Agendas: recortes da vida




Agendas: recortes da vida





Cunha e Silva Filho





Pessoas há que atualizam suas agendas pessoais uma vez em cada ano, ou seja, deixam de lado a agenda do ano anterior, que vai cumprir agora sua função de arquivo de referência, e adotam a agenda do ano que transcorre. Só que, ao carregarem consigo a agenda atualizada, esta só terá dados do ano corrente e as informações e anotações das agendas anteriores ficam para trás, ou melhor, ficam em casa como se fossem mais um livro da estante..

Pensando nesse objeto tão útil para os tempos pós-pós, vejo o quanto uma agenda se torna, pelo seu próprio uso continuado de um ano, um repositório de informações que, caso sejam relidas, muito vão contar da trajetória de tarefas, obrigações, lembretes e ligeiras anotações ou pequenos textos que ali ficam registrados. Pode-se mesmo afirmar ser esse material de anotações várias uma espécie de texto sem unidade temática, porquanto na agenda vale tudo para que ali se possa, com rapidez exigida pela nossa época , fazer registro para que a memória não nos traia.

Se fôssemos imaginar um estudo sobre o tema da agendas – e aqui me refiro somente às agendas escritas, não as eletrônicas -, veríamos como tantas surpresas, boas ou ruins, nos aguardariam ao relermos com atenção as agendas passadas. Seria uma espécie de baú do tempo para pegarmos carona no título de um célebre memorialista brasileiro. Nesse “baú” tudo pode. Ali se poderia ver se o possuidor da agenda é uma pessoa organizada ou se é alguém que não dá a mínima para ser uma pessoa organizada no que se relaciona a anotações de seus compromissos. E é aí que me encontro pronto a falar mal de mim mesmo, pois minhas agendas são o pior modelo que se possa ter de quem lida com agendas.

A começar da forma de fazer anotações esquemáticas ou até pequenas anotações textuais, confesso ser o maior transgressor de objeto tão necessário ao nosso cotidiano apressado e mesmo por vezes louco. Sabe-se que as agendas, por si mesmas, têm uma estrutura organizada de forma cronológica com se fossem diários relatando, dia a dia, os sucessos ou insucessos de uma pessoa.

Minhas agendas são assimetricamente anotadas, não respeitam os espaços divididos para inúmeras entradas de anotações. Dessa maneira, quem as lesse teria a impressão de que seu dono é um tresloucado, um indivíduo sem normas nem ordem, um anárquico, um insurrecto, uma rebelde. Sei o quanto isso se me torna um defeito gravíssimo. Mas, que hei de fazer se ajo assim? Tenho muitas agendas antigas, algumas se esfacelando com o tempo, outras já perdidas e sem perspectiva de poder reencontrá-las. Quantas anotações importantes não havia nelas! Tudo perdido!

Pego, para ilustração uma delas, que, por sinal, tem uma encadernação excelente, um verdadeiro livrinho, com impressão de alta qualidade, reunindo um conjunto de informações de grande utilidade para o usuário: calendário do ano em curso, calendário do ano anterior, feriados internacionais, mapas geográficos das Ilhas Britânicas( por aí se vê que a agenda que tomei côo modelo para estes comentários é uma agenda inglesa, que luxo!, leitor!) informações sobre viagens e distâncias entre cidades por quilômetros, telefones locais e internacionais, reservas por telefone para viagens marítimas, páginas para dados pessoais do usuário, calendário, sistemas de conversão de sistemas métricos, fusos horários mundiais, discagem direta internacional com todos os prefixos e códigos acompanhados da numerosas cidades no mundo, planejamento de calendário para o ano seguinte, calendário do ano em curso, outras indicações que nem sei exatamente o que sejam e, finalmente, o espaço maior destinado às anotações dos compromissos ao longo dos dias e meses do ano.

Coitado de quem fosse pesquisar dados cronológicos da minha agenda. Ficaria num mato sem cachorro e com muita dificuldade colocaria os dados em ordem, tal o descumprimento que faço das cronologias, pois uso até os espaços do verso da capa e da frente da contracapa, além de anotar, nas margens, horizontal, vertical e diametralmente informações de telefones e dados mais rápidos num caldeirão onde tudo se faz espaço para uma rápida anotação. Se as agendas fossem como os textos literários escritos à mão ou mesmo datilografados (porém impossíveis eletronicamente ), infeliz seria do candidato que se desse ao trabalho de fazer pesquisa de crítica genética. Seguramente estaria embrenhado numa teia de aranha do tamanho da confusão e caos criados por este usuário. Sem dúvida, desistira da pesquisa e ficaria na mesma situação que o homem comum brasileiro diante de uma dificuldade de resolver alguma coisa que, aos olhos dele, seria impossível devido ao seu comportamento passivo e ao seu espírito de conformismo, que o faria exclamar: “Fazer o quê...”