sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Uma carreira sem esperança?

Uma carreira sem esperança?


Cunha e Silva Filho



A Folha de São Paulo, no seu conceituado caderno MAIS!, de 31/01/2010), publicou extensa e bem fundamentada reportagem de Antônio Góis, de título “Entre os muros da escola”, tendo por tema central a realidade de uma escola estadual do ensino médio em Campo Grande, bairro da zona oeste do município carioca.
Foram três meses de observação do quotidiano dos alunos e da escola, com permissão ate para assistir a reuniões de conselhos de classe, a aulas e a conversas cima a direção da instituição escolar. Deve-se ressaltar que a escolha visitada pelo jornalista não se encontra entre as piores do estado do Rio de Janeiro.Muito ao contrário. É bem administrada, cuidada, tem bons professores.Haja vista que, no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), a escola obteve a mesma média de pontos nacional, i.e., 49 pontos.
Contudo, o que me despertou mais a atenção na reportagem foi, entre outras questões problemas enfrentados pela escola, a questão da indisciplina n a sala de aula.
Ora, estamos em 2010. Se eu fizer uma comparação com o tempo em que lecionei em escola municipal, na qual ingressei em 1976 e, na rede estadual , em 1977, o que me assusta é a contínua e mesmo crônica situação de falência do ensino público no Rio de Janeiro e, por tabela, no país. No ensino fundamental e ensino medo o Brasil é ainda um país do futuro. Diria mais precisamente, uma país de contrastes gritantes, porque em nossas plagas existem escolas de superior qualidade, como alguns colégios de aplicação vinculados a universidades públicas. Existem escolas particulares de alto nível na qualidade de ensino no setor privado, assim como há escolas particulares de baixa qualidade, universidades particulares de boa qualidade como também de média ou péssima qualidade. Ou seja, ensino para todos os gostos e desgostos.
Essa realidade histórica de nosso ensino público tem antecedentes ainda mais recuados. Me recordo de uma texto do crítico José Veríssimo (1857-1916) extraído da obra A educação nacional (1. ed.,Belém, 1890), em que discute questões do ensino num tom de veemência condenatória dos males da educação brasileira num quadro traçado que muito se aproxima dos problemas com que ainda hoje nos deparamos.Veja-se, para ilustração, o que nos diz sobre programas de ensino:
É bem sabido que, pelo que respeita a programas, o Brasil é talvez o país mais adiantado em instrução pública, Nenhum os tem tão carregados e sobrecarregados de ciência e grávidos de exigências, que não passam jamais das suas páginas natimortas.(op. cit. , p.163).
Reconheço, entretanto, que em décadas anteriores a aproximadamente os anos setenta, o magistério público dito secundário tenha vivido alguns anos de maior prestígio e qualidade na formação dos alunos que os anos ulteriores. Houve já época em que os professores do ensino estadual enfrentavam, para o ingresso na rede pública, complexas provas escritas e orais perante bancas de alto nível.
Com a massificação do ensino a partir do período econômico chamado de “milagre brasileiro” em plena ditadura militar, quando qualquer aventureiro poderia abrir escola particular, e mesmo faculdade, a realidade da educação brasileira, ano após ano, ia conhecendo níveis de decadência de conteúdos programáticos e de desvalorização profissional dos docentes, com salários cada vez mais aviltados. Essa desvalorização chegava a níveis tão baixos que deu azo e bastante combustível para programas humorísticos na televisão , como a escola do professor Raimundo e seu batido bordão “E o salário? Ó...”, programa que mais concorria para desmoralizar a classe dos mestres junto à sociedade do que valer como crítica efetiva contra os responsáveis pela má situação a que o professor brasileiro fora relegado, situação da qual ainda hoje não saiu infelizmente.
Pelo menos da década de setenta do século passado até hoje, sucessivos governos estaduais do Rio de Janeiro pouco ou quase nada realizaram para melhorarem as condições do ensino. O próprio governador Leonel Brizola que, no Rio Grande do Sul, teve bom desempenho no setor da educação, no Rio de Janeiro, apesar de ser assessorado por um intelectual conceituado, Darcy Ribeiro, de bom só nos legou as construções dos famosos brizolões. Ora, aprimorar a educação e o ensino não se resume a construir prédios novos, mas atualizar e aperfeiçoar o sistema de ensino e a aprendizagem, renovando métodos pedagógicos e, last bust not least, investindo na valorização do professorado.
Uma guinada para um ensino moderno, democrático e socialmente includente, nunca vingou até nosso dias. Durante anos a fio, professores do Rio de Janeiro lutaram bravamente, reivindicaram e entraram em greves homéricas, arrostando até a polícia estadual que os ameaçava e, muitas vezes, os agredia covardemente por ordem de governos autoritários, tanto no período discricionário militar quanto com governadores civis. Houve conquistas? Muito poucas. Houve melhoria salarial? Muito pouca.
A realidade é que, até hoje, praticamente as mesmas deficiências do ensino público, seja estadual, seja municipal, ainda persistem. Em algumas escolas particulares de nível ruim ou péssimo continuam no mesmo passo desastroso e prejudicial ao ensino. O país é muito pobre em grandes lideres da educação. A luta pela educação é um combate de Sísifo..
Me lembro de que um governador de São Paulo, respondendo a um jornalista sobre a questão salarial de professores, afirmou que “os professores nunca irão ganhar um bom salário”. Quanta sensibilidade a desse ex-governador do estado mais rico do país! No entanto, essa afirmação do governador ainda encontra ressonância em governantes no Brasil inteiro.
Voltando, no entanto, para o tema da indisciplina na escola pública, confesso que, durante anos e sobretudo nos meus últimos anos nas redes estadual e municipal, já enfrentara sérios e graves problemas com alunos. Alunos que não mais iam à escola para estudar, mas para criar tumulto durante as aulas. Os professores menos duros eram os que mais sofriam nas mãos deles. Alguns eram até delinquentes. Ameaçavam os professores. A situação ficou insustentável e eu, àquela altura, já me inclinava a outras paragens. Não tinha mais forças para lidar com alunos indisciplinados.
Não quero acentuar que em todas os níveis e realidades de escolas a situação fosse insuportável . Havia exceções. Por exemplo, quando lecionei para normalistas, período fértil e de intensa atividade dedicada às minhas aulas, de tal sorte que consegui conquistar muitas amizades com alunos e alunas, de quem guardo inesquecíveis momentos de prazer pelo convívio amistoso e saudável que mantive com tantos bons e excelentes estudantes.
Com os novos tempos, com o aumento assustador da violência, do uso de drogas e de outras mazelas sociais, não seria mais que previsível que o locus escolar viesse a sofrer golpes ainda mais desalentadores no tocante ao ensino e à aprendizagem.
O país mudou e mesmo melhorou em muitos aspectos, porém infelizmente a qualidade de nossos governadores e prefeitos, via de regra, não acompanhou os frutos do desenvolvimento. Dessa maneira, ao ensino público estadual e municipal não se tem dado prioridade. E por prioridade entendo efetiva e sincera atenção dos governos para essa crônica realidade do ensino público, que não é restrita ao Rio de Janeiro, mas ao país inteiro.
A educação brasileira só terá dias fecundos se, pelo menos, três questões forem atacadas de frente, sem vãs promessas ou engabelações demagógicas: o salários dos professores, alçados à dignidade e de sua alta missão social; 2) investimentos maciços na infraestrutura das redes públicas, como se fez e se faz no Japão, na China, até em Cuba, onde os professores são respeitados e bem remunerados; 3) melhor preparação dos professores para atuarem, no ensino fundamental e médio, com eficiência e adequação aos segmentos menos favorecidos da sociedade. Nesta última questão, deverá haver com urgência um entendimento entre os governos estaduais e municipais com o governo federal no sentido de que nossas universidades fiquem mais sintonizadas com a realidade das escolas estaduais e municipais e sejam promovidos debates entre educadores, o MEC e os chamados colégios de aplicação a fim de que metas sejam equacionadas e, em médio prazo, implementadas no que diz respeito à melhoria da escola pública brasileira. Não estou jogando com utopias mas com visíveis possibilidades de mudanças para melhor.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A Falta

A Falta

Cunha e Silva Filho


O velho advogado entrou no seu apartamento no Flamengo. Velho prédio ainda firme. Os últimos síndicos que por lá passaram foram bons e cuidaram do prédio com muito carinho e responsabilidade. Até mesmo alguns deles, nas detestáveis reuniões de condomínio, quase chegaram à vias de fato com outros condôminos, pessoas sem escrúpulos que não respeitavam algumas normas do estatuto do prédio que, por sinal, leva o nome de um escritor mineiro, Cyro dos Anjos, autor do conhecido romance Abdias.
Lúcio Silveira Neto, quando completara setenta anos, deu para pensar nos seus anos de infância, de juventude e de jovem adulto. Vivia, nos últimos anos, sozinho. Sua família já estava encaminhada na vida. Eram dois filhos, um, diplomata, o outro, engenheiro eletrônico. A esposa já tinha falecido. Foi apenas dona de casa. Uma excelente dona de casa, cuidara bem de todos, inclusive dele, marido. Deixara saudade e algumas lágrimas .No início da vida conjugal, tudo fora um paraíso, mas, depois de sete anos, brigavam muito, discussões provocadas por ciúme da parte dela. Bobagem! Ele sempre lhe fora fiel, embora por vezes tivesse pensado em aventuras extraconjugais, afinal, tinha sido um homem bem apessoado, daquele tipo que as mulheres gostam: inteligente, amável, honesto, amigo, prestativo, embora fosse muitas vezes impulsivo, de pavio curto.
Naquela noite, depois de ter ido ao centro da cidade, que ele tanto amava por várias razões inclusive as sentimentais, Lúcio não queria ver televisão . Trocou a roupa que usara por uma bermuda, colocou os chinelos que estavam sempre debaixo de uma poltrona no quarto maior e foi sentar-se na sala, no confortável sofá cor de rosa. Deixou a luz da sala acesa. Agora, só o tempo para trás andava.
Numa bela e ampla estante cheia de volumes de Direito, fora apanhar um livro grosso, azul, que pertencera a seu pai, que fora também advogado e professor de uma universidade federal. Na primeira página do grosso volume havia uma carta bem antiga de seu pai para ele, que dizia:

Rio de Janeiro, 2 de abril de 2010

“Querido filho:

O presente de aniversário que você me deu vou guardá-lo para sempre. Não sabe, filho, o quanto me deixou feliz. Há tempo o queria e nunca consegui adquiri-lo, por mais esforço que pudesse fazer para comprá-lo. Você, então, o comprou pra mim. Por esta razão, quando, daqui a muitos anos, você abrir este livro nesta mesma página, eu não mais estarei com você. Mas, a releitura desta carta é que vai manter a felicidade que tive quando o recebi de suas mãos, e vai manter entre nós ainda uma certa forma de relembrança dos dias que , em vida, vivi com você, com seu irmão e com Laura, sua mãe.
Jamais esqueça que a leitura desta cartinha significa um eterno retorno à vida, pois o passado é vida quando trazido ao presente. Um homem sem passado perde o sentido do presente.
Receba o abraço e um beijo carinhoso do seu velho pai

Lúcio Filho

Naquela noite do ano 2040, que era um sexta-feira, Lúcio Neto passou boa parte da noite remoendo lembranças, tentando “atar os dois laços da vida” como o fizera Bentinho do Dom Casmurro. As lembranças lhe completavam de certa forma o que a vida atual não lhe proporcionava. O presente resumia-se a poucas coisas. Sua vida era uma rotina insossa. Não tinha mais amigos. Os melhores, já se tinham ido. Vivia de perdas e recordações. Às vezes, só o computador lhe servia de companhia. O filho mais novo, que morava também no Rio, raramente o visitava. Tinha lá suas ocupações, sua família. Nenhum deles lhe dera até então netos. Bem que os desejasse, queria ainda ter a alegria de beijar um neto ou neta. Saber o gosto de ser avô. Brincar com eles, contar-lhes histórias, lhes dar conselhos, orientação, sabedoria dos mais velhos Isso tudo lhe fazia falta.
Lúcio, já quase dando meia-noite, ligou a televisão no momento em que havia um noticiário e escutou, boquiaberto isso: “Para aqueles que jamais acreditavam que Jesus pudesse voltar, em Jerusalém, lugar hoje completamente pacificado, onde judeus e palestinos convivem em harmonia, embora ainda mantendo diferenças religiosas, correu uma notícia de que Jesus voltou, e desta vez há de julgar os vivos e os mortos”.
Não sabia Lúcio Neto que tal realidade iria presenciar e, ajoelhando-se diante do pequeno oratório caseiro, que ficava num canto de seu quarto, começou a orar. Era o padre-nosso que lhe saía dos lábios, que ele aprendera em escola religiosa, embora, durante grande parte da vida, se confessasse ateu. Seus estudos do Direito e de correntes filosóficas não o levaram à cruz. Esta lhe veio, agora, definitivamente pelo milagre do retorno do filho de Deus.
O mundo, daquela sexta-feira em diante, seria diferente. A Terra finalmente seria abençoada. O Filho havia regressado ao convivo da humanidade. Parecia aquele conto de Eça de Queirós, “O suave milagre” que lera de um livro da biblioteca do seu pai. A sua alegria, do tamanho do mundo, ao mesmo tempo interrogava: vai haver um novo julgamento do filho de Deus? Como a humanidade irá recebê-Lo? Lembrou-se de um novo julgamento que Jesus enfrentaria caso voltasse à Terra. E essa possibilidade de julgamento já havia sido discutida num opúsculo pelo filósofo Huberto Rohden, que ele conhecera através do seu pai, o qual, uma vez, pelo menos, assistira a uma palestra do filósofo, autor de Porque sofremos, na Escola Nacional de Belas-Artes.
Lúcio Neto estava, agora, transfigurado. A Ressureição dar-se-ia, finalmente. Esta seria a oportunidade de poder, quem sabe, rever seu pai, sua mãe, seus grandes amigos. Era a boníssima nova. Lúcio era um novo homem a caminho do Céu, como naquela imagem final belíssima e inesquecível de Quo vadis?, em que Robert Taylor e Debora Kerr, livres dos grilhões do império pagão, ascendiam às esperanças da salvação em Cristo.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

La vida es sueño

La vida es sueño


Sueña el rey que es rey, y vive
Con este engaño mandando,
Disponiendo y gobernando;
Y este aplauso, que recibe
Prestado, en el viento escribe,
Y en cenizas lo convierte
La muerte (¡ desdicha fuerte!):
¿ Que hay quen intente reinar,
viendo que há de despertar
en el sueño de la muerte?
Sueña el rico en su riqueza,
Que más cuidados le ofrece;
Sueña el pobre que padece
Su miseria y su pobreza;
Sueña el que a medrar empieza:
Sueña el que afana y pretende,
Y en el mundo, en conclusión,
Todos sueñan lo que son,
Aunque ninguno lo entiende.
Yo sueño que estoy aquí
De estas cadenas cargado,
Y soñé que en otro estado
Más lisonjero me vi.
¿ Qué es la vida? Un frenesi.
¿ Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción,
y el mayor bien es pequeño:
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son.

(Calderón de la Barca, poeta dramático espanhol, 1600-1681).


A vida é sonho (Fragmento)

O rei sonha que é rei, e vive
ordenando, dispondo e governando
com este engano;
e o aplauso que recebe
emprestado, no vento escreve
e em cinzas o converte
a morte ( quanta infelicidade!):
Pra que reinar
vendo que despertará
no sonho da morte?
Sonha o rico com sua riqueza,
que mais aflições lhe rende;
sonha o pobre que sofre
sua miséria e sua pobreza;
sonha o que começa a crescer,
sonha o que agrava e ofende:
sonha o que peleja e tem planos,
e no mundo, afinal,
todos sonham o que são,
ainda que ninguém isso perceba.
Sonho que aqui estou
preso a estas correntes
e sonhei que, em outro plano,
mais contente me senti.
Que é a vida? Um delírio.
Que é a vida? Uma ilusão,
Uma sombra, uma ficção,
E o maior bem pequeno é:
Que toda a vida é sonho,
E os sonhos, sonhos são.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Fernando Pessoa: "English sonnet XXI"

Sonnet XXI

THOUGHT WAS BORN blind, but Thought knows what is seein g.
Its careful touch, deciphering forms from shapes,
Still suggests, form as aught whose proçper bein g
Mere finding touch with erring darkness drapes.
Yet whence, except from guessed sight, does touch teach
That touch is but a close and empty sense?
How does mere touch, self-uncontended reach
For some truer sense’s whole intelligence?
The thing once touched, if touch be now omitted,
Stands yet in memory real and outward known,
So the untouching memory of touch is fitted
With sense of a sense whereby far things are shown.
So, by touch of untouching wrongly aright,
Touch, thought of seeing sees not things but Sight.


Soneto XXI

NASCEU O PENSAMENTO cego, sabe, porém, este o que a visão seja.
Seu tato prudente, decifrando fôrmas de formas,
Fôrmas sugere ainda como qualquer coisa cujo adequado ser
Encontra o tato simplesmente roupagem de escuridão errante.
Donde, entretanto, exceto pela visão suposta, o tato ensina
Que não passa ele de um sentido secreto e vazio?
Como auto-decontente alcança o simples tato
De algum sentido mais verdadeiro a inteligência inteira?
Uma vez sentida a coisa, caso o tato suprimido seja agora,
Na memória genuína e conhecida por fora todavia permanece,
De sorte que do tato a memória incólume se ajusta
De um sentido a um sentido por onde coisas distantes se revelam.
Assim, ao toque errôneo como se acertado fora,
O tato, pensamento do ver, das coisas nada tem senão a Visão.

(Traduçãoç de Cunha e Silva Filho)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O esquecimento é uma ideologia

O esquecimento é uma ideologia


Cunha e Silva Filho


O romance O feijão e o sonho (1938), de Orígenes Lessa, ilustra bem o quanto o tempo destrói nomes. Campos Lara, é personagem central desse romance simples que ao mesmo tempo oculta sérias discussões em torno do tema da carreira de um escritor e exemplifica, sobretudo na sua parte final, o que o tempo faz com alguns escritores quando estes se veem diante das fases de transição de um tipo de literatura por eles produzida e um nova fase que se abre como movimento pendular vanguardista. É nessa fase que o escritor supera, a ele aderindo, ou se mantendo irredutível nas suas práticas agora consideradas pelos novos como uma espécie de nova e necessária ruptura. Foi o que aconteceu no enredo de O feijão e o sonho, ficção que, por sinal, foi adaptada à linguagem da telenovela.
Campos Lara, poeta e escritor, ao longo de sua carreira de dificuldades financeiras e pequenos desacertos familiares, já percebia que ia ficando para trás. Sua obra já se tornava passadista e, por isso, logo seria engolida pelo movimento Modernista de 22. Esta é uma das chaves do romance que merece uma discussão mais aprofundada.
Aliás, todas as querelas literárias mais famosas na literatura ocidental passaram mais ou menos por esses momentos de efervescência mutacional entre uma estética passadista e uma nova estética que chega com a ferocidade destruidora e iconoclasta dos valores consagrados, da tradição que já dava sinais de esgotamento.
É óbvio que parte da geração que está sendo substituída por novos atores no cenário literário não arredará pé dos seus postulados estéticos. Foi, pois, o que se deu com escritores como Coelho Neto, Rui Barbosa, diante da nova linguagem de um Lima Barreto, isso no campo da prosa. Análoga situação se defrontaram os parnasianos ou simbolistas em relação aos modernistas da primeira fase demolidora.A fúria dos novos, no ponto mais alto de rebeldia de novas formas de linguagem, de estilos e de visões do mundo não se compadecia do passadismo. Porém, no meio de tudo isso, alguns “velhos” se mantiveram resistentes a qualquer mudança, sobretudo na poesia. O verso teria que ser verso, com rima e métrica rigorosas. Nada de versilibrismo, o qual, para eles, não passava de um saída fácil para alguém “fazer poesia” como se fosse prosa, rompendo com todo o arcabouço teórico de uma tradição secular.
O que desejo assinalar é que o passado e seus seguidores logo serão esquecidos e esquecidos injustamente porque o tempo delimita visões e formas literárias, como se estas fossem menos valiosas nos seus valores e características estéticas. O vanguardismo é uma verdade que não pode ser contestada. Entretanto, não significa progresso ou formas artísticas de uma linguagem melhor e superior. No exemplo do personagem Campos Lara, os autores que vinham superar o passado, na sua visão, iriam aos poucos desbancá-lo. Sentia que o tempo culturalmente lhe estava sendo desfavorável. Essa posição em que se encontrava tendia a isolá-lo e a afastá-lo do centro das atenções dos leitores e da vida literária no seu todo. Vejo essa situação do escritor no romance como a metáfora de qualquer geração de escritores que são substituídos por outros, os que chegam com novas armaduras, novas concepções de formas de linguagem, de técnicas, de temas, de visões novas do mundo. Campos Lara torna-se, assim, personagem-símbolo dos escritores que se encontram em fase de final de carreira, de exaustão.
Ainda quando alguns deles prosseguem escrevendo novas obras e até procurando formas de linguagem que se ajustem mais aos tempos da contemporaneidade, ainda assim, com o tempo – o grande destruidor dos ídolos -, tenderão a ceder lugar aos que estão chegando.
Assim se deu também com as vanguardas literárias brasileiras, Concretismo, Poema-Processo, Poesia-Práxis, Neoconcretismo. Alguns de seus adeptos encontraram, ao longo da vida, outras formas mais modernas de escrever poesia, procurando renovar-se, modernizar-se embora deixando, no espaço literário das novas produções, um substrato da sua fase inaugural de produção.
Os mais novos ainda, os novíssimos vão aos poucos entrando na cena atual. Já, porém, pouco ou nada sabem daquelas figuras que, em outra fase mais recente do passado, tiveram seu tempo e sua hora. Os novos, muitas vezes, podem pensar que serão sempre vanguardas. Triste ilusão. Os mais velhos, ex-vanguardas, por sua vez, vão desaparecendo do cenário, dos holofotes, das entrevistas, das “antologias dos melhores da atualidade”. Outra ilusão. Os mais velhos, mas nem tanto, vão sendo abafados, perdem os contatos, antigos amigos, antigos parceiros de ideais estéticos.
O esquecimento dos mais velhos se afirma, a meu ver, como uma ideologia. Sua luta se trava em direção a uma postura artística que vai minando antecessores com novas propostas e projetos literários que, em síntese, pela lição do novo ou da novidade, vão construindo horizontes de expectativas que, dentro de um período limitado, se vão estabelecendo, se firmando e se afirmando na consciência artística da comunidade intelectual e acadêmica, até encontrar um ponto ideal de reconhecimento e de aceitação. Dessa maneira, se vai esquecendo e derruindo quem passou. A memória dos novos é, em alguns, muito curta, pois se volta, na maioria das vezes, para o seu específico e individual tempo de existência e de ação intelectual. O “agora’ bem poderia ser um bom lema para a ideologia do esquecimento.

Alcides do Nascimento e a violência brasileira

Cunha e Silva Filho


Descobrir quem matou covardemente o jovem Alcides do Nascimento, 22 anos, estudante de biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, é obrigação da polícia e da justiça. Mas, isso não se torna suficiente para dar satisfação à sociedade brasileira. Não problematiza o problema por detrás da violência feroz que ataca o país para vergonha de nossas autoridades, de nosso dirigentes, que não mostraram, até hoje, políticas públicas que, coordenadas e harmonizadas entre si, possam dar um combate sem trégua à impunidade.
Quando o gravíssimo problema da violência sem medida chega aos níveis em que se encontra, é hora de exigir do Estado brasileiro medidas e ações urgentes voltadas para um série de mudanças em várias esferas do poder, mobilizando sobretudo os nosso órgãos de segurança pública, as polícias civil e militar para uma reavaliação do que se tem feito nessa questão e do que se pode fazer de imediato para conter o crescimento desenfreado da selvageria sobretudo urbana que está destruindo cada vez mais a convivência normal na vida das pessoas.
No meu juízo, é urgente que se repensem as penas aplicadas contra facínoras que infestam o país. Criminosos do tipo dos que barbaramente assassinaram um jovem e promissor estudante quase ao final da conclusão de seu curso continuarão, em outros lugares do país, nas metrópoles e nas pequenas cidades, cometendo as mesmas atrocidades caso não sejam exemplarmente tratados com uma justiça que iniba futuros crimes, que faça o criminoso pensar duas vezes, diante do rigor de penalidades cumpridas à risca, antes de ceifar vidas inocentes. Só com modificações substanciais do Código Penal e a extinção de regalias para delinqüentes de alta periculosidade, poder-se-á, numa primeira fase, diminuir os altos índices de crimes brutais ou hediondos.
É tão catastrófica a situação da violência brasileira que não descartaria o instrumento legal da prisão perpétua para os crimes mais bárbaros. É hora de pensar também nas penas que hoje se aplicam a infratores adolescentes. Reintegrá-los à sociedade é dever do Estado, mas, nos caso de crimes hediondos, tratá-los como se fossem crianças ingênuas seria um passo para trás na solução de todos os determinantes de ordem social-econômica que levam à criminalidade galopante.
O exemplo de Alcides, um jovem pobre, negro, filho de uma ex-catadora de papel que, tendo estudando em escola pública, ascende a uma vaga de um primeiro lugar numa instituição superior do ensino público federal, é digno de reflexão a sociólogos, antropólogos e aos governantes. Acho mesmo que nem fez parte de cota para que ingressasse com brilhantismo na universidade. O argumento de ser pobre, excluído, negro, não é fator decisivo para o fracasso de um jovem carente à felicidade pessoal e a um futuro que tudo indicaria ser venturoso e de paradigma para outros jovens excluídos como ele. O sucesso muito depende da formação familiar, do apoio dos pais, ou da mãe sozinha.
Quanta emoção senti quando uma reportagem recente na televisão comentou que Alcides, com o auxílio da bolsa de iniciação científica, ainda arranjava uma modo de repartir um pouco para pagar o cursinho de vestibular de uma irmã. Que exemplo de desprendimento e de fibra num jovem de tão pouca idade como ele!
Eu também conheci jovens pobres de escolas publicas que, pelo esforço despendido nos estudos, conquistaram seu lugar em universidade pública de alto conceito. Alguém me pode argumentar que criminosos não tiveram oportunidade. Foram levados ao crime pela necessidade, pela pressão da fome, ou porque estavam drogados. Isso ainda não me convence. Os criminosos que mataram Alcides à porta da casa dele, segundo informou a imprensa, iam matar uma outra pessoa. Como não a encontraram, por pura maldade, por pura selvageria – bestas feras da humanidade -, resolveram dar cabo de um inocente em lugar do outro. Contra essa hediondez, conclamo os homens de bem deste país do carnaval, do samba, do futebol e das mulheres bonitas. Não - diria para aquele turista alemão – aqui certamente não é um paraíso. Procurem este em outra região.Chamar de paraíso só porque aqui faz um calor infernal é brincadeira .

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Só olhares e algumas palavras

Só olhares e algumas palavras


Cunha e Silva Filho


A primeira vez que a vi foi na biblioteca do Liceu Piauiense. Lá estava ela sentada na lateral de uma imensa mesa leituras, do lado direito de quem entra. Nos cantos da sala, só livros nas estantes, bons livros, inclusive, o acervo dispunha de teses de professores do próprio Liceu. Foi naquelas estantes que vi, pelo menos, quatro teses, a de meu pai, para a cátedra de História do Brasil, de título O papel de Floriano Peixoto na obra da consolidação e proclamação da República e três teses para a cátedra de língua inglesa, uma do professor Nelson Sobreira, outra do meu querido professor Francisco Viveiros, cujo tema abordava o estudo do caso possessivo, famoso graficamente por simbolizar-se pelo “apóstrofo s”. Li um pouco da tese, mas não cheguei a terminar a leitura. Era escrita em inglês. Não sei se meu querido professor chegou a defender essa tese. A do Nelson Sobreira, da mesma forma, era escrita em inglês, mas bem reduzida em número de páginas. A terceira era do então bem jovem professor José Eduardo Pereira, se não incorro em erro, igualmente escrita em inglês, mas versava sobre literatura. Contudo, não me lembro do tema exposto. Não eram teses extensas, creio que, no máximo, chegavam a cem páginas, se tanto. Não me lembro do tema da tese do professor Nelson Sobreira, com quem, uma vez, fiz uma exame oral de fim de ano.Os professores Francisco Viveiros e José Eduardo Pereira eram admirados pelas alunas, por serem ambos pessoas de bela aparência.
Nos livros da biblioteca, descobri a minha primeira leitura de Machado de Assis, o romance Helena (1876), da chamada fase primeira, a romântica, do grande romancista brasileiro. Eu estava nos meus quinze anos. Um romance cativante, cheio de ideias e sentimentos amorosos contraditórios, fora o seu fim trágico, com a morte da heroína provocada pelos sofrimentos da alma decorrentes da hipocrisia das convenções sociais da época. Naquela biblioteca, durante dias, nas horas vagas, encetei a leitura do romance. Agora, não tenho certeza de que o grosso da leitura foi feito em casa, com o empréstimo do livro.
Na biblioteca, ainda entrei em contato com um dos mais bem elaborados dicionários da língua inglesa, o de J. L. Campos Jr., sobre cuja história já escrevi nesta coluna.
O que me detém, porém, a atenção nesta crônica não são os livros, mas a figura feminina de uma adolescente, uma jovem bonita, de pele clara, de olhos azuis, cabelos claros, que me encantou pela simpatia e beleza. Não sei mais como se chama. Com ela, conversava um pouco, sempre na biblioteca.
Dois anos depois, em viagem de ônibus com papai para Amarante, numa das paradas, a vi outra vez. Acontece que ela estava num outro ônibus, mas da janela percebi que me olhava, até sorria com aqueles olhos azuis, a pele clara, os cabelos meio alourados. Parecia uma inglesinha.
Um ano depois, estando no trem da Central do Brasil, vindo de Oswaldo Cruz (subúrbio da antiga Central do Brasil), onde morei por pouco tempo, de repente a avistei no trem. Acontece que ela já estava descendo em uma estação antes do fim da viagem, cujo ponto final era - como ainda o é -, no célebre edifício da Central do Brasil, centro do Rio. Trocamos ligeiras palavras e olhares, mas olhares românticos pelo menos da minha parte.
Pouco tempo depois, por acaso, indo fazer um concurso público num bairro da zona sul, numa das ruas principais, casualmente me encontrei com ela. Neste encontro, ela me deu seu endereço. Era ali perto. Guardei com cuidado o endereço, onde havia o nome dela em cima do nome da rua.
Anos depois, a vi apenas duas vezes, mas , agora, eu já estava casado e acredito que ela também, pois estava, nas duas vezes, acompanhada de um moço. Não sei se me viu, mas eu a vi . Estava agora nas suas formas adultas, mas continuava bonita. Notei, no seu semblante, um uma certa sisudez ou mal-estar. Dessas duas vezes, uma foi na saída de uma churrascaria da Senador Dantas, centro do Rio; na segunda vez, ela estava num ônibus da zona sul sozinha, sentada. Olhei pra ela, mas não havia da parte dela a mínima chance da troca de um olhar simpático.Se me viu, foi como se visse um estranho. Depois, nunca mais a vi. Ficou apenas aquela bela lembrança de uma adolescente de lindos olhos azuis naquela biblioteca que mais está na minha memória afetiva.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Fernando Pessoa: "Sonnet XX"

Fernando Pessoa: “English sonnet XX”



Sonnet XX


WHEN IN THE WIDENING circle of rebirth
To a new flesh my travelled soul shall come,
And try again the unremembered earth
With the old sadness for the immortal home,
Shall I revisit these same differing fields
And cull the old new flowers with the same sense,
That some small breath of foiled remembrance yields,
Of more age than my days in this pretence?
Shall I again regret strange faces lost
Of which the present memory is forgot
And but in unseen bulks of vagueness tossed
Out of the closed sea and black night of Thought?
Were thy face one, what sweetness will’it not be,
Though by blind feeling, to remember thee!


Soneto XX


QUANDO NO AMPLO circulo do renascer
Minha viajada alma pra uma nova carne se transferir
E a esquecida terra de novo procurar
Com a velha tristeza do imortal lar,
Devo eu revisitar estes mesmos mudados campos
E colher as velhas novas flores com a mesma sensação,
Que traz um pouco de alento às frustradas lembranças,
Neste intento mais remotas do que meus dias?
Devo eu as perdidas estranhas faces uma vez mais lamentar
Das quais apagou a memória atual
E apenas em indistintos níveis de incertezas
Da noite sombria do Pensamento se lançaram ao mar secreto?
Fosse uma só a tua face, que doçura não seria
De ti lembrar-me, ainda que por irrefletido sentimento!

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Nem calorão nem nevasca: o meio é a virtude

Nem calorão nem nevasca: o meio é a virtude


Cunha e Silva Filho


Há notícia de que o Rio de Janeiro foi, pelo menos, num dia, considerada a cidade mais quente do Terra. Ficou à frente do Saara, de regiões africanas muito quentes. Já há notícia de que idosos na Cidade Maravilhosa morreram de calor. É assustador o que se está presenciando e, o que é pior, nada se pode fazer por enquanto para mitigar as altas temperaturas. No Rio, há bairros com temperaturas elevadíssimas, muito acima de quarenta graus. Por exemplo, em Bangu, na zona oeste, o sol é abrasador, insuportável.
Eu, que sou do Piauí, quando criança, acompanhando mamãe ao Mercado Velho, não me cansava de reclamar: “Que caiô danado, mãe! Com efeito, Teresina está sempre quente, muito quente. Só nos resta entregar-lhe os pontos e sucumbir à fornalha. Entretanto, Teresina, pela manhã, mostra-se agradável, mesmo debaixo do sol. Há alguma brisinha soprando nessa parte do dia para compensar os rigores dos sóis da tarde que fazem com que as mulheres usem muito guarda-sol.
Nos Estados Unidos, em algumas partes, a neve, agora, parece não parar. Os termômetros indicam temperaturas muito abaixo de zero negativo.Como se vê, o nosso Planeta anda meio esquisito, denotando alguma desequilíbrio, coisa que não se via há muitos anos. Portanto, há algo errado nesses contrastes excessivos.
Difícil não se afigura a qualquer leigo que tenha vivido mais tempo compreender essas mudanças na temperatura mundial.
Estamos brincando com os sinais do tempo, enquanto que a Natureza vai demonstrando seu poder de fogo ou de água, reagindo com nevascas, altíssimas temperaturas e inundações.
A humanidade não pode se manter indiferente a esses fatos estranhos. Ou se buscam soluções para, a curto prazo, melhorarem as condições climáticas, produzindo menos CO2, diminuindo drasticamente as derrubadas de árvores, procurando evitar os incêndios das florestas, seja os naturais, seja os provocados pela irresponsabilidade dos indivíduos, ou afundaremos no abismo de fenômenos apocalípticos. As ações devem ser tomadas globalmente, ou seja, todos os países devem envidar um esforço hercúleo para tornar nosso Planeta mais respirável. Se não fizermos nada, as reações da Natureza cada vez mais - é preciso reiterar - se tornarão mais catastróficas. Sucumbiremos todos sem piedade, porque as forças naturais não medirão seus estragos. Precisamos de novos Noés contra as inundações e tsunamis e Noés pra nos valerem dos cataclismos advindos das altas temperaturas provocadas pelo efeito estufa.
Todo excesso climático prejudica o bolso do consumidor e sua saúde. Nas altas temperaturas, precisamos de aparelhos gerados pela ciências e tecnologias, o ventilador, o ar-condicionado, o aquecimento contra os rigores dos dias frigidíssimos. Num caso e noutro, as contas de luz e gás sobem a perder de vista, assim como há mais necessidade de aquecer as lareiras das salas com lenha, aumentado com isso a quantidade de derrubada de árvores.
No exemplo do calor brasileiro, o período de verão exige mais gastos com bebidas, refrigerantes, água comprada. Nesses setores de consumo, até os camelôs fazem a festa. Imaginem o que não faturam as indústrias de bebidas, de produtos protetores da pele, o aumento astronômico do consumo de água corrente engordando as contas das companhias de água. Um outro setor que deita e rola em cima do calor são os hotéis recebendo milhares de turistas que vêm buscar nos trópicos o sol, o mar, achando que aqui é o paraíso. Ora, para que vem das nevascas, o Brasil só pode ser um paraíso.
Eu fico pensando: as pessoas só pensam no tempo presente, no instante que passa. Certa vez, eu chamei de “primado do instante”. Até parece que a vida na Terra é eterna. Para elas, não parece haver tantos problemas que atingem toda a humanidade. E são problemas gravíssimos que requerem o despertar urgente da consciência universal. Não é que deseje que as pessoas não se divirtam e vivam plenamente. Porém, não só de diversão vive o homem. Cumpre-lhe estar vigilante, zeloso, não só do seu próprio ser, mas sobretudo daquilo que constitui a existência coletiva, que não vai bem, nem está atenta aos grandes dilemas da velha humanidade sem becos nem saídas. Que Deus nos valha no meio desse paraíso de mais de quarenta graus! Bom Carnaval, leitor!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Adailton Medeiros: a perda de um poeta e amigo

Cunha e Silva Filho

De repente, o telefone toca. Minha mulher atende. Do outro lado da linha, alguém fala e, da voz da minha mulher, vem esta notícia que não queríamos tão cedo neste mundo receber: “Adailton faleceu”. Ao lado de Elza, tenho um sobressalto, fico, primeiro, calado, com a vista fixa em algum lugar distante e indefinido.
Depois da internação com problemas sérios no estômago, passando por uma cirurgia, Adaíiton Medeiros, poeta maranhense, da mesma cidade natal de um dos maiores poetas do Brasil, Gonçalves Dias, entra em coma nele permaneceu até hoje de madrugada, dia 9de fevereiro, quando veio a nos deixar para sempre. Ninguém o queria, era cedo, havia tanto ainda a fazer, reunir, como era de sua vontade, suas poesias num único volume e sobretudo viver. Adailton é de 16 de julho de 1938. Fico assustado, sem palavras. Penso de imediato no meu velho amigo desde o tempo em que o conheci. Eu, fazendo Letras na Faculdade de Letras da UFRJ, lá na Avenida Chile ou mesmo antes, não estou certo, na Rua 1º de Março, na então Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil, depois, UFRJ.; ele, cursando o Mestrado em Ciência da Literatura. Adailton, antes, fizera Jornalismo na citada Faculdade Nacional de Filosofia. Estava ainda bem jovem. Creio que fui apresentado a ele por Elza.
Adailton nos deixou numa idade em que não podíamos chamar ainda de avançada. Tinha apenas setenta anos, e nem parecia pela jovialidade do seu físico franzino, de sua baixa estatura, de sua pele fina, do uso da barba que o deixava mais parecido com um poeta romântico. Os óculos de aro fino ajudavam a realçar a aura de poeticidade da sua figura humana. Setenta e um anos é muito pouco para um intelectual. Setenta e um anos é muito pouco para deixar os amigos, ó poeta!
Estou me lembrando agora da sua forte e cativante presença, muito viva ainda para mim. Vi-o, pela última vez, no lançamento de um livro meu, que aconteceu no final do ano passado.
Adailton, poeta no superior sentido da palavra, poeta criativo, inserido na modernidade, vindo da Vanguarda chamada Práxis, surgida no ano de 1962. Como salienta Assis Brasil no seu utilíssimo Vocabulário técnico de literatura (Edições de Ouro, 1970), aquele movimento inovador, inaugurado por Mário Chamie, constituiu com o Concretismo de 1956 e o Poema-Processo (1967). os “três movimentos de Vanguarda no Brasil” (p. 172-173) A sua evolução poética não o limitou ao praxismo. As vanguardas são válidas, porém passam. Deixam lições, processos novos de poeticidade e, no final, seus adeptos mudam de rumo em direção aa seus próprios caminhos, ou seja, procuram uma poesia que atenda ao valor da palavra, do verso e do discurso, mas, na geral, as marcas espácio-gráficas parecem insinuar-se nas novas formas da produção poética. A sintaxe e o espaço livre da página, a extensão das linhas do verso, alguns recursos grafemáticos voltam a integrar os novos processos, técnicas, dicções e vozes da poesia contemporânea, nacional ou universal.
Adaílton Medeiros deixou 9 obras, 5 no gênero poético e 4 distribuídas em ficção, uma novela Revoltoso Ribamar Palmeira(Rio de Janeiro: Matavalos, 1978); Braçadas de palmas (discurso), Rio de Janeiro: ACLERJ, 1981); Floração de Minas (discurso), Rio de Janeiro: AbdL, 1982); Quatro ensaios In: Samuel, Rogel.(org.). Literatura básica. Petrópolis: Vozes, 1985, v. 1. Poesia: O sol fala aos sete reis das leis das aves .Rio de Janeiro: Livros do Mundo Inteiro, 1972; ; Cristó’ vão Cristo: Imitações.São Luís/Rio de Janeiro: Coleção Azulejo, 1976; ; Poema Ser Poética, texteoria. Rio de Janeiro: Achiamé, 1982: Lição do mundo. Rio de Janeiro, Edição. Sete, 1992; Bandeira vermelha. Rio de Janeiro: Editora Caetés, 2001.
Adailton Medeiros foi jornalista, professor ( por pouco tempo) e atuou no setor privado. Essencialmente, era poeta. Pertenceu à Academia Brasileira de Literatura, Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro e Academia Caxiense de Letras, (Caxias, MA). Era sócio dos Sindicatos dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e do Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro. Pertencia à Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Academia de Letras de Uruguaiana(RS), ao Instituto Histórico e Geográfico de Uruguaiana, à Academia Internacional de Ciências Humanísticas. Membro vitalício da IWA - International Writers and Artists Association (USA).Sua poesia se encontra em antologias e periódicos nacionais e internacionais.
Sua fortuna crítica é de primeira grandeza e inclui, entre outros, nomes como Fausto Cunha, Assis Brasil, Foed Castro Chamma, Antônio Olinto, Telênia Hill, Nelly Novaes Coelho, Nauro Machado, Leodegário Amarante de Azevedo Filho, Mário Chamie, Angela Fabiano, Affonso Romano de Sant’Anna. De sua poesia falaram com entusiasmo Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Laís Côrrea de Araújo, Francisco Venceslau dos Santos. Respeitadas histórias da literatura brasileira o citaram, como a de Afrânio Coutinho, a de Luciana Stegano Picchio, a de Sílvio Castro.
Não é, porém, meu propósito central sintetizar o valor e a natureza poética de Adaiton Medeiros. Escrevo esta crônica impulsionado pela notícia de sua perda.
Me interessa antes vê-lo na condição de amigo. Em nossas frequentes conversas pelo telefone, que, muitas vezes, duravam quase uma tarde ou horas da noite, Adailton pouco a pouco, ia me dando pistas para que eu compusesse no meu espírito o perfil de sua personalidade literária e humana.
Nunca quase falava de sua própria poesia, a não ser na idéia de reunir seus poemas todos num só volume. Preferia falar da vida literária. Me confessava que lia mais poesia, sobretudo Drummond, e, às vezes, alguns ensaios. Era, ademais, muito antenado com o que ocorria no país e no mundo. Tinha uma grande cultura geral, boa memória histórica, Delicioso conversador, parecia nunca querer concluir o fluxo de sua conversa, na qual a porcentagem da interlocução dele seria de 90% enquanto a minha ficaria nos 10 % restantes.
Notável é constatar como sabia meu amigo do que acontecia nos bastidores literários. Não eram fofocas, mas caso pitorescos, ilustrativos, iluminadores, e altamente informativos. Conhecera muita gente do meio cultural e social brasileiro. Não só do Rio de Janeiro, mas também de outros estados do país.
O que mais me encantava nele era a sua fina educação social, tinha muito respeito aos seus pares. Não falava mal de ninguém.Inegavelmente, parecia encarnar a crônica literária brasileira. Nisso era um dicionário ambulante com nomes na ponta da língua, parecendo uma genealogista. Tudo sabia do que estava acontecendo ou ia acontecer. Me divertia ouvindo-o atentamente contar engraçadas situações do meio intelectual brasileiro. Perfeito cronista oral da vida literária.
Era uma das poucas pessoas das minhas amizades que sempre me tratava carinhosamente de “Chico”, talvez pelo costume, no nordeste, de dar preferência ao hipocorístico.Não quero concluir estas observações de saudade sem pelo menos fazer referência a dois fatos relevantes, pelo menos, para mim.
Adailton sempre esteve presente nos momentos em que eu era a figura da atenção das pessoas. Na defesa de minha dissertação de Mestrado e na defesa de minha Tese de Doutorado. Lá estava ele para prestigiar o evento com a sua presença encantadora.
Outro fato, em chave de ouro, se relaciona à própria poesia. Há um poema dele, “O sino,” que consta do seu último livro editado, Bandeira vermelha”, atrás mencionado, o qual, no calor destas linhas tristes, me soa algo profético, que lhe estava muito próximo. Me dissera que esse poema tinha uma significação especial para a sua compreensão da vida. Manifestou o desejo de vê-lo traduzido para outras línguas. Ia pedir isso a amigos escritores e professores conhecedores de línguas. Foi, então, ao saber disso, que me propus tentar vertê-lo pro inglês. Adaílton tinha a sua própria interpretação para aquele pequeníssimo poema, a qual seria mais ou menos assim: o primeiro e o segundo verso seriam o nascimento; o terceiro, quarto e quinto versos, figurariam a vida e, finalmente, os dois últimos versos, a morte. Veja-se o poema abaixo:
O SINO

O sino batedentro de mimO sino tocana Catedralou no MosteiroO sino soasurdo por mim
Adaiton, você sabe, amigo, que, acima da sua poesia de altos recursos formais, há nela uma latejante humanidade, amor às pessoas, aos amigos, às mulheres nas suas várias atuações intelectuais, profissionais e artísticas, com são testemunhos aqueles poemas a elas dedicados na primeira parte da sua obra Bandeira vermelha, já citada. Sim, meu amigo e conversador brilhante ao telefone, o que mais fica gravado no fundo de nossa alma, já saudosa, é o prazer da amizade que fica diminuído pela ausência que dói para sempre.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Fernando Pessoa: "Sonnet XIX"

Fernando Pessoa: “Sonnet XIX”


Sonnet XIX

BEAUTY AND LOVE let no one separate
Who exact Nature did to each fit,
Giving o Beauty love as finishing fate
And to Love beauty as true colour of it.
Let he but friend be who the soul finds fair,
But let none love outside the body’s thought,
So the seen couple’s togetherness shall bear
Truth to the beauty each in the other sought.
I could but love thee out of mockery
Of love and thee and mine own ugliness;
Therefore thy beauty I sing and wish not theee,
Thanking the Gods I long not out of place,
Lest like a slave that for kings’ robes doth long,
Obtained, shall with mere wearing do them wrong.


Soneto XIX

BELEZA E AMOR que ninguém os separe,
Na medida exata um pro outro a Natureza fez,
Concedendo, ó amor da Beleza, um destino completo
E, à beleza do Amor, a sua cor verdadeira.
Não mais é amigo quem a alma justo seja,
Que nenhum amor, contudo, longe fique da ideia do corpo,
Só assim a visível unidade amorosa há de mostrar
Da beleza a verdade que um no outro procura.
Amar a ti poderia eu unicamente fazê-lo só por escárnio
Do amor, e te amar, assim como à minha própria fealdade;
Por conseguinte, tua beleza canto sem te desejar,
Dando graças aos Deuses, debalde não suspiro,
A menos que, qual escravo muito cobiçoso pelas vestes dos reis,
Tendo-as conseguido e tão-somente usado, há de lhes querer mal fazer.

(Tradução de Cunha e Silva Filho)

Gangsterismo na política do Distrito Federal



Cunha e Silva Filho


Se o político brasileiro recebe o voto do eleitor para exercer um mandato, supõe-se que a sua investidura no cargo será exercida para lutar pelo bem público. Esta é a premissa, mas não é a regra no desempenho do candidato eleito.A regra há muito passou a ser a exceção.
A porcentagem dos maus políticos já superou a dos bons, que são minoria e esta vai tendo cada vez mais menos força de se opor à maioria composta de políticos de fancaria, que estão no pode para alargar seus domínios econômicos, poder ter acesso a cambalachos no casamento espúrio entre eles e as empresas das quais muitas vezes são donos ou têm certa ligação com negócios de governos. Refiro-me aqui aos deputados chamados distritais e ao envolvimento deles com o mensalão distrital sob o suposto comando do governador de Brasília..
O governador Jose Roberto Arruda, ex-DEM e, agora, sem partido, tem demonstrado que, pelo menos, detém prestígio através da dissuasão ( já que é o comandante-em-chefe do governo do Distrito Federal) de manifestações pelo uso da força bruta contra estudantes ou quaisquer outros tipos de manifestantes a ponto de transformar os confrontos em cenas que mais lembram os sombrios anos da Ditadura Militar no apogeu da repressão. Onde já se viu um oficial superior cair no braço com manifestantes? A cena é patética e ao mesmo tempo tragicômica.
Os mensaleiros distritais até agora têm feito tudo para driblar procedimentos regimentais, usar da lei, entrar na justiça, enfim, encontrar todas as brechas da legislação como quase sempre tem acontecido no país desde os tempos dos meirinhos do Brasil Colônia. O país, apesar de já estar sendo festejado, aqui e no exterior, como a futura potência mundial, ainda continua sendo uma nação com sérios e graves problemas em muitos setores, sobretudo nos da educação e da saúde pública – terra dos modernismos culturais e das assimetrias arcaicas de Norte a Sul.
Apesar das fortes críticas partidas do novo presidente da Ordem do Advogados do Brasil (OAB) e da sua afirmação de que já encaminhou ações legais com vistas a bloquear os bens de Arruda e ainda de responsabilizar o governador na justiça caso se comprove seu envolvimento em subornar testemunhas a fim de livrá-lo de ser o mentor e o chefe na distribuição de grosso dinheiro público a seus correligionários do legislativo e no recebimento de propinas oriundas de licitações fraudulentas de empresas privadas que transacionam com seu governo.
Conforme lemos na imprensa, são vários os deputados ligados ao governo beneficiados regiamente pelo governador, seja de forma direta, seja indireta, i.e., através de amigos e parentes de deputados que apoiam o governador. O quadro é assustador e não afasta a possibilidade de que, ao final do banquete pantagruélico, a gente seja brindado com a vitória da corrupção deslavada e o fracasso da lei e da dignidade de uma nação.
Ora, quem vai compor a comissão para julgar os atos pelos quais o governador é uma maioria que, por sua vez, forma um agrupo grande de réus. Que bagunça é essa no poder legislativo do Distrito Federal, logo esse poder que propõe leis que deveriam melhorar a vida do cidadão de Brasília e o bem público? Não é possível que essa pantomima seja efetivada e saia incólume. O país e o povo de Brasília não merecem mais essa derrota da corrupção contra a moralidade política. Esperemos que o povo honesto e consciente de Brasília se enfileire junto ao novo presidente da OAB e reaja com coragem e espírito cívico, sem badernas espalhafatosas, mas, ao contrário, com a força da lei e da dignidade da pessoa humana. ,,
Que os brasilienses não sejam divididos na questão da honra do poder executivo. O país não pode transformar a sua política num estado mafioso e execrável diante da consciência nacional. Não pode mais haver espaço, a esta altura da evolução social brasileira, ainda que com as restrições atrás citadas, para os tempos de faroeste, de Al Capone e da Máfia italiana.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Reflexões sobre a notícia de um poeta morto

Reflexões sobre a notícia de um poeta morto


Cunha e Silva Filho


Morreste, poeta! Tinhas valor, deixaste obras, traduziste autores célebres. Até escreveste uma obra com título que, aglutinados nos seus elementos léxicos, forma o nome de tua pequena terra natal no interior do Paraná. Uma cidade com pouco mais de cem anos. Cidade acolhedora, muito fria e, às vezes, muito quente.
Te desenraizaste do teu berço natal. Mudaste para a cidade grande, grande e maravilhosa, embora vítima da mais cruel violência de que já se teve notícia ultimamente. Cidade também acolhedora, cálida, de tantos imigrantes que nela se fixaram em definitivo. Quem bebe das suas águas e respira os seus ares, dificilmente regressa ao berço natal. Faz como os saudosistas da poesia galega.
Na cidade grande viveste. Pouca gente talvez te conheça – quem, porém, conhece hoje em dia os poetas? -, mas estás citado nas melhores histórias da literatura brasileira. Pela crítica especializada, eras considerado grande poeta.
Na tua terrinha natal, pessoas com certo conhecimento da cidadezinha, do seu povo, da sua história e da sua cultura, te conheciam, mencionavam com respeito teu nome. No ano passado, nesta coluna, fiz uma crônica, na qual mencionei, de passagem, um texto teu que um amigo, já falecido, me presenteara. O texto se encontra numa revista da tua cidadezinha, e fala teoricamente sobre poesia. Texto instigante, onde revelas conhecimento profundo da arte poética e de literatura. Texto primoroso. Poeta foste por vocação e por conhecimento de causa. Te preparaste e te atualizaste para fazeres poesia.
Como outros grandes poetas brasileiros, não entraste para a Academia Brasileira de Letras. Será que desejavas nela entrar? Não sei, nem me interessa sabê-lo.Não quero me meter nessa seara.
Poeta morto, foste para a morada dos mortos e deixaste a “morada do ser” em forma de poesia e de cuidados com a palavra e a cultura literária.
No JB, Idéias & Livros ( 16/01/2010), na seção Informe Ideias, sob a rubrica “lágrima”, da coluna do editor Álvaro Costa e Silva, há um breve registro do teu falecimento, mencionando algumas de tuas obras e traduções que realizaste
Conheci tua terra natal. Até lá morei por uns poucos dias. Comprei lá uma casinha que, pouco tempo depois, vendi. Como o teu, o meu destino é a cidade grande.
Que posso fazer por ti? Ora, que pergunta tola me faço agora! A única coisa que posso fazer por ti é ler teus livros, conhecer-te mais pela lado magnífico da Arte Poética. Só esta aproxima os sensíveis, os não-pragmáticos, os que pouco dão importância às glórias fátuas e efêmeras do hedonismo contemporâneo e pressuroso.
Nunca nos vimos nem nos falamos. Oh, cidade grande das distâncias interpessoais! De ti nem conheço a obra toda deixada. Só ti vi numa foto antiga, com alguns traços particulares, como um bigodinho, um rosto meio cheio, cabelos lisos penteados para trás.
Li, no entanto, alguns poemas teus, Têm valor. Soube que trabalhaste no comércio, que não te formaste, que também ganhaste, em 1958, o Prêmio Olavo Bilac. Além deste prêmio, ganhaste outros prêmios graças ao valor da tua poesia
Escreveste alguns livros de poesia: Melodias de estio (1952); Iniciação ao sonho (19550; O poder da palavra (1959); Ir a ti (1969); O andarilho e a aurora (1971); Sons de ferraria (1989) Publicaste ainda Pedra de transmutação (1984). Traduziste A feiticiera, de Michelet; O livro dos demônios, de Sinistrati de Ameno, Bucólicas, de Virgílio e Arte de amar, de Ovídio. Na pesquisa sobre a tua produção poética anotei algumas discrepâncias entre historiadores quanto a datas de publicação das tuas obras.
O nome do poeta, a quem venho me dirigindo até aqui, é Foed Castro Chamma, falecido no Rio de Janeiro, no dia 12 de janeiro passado, onde morava desde 1941. Nasceu em Irati, Paraná, em 1927. Aos leitores meu convite ao conhecimento da sua poesia.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

São Paulo chora

São Paulo chora


Cunha e Silva Filho


A situação pluviométrica de São Paulo extrapolou os limites da paciência humana. São Paulo chove. Seria mais correto assim afirmar, mesmo transgredindo a norma linguística. “Chove em São Paulo” não expressaria toda a carga de dor dos seus habitantes, especialmente os menos afortunados..
Essa população, que forma o lumpemproletariado, lembrando os personagens andrajosos e famintos do contista João Antônio(1937-1996), mora nos piores lugares, à beira de córregos, de rios, de encostas e de outros locais perigosos. São pessoas que não se aguentam mais diante de tantas perdas, humanas e materiais.
Os pobres perdem o sustento da família, como é exemplo o caso de uma senhora ainda jovem, com sete filhos, vista na TV, cujo marido perdeu um carro velho com o qual ganhava a vida vendendo alguma mercadoria por conta própria.
A fúria das águas continua inclemente. Tudo derruba, tudo destrói, tudo invade. As pequenas casas de construções frágeis dos bairros humildes de São Paulo são inundadas há mais de um mês, com dias e dias seguidos de chuva forte castigando a população carente, matando crianças, adultos, idosos. Quando não mata, destrói os pertences dessa imensa população sofrida, formada em geral de migrantes nordestinos. Lá vão por água abaixo móveis, eletrodomésticos, comestíveis. Tudo se perde. Por vezes, essa gente perde objetos comprados com muito sacrifício e a prestação. Muitas vezes, nem a primeira prestação foi paga ainda. As águas sobem e transformam os leitos dos rios e córregos em perigosas correntezas fluindo horizontalmente ou transbordando pelas margens, invadindo, sem dó nem piedade, os lares pobres da velha São Paulo. Contraditória Natureza!
Até nos faz pensar que a natureza revolta é muito mais impiedosa com os menos assistidos. A resposta pode ser simples: os pobres moram perto dos piores lugares da cidade. Os especialistas em planejamento urbano diriam que efetivamente essa é a verdade. Entretanto - acrescentariam eles -, isso podia ser evitado desde que governos se preocupassem com a melhoria das condições de vida da pobreza, possibilitando que essa população desvalida tivesse moradia em áreas seguras da cidade e com toda a infraestrutura urbana próxima ou semelhante aos bairros bem servidos pelos ricos. Não é uma utopia, mas dependeria de efetivas práticas sociais minimizadoras das gritantes diferenças de qualidade de vida entre afortunados e desafortunados.
Eu bem sei que os luxuosos bairros paulistanos estão livres dessas pequenas, médias ou altas catástrofes. Seus prédios se localizam em áreas bem escolhidas, em solo seguro, compatibilizando, além do mais, construções suntuosas com o meio ambiente sustentável.. Condomínios, mansões, palacetes ou apartamentos enormes de primeira grandeza, feitos de material de construção da melhor qualidade, projetados por grandes arquitetos e engenheiros e vendidos a peso de ouro. Seus donos, muitas vezes, não enfrentam o trânsito caótico e inundado da capital paulista. Eles dispõem de helicópteros. São os milionários, que falam a mesma língua do universo dos ricos em qualquer parte do planeta.

A prefeitura da cidade de São Paulo, o governo do Estado devem repensar seus planejamentos urbanos, procurando, na ciência e na engenharia, tão avançadas hoje, gente séria, competente e sobretudo dotada de um sentido profundamente social da existência humana. Os Países Baixos não resolveram as grandes ameaças das águas do mar, tornando a vida urbana uma realidade com segurança quase absoluta em termos de riscos para seus habitantes?
São Paulo não pode se dividir entre a segurança dos poderosos e a infelicidade e dor dos flagelados de águas assassinas. Que me perdoem as águas por esse qualificativo disfórico.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Brazilian literature, de Érico Veríssimo



Cunha e Silva Filho


Tenho dúvidas se muita gente sabe que o grande romancista Érico Veríssimo(1905-1975) publicou, em inglês, uma história da literatura brasileira, vinda a lume em 1945. 1 Seu título no original é Brazilian literature – an outline.
Conheci a ficção de Érico, pela primeira vez, adolescente, lendo a bela narrativa A vida de Joana D’Arc2.Depois, li outra obra, comovente Olhai os lírios do campo (1938).Mais tarde, outros livros dele.
Um dia, porém, descobri, não me lembro em que espaço literário, que ele havia escrito essa breve história da literatura brasileira. Sabe-se que – e ele mesmo o confessa – o estimado escritor gaúcho não era historiador literário, nem, a meu ver, pretendia sê-lo.
Sou um aficionado de leituras de histórias literárias e, no meu caso, por dever do ofício, sou obrigado a conhecer as principais histórias literárias brasileiras, escritas ou não por brasileiros. Folheei a conhecida - uma das melhores que temos - História concisa da literatura brasileira -, de Alfredo Bosi e nela não consta a referência à obra de Érico Veríssimo, como não cita outras da mesma forma. Será que dela não gostou? Não é possível que dela não tenha tido notícia ou não a encontrou. Não pretendo aqui ser exigente com os historiadores, mas uma verdade é evidente: alguns historiadores são omissos com nomes que deveriam constar em seus estudos de historiografia. Citar uma obra, ainda que seja menor, não compromete o pesquisador. Sabe-se que, no meio acadêmico, não é de bom tom citar um autor didático. É pelo menos isso que tenho visto, por experiência, do meu tempo de mestrado e doutorado, e de professor em universidade. Até faz pensar que autor didático nivela por baixo os altiplanos dos mestres universitários.
A breve obra de história da literatura brasileira de Érico longe está de ser uma obra didática, pelo menos em muitas de suas páginas, ou melhor, na maioria delas. Naturalmente foi planejada para atender a um público estrangeiro, público composto por estudantes que formaram a assistência das conferências sobre literatura brasileira proferidas por Érico Veríssimo na Universidade da Califórnia, em Berkeley, em pleno período da Segunda Guerra Mundial. Veríssimo estava lá a convite do Departamento de Estado americano, além de ser e membro do quadro da Casa Panamericana do Mills College, Oakland, no verão de 1944.
Érico, àquela altura da vida, já era um escritor aplaudido no país e nos Estados Unidos com livros traduzidos para o inglês, como Caminhos Cruzados (1935). As orelhas dessa pequena história literária bem demonstram o quanto o escritor era respeitado na América do Norte.
Já no prefácio, Érico avisa aos leitores que não é um crítico, mas um contador de histórias, um ficcionista. Nessa declaração está, no meu entender, a chave para que se possa empreender a leitura dessa história literária, que abrange a nossa produção desde os primórdios até referências a nosso escritores a partir de 1930. As suas derradeiras referências bibliográficas chegam a nomes novos mais conhecidos hoje em dia como Clarice Lispector e Lygia Fagundes Telles. A obra deve ter sido provavelmente concluída por volta de 1944. Daí que o historiador não tenha feito nenhuma menção à geração de 45 da poesia brasileira.
Outro fato curioso que a leitura nos permite constatar é que o apêndice que o livro inclui no final do volume está repleto de autores brasileiros que hoje estão completamente esquecidos . E mais: há autores de que a grande maioria do público leitor de literatura provavelmente nunca ouviu falar. E de público especializado, não seria exagero acrescentar. Isso me permite uma reflexão: como o escritor brasileiro é esquecido e desconhecido mesmo pelos estudiosos de literatura que, na maioria, das vezes, estão mais com o pé na pós-modernidade. Reconheço, entretanto, que o futuro é que vai peneirando aqueles que realmente perdurarão como figuras que vão constituir o corpus dos autores vitoriosos para a contemporaneidade, o que não significa o mesmo que para as gerações futuras.
Três qualidades, a meu ver, possui a história literária de Érico Veríssimo: o historiador prima por uma absoluta objetividade no desenvolvimento da sua obra, e o faz de forma agradável contando, aqui e ali, passagens engraçadas, pitorescas e mesmo ilustrativas, tanto da vida literária quanto da nossa formação social, política, histórica e cultural. Ele próprio, no prefácio, havia antecipado aos leitores essa maneira de narrar os fatos literários tendo em vista o público–alvo: os estudantes americanos. Com isso, não cansaria seu auditório.
A segunda qualidade seria a enorme capacidade do autor em articular os fatos históricos com os literários, ou seja, ao falar sobre a literatura dos anos 30, ele ilumina o leitor com esclarecedoras explanações da situação política brasileira, sabendo dosar as análise de tal sorte a mostrar, com rara limpidez informativa, como se desenrolaram alguns acontecimentos históricos do país que, em geral, nos livros especializados e mesmo didáticos, não são tão claramente explicitados. Nisso, julgo que o auxiliou muito a sua destreza de ficcionista, de captar a essência, o que é fundamental saber. São dignas de observação suas análises sobre o Brasil colonial, o reinado de Dom João VI, o Primeiro Império, o Segundo Império, a recém-proclamada República, o papel de Luiz Carlos Prestes, os integralistas, tendo à frente Plínio Salgado, as revoluções de 30 e de 32, a rebelião militar frustrada de 1935 no Rio de Janeiro, o Estado Novo. Por falar nesse aspecto histórico da obra, Érico nos narra, de forma lapidar, todo aquele tumulto social em torno dos integralistas, agravado, mais adiante, pela eclosão da Segunda Guerra Mundial e com a situação de saia justa em que ficou por certo tempo o governo de Vargas sob o Estado Novo no que concerne à questão de sua política com a Alemanha nazista, num país com uma considerável população de alemães e descendentes destes nos estados do Sul brasileiro.Isso tudo é narrado com clareza e objetividade pelo historiador-ficcionista.
A terceira qualidade prende-se à própria análise ou comentários de ordem crítica, se bem que o autor já advertira no mencionado prefácio que seus julgamentos serão subjetivos, questão de gostos, preferências ou aversões. Não é tanto assim, visto que muitos comentários que faz sobre alguns autores têm um inegável peso do julgamento sério e fundamentado.
Seus juízos são certeiros, tocam no âmago do espírito do livro Cabe acentuar um dado de seus comentários. Érico Veríssimo, ao contrário do que os desavisados possam pensar, é um prosador que revela amplo conhecimento da literatura, e da literatura universal. É homem culto, de excelente gosto na apreciação de temas e de livros. Dá prazer ler todos os seus pareceres críticos sobre autores brasileiros. É instigante o que diz ele sobre escritores mais valorizados hoje pela alta critica, como Manuel de Antonio Almeida, José de Alencar, Lima Barreto, Raul Pompéia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Lins do Rego, Jorge Amado ( embora este último divida a crítica entre prós e contras), sem esquecer os finos comentários que faz acerca do nosso Machado de Assis, ensaiando até um comparativismo com William Sommerst Maugham (1874-1965), uma das preferências de Érico, no que diz respeito a certos complexos de inferioridade que repercutem, de alguma forma, nos estilos literários de ambos e na sua vida pessoal. Entre outros autores, na poesia, altamente estimados por ele poder-se-iam citar Gonçalves Dias, Castro Alves, Carlos Drummond, Manuel Bandeira, Mário Quintana , Cecília Meireles, inclusive – é bom que se registre nesta resenha - a visão panorâmica do historiador nem mesmo esqueceu os piauienses Da Costa e Silva (este mereceu-lhe o seguinte elogio:”Zodíaco é uma obra poética notável, na qual encontramos algo inteiramente novo no ritmo e nas imagens,”3 Félix Pacheco, e Permínio Ásfora ( os dois últimos constam apenas do Apêndice).
Brazilian literature - an outline não se reduz só a catalogações e ligeiros comentários. A despeito da brevidade do volume, a obra abarca um considerável leque de autores nos mais diversos gêneros literários (inclusive o gênero dramático) não somente com relação ao passado mas também quanto a escritores do presente da escrita da obra, quase toda a primeira metade dos anos 40 do século passado. Ao oferecer esse panorama a estudantes e público estrangeiro, o autor teve uma oportuna iniciativa: não se limitou a informar sobre o Brasil literário apenas. Alargou seu espectro, complementou sua obra, admiravelmente, com uma séria de cuidadosa incursão sobre o nosso povo da perspectiva de sua época, mas, em alguns ângulos, ainda válida para os nossos dias, o que, de resto, está em consonância com o processo lento de modernização do país dentro daquela ideia de estágios sociais assimétricos de modernidade brasileira tão bem estudados por Eduardo Portella.

O historiador foi a fundo na apreciação do temperamento de nosso povo mestiçado, com diferentes qualidades no convívio social. E assim fala dos nordestinos, dos paulistas, dos gaúchos, dos cariocas. O resultado é um quadro perfeito e favorável a nosso povo, costumes, psicologias, temperamentos, hábitos e maneiras de ser. Por esta razão, não acredita ele que se poderia tentar escrever uma obra que retratasse o país na sua inteireza , seja física, seja social, seja cultural, seja principalmente literária. Para essa empresa, o certo seria que, em cada região, seus escritores se dessem ao trabalho de particularizar seus temas com seu talento e sua visão local, sem perder a unidade da língua, cuja diferença, nas várias regiões, é mínima, não indo mais do que na entonação e nos regionalismos vocabulares.
Como todo escritor fora do eixo Rio São- Paulo, Érico Veríssimo puxa brasa para sua sardinha e dá um certo relevo a escritores da sua terra. Isso é mais do que natural em tal situação.
Mas, o que fica de perdurável e definitivo nessa história literária é a honestidade do historiador em tentar mostrar ao público estrangeiro uma literatura que, embora não seja conhecida lá fora, já pode contar com um expressivo número de autores, nos vários gêneros, que não mais exploram de forma subserviente temas ou estilos literários de procedência européia. Seus autores, conforme ele satiricamente insinua, deixaram de ser meros imitadores encastelados friamente nas suas torres de marfim, seres fantasmagóricos. Nossos escritores descobriam seu caminho, o do homem comum,4 com pé na terra, procurando universalmente “um mundo melhor de paz, fraternidade e liberdade”, acrescenta ao término de sua história literária.
A história literária de Érico Veríssimo, feita com intenção primeira de ser um conjunto de conferências, ao ser publicada em forma de livro, bem deveria formalizar-se posteriormente, com um aparato biobibliográfico, com notas e referências sobre fatos, datas e títulos que nem sempre aparecem na extensão do livro.
NOTAS:
1 VERÍSSIMO, Érico. Brazilian literature – an outline New York: The Macmillan Company, 1945, 184 p.
2 Até então, não localizei a data de publicação deste livro.
3 VERÍSSIMO, Érico, op. cit., p. 106.
4 Idem, p. 163.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Tributo amoroso a Vivien Leigh

Tributo amoroso a Vivien Leigh


Cunha e Silva Filho



Deixo as leituras mais cansativas e me volto para o retrato de Vivian Leigh (1913-1967). De pronto me vem a primeira imagem daquela inglesinha, ( posto ter nascido na Índia, em Darjeeling) de porte pequeno (1,61 de altura), muito clara, com a sua cintura fina, seus cabelos não tão lisos, seu rosto perfeito e, principalmente, seu olhar – que olhar fascinante, especulativo!
Sua voz – que voz tão feminina! - delicada, suave, encantadora, belíssima, sobretudo se consideramos o todo do rosto, o nariz, a boca, a testa, as sobrancelhas, mostrados na tela do Rex (ou do Theatro) em Teresina, naquele papel de bailarina desempenhado numa história de um grande amor que teria sido completo se não fossem as circunstâncias históricas mundiais (Segunda Guerra Mundial) provocando mudanças no destino dos personagens; num, a frustração do amor incompleto, noutro, a tragédia individual diante da vergonha moral, no filme “A Ponte de Waterloo”(1940), onde Vivien contracena com um dos maiores galãs americanos, Roberto Taylor - admiração superlativa de mamãe e certamente de tantas jovens nascidas nos anos vinte).
A história daquele par amoroso me fascinou. Entretanto, mais me encantou para sempre foi a figura dessa mulher belíssima, que me marcou a memória estética, o conceito de beleza feminina.
Não creio que outra atriz me chamou tanta a atenção desde a juventude como a minha doce Vivien Leigh. Que estranho fascínio exerce uma bela jovem estrangeira na memória de um adolescente e que, com o tempo, não se desfaz?
Olhando-lhe uma bela foto (presente de meu filho Francisco Neto) reconstituída pelos novos recursos da tecnologia no campo da arte fotográfica, percebo que Vivian Leigh está ainda viva. A beleza não morre mesmo; ao contrário, se intensifica com o passar do tempo.
O belo olhar, com aqueles olhos esplendorosamente azuis e com um quê de interrogação só não fascina aos que não sabem ver a beleza de uma mulher.Você se lembra, leitor, daquele close inesquecível em que, na tela, praticamente só se viam os lindos olhos azuis de Vivien, supervalorizados pelo gesto sensual do levantar um das sobrancelhas? Isso está em “O vento levou,” filme que, mais adiante, cito e brevemente comento.
O mesmo olhar me transporta para outro filme famoso, que fez época no mundo todo: “E o vento levou”(1939) Ah, que fascinação aquele início do filme quanto, na suntuosa casa de Tara, a linda Scarlet, na flor dos anos e na mais perfeita das formas físicas femininas, encantava a tantos pretendentes! Sua figura querida descendo aquela escadaria enorme para ir ao encontro dos convidados, tem a duração do eterno, do belo e do trágico. Scarlet, a jovem filha dos prósperos proprietários de uma Tara ainda não tisnada do sangue dos infortúnios da Guerra da Secessão, ali estava diante da fascinação de milhares de film-goers pelo mundo afora. O Sul dos EUA ainda convivia com restos de paz e de esperança. Não tardava a eclodir a conflagração entre irmãos americanos. No filme, o centro de tudo é Scarlett O’Hara, com todos os defeitos morais da personagem na trama.O filme é baseado no belo livro de título homônimo, escrito por Margaret Mitchell.
Sim, no filme tudo é Scarlett. Sem ela, ele seria diferente, não teria o sucesso que teve. Sempre torci para que, no final pelo menos, a bela jovem terminasse com o estouvado e simpático capitão Bret . Como, dizia eu na adolescência em Teresina, essa linda mulher se apaixonaria pelo feioso Ashley (interpretado por Leslie Howard) que, além do mais, a preteriu para a doce Melanie, protagonizada magistralmente pela bonita Olivia de Havilland?
Olho novamente para o retrato de Vivien Leigh e penso no tumultuado casamento (o segundo) dela com o grande ator inglês Lawrence Olivier. Sei bem que Olivier não era feio, mas ao lado da belíssima Vivien, era pouco para ela. É difícil separar Vivien Leigh de seus personagens, além do mais porque para mim, que me tornei seu fã incondicional, vencido pela sua beleza e pelo seu olhar, a Vivien que conheci na tela é a que me seduz, visto que foi por esse meio que a conheci. Ama-se a imagem que nos seduz. E essa imagem tem força de perenidade.
Vivien, na vida privada, não foi feliz. Não sei – me pergunto – como pessoas tão fascinantes não tiveram vida feliz, harmônica, cheia de amor, cercada, no final da vida, de paz? As estrela do cinema nascem, a meu ver, para seus papéis, não para a vida no seu cotidiano amorfo, repetitivo, afundado em frustrações.. Quando as estrelas, na vida real, usam o álcool e outros vícios ou estimulantes artificialmente fabricados, parecem reforçar a idéia de que apenas na tela nossas amadas soam mais reais do que o cansaço da vida. Olho pra você, Vivien, e a minha paixão pela sua beleza e pelo seu mistério permanece num tempo que é eternidade.