, entre outros fatos e mudanças no país e no mundo. É que no século 20 das últimas décadas o poeta se situa como indivíduo e como jovem intelectual ansioso por expressar seu sentimento   poético histórica  e  culturalmente contextualizado. Sua poesia não pode  fugir a esses condicionamentos de uma  época.
           BardoAmar, de resto,  é livro premiado em 2000 num concurso realizado pela FUNDEC  e se classificou em segundo lugar. Antes,  fora selecionado num “Concurso de Poesia Antero de Quental,” no II Festival de Inverno de Educação de Itajubá, Minas Gerais. O concurso lhe valeu participação em antologia.
           Um dos fascínios pelos quais o  texto em poesia me seduz vem a ser a imensa possibilidade de releituras  de um mesmo  livro graças,  é claro,  ao poder de síntese inerente ao gênero. Daí ser a leitura  poética  para o critico uma atividade muito mais concentrada, mais  visceral, a que vai  corresponder um mergulho mais denso e totalizante do objeto poético.  Na prosa, fica mais difícil essa prospecção vantajosa à hermenêutica. Por esse motivo, no trabalho de análise de um volume de poemas,  devido em  geral à exiguidade do número de páginas, o  instrumental crítico torna-se muito mais fácil de operacionalizar, o que nada tem a ver com as dificuldades intrínsecas também à prosa.
             Não seria  gratuito ou ingênuo afirmar-se  ao jovem  escritor de hoje, seja na  prosa, seja na poesia, que o esforço despendido na composição de uma obra  literária  demanda  muito maior suor intelectual do que no passado, aqui entendido como  um vasto e variado  período abrangendo, com se sabe, vários séculos de tradição literária e especialmente quando se leva em conta as vanguardas europeias que reconfiguraram drasticamente os estilos literários  a elas anteriores.
            Em outras palavras, o poeta, o ficcionista, o teatrólogo de hoje, quer desejem ou não, não podem evadir-se da contingência de ser uma simples  partícula dessa considerável  cadeia de estilos e linguagens literárias inserida,  formando o circuito da tradição ou cânone, e, ademais,  agravada  por vezes  pela  ideia da chamada  “angústia da influência” formulada por Harold Bloom, que não deixa de ser uma  espécie de “pedra no meio do caminho” de novos autores na seara  da poesia.
       Desta forma,  Luiz Filho, por seu turno, não pode assim  ser uma exceção  a essa conjuntura da  história da literatura universal. No movimento paradigmático das letras brasileiras, indissociável daquele circuito de tradição ocidental e divisor de águas entre o conservadorismo e a ruptura convocada pelos defensores  do Modernismo de  1922 com a sua histórica e exaustivamente citada e pesquisada Semana de Arte Moderna de 22 no Teatro  Municipal  de São Paulo, o passado foi, na  primeira fase do movimento, vigorosamente  rechaçado e a literatura brasileira genuína(?) passaria a ter seu marco zero a partir daquele ano-símbolo. 
        Essa atitude dos  prógonos  do Modernismo, sempre me pareceu  algo  exagerada,  porquanto  não é possível  zerar  a dimensão   permanente   da tradição  literária. Não há presente  sem  a dimensão   durável  do passado, i.e.,  não se pode  descartar  esse legado não  social,  histórico, quanto  sobretudo  de substrato  cuja moldura  é sólida e  não pode  ser abolida  por um “presente”  de uma  certa contemporaneidade que são  as rupturas das formas   estéticas, das chamadas  vanguardas, por sua vez,  também  efêmeras.
     Contudo, a história literária do país sofreu, em linhas gerais,   a partir de 1945, principalmente na poesia, uma forma de retrocesso em relação   aos princípios fundamentais da nova  estética  impiedosamente    transgressora  que  caracterizou os primeiros anos dos  modernistas históricos, tendo à frente um Mário de Andrade, um Oswald de Andrade, entre outros.
        Já na segunda fase do Modernismo,  na década de 30 do século passado, a virulência  iconoclasta   arrefeceu e  aparou  os seus iniciais   ímpetos  corrosivos face ao passado  e iniciou uma nova postura estético-temática, procurando um  equilíbrio onde nem se voltaria mais  às fontes parnasianas anacrônicas  nem tampouco se permaneceria  irredutível  nos limites estreitos  dos experimentalismos  e pirotecnias inócuas.
       Procurou-se, antes, uma via  ou vias renovadoras  que exprimissem  literariamente um  Brasil   sintonizado com  a sua cultura, suas  tradições,    com a sua língua e com  os seus modos  de  tentar  aproximar o mais possível  do povo a realidade da nação, com   seus problemas peculiares,   muitas dificuldades  e incertezas  políticas  e econômicas  num país que, para dar um só exemplo significativo,  viveria os embates  da Revolução de 30  liderada por Getúlio Vargas e, na mesma  década,  sofreria um  retrocesso  político  com o Estado Novo sob novamente  a tutela de Vargas com todas as sequelas de males inerentes a uma Estado ditatorial e,  contraditoriamente,  de conquistas  no plano  social, sobretudo na área  dos direitos dos trabalhadores.
       Por outro lado,  a questão da inserção do povo na ficção e nos principais gêneros literários brasileiros precisa de ser um tanto relativizada,  visto que os movimentos literários  têm caráter  hierarquizante e mesmo  elitista quando os entendemos como  mudanças estéticas de cima para baixo, de uma  elite intelectual para a qual o povo pode ser  matéria de temas e de linguagens mas delas não  co-participam do tripé autor+obra+ leitor, este último sendo quase sempre sujeito passivo ou externo pelas próprias condições de  penúria cultural e escolaridade  que o impossibilita à fruição dos  bens  culturais  das elites   intelectuais. Esse é o grande dilema entre a vida intelectual  e o  povo, o homem comum, o operário.
         Os escritores que, em  1945,  não se afinaram  com  algumas conquistas estéticas  de 22 e de 30,  procuraram, ainda que de forma  não uniforme  nos seus preceitos estéticos,  reagir contra  as formas  variadas tomadas pelo Modernismo e suas diferentes   manifestações estéticas inovadoras,  numa atitude estética     que os levavam a uma espécie de Neo-parnasianismo, ressuscitando  o uso do soneto,  da métrica, da rima e das imagens plásticas,  corpóreas, concretas e objetivas  no que concerne aos temas  e a uma linguagem refinada, aristocratizante. Entretanto, cumpre  ressaltar que as “geração de 45” não desejou,   entre os inúmeros  adeptos  de sua estética, uma mera cópia do velho  Parnasianismo. 
         Nem tampouco isso seria possível em termos absolutos,   pois  a poesia brasileira, após o vendaval   modernista, jamais seria a mesma e é nesse ponto que  surge um poeta que,  embora  se  inclua na “geração de 45,” logo  seguiu um caminho  independente. Falo de João Cabral de Melo Neto, cuja práxis poética não confirmou a tendência  geral daquela geração, preferindo, consoante  pondera bem Sílvio Castro[4] deixar sua poesia permear-se de algumas influências  da geração poética  de 30, muito fértil  também na ficção, sobretudo  com os romances    nordestinos de 30. 
          Sendo assim,  Cabral  pagou tributo à poesia de Carlos Drummond de Andrade pela vertente política, à  poesia de Augusto Frederico Schmidt no que  concerne a uma “aparente falta de  consciência formal[5] e ainda até  à poética de Murilo Mendes quanto ao aproveitamento da “informalidade compositiva dos poemas imagísticos,” não sem antes  serem por João Cabral “criticados e negados”[6] Quer dizer, João Cabral, tanto quanto outros poetas da “geração de 45,” após negarem conquistas expressivas do Modernismo de 22, não deixam,  entretanto, de  reaproveitarem “dialeticamente” valores que provêm desse mesmo  marco histórico  decisivo aos futuros avanços estético-formais da poesia brasileira.

2. DA GEOMETRIA DA CAPA ÀS  DESARTICULAÇÕES SILÁBICO-SEMÂNTICAS.  No início deste estudo  da poesia de Luiz Filho tinha chamado a atenção do leitor para um aspecto dominante de BardoAmar: o campo pictórico. Só para alertar, lembro a circunstância de que neste livro o elemento visual se enlaça umbilicalmente em toda a extensão do volume, o que é facilitado por ser o autor quem preparou as ilustrações do livro. Ou seja,  é intencional a fusão  aqui da palavra poética  com a arte visual, remetendo logo ao velho   preceito horaciano do ut pictura poesis. Exteriormente, torna-se palpável o largo uso de natureza icônica  entre as linhas do desenho e a palavra conotada.
       Veja-se o anverso da capa do volume onde se harmonizam intimamente o título do livro  e os elementos pictórico-geométricos, já entremostrando, então,  rupturas sintagmáticas, recurso  amplamente empregado pelo autor.Em BardoAmar, o verbo em forma nominal reduzida do infinitivo se aglutina a uma anacrônica e solene  designação da palavra  “poeta”, além de que essa mesma aglutinação cria certa ambiguidade – recurso  igualmente encontradiço neste poeta - despertando associações, por exemplo,  com variadas  estruturas possivelmente desdobráveis: “amar um bardo,” “o amor de um bardo” ou até mesmo uma associação virtualmente possível  e de valor morfológico, atribuindo a “bardo,” por derivação imprópria,  um valor adjetivo.
     A par disso,  anda   no espaço do  mencionado  anverso da capa, há um significativo desenho de uma caravela que,  por sinal, se repete três vezes mais no  corpo do livro. Cabe, neste sentido, uma  observação. Na chamada advertência, ou prólogo do livro, Luiz Filho, à semelhança de antigos poetas românticos, à frente  Gonçalves de Magalhães, nosso  introdutor do Romantismo brasileiro,  com os  seus Suspiros poéticos e saudades (1836 ),  reporta-se a uma viagem, ideia  reiterada pelo habilidoso  pastiche dessacralizante e  oswaldiano do   terceiro  verso  do Canto I,   Proposição do clássico épico  Os lusíadas: “.. bares & mares muito gigantes navegados.”
     De resto,  este tipo de procedimento técnico do autor, ao longo do livro, se vai  novamente insinuar junto a leitor. Quero antecipar que as alusões, tão poderosas hoje na poesia contemporânea e que há tempos já fora prenunciada  pelo critico inglês I. A Richards,[7] em BardoAmar se fazem igualmente  presentes,  em que o antigo, i.e., o passado, em termos de estilos literários, esteticamente deliberado aqui e ali,  se mostra fértil,   provavelmente naquela mesma  linha de pensamento da poesia de Manuel Bandeira (O itinerário de Pasárgada)  segundo a qual o poeta apenas  desejou   prestar homenagem ao legado  de ancestralidade lírica.
     O texto “Advertência” (p.10), finalmente, embute as pressuposições estéticas e escolhas do autor que, em lentes ampliadas, indiciam uma proposta de poema na qual podem conviver estilos e tempos diferentes (traços de pós-modernidade da lírica contemporânea) de linguagens em diálogo sincrônico ou contemporâneo com as matrizes da nossa formação estético-literária, num amálgama tenso ou irônico-humorístico em construções ousadas que, ao longo do texto, se desconstelam pelas possibilidades fônicas, rítmicas,  léxicas e sintáticas,  as quais me lembram um dado linguístico de capital importância – a funcionalidade do fonema na formação da palavra, onde a troca de um fonema por outro (paronomásia) resulta noutro vocábulo ou num todo sem sentido na horizontalidade ou transversalidade do ato da leitura. O resultado, além  disso, muitas vezes possibilita um inteligente, criativo e lúcido jogo semântico . Esta é uma das chaves de leitura que o texto poético de Luiz Filho parece  propor ao leitor de poesia  atento.
      A distribuição dos  poemas no espaço do livro merece ainda um comentário. BardoAmor se divide em três partes, sendo que o  primeiro vocábulo “parte” sofre desarticulação gráfica de duas maneiras: a) o poeta primeiro o  grafa “PART...TE” e, em seguida, o escreve “PAR-TE”. Ora, tanto numa forma  anti-convencional da grafia normativa portuguesa quanto noutra, as duas novas formas remetem, enquanto significantes, para novos sentidos.

3. BARDOAMAR:  TEMAS, LINGUAGEM/NS E FORMA/S
          
            A profusão grafemática que se espraia por toda a extensão da  1ª parte, incluindo poemas de diferentes extensão, que vão de 15 versos até  poema de um só verso, reforça e reafirma as intenções do autor para a importância atribuída à visualização, à maneira do Concretismo de 56,  com seus correspondentes recursos verbovocovisuais  e bem assim a outros  recurso trazidos  pelas vanguardas brasileiras (Poema-Processo,  Poesia Práxis,  Neoconcretismo).
                Só que em Luiz Filho há  um passo dado a mais,: o recurso de desenhos de figuras e de objetos, ou partes do corpo humano não-figurativos, como no  enigmático   poema  “cama suma” (p.21)  introduzido por traços geométricos (um retângulo encimado por linhas  geométricas  figurando uma cabeça humana usando óculos e exibindo uma forma  de boca. Sobre a cabeça (masculina? feminina?), os cabelos (?) semelham raios elétricos  O retângulo  inclui formas de ângulos, num dos quais existe um par da letra “y” (?) simetricamente colocados um do lado do outro. O poema a que corresponde àquele  geometrismo vale mais pelo seu ângulo  semiológico do que pela  sua apreensão lógico-analítica, onde a palavra  poética fala mais de si do que pela captação da mensagem decodificada. Seria antes um  mero jogo abstracionista pela sua irredutibilidade cognitiva.
              Na  1ª parte, ao todo composta de 28 poemas, há que se notar, inicialmente,  a forma gráfica da escrita manual impressa. Nesta antessala do conjunto de poemas se estabelece  o mood em que formas de linguagens vão delimitar a fronteira dos dois temas dominantes desses versos:  a viagem e o amor que simultaneamente lhes vão  insuflar vida como criação poética.
       Entretanto,  - convém  acentuar  bem -  aqueles temas  não são convocados arbitrariamente. Cumpre desentranhar-lhe -  e aqui estou me reportando ao poema de abertura, “BardoAmar” ( p. 18) que dá título ao  livro -,  o alcance: a viagem e o  amor de que se cogita falar aqui não é a real, a empreendida em  confortável embarcação. De resto, o índice icônico – a ilustração de uma caravela  – bem reforça os meus objetivos de entendimento  do poema, consoante, mais adiante,  comentarei. Antes é uma viagem pelas palavras, ou seja, pela poesia, com todas as  suas reverberações. 
             A viagem seria, para completar, a do encontro do amor, liame indissociável entre Arte e Sentimento. Sob um pano de fundo histórico, remetendo às conquistas portuguesas ultramarinas, na melhor hipótese à tona vem  a epopeia lusíada. O poema é constelado de lexemas alusivos àquela  viagem: “cenas líquidas”, “caminho”, “tormentas”, “amarras”, em fusão com “velozes”, “velas”, “a mar”, expressão esta última que também remete ao verbo “amar,”  caso houvesse a aglutinação dos vocábulos,  expediente gráfico muito comum em Luiz Filho.
             Deste  primeiro poema  para os seguintes, a inflexão se dirige mais fortemente para o terreno do sentimento amoroso, a começar do sugestivo poema “faróis” (p. 18).  O “eu-lírico” desse poemito de três  versos neste  ponto  divisa um  lugar procurado e seguro. Já a esta altura, se constata um tipo especial de construção sintático-poética que, no mínimo, me dá a sensação  de  emprego latinizante, aquela construção  na  qual a ordem dos termos oracionais se faz entendida  pela subordinação às flexões das declinações.
          Em outras palavras, a combinação dos termos oracionais rompe drasticamente a estrutura plausível de um verso  tradicional, dir-se-ia de dicção   romântica, parnasiana, simbolista ou mesmo moderna. E isso  não é de modo algum  motivado por  figuras de construção – tropos - violentamente transgressoras da ordem direta  do discurso  referencial, como  hipérbatos, anástrofes e  sínquíses, empregadas, sobretudo, na poesia clássica e  no  Barroco.  O estranhamento  da construção em alguns  poemas de Luiz Filho se situa mais no terreno  do mimetismo  rítmico-melódico da sintaxe poética. Talvez seu propósito seja mesmo o de propiciar o choque, o estranhamento, a  desautomatização, a desestabilização  nos hábitos usuais do leitor de poesia  de corte conservador para  adequar-se ao mood  do poema  à maneira  de José Albano, Manuel Bandeira ou Da Costa e Silva, por exemplo,  com seus  conhecidos poemas trecentistas (Bandeira),  os Vilancetes e Palimpsestos  (Da Costa a e Silva) e os  sonetos de sabor camonianos (José Albano). 
             Vê-se que se tem diante de nossos olhos um artista do verso sintaticamente hermético, criando opacidades em todos os sentidos  e estratos  da linguagem. Este experimentalismo  arrojado, a meu ver, só possui uma única vantagem: transformar a dicção poética por meio dos sentidos, pelas sensações  rítmicas, melódicas, pictóricas, causadas  no leitor, lembrando de perto por vezes  alguns preceitos  dos simbolistas buscados em Verlaine: “De la musique avant toute chose.”
            O segundo  poema,  “Poesia na morada do aluno” (p.19), pela desarticulação de sílabas e pela rearticulação e  ressignificação daquelas  resulta numa curiosa e original paródia do conhecido e antológico  poema de Oswald de Andrade: “Amor/humor”, isto é, aquele poema  no qual, abaixo do  título (“Amor”) se segue um único verso-poema. Não é gratuito o título do poema de Luiz Filho, que parece inspirado no título da obra de Oswald de Andrade Primeiro caderno de poesia do aluno Oswald de Andrade (1927), do qual consta o poema “Amor”
              Na reinvenção de Luiz Filho, o humor já  presente em Oswald de Andrade, ainda se radicaliza mais e cria novos sentidos e possibilidades conceituais via humor, além de ser acrescido dos próprios  reforços metalinguísticos (sobretudo os utilizados  na publicidade  como  fazem  sugerir as letras  em maiúsculas) e poéticos. As alterações morfológicas, as justaposições, os sinais de  pontuação ( reticências, ponto de  exclamação,  bem  como  ainda o início de cada linha  poética  em letra minúscula que, pela primeira vez,  encontrei no  excelente  poeta português Vasco Graça Moura (1942-2014)  a disposição espacial deslocada dos vocábulos “amor” e “humor” não simétrica e com o primeiro   verso  oswaldiano partido,   demonstram a perícia da apropriação para outras mudanças compositivas  a partir de um poema-fonte. 
            A dupla leitura que o  poema parodizado, no contexto fonológico, poderia  assumir caso se pensasse da perspectiva co-particpante e lúdica  do leitor  ao trocar o fonema  vibrante alveolar   em maiúscula  (“R”) pela   lateral alveolar, redundaria num vocábulo que, subtextualmente,,  nos salta à vista: “amolação,” numa permuta  de fonema bem afim com o sentido geral  humorístico-parodístico do  3 º verso  do  poema. Veja-se o poema na sua inteireza: 

a-MOR
HUMmm...
  a   MOR ação!

                       Em outras palavras, o terceiro verso adquire o duplo sentido pela injeção de novo semantema e de nova desarticulação silábica entre o primeiro e o terceiro versos. Finalmente,  o próprio título  pode ainda ser lido no seu duplo sentido se porventura o leitor co-participante  deseje justapor os elementos morfológicos do  sintagma “na morada”: “namorada’, criando,  destarte,  mais  um terceiro novo sentido: “ poesia,  a namorada do aluno, que dá  pano para muitas mangas interpretativas cujo epicentro é a arte poética em si.
  O que se segue a estes dois poemas é uma continuidade transgressora da estrutura sintática de  versos, aliada a outras invenções de desarticulação  silábicas,   de inserções de desenhos  esquemáticos,  habilmente ilustrados pelo autor. Tudo isso  reitera um elemento diferenciador da poesia do autor e que serve de sustentação aos procedimentos compositivos de seu verso: a capacidade de produzir novos sentidos e de revesti-los de uma sintaxe que lembra a construção latina, segundo já mencionei.
             O fato mais inusitado do aspecto de  estranhamento do verso de Luiz Filho é cantar o amor carnal tendo o cuidado de não chocar nunca o leitor nos seus melindres moralistas, contudo  produzir erotismo em meio a rupturas de malabarismos de imagens que mais  prevalentemente se pressentem do que gratuitamente se apresentam ao leitor. De resto, o poema de Luiz Filho, antes de tudo, e já o  frisei,  solicita a participação do leitor,  constituindo, muitas vezes, um  esforço  de  co-autoria diante  das direções apontadas no corpo   do poema, segundo se pode ver  igualmente no  seu  segundo livro, Ondehumano.
 Um  bom exemplo é o poema “conjogal”(p.27), no qual o  poema  visualmente representa a forma de um jogo da velha.É bem inventivo e constitui um  do que maior exige a habilidade   participativa do leitor. Naturalmente, esse tipo de poema visual, assim como outros na extensão do livro, amealha o que de bom se legou das vanguardas europeias e das suas derivações no Brasil: os grafemas, a espacialidade horizontal, diagonal e vertical, a circularidade, o lado ideogramático que  remonta à Antiguidade e, no Simbolismo brasileiro, encontrou diversos cultures, inclusive Da Costa e Silva e Elmar Carvalho, entre outros autores  piauienses.
 O mesmo poder-se-ia afirmar do  poema “misteros” (p.25).. Nele  também o grafismo que, no caso, é uma imagem preta, ou melhor, um desenho, nos conduz visualmente para aquele  conhecida  figura da “Wife or mother-in-law” que W.E. Hill insere no American Journal of Psychology  e que está reproduzida por Antônio Gomes Penna[8] na obra Percepção e aprendizagem. Se olho para esta figura de um ângulo dado,  percebo, no desenho que introduz  o poema, uma figura de um objeto em forma  fálica e meio em curva, com uma extremidade lembrando uma cobra. Se, por outro lado,  observo de outro prisma o desenho escuro, vejo um perfil humano  em  branco e com sua sombra escura ampliada.
 O título, vocábulo  criado artificialmente por aglutinação,  provavelmente  formado de “mistério”  + “eros.”    aponta para o tema da iniciação sexual. A ambivalência, um  das constantes da poesia de Luiz Filho,  é a espinha dorsal de   inúmeras formas lexicais  ou fônico–estilísticas. Os quatro versos que constituem o  poema se revestem, na sua disposição sintática,  de um caráter de descoberta (da poesia?) ou do dionisíaco  prazer do sexo.
Não poderia deixar de comentar  o  último poema desta  1ª Parte, o da páginas 30-32, sob o título “Amarração.”  Formado de 12 estrofes trissilábicas, me parece o mais belo  poema desta parte. Leio-o em voz alta, como o faria com um poema de Poe ( conselho que me dera um  professor americano de literatura  do meu tempo de graduação ), e percebo seu ritmo, sua melodia, sua musicalidade e, por acima disso, um misterioso halo notálgico-amoroso. Poema feito de muitas camadas superpostas. Poema-síntese servindo a muitas chaves de leituras.
No campo semântico, no atrevimento  de formas verbais irradiando células semânticas, no tema do  amor liricamente bem urdido, nas camadas fônicas (aliterações), nas alusões intertextuais exógenas e endógenas, tendo como ponto referencial o poema épico camoniano, a mitologia desconstruída  pelos novos tempos pós-modernos, a referência direta ao título do segundo livro do autor (dado intratextual), conforme se vê no 3ªº verso da 9ª estrofe Poema pleno de alusões  diretas, indiretas e desconstruídas nos sentidos, e nas formas lexicais,  operando ressignificações  originais e inesperadas. “Amarração” reúne três temas: o  amor, a linguagem e a poesia. Sua leitura é pluridimensional e, como  todo poema bem realizado,  não se  exaure aos caprichos do leitor ou do critico.
A poesia de Luiz Filho - já se pode até  aqui tentar  extrair uma conclusão provisória em suas linhas gerais -, é a de um artista do verso ao qual o leitor deve estar  continuamente alerta,  particularmente  do ponto de vista intelectual, dado que sua  dicção encerra pelo menos dois  traços constantes: a surpresa e a duplicidade ou multiplicidade  semântica, compreendidas nas ousadias sintáticas do discurso  lírico, gerando sentimentos díspares e forte humor e/ou ironia no seu universo  poético, num  vigoroso e original ludismo fonético, fonológico, visual, espacial e, acima de tudo,  numa    predisposição  infensa  às decifrações explícitas e  lineares  ao se tornarem objeto de  exegeses do  seu espaço interno de expressão significativa (mensagem, conteúdo, ideologia e cosmovisão) e sua   exterioridade significante esteticamente formalizada (retórica e todos os elementos constitutivos do verso, do poema ( estrofe, aliteração, cadência, ambiguidades, mood, ritmo, métrica (se houver),   gênero poético, tropos, estrutura,  entre outros artifícios da arte  versificatória, considerado esta na sua   acepção temporal  mais  ampla possível).  A poesia de Luiz Filho tende, no geral,  a  oferecer  resistências e  obscuridades inquietantes.
A 2ª parte, se o leitor bem notar, a maneira de subtítulo, retoma invertidamente os três  últimos vocábulos do verso final da “I PARTE”: “em mar fragil mar”. Nesta parte, o tipo de escritor muda para  um outro tipo  impresso, não o manual impresso da primeira parte.
Os poemas da segunda parte reunidos em número de 27,  aceleram ainda mais as estratégias de desconstrução e, desta maneira,   se vão impondo aos olhos do leitor com   toda a riqueza provinda do lirismo amoroso, ainda que  continuadamente  de natureza carnal,   transfundido em inovadoras formas de elaboração  poemática, em ousadias metalingüísticas, metapoéticas,  aliando beleza de sentimentos a beleza de linguagem
 O caráter de rupturas poéticas em Luiz Filho  é traço diferencial entre ele e outros  poetas de sua geração. Todas essas subversões no verso  operacionalizadas pelo seu estro são na realidade modos de cultivar poemas medularmente modernos  mas não radicalmente destituídos daquilo que a grande  herança da poesia antiga lhe  ensinaram e foi antropofagicamente por ele assimiladas, sendo para  mim este o grande caminho que  poetas que se querem modernos deveriam buscar. Não ler e aprender  com  o passado me parece uma atitude leviana e contraditória a um só tempo.   
No verso de Luiz Filho pressente-se o quanto sua natureza  poética aqui e ali, dialoga com  a tradição, seja com a Antiguidade, grega ou latina, seja com a poesia provençal, com o quinhentismo camoniano, com o Arcadismo, com Oswald de Andrade – presença nele forte -, com Carlos Drummond de Andrade, entre outras vozes  da lírica brasileira e universal.      P           Poeta   ubíquo, nas fontes do dialogismo atemporal  nem por isso deixa de ser uma artista do verso bebido nos  tempestuosos e voláteis tempos pós-modernos, antenando-se ciberneticamente e pondo no  seu verso a  experiência e o contato  dos meios eletrônicos cada vez mais sofisticados e em constante mutações plurifuncionais
Inserido de corpo e alma na  pós-modernidade, a poesia de Luiz Filho planta-se no tempo presente, numa atitude que poderia repetir a natureza  orgânica  do  poeta Drummond como  o mais representativo  artista do verso  que tomou para si o presente, na poesia e na  prosa, como   matéria  primacial de sua  poética. Instalando-se no tempo  presente, o poeta Luiz Filho se deixa  impregnar  do “aqui e agora,” primado do instante, no afã de se afirmar e firmar  o seu objeto poético feito da matéria humana e dos   produtos e conquistas do nosso tempo desagregador
Na 2ª Parte,tudo se  torna  possível em termos de experimentalismos, nos quais as palavras como que  assumem o controle  de si mesmas, espécie  de silêncio  do verbum, onde as palavras são  capazes de criar e recriar sentidos insuspeitos em códigos cifrados.  Instaura-se, agora,  o reino dos hermetismos e dos malabarismos obscuros à Mallarmé, combinando, segundo  já ressaltei,   características simbolistas com ludismo, ironia, humor e subtextos indevassáveis a olho nu.
Nesta instauração de avanços  ousadíssimos do discurso poético, Luiz Filho se torna um virtuoso. Entretanto, a persistir  nestas estratégias de virar pelo avesso a função poético-comunicativa, ele se arrisca a perder-se no puro hermetismo indesejável ( e aqui estou com José Guilherme Merquior ao  falar da poesia  humilde de Bandeira) a um poeta que aspira ao entendimento sem abrir mão da qualidade e originalidade dos versos.
  Não lhe posso sonegar a invejável tendência à inventividade,  à disponibilidade  para novas formas  de diálogo com  o leitor, com  a poesia e consigo mesmo. Não é possível  não se comover com  os versos do poema “amamos” (p. 40):

 Amamos

quando  não se-sentem
passado & presente
o verbo nos-arremessa ao mágico

neutralizando nosso espaço de sujeitos
ao acaso & próximo... só
o advérbio mente ao tempo

Ou não se divertir com o  poema “Caro Prato” (p.43):

Caro Prato


Sem  nenhuma etti ..........................Queta

O amor  fugiu do card......................Ápio

E quem pagou o p.............................Ato?

Ou essoutro com ressonâncias oswaldianas (p. 35):

       Voz nua à lua nativa

contrassopram em mim
lembrançass de ti
a selvar-me salvagem

como tupis amórfagos
ritos em vocação nova:
Catiti!                                     
[1] O
:NN     NOTAS:



[1] OLIVEIRA, Luiz Filho de. BardoAmar. Teresina: Edição do Autor, 2003.
[1]. ________. Ondehumano.Teresina: Nova Aliança,  2009.
[1] BURGUESS WILSON,  John. English  literatura: a survey for for students. 9th impression. London: Longman, 1970., p. 11.
[1] CASTRO, Sílvio. História da literatura brasileira. Vol. 3. Lisboa: publicações Alfa, 1999, p. 256.
[1] Idem , ibidem.
[1] CASTRO, Sílvio.  Op. cit.,  p.256-257.
[1] RICHARDS, I. A. Princípios de crítica literária. Trad. Rosana Eichenberg, Flávio Oliveira e  Paulo Roberto do Carmo. Porto Alegre: Globo/Universidade  de São Paulo, 1967, p. 181-185.

[1]  Apud GOMES  PENNA, Antônio.  Percepção e aprendizagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundo de cultura, 1968, p.14.

  OL * O ensaio acima é uma  reprodução,   revisada, corrigida e melhorada  das quatro partes     que já foram  postadas  neste  Blog.  Dei-lhe, agora,  uma feição  mais acadêmica.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Aviso aos leitores ( Note to the Readers)


Prezados  leitores:

Por razões pessoais,  estarei ausente desta Coluna.
Até à volta.

Cunha e Silva Filho


Dear  Readres:

Due to personal   reasons,  I'll be away from this Column for some  time.

Good-bye!

sábado, 19 de setembro de 2015

Vão-se as letras, segurem-se os números







                                    Cunha e Silva Filho



         É preocupante. Nesta semana, li no Facebook um artigo para ali  transposto, de José Castello  informando aos leitores(seus, principalmente)    de que  estava saindo  de sua  conhecida  coluna  no Prosa & Verso do Globo. Lamentável a notícia.
        Estão mesmo  matando  o jornalismo  impresso, assim como  fizeram com as  boas livrarias  do Rio de Janeiro que  se localizavam no centro, assim como  fizeram   tristemente  com os velhos sebos  cariocas   também  principalmente   no centro.
       Eu, que alcancei, dos anos   1964 para cá, tantos  bons  sebos, tantas grandes  livrarias (a da Vinci, a São José,  a Freitas  Bastos, a Camões,  a Martins Fontes, a Civilização Brasileira,   o sebo da São José, com o seu  conhecido  vendedor e, depois,  livreiro, o Germano,  que, hoje,   ainda  luta  com  a venda   de livros  antigos  de direito e algumas obras  raras num espaço limitado de três  salas  pequenas  na Rua  da Quitanda,  complementando  suas  vendas através das redes virtuais de sebos, fico entristecido com essa decadência  ocasionada  pelos novos tempos  devoradores do que  era bom  e  agradável a quem  aprecia  e ama os livros escolhidos e examinados  com as próprias mãos  nos recintos  silenciosos das velhas livrarias e sebos  cariocas.
        Volto,  porém, ao jornalismo   literário ou aos antigos e    densos suplementos  de jornais  do  Rio de Janeiro sobretudo  do Jornal  do Brasil, do Globo,  do Correio da  Manhã, do excelente  Jornal  de Letras dos irmãos  Condé.
     Agora,  o Caderno  Prosa & Verso perde sua autonomia  de  seção  especial  destinada a literatura, resenhas e crítica literária afora boas reportagens sobre autores e livros. Tudo,  nesse jornal,  passou a aglutinar-se sob a  rubrica Segundo Caderno e, nele  se incluem e notícias  de entretenimentos, rioshow, horóscopo,cartuns,  palavras cruzadas, eventos  culturais, diverso,  anúncios, notícias sobre  televisão,  celebridades e finalmente,  uma pequena parte de literatura, Prosa e Verso (sem necessariamente  aparecerem  poemas) e, por último,   a coluna, boa aliás, de  Arnaldo Bloch,  não me esquecendo de mencionar a coluna,  antes  escrita  por  José Miguel Wisnik, e, agora,  pelo  professor da UFRJ e filósofo Márcio Tavares D’Amaral,  que mal começou e  está me  agradando muito.
    Não quero falar de São Paulo nem de uns poucos estados que ainda  mantêm  algum  espaço  para a literatura. Entretanto, é visível a decadência  do jornalismo  literário brasileiro, dos já mencionados  grandes suplementos  literários.
    Por outro lado, os grandes jornais não dispensaram  os  Classificados,  cada vez maiores,  recheados  de compra e vendas. Vale a pena  mencionar  esse fato  para que se possa aquilatar  o apreço  hoje dos  donos  de  periódicos   por aquilo que lhes dá lucro certo e líquido. Que os  leitores  leiam  os classificados  e adquiram cultura  de números  e de exploração  de uns contra os outros – sinal dos tempos  do fetichismo  do vil metal,  do dinheiro  rápido e muito,  e  ávido. O tempora!  o mores!
   Veja,  leitor,   que as seções de política/politicagem continuam firmes. Afinal, quem   não aprecia  um  lucrinho,   um dinheiro  a mais no bolso sedento  de   moedas, em especial de  de dólares,  cifrões,  dividendos,  investimentos,   bolsas de valores,   alegria  dos sobe-desce das Bolsas determinado  por  forças  obscuras do mercado real e virtual?  Quem, ante  tudo isso,  vai pensar em  literatura,  em ler, queimar as pestanas, raciocinar,   se existem  outros   meios de viver sem   a leitura de sonhadores   com o céu  estrelado  e a lua dos  namorados?
  Quem, hoje,   vai ler  um grande  clássico,  seja brasileiro, seja  universal,  se cá na  reles Terra  existem  os torcedores  fanáticos,  os  botecos  de cachaças,  bares  e as “cervejinhas bem geladinhas   de fins-de-semana regadas às lindas ancas  e curvas morenas da  bela  Verão  de olhos faceiros e  andar   sensual?
     O que querem mais  os brasileiros além  dessas guloseimas e fetiches,  indiferentes à rapinagem    geral   e irrestrita que infestou  o Alvorada e o Congresso Nacional  conluiados com altas empreiteiras subornadas (e concluiadas)   a repassarem  propinas institucionalizadas por um  partido que,  segundo   o Ministro do Supremo  Tribunal Federal, Gilmar Mendes,  arrecadou  valores  surrupiados de lucros da Petrobrás em bilhões, os quais darão para   “vencer” eleições  mercadejadas no país até 2038 através de um   plano  diabólico   que, segundo ele,    foi engendrado  e  implantado  por uma ‘cleptocracia’  a fim de perenizar-se no poder, o que equivaleria a ser uma forma de “ditadura,” a longo prazo,  pelo voto  comprado.

     Felizmente,  ainda segundo  o  ministro,  a Lava Jato  conseguiu  desbaratar  esse  plano a tempo, restando, agora,   penalizar  com  toda a força  de Lei  os “white collars”  responsáveis diretos pelos rombos  do Erário Público. Ou seja,  prisão  inapelável para todos  eles, doa a quem doer.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

O povo tem o governo que merece






Cunha e Silva Filho



             Nem  os escândalos do mensalão, do petrolão, nem tudo que  se faz  de autoritarismo no poder conseguem  derrotar  o grande partido  do povão,  do povinho e de parte da elite  econômica e  intelectual brasileira. Estamos num mato sem cachorro,  numa  ciranda  de  ambiguidades  que só interessa aos que  estão mandando e desmandando  no  poder. Vivemos  o mais agudo  momento  de  embustes e mistificações em toda a nossa história  política.
     O país  não é unido, antes é cordial, ordeiro,  bonzinho,  sem personalidade  nítida. Somos camaleônicos,  macunaímicos,    bruzundanguenses, porquemeufanistas. Gostamos  da memória curta  e  saboreamos, álacres, uma cervejinha  no boteco, um partida  com preço de ouro  no Maraca, e, lá fora,  somos ainda conhecidos  como  o país do Pelé, do futebol,  das mulheres  de ancas largas e bumbuns  empinados que valem  ouro  aos olhares  cúpidos -  regalo  para os turistas branquelos que aqui  aportam com olhos lascívios  para uma mulata, morena ou  branca  de  belas curvas  niemeyerianas. Somos  um página de O cortiço, de Aluísio  Azevedo (1857-1913)  ou um outra pagina lúbrica de A carne de Júlio Ribeiro (1845-1890), zombeteiramente chamada de A carniça pelo  sarcástico e arguto Agripino  Grieco(1888-1973)   
      Fomos  governados por um  presidente  entre  pícaro e malandro,  detentor   de honrarias mil  até no   estrangeiro,  doutor sem nunca ter sido,  cantado em verso e prosa  por escribas de  todos  os níveis  intelectuais,  aqui e lá fora. Somos degaullianos,  somos também  eternamente "futuristas." Somos a picardia   em pessoa e o pior é que   uma  parcela  bem grande  defende   todas  essas artes  pedromalazatianas.
     Ora, se somos  toda esse amálgama de traços   psicológicos  e morais, delegamos toda essa   “qualidades” aos nossos  políticos e por isso  confiamos  neles piamente,   temos  sempre   esperança  de dias melhores que nunca,  na realidade,  nos chegam,  terra  prometida  mas não cumprida. Fica tudo  para as calendas  gregas  e brasílicas,  planaltistas, alvoradense,  aulicianas,    luloptetistas com  “bases aliadas,  confundidoras  da massa ignara,  iletrada,   sem brios, meros  Judas  vendendo  a Cristo  por  migalhas.
      Heróis sem caráter da pós-modernidade,  cúmplice de todas   as patifarias e     conluios,   Somos ópera-bufa, bucha de canhão,  vítimas  passivas  dos engodos das discurseiras  neo-sebastianistas temperadas  com  o pior  figurino   demagógico-eleitoreiro-nacionalista-messiânico.Somos os soldados  sonolentos que aparecem  no grotesco  "paço imperial" joanino do picaresco/malandro   romance  Memórias de um  sargento de milícias, de Manuel  Antônio de Almeida (1831-1861) As cenas histriônicas até hoje nos  provocam  boas  gargalhadas.(Ver  na obra "O Pátio dos Bichos").
    O presidencialismo  todo-poderoso dílmico  com   chumaços  de  realeza britânica  às avessas  vem, agora,   não bastassem todas as  estrepolias de gastança  e regabofes  do Erário Público, tapar  o rombo  por ele  provocado, ressuscitando a publicamente  execrada CPMF criada, talvez com  boa intenção de seu  idealizador, para  melhorar  a saúde pública, mas com aportes   desviados  para outras  finalidades, tanto assim que a saúde  brasileira, ao invés de  melhorar,   foi para o fundo do poço  e hoje é  ainda vergonha  nacional, a despeito  da publicidade enganosa  paga  a peso de ouro  para   enganar   trouxas.
    Deterioraram  as contas públicas por incompetência aliada  à corrupção e ainda nos vêm  pôr goela abaixo   por decreto  a mencionada  CPMF e mais impostos, e mais   arrocho salarial,   com o anúncio agora  de  congelamento de salários.  Como assim? Se querem congelamento  de  salários do funcionalismo  federal,  seria  uma malvadeza  enorme  deixar que os preços  dos alimentos,  dos remédios, dos aluguéis  e de todos  as tarifas  públicas subam   encolhendo  nossos  suados salários.
   Não é  lícito  congelar salários com  alta de preços. Então,  que  se “decrete”  o congelamento   dos preços. Então, vão passar  por cima do Congresso  medidas tão drásticas e antidemocráticas determinadas por uma governante  sob cuja responsabilidade recaem  os  desregramentos   de gastanças de uma administração  pródiga e perdulária?  Não será  diminuído o tamanho  dos trinta e nove ministérios? Por que não eliminar  uns  vinte?  Se a Câmara, o Senado e a sociedade não repudiarem tudo isso, não hesitarei em  concluir  este artigo com  o título  que lhe dei: O povo  tem o governo  que merece,  escusando-me pela pobreza oportuna  do  lugar comum  do enunciado.
     
  

  

sábado, 12 de setembro de 2015

O pequeno anjo da praia











                                                      Cunha  e Silva Filho


      Agora mesmo,  ouvindo uma linda canção  tocada  ao piano, nem quero   lhe dizer,  leitor,  que  o nome da canção  não  importa. O que importa é que  ela  é tão  comovente para o meu coração cansado que apenas os sons, a melodia  me falam  dos sentimentos  que nela  brotam  no meu espírito algo triste  porque   o sentimento indizível  da beleza dos sons se mistura  com  a lembrança  daquela   solitária criancinha de nome Aylan  Kurdi, um sírio de três aninhos  jogado pelas  ondas  numa praia da Turquia  por causa da insânia dos homens que fazem  guerra.
       Que culpa tem  aquele serzinho  abandonado  até que lhe chegasse um   militar que da areia o levasse para outra lugar? Que fez Aylan  para merecer  a insanidade dos que  provocam  guerras inúteis? Que  erro cometeu  a criancinha  síria para  perder  o que é mais caro  ao ser humano: o direito à vida? Que  fez ele para  ser  vítima  de  um ditador  sanguinário e de  terroristas desalmados que só por rótulo  são chamados  de membros de uma religião? Quem  tem  sua fé, seja  qual for a sua denominação, jamais  seria   capaz de  interferir nos destinos  de um povo que apenas deseja  viver em paz,  ter  sua ocupação, sua família, seus filhos,  seus  parentes e amigos.
     O pequeno Aylan, seu  irmãozinho, sua  mãe  não podem ser  culpados  pelos desatinos  dos homens  maus  de nosso  Planeta. O pai  de Aylan,  junto da cova de sua família,  afirmou que  de  lá não queria sair. Queria ficar ali  junto daqueles seres  por ele amados e mortos  por assassinos  da humanidade. Para ele tudo  acabara, pois perdera tudo. O nome do cemitério,  na Síria, bem se ajusta  ao destino  de Aylan: Cemitério  dos Mártires.
       Se a imagem  fragílima  de Aylan   se tornou  um símbolo  da tragédia  das guerras civis ou entre  países, de carrascos  travestidos   de governantes  de todos os tempos,  se o pequeno Aylan  é visto  hoje como  símbolo também  da crise dos refugiados,  é tempo e mais do que tempo de  os chefes de estados do mundo inteiro  se organizarem  a  fim de    procurarem    uma saída  para os conflitos  em processo  em várias nações. Do contrario, outros Aylans  perderão o direito à vida,  o  direito de crescer,  ficar adolescente,  adulto, envelhecer e morrer,   não por guerras ou terrorismo,  mas pela lei natural dos mortais.
    Não é possível que o mal  dure sempre. Há que haver  um tempo de trégua  para  o ser humano. Se todas as religiões  se fundamentam  no fazer  o bem, na conquista da paz,  é  mais do que hora  de acordar  para  pôr em prática  os  princípios  do amor  à vida e às pessoas,  independentemente  de  religiões,  de  crenças,  de modos de vida, de etnias. Estamos na Terra  para sermos  felizes, fazer o bem ao  próximo e conviver em paz  duradoura.
   Que a imagem  do pequenino  morto  na  praia   da Turquia modifique  os corações  dos que se dizem  responsáveis  pela  paz. O mundo está enormemente carente  de   líderes   que se empenhem  em lutar  pacificamente  pela  vitória  dos  homens de bem.
   Muitas vezes,  olhando nas TV  a multidão de refugiados    a caminho da Europa e de outros  continentes me lembra   as imagens  dos horrores  da Segunda  Guerra Mundial,  do Holocausto,   das vítimas   inocentes de Hiroshima e Nagazaki.  Esses grupos de refugiados, em fileiras ou desordenadamente,  de pessoas  sofridas  e andrajosas corridas  das guerras civis  e dos bombardeios em seus países de origem, muitas  só com  a roupa do corpo, andando a pé,  nos fazem  pensar que, em  muitos  aspectos,   estamos  vivendo  as atrocidades  de uma nova  conflagração  mundial.   Que Deus nos livre  disso!
  Me vem ainda à tona a imagem  grotesca  e desumana daquela   repórter na Hungria chutando  os que já foram  chutados dos seu próprios  países. A desumanidade está em  toda parte e em todas as profissões, em todos os gêneros. Mas,  repudiar a  passagem de refugiados  já com  as almas destroçadas  pela travessia  de fronteiras  é algo  impensável, sobretudo de   uma jornalista   violenta  e truculenta, imagem invertida  da delicadeza da mulher  em qualquer  nação. Tal comportamento de uma repórter foge a todos os padrões  de uma atividade   tão  relevante  à comunicação. O trabalho  de um  jornalista deve ser de apoio,  não  de verdugo. Seu gesto  é imperdoável e ainda pode manchar  a imagem da imprensa.
  Outra canções  continuo  ouvindo  no momento da conclusão  desta  escrita e com elas  se embaralham contraditoriamente a dor   do pequenino morto e o enlevo  dos sons. Como podem coexistir a dor e a beleza  no trabalho  com a linguagem?  As canções  continuam enquanto   prossigo meditando  sobre  a inutilidade das guerras, a  fúria dos homens e a certeza de que esses  crimes  não ficarão impunes, visto que há um  Ordem Maior acima  dos  poderosos da Terra.




sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Insatisfação geral







A


                                          Cunha e Silva Filho



      Uma das coisas de que mais gosto de fazer é conversar com  pessoas de diferentes níveis culturais. Vejo  este costume como um forma de aprender com a vida e, por conseguinte,  de  colher visões  diferentes  sobre o meu  povo. Obviamente, nem sempre  interlocutores  me  dizem   aquilo que   com eles  poderia compartilhar   no campo  político. Não vejo  agora  no pais  nenhum tema  mais  discutido do que  a questão  da continuidade ou não do governo  Dilma.
   Os governantes colhem o que plantam.  Recordo que,  na  disputa para a presidência,   a presidente Dilma  estava  muito cheia de si,   falando  com segurança  aquilo que,  logo depois das eleições e com a vitória  dela, o povo  iria  saber: tudo o que falara   era para  inglês ver. .
      Ela havia   ocultado  toda uma realidade  que    definia  a condição  de seu governo  anterior: o país  estava mal nas contas,  nos gastos faraônicos,  nos rombos derivados dos   escândalos do Mensalão e da Petrobrás desde  o primeiro  mandato   do  ex-presidente Lula – rombos esses  que iriam  respingar  amargamente  no bolso  do  povo, tendo por consequência  a elevação  estratosférica  das contas públicas e com isso o aumento  de preços em vários setores da vida econômica brasileira sob diversas formas  deletérias: inflação, recessão,  aumento das taxas da Selic,  de impostos (luz, gás, telefone), manutenção    de um governo  com gastos pantagruélicos  decorrentes de despesas com mais  de  trinta ministérios,  ministérios  inúteis,  elefantes brancos  que  só servem   para  engordar  o empreguismo   público e os polpudos  cargos de comissões a serem   preenchidos  por  membros do PT e partidos da  famigerada  “base aliada” conseguida com  a estratégia  politiqueira do toma lá dá cá.
    Por outro lado,  o  governo  Dilma  se deslocaria   para  ajudar  países  de língua  espanhola Venezuela,  Bolívia,  Cuba) com os quais  se afinava e se afina  ideologicamente,   oferecendo-lhes  empréstimos    milionários com a finalidade  de melhora a infra-estrutura deles, enquanto  cá no país  se esfarelavam as condições  de saúde,  transporte,  segurança,  educação. Ora, adicionado a tudo isso  os gastos com  os programas sociais, à frente dos quais   o  famigerado  Bolsa Família – o maior cabo eleitoral  do  PT ou seja, aquele que mais tem  peso na vitória  das eleições.
    Toda essa pressão  financeira  do governo federal  sobre  as condições de vida   da sociedade  veio à tona, e seus efeitos  danosos   se fazem sentir ainda mais  porque  á  falta de ética  dos políticos atingiu  um nível de  imoralidade tão  grande  que  dificilmente   alguém, em sã consciência,   credita  alguma virtude  a quer   figura  da  política nacional. Não se confia mais  na classe  política que aí  está. Ela perdeu   todas  as  oportunidades  de   recuperar    o esfacelamento  da imagem  que hoje  se tem  desses supostos  representantes   do povo.
   O que o homem  médio brasileiro  pensa dos políticos  e dos governantes em geral  é um  sentimento  de  revolta, de indignação,  de se sentir lesado e traído  por promessas  vãs, quer dizer,  os brasileiros  perderam   praticamente   qualquer   resquício de respeito aos  políticos e governantes. De vereadores  a senadores, não importa,  ninguém mais  confia  em nenhum deles,  em  nenhum partido. Para muita gente,  o que  deveria  ocorrer  seria um  limpeza geral dos atuais  políticos em eleições  próximas  que apeassem todos  eles do cenário  tragicômico que suas tristes  figuras  simbolizam negativamente  para a sociedade brasileira.
      A boa  imagem  que  grandes políticos   passavam   para os eleitores  de outras  épocas  da história  brasileira se aviltou   em virtude de que  a carreira política se transformou  em  trampolim  para  o enriquecimento  ilícito,  o mau-caratismo  e  a completa    indiferença   que  com que  a maioria deles tem  tratado  a sociedade. Não somente indiferença,  mas  prepotência, descaso  com  a coisa  pública,  com  as reais aflições  e reclamos  do povo.
       Para  piorar   isso,  o político  de hoje  está muito  longe do  preparo,   da competência  e  do espírito público  de algumas  figuras   de grande  representantes   que já tivemos no  parlamento  nacional. Quaisquer aventureiros, sobretudo egressos do estrelismo (baixo ou alto) na área artística, líderes  religiosos supostamente  cristãos, desportistas  famosos,  vão encontrar na política    o melhor  meio de  se  dar bem na vida. Não é preciso que os nomeie  neste artigo, pois o leitor sabe  bem de quem estou  falando. Ora, esses indivíduos que entram na política  descompromissados  com  o bem público e com a  melhoria  da vida do país  pouco  se lixam para  o que  está  se desmoronando à sua volta, visto que  estão com a vida feita e alguns são até elogiados  por seus eleitores(?!).
      Não quero  fazer alusão a esses grupos por mera prevenção ou preconceito. Num  país democrático qualquer pessoa  tem o direito de  filiar-se a um partido e de candidatar-se a um mandato parlamentar  ou do  poder executivo, desde que o faça por convicções  verdadeiramente  de servir ao bem-estar da nação,  não motivados  para  fazer  da política um meio de vida  com regalias. Por tais desvios  de ordem moral,  nem todo candidato  é digno de  um assento  no poder  legislativo. A função dos parlamentares – convém  enfatizar -  rejeita  por si   só  os interesses subalternos ou de conquistas  de regalias num país  onde  o político  desfruta  de altíssimos salários e  outros tantos  benefícios.