domingo, 27 de janeiro de 2019

EDUCAÇÃO E LÍNGUA ESCRITA



Cunha e Silva Filho


     Dois problemas momentosos almejo discutir sumariamente aqui nesta página: a) o uso da língua portuguesa dito culto; b) a educação do usuário da língua escrita. É apenas uma artigo, um repto, um desagravo a uma pessoa querida, sem pretensão alguma de escrever um ensaio linguístico, gramatical ou filológico. 
    Porém, pretendo tecer algumas considerações de natureza ética e linguística quanto a práticas imoderadas e deselegantes de usuários do Facebook ou de outras mídias de, vez por outra, particularizando uma pessoa de méritos incontestes e de abalizado conhecimento de uso do vernáculo comprovado em esmerada argumentação do seu discurso técnico-jurídico e até literário e devidamente comprovado com a sua sólida formação acadêmica em instituições de ponta no país. 
Desnecessário nomear aqui o elevado nível de competência entre os seus pares na área de atuação intelectual e profissional. Não vou exibir tampouco os títulos e o rico curriculum da pessoa atingida por ser desnecessário e por ser o autor um estudioso de primeira linha.
      A qualquer usuário do Facebook e quejandos não cabe a leviana pretensão de arvorar-se em sair por aí “corrigindo” a esmo textos alheios visto que, se assim proceder, dará um exemplo de absoluta falta de educação e de desrespeito com o autor do texto, principalmente sem ter a mínima intimidade ou privacidade com o autor do texto criticado quanto a usos da língua escrita ou mesmo oral. 
     Palpitando às cegas sem ser autorizado e sem a vênia do autor, em questões gramaticais envolvendo mais do que um mero uso normativo ou culto do vernáculo é se expor ao ridículo e dar atestado de ignorância extrema de uma boa educação exigida no relacionamento social. Melhor seria afirmar mais categoricamente como um péssimo exemplo de grosseria com alguém que não conhece. A querela do certo ou errado foi praticamente alijada da visão avançada dos linguistas mais atualizados em nosso país. Já se foi o tempo do certo do errado em assuntos de linguagem nos moldes do velhusco gramático e filólogo luso Cândido de Figueiredo, entre outros, inclusive brasileiros.
   Tenho observado, no espaço do Facebook, que muita gente anda se comportando com se fosse detentora do conhecimento da língua portuguesa e é, nesse sentido, que o presente artigo tem a sua razão de ser e se torna oportuno. Procurar catar solecismos e outros vícios de linguagem em usuários virtuais não é o procedimento correto. Há outros modos de se corrigir alguém sem constrangimento que cometa um deslize gramatical, uma erro de concordância ou um uso controvertido do infinitivo flexionado ou inflexionado. – questão, de resto, controvertida em muitos ângulos, porquanto não só está atrelada ao fato meramente gramatical, mas à estilística fônica, por exemplo. 
     O conceito de erro gramatical, de certo ou errado, mudou drasticamente após os desenvolvimentos da linguística no mundo e no país. Após estudos apurados no campo da sociolinguística, nos conceitos de níveis da fala, de registros linguísticos. Tudo passa a ter um novo enfoque a me lembrar aquela observação do gramático Brian Kelly ainda pertinente aos nossos tempos:[...] “Se as regras de gramática diferem do uso culto, então a gramática tem que mudar, pois a gramática foi construída para a língua, e não a língua para a gramática.(An advanced English course for foreign student. London: Longmans, Green and C., 1940, p. 352.).[Tradução minha]
    Por conseguinte, o vício errôneo de enxergar erros gramaticais nos outros não é recomendável a uma pessoa instruída e polida. Uma derradeira observação, não precisamos arrolar tantos autores mais avançados na questões de correção gramatical e uso do português. 
Recomendo um pelo menos, que aborda tais questões com alta competência e atualidade: Marcos Bagno, Veja dele o opúsculo Preconceitos linguísticos - o que é, como se faz. 52ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

sábado, 5 de janeiro de 2019

NATHAN SOUSA: UMA POETA EM ASCENSÃO



CUNHA E SILVA FILHO


Não se pode negar ou ocultar fatos concretos e realidades palpáveis, mas tudo está levando a crer que a produção vertiginosa do poeta e ficcionista Nathan Sousa, natural do Piauí, se encontra em franca ascensão. A princípio. o julguei um tanto narcisista ou autocentrado porque vivia falando de si, dos seus projetos sucessivos, nos dando a impressão de que era uma máquina de fazer literatura que veio para se dedicar de corpo e alma à nobre atividade da poesis, com a qual divide as suas incursões no campo da ficção e do ensaio breve e atilado em que tem a destreza incomum de fazer belos perfis sobre autores/obras em panorâmicas que dão gosto de ler.
Ele é desses autores que não dão trégua ao tempo, transformando este em novos trabalhos de sua lavra incansável. Procurou ler o máximo em reduzido tempo do que seja melhor da grande literatura, dos grandes poetas e ficcionistas, até mesmo das respeitadas obras de história da literatura universal. Parece querer devorar o tempo exíguo em tempo de antropofagia literária assimilando rápido e se inteirando célere no meio ainda hostil aos novos quanto é a vida literária e cultural brasileira.
Já lhe saíram da sua pena, pelo menos uns 8 livros. Conquistou, por quatro vezes, prêmios da UBE, foi finalista em concursos literários, como o famoso Jabuti e, agora, foi também contemplado entre os finalistas de um concurso literário de peso, o I Prêmio Internacional de Poesia Antonio Salvado, com a obra poética O tecido das águas, reunindo uns 400 concorrentes de outros países e em concurso destinado à obra de estreia em português e espanhol.
Natan Sousa atende bem àquele pensamento em inglês que li alhures: “Cuide bem dos seus talentos.”´É assim que, a meu ver, ele faz com o que foi dotado literariamente. Digo isso porque geralmente no Piauí, por exemplo, há bons e grandes talentos poéticos que são prejudicados por falta mesmo de dedicação e de continuidade a seus projetos literários. Ora, uma poeta de raça tem que sustentar-se no tempo e no espaço. Faz seu percurso até onde lhe é possível escrever mas não desiste nem desanima diante dos reveses inerentes à própria condição de ser poeta, a não ser que seja tolhido pela morte ou por alguma doença que impossibilite o vate a escrever mais, tal como se deu com o poeta-mor do Piauí, Da Costa e Silva ( 1885-1950).
Ainda não li a produção poética de Nathan . Entretanto, só com a leitura de uma de suas obras, Dois olhossobre a louça branca (Guarantiguetá,SP.: Penallux, 2016, 86) que resultou numa resenha minha sob o título “Diálogo com todas as coisas, objetos e seres: a poesia de Natan Sousa”, de certa forma, pude fazer algumas considerações preliminares sobre o poeta piauiense, campeão de concursos. Aproveito o ensejo para inserir aqui a referida resenha, a qual já foi lida em alguns países importantes do mundo:
DIÁLOGO COM TODAS AS COISAS, OBJETOS E SERES: A POESIA DE NATHAN SOUSA
CUNHA E SILVA FILHO
Com pouca informação sobre o autor, o poeta piauiense Nathan Sousa, 43 anos, sem lhe conhecer a produção até agora editada, me agarro a seu mais recente livro publicado, Dois olhos sobre a louça branca(Guaratinguetá: Penalux, 2016, 85 p.). Essa editora vem publicando outros poetas e ensaístas, alguns dos quais conheço, como Luiz Filho de Oliveira, poeta piauiense, e Valdemar Valente, ensaísta.
Residindo no Rio de Janeiro há tanto tempo, não tenho condições de acompanhar tudo que tem sido publicado no Piauí, sobretudo seus autores mais jovens ou menos jovens..O que me vem ao conhecimento é quase por acaso. As minhas referências aos novos autores vou buscar nos poucos historiadores literários de que o Piauí dispõe, como Francisco Miguel de Moura e Herculano Moraes.
Como diria os mais velhos até do que eu, de um assentada li o livro em exame. Leitura rápida que me impulsionava a ir adiante. Foi o que fiz e posso adiantar: não foi tempo perdido. O jovem poeta como aconteceu com Luiz Filho de Oliveira, me surpreende por várias razões, (com a sensação estranha e satisfação com que li o poeta Elmar Carvalho nos anos 1990 e quando lhe analisei a obra poética nos anos seguintes), em especial pela qualidade inquestionável de seus versos.
Eu tentei ver se na obra de Nathan poderia encontrar uma imperfeição, seja de natureza da linguagem literária, seja da própria elaboração da sua fatura poética, a meu singular, orignal, na qual, a palavra, a frase, a estrofe e o poema inteiro vão-nos deleitando pela leque de situações formais e humanas levantadas pelo autor. Aposto na consagração desse poeta e logo logo na sua visibilidade fora dos limites do Piauí.
Nathan Sousa nos enseja uma poética que muito se aproxima do âmbito filosófico, sem, no entanto, desprezar a concretude da vida, a realidade quotidiana e seus problemas e impasses, os objetos inanimados, a flora, a fauna, coisas em geral, i.e. o mundo natural e o mundo cultural, Tudo no livro parece querer atingir uma dimensão universal. Em Nathan nada lhe escapa ao que se convenciona denominar de mundo real e mundo abstrato. Luz, sombra e mitos. Por isso, sua poesia é tão invadida por objetos, coisas, seres humanos ou irracionais, pela frequência alusiva, ou seja, pelo intertextualidade, quer endoliterária, quer exoliterária (Cf. Vítor Manuel de Aguiar e Silva. Teoria da literatura. 8 ed. 19ª impressão. Coimbra: Livraia Almedina, 2011, p. 629-630), um traço muito comum nos poetas de hoje e já anunciado, conforme amiúde tenho repetido, desde a previsão do crítico literário inglês I.A. Richards (1893-1979).
Optou – seria o termo certo para uma poesia constelada de signos, metáforas e símbolos? - por um poesia de corte contraditoriamente aristocrático, na qual os verso resultam de poderosa imagística que toca em muitos ângulos do se podia rotular de grande poema em todas as épocas. Contudo – cabe ressaltar - o adjetivo “aristocrático,” aqui particularmente empregado, não tem nada a ver com um poesia tradicional parnasiana ou neo-parnasiana. Longe disso. O adjetivo refere a um tipo de poesia inapelavelmente pós-moderna no sentido mais lato possível. Quer dizer, uma poesia que supera as vanguardas brasileiras a partir das mudanças efetuadas pelo Concretismo de 1956 e outras formas de vanguardas pós-concretistas. Nathan faz parte de um grupo de poetas que pertenceriam a uma fase na qual os ismos datados forma superados e, em lugar dele, a poesia teria em cada poeta uma forma individual de composição. Não significa por isso que há nesses novos poetas que estão surgindo no pais a anarquia da forma e de temas, mas um percurso poético pessoal que tenha recebido as mais diversas contribuições tanto da tradição literária quanto das diferentes vanguardas pelas quais passou a poesia brasileira..
A poesia de Nathan Sousa, em alguns aspectos formais e de comportamento com a linguagem, me lembra outro poeta brasileiro que conheci muito, o Jurandyr Bezerra (1928-2014), autor de um único livro publicado, Os limtes do pássaro (Belém: Editora SEJUP, 1993), bem recebido pela crítica especializada. Tinha prontos, pelo menos oito livros de poesia a serem editados. Bezerra nasceu no Pará e, em seguida, radicou-se no Rio de Janeiro. Recebeu prêmios e teve poemas traduzidos para o italiano e eu mesmo verti um poema dele para o inglês, de título “Poema para Izabel,” extraído do livro já mencionado, Os limites do pássaro.
Como Nathan, ostenta uma poesia de fino senso de beleza, onde o sentido do poema se encontra no próprio fruir da linguagem e dos seus recursos imagéticos, em sua potência criativa e no seu substrato profundamente humano além de musical, visível influência dos simbolistas.
Jurandyr Bezerra foi leitor voraz dos grandes poetas não só brasileiros (Cecília Meireles, Cruz e Sousa, Murilo Mendes, Fernando Pessoa), mas um do porte do expressionista alemão Georg Trakl.(1887-1914). Tinha especial interesse pela leitura de respeitados ensaístas, por exemplo, um Mário Faustino, um Benedito Nunes, um Antônio Olinto, um Antonio Carlos Secchin, um José Guilherme Merquior.
Recordo vivamente que Jurandyr citou especialmente o último dos citados poetas no parágrafo anterior, da mesma maneira que gostava de citar Cecília Meireles, os simbolistas. Foram, assim, uns mais outros menos, os que, segundo ele, lhe ensinaram finalmente o que é poesia depois de tanto tempo e canseiras de releituras, porque, acrescentava ele, a poesia é também um aprendizado do domínio técnico – uma espécie de epifania, uma porta aberta aos olhos espantados dos que amam e querem para si a entrada firme e certeira do sentido da linguagem e da matéria poética que se traduz, ao fim, em criação verbal e de apreensão do que seja o grande verso, a grande poesia.
Jurandyr, tal qual todo bom poeta, passou a vida inteira lendo o que havia de melhor na poesia universal tanto de brasileiros quanto de estrangeiros. E como sabia ter a vocação e a maneira cavalheiresca de ofertar obras da grande poesia aos amigos! Uma desta ofertas foi uma antologia de poetas expressionistas alemães.
O livro Dois olhos sobre a louça branca, de resto, de título insólito e enigmático, compõe-se de quatros partes, respectivamente intituladas “Ogiva de Vidro” “Lágrima de quartzo,” “China,” e “Estuário / Saliva.” As quatro partes reúnem cinquenta e um poemas. É obvio que, numa simples resenha, não daria conta de um comentário abrangente o suficiente para apreender a riqueza facilmente detectável em seus poemas, em que a linguagem da poesia é medida milimetricamente e se encaixa no tema eleito.Esse frêmito também, em relação a novos poetas do Piauí, experimentei na leitura da poesia de Sonia Leal Freitas, O cedro do Éden (2002) e na poesia satírico-social mas também estruturalmente refinada de Luiz Filho de Oliveira na obra Das bocadas infernéticas (2016).
Não seria neste espaço que adensaria minha análise da poesia de Nathan Sousa, mas me impulsiona o desejo de tecer alguns breves comentários gerais do livro. Tomemos, por exemplo, três poemas, entre tantos no livro, que me suscitam a curiosidade crítica: “Eu e a Cidade” (p.32-33), “Sabor”(p.75) e “Ceia de cegos” (p.85) e
O primeiro escolhido retoma um tema já poetizado por outros autores piauienses, um deles sendo Paulo Machado. Todavia, o tratamento entre este o de Nathan é bem diverso e reflete outros tempos poéticos. Nos poemas de Paulo Machado sobre Teresina a poesia, num lirismo distanciado, se entronca com a denúncia social e o testemunho do tempo histórico, enquanto que em Nathan Sousa existe uma relação mais íntima entre o sujeito lírico e o tema de Teresina, ou seja, entre o sujeito lírico e o objeto amado complicado desta vez pelos tempos de agora, líquidos e apressados no torvelinho da pós-modernidade impessoal e brutal.
O poema é uma mini-autobiografia do poeta que se debruça corajosamente sobre o seu tempo presente e o passado. Fala do presente da sua cidade, Teresina, em constante metamorfose. É um belo poema, um dos melhores do livro costurado entre a saudade dos entes queridos e as transformações que o amadurecimento vai exercendo sobre o homem-poeta: “retorno à cidade onde nasci/e onde vi meu pai e (pouco depois) minha mãe partirem/para sempre”.(p.32, primeira estrofe).
Nesse poema há um controlado halo de nostalgia indefinida do que foi a cidade do período existencial do autor por ele mesmo situado: “Será esta a Teresina/que se abriu em cores e vozes/ naquele distante ano de 1973? (p. 33, estrofe 7). É evidente que essa sensação de estranheza sentida por alguém que se afastou da sua cidade berço é compartilhada por outros pessoas, até pelo “homem comum,” porém sobremodo pelos artistas, poetas, escritores em geral, gente com maior sensibilidade de transmitir emoção e beleza através da comunicação literária.O poema é um grande mergulho no sentimento da saudade contida pela emoção controlada pela mensagem sintética tão afinada que deve ser com o ato poético e pela consciência e razão metapoética.
No poema ‘O sabor,” existe um “topos,” o da imagem da “louça branca” que, por sinal,faz parte do título do livro. Ele, portanto, é recorrente, aparece aqui e ali na obra.Não é meu intuito aqui me éter neste sintagma ou no lexema “louça.” Sua hermenêutica será certamente uma das linhas de força do poema. Nathan, tanto quanto outros poetas de hoje, usam de alguns artifícios que já foram empregados por poetas da modernidade, como um Vasco Graça Moura (1942-2014)poeta português, ou um mais antigo, e o norte-americano e.e.cummings (1894-1962). Eles usaram letra minúscula para nomes próprios, assim também as empregaram depois de um ponto. Outra traço tipográfico semântico-visual igualmente encontrado na poesia de Luiz Filho de Oliveira) é, entre parênteses, incluir um enunciado alusivo ao poema ou mesmo de sentido enigmático ou indecifrável.
Cumpre não esquecer que a poesia atualizada de Nathan Sousa tematicamente se irradia para múltiplas direções, não somente para o olhar dirigido aos objetos, coisa e seres, segundo assinalei, mas para outras questões que embutem no poema voltadas ao universo das artes, da temas sociais e globais, Combina os mundos ocidental e oriental. Desloca-se como uma espécie de globe-trotter.
Há uma visada para uma abrangência universal atingindo, além disso, outros espaços naturais, a água, o líquido, os pássaros (frequente nele também é suas referência a essa espécie animal. Voltemos ao poema “Sabor.” Há sempre um segundo ou terceiro ou mais sentidos num só poema que converge para uma opacidade de sentido abrindo-se ao hermetismo e a um esteticismo acessível a poucos iniciados.
Neste ponto, sua poesia é muito mais sofisticada do que foram os poetas da geração-70, com o mimeógrafo, com alguns poetas reunidos em antologia a cargo de Heloísa Buarque de Holanda, antologia que se tornou, por assim dizer, um clássico, sob o título de 26 poetas hoje ou mesmo com os da geração-90, que teve duas edições (Editora Aeroplano) e mereceu uma outra antologia intitulada Esses poetas, também organizada por Heloísa Buarque de Holanda.
No poema “sabor” é evidente uma dicotomia entre o abismo de uma hecatombe natural insinuada pelo binômio “goela e o big bang e um desejo meio que incerto, a despeito do risco, do recurso à poesia. O poema se inscreve entre o disfêmico ( big bang, “mefistofélico”, “combustão desavisada” e “armas” e o eufêmico ( “louça branca,” “canto de louvação,” “educada”). O poema não afirma abertamente, se camufla semanticamente.
No poema “Ceia dos cegos,” o derradeiro do livro, que exibe uma epígrafe de escritor português Miguel Torga, está associado à religiosidade cristã na acepção do conhecimento atento do Novo Testamento, do qual é citado uma frase de Mateus (não sei por que o poeta grafou em inglês mathew, quando poderia fazê-lo em português).
As referências ao “mito” e ao “sono da caverna” são bem indicativas das intenções oblíquas (se é que há intenções num poema) da natureza do tema do poema. Apontam para muitos questionamentos de cunho mitológico, social, estético e filosófico. A citação de Mateus, por sua vez, reenvia ao topos dos “olhos” e da “louça branca” que formam o título da obra. O poema “Ceia dos cegos” não se torna por isso religioso, católico ou de outra denominação. A uma afirmação do sujeito lírico corresponde uma desconstrução. O conceitual se desfaz, muda de rumo e causa estranhamento não pelas aporias existentes como ainda por sua súbita metamorfose semântica, levando àquela opacidade, àquela conceituação de Mallarmé:
(...) referir-se a um objeto pelo seu nome é suprimir três quartas partes da fruição do poema, que consiste na felicidade de adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o que sonhamos. É o uso perfeito desse mistério que constitui o símbolo; evocar pouco a pouco um objeto para mostrar um estado de alma, ou, inversamente, escolher um objeto para e desprender dele um estado de ama por uma série de decifrações.” (apud Tavares, Hênio, Teoria literária. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 8.ed. rev. e aum., 1984, p.89).
As múltiplas vozes de espaços e tempos diferentes tornam a poesia de Nathan Sousa um poliedro que, num melting-pot, sabe agasalhar ou recusar todos os caminhos possíveis da poiésis – um desabrochar de temas cruciais e de questões filosóficas, que atravessam rios, oceanos, mares, lagos, continentes do Ocidente e do Oriente e tentam encontrar ressonâncias ao seu canto de pássaro ávido para ao menos tornar o nosso universo mais humano e fecundo, onde o lirismo se faz onipresente mesmo em meio à contramaré da contraditória e tumultuada existência contemporânea na Terra.