quinta-feira, 2 de abril de 2015

Minha formação (2)


Texto 2


                                                    Cunha e Silva Filho


         O grande  instante - um marco  epifânico da minha  formação  intelectual -  foi num certo dia em que   me descobri, no “quarto-biblioteca,” lendo um texto em inglês em nível  intermediário, seguramente um dos muitos  livros didáticos  de quantos  havia em  casa para o  ensino do inglês, assim como do francês; espanhol viria   depois, já no curso científico.
         Qual não foi a minha alegria   quando, na medida em que ia lendo um texto, pude perceber que o fazia  sem pensar em português, porém o  entendia  na própria língua inglesa. Eureka! O mesmo  diria para o meu francês,  mas em  tempo mais  dilatado e, assim com o espanhol, o estudo do inglês me absorveu mais  tempo e mais dedicação, ao passo que  o francês às vezes ia ficando  em  segundo  plano e o   mesmo  poderia  falar do espanhol.
        Foram na mocidade e na vida adulta que  as três línguas, sobretudo na habilidade da leitura, iam sendo consolidadas, não obstante  tenha  um poliglota,  em livro prático para o ensino de idiomas, afirmado  que uma língua só  estrangeira já é  trabalho para toda a vida.Segundo ele,  mesmo uns quinze ou vinte anos  não são por vezes  suficientes para o  completo  domínio de um  idioma  estrangeiro.   
      Por isso,  nunca me descuido de estar sempre  melhorando  e mantendo um  bom nível  de entendimento do que aprendi até hoje quando   venho  começando  a  estudar  o italiano e, como sempre,  de forma autodidática. Talvez, me decida a estudar o alemão e rever o meu latim, já  que o grego que cursei na universidade foi muito pouco  e o ensino dado  com  certa pressa.
   Hoje em dia,  quem gosta  de idiomas  modernos ou mesmo  de línguas  menos   ensinadas, como  o russo,  o hebraico,  o romeno, o polonês, o japonês,  o chinês, o árabe,  tem muitas  possibilidades de aprendê-las, seja pela internet, seja  por  livros com   lições  gravadas em CDs e chaves do exercícios. A grande  lição  que aprendi  nesse terreno é que línguas estrangeiras devem ser  aprendidas bem cedo em nossas  vidas.
    Diria, aproximadamente,  no início da adolescência, havendo  linguistas, contudo,  que advogam  que os idiomas  estrangeiros  devem ser ensinados a partir  da infância. Num pequeno livro que escrevi, Breve introdução ao curso de Letras: uma orientação (Rio de Janeiro:Litteris Ed; Quártica, 2009, 117 p.) para o  curso de Letras, desenvolvo um capítulo  sobre a importância do conhecimento de idiomas, não somente para  os  profissionais do ensino, mas para  todas as profissões que exigem  uma graduação universitária.
   Na minha formação  particular, a “Biblioteca” de papai  me trouxe muitas alegrias; nela havia  excelentes livros didáticos  e especializados (gramáticas) assim como notáveis dicionários de inglês,  francês e latim. Li com sofreguidão autores como  M. de Oliveira Malta, Jacob Bensabat, Frederick  Fitzgerald,  Pe. Júlio Albino Ferreira,  Júlio Matos  Ibiapina,  J. L. Campos Jr. Isso para me limitar ao inglês. Do francês,  havia  Marcel Debrot,   Isabel Junqueira Schmidt, Carlos Ploetz, compêndios  de conjugação dos  verbos franceses; em latim, a gramática  de Mendes de Aguiar que, se não me falha a memória, foi  professor  de meu pai no Rio de Janeiro. Além disso,  tive a sorte de ter sido aluno de francês de meu pai no ginásio e, no  científico, da Madame Helena, no Liceu Piauiense.   
      Tive também a fortuna  de ter sido aluno de inglês  nota 10 do  professor Francisco Viveiros. Falava um belo  inglês americano, pois  fizera cursos  técnicos nos Estados Unidos aproximadamente  nos anos  1950 com bolsa de estudos patrocinada possivelmente  pela  Escola Industrial de Teresina. Ele me lecionou inglês  não “Domício” (ginásio) e no Liceu Piauiense (científico). Como sempre fui entusiasta sobretudo do inglês,  na Biblioteca do Liceu li sua tese para professor catedrático de inglês; versava sobre o “genitive case.”
    Tive professores maravilhosos,  sobretudo no “Domício” como  João Batista (de latim e canto orfeônico),  Lysandro Tito de Oliveira (de geografia), Francisco Viveiros ( de inglês) Melo Magalhães (de matemática), Domício Melo Magalhães  (de história),  Tonhá   (de português), Alcides Lebre (de desenho), Edmar Vasconcelos de  Sant’Ana (igualmente de desenho), João Antônio (de ciências ), Cunha e Silva (de francês), Olímpio Castro ( de português e latim).
   Ainda tive outros professores no Domício de cujos nomes não me recordo,  pois me lecionaram  por  pouco tempo.  O meu período de ginásio  foi muito mais  alvissareiro do que o do científico, onde tive algumas  decepções com  relação a alguns professores. 
   No Liceu Piauiense,  conheci    professores de grandes méritos, o A. Tito Filho, mestre inigualável  de literatura luso-brasileira, era um deles.  Pontual,   dedicado às suas aulas tipo conferência, nas quais, além  da disciplina  específica,  despertava os jovens à reflexão crítica  dos grandes temas de natureza  histórica,  política e social. Fluente,  tribuno,   possuidor  de  qualidades   inatas de orador  de memória precisa, de gesticulação harmoniosa,   de voz agradável e aliciante, o grande jornalista  e cronista  de amplos recursos  entusiasmava a todos nós.  
        Era exigente,  corrigia todos os trabalhos escritos   propostos  sobre  assuntos  literários  já anteriormente   ventilados  com  muita  didática. Passava aos alunos tarefas  de redação, o que  chamava de  “apreciação” de um  tema ou, segundo  gostava  de pedir-nos: “Faça uma apreciação sobre o  Romantismo  de  Castro Alves.”       
        Acredito que ele me foi muito útil  na minha    atividade  crítica. Era econômico nos elogios, mesmo aos bons alunos. Suas aulas fizeram época. Em 1968,   de volta de um congresso de jornalista  em Porto Alegre, passando  pelo  Rio de Janeiro, conversei com ele  ligeiramente. Meu pai também  compunha  o grupo de congressistas. De regresso ao  Piauí,  A, Tito  Filho escrevera no jornal de Teresina, numa  das notas de sua coluna, palavras  elogiosas sobre a minha pessoa como  ex-aluno dele.  Uma vez,  o  notável  tradutor e professor  Paulo Rónai, no Jornal do Brasil,   teceu-lhe  encômios sobre um livro de crônicas. (Continua)   
       

      

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