terça-feira, 31 de março de 2015

Minha formação




                                 Cunha e Silva Filho


     O INÍCIO. Aviso aos navegantes: não vou  expor neste simples e ligeiro artigo inicial  qualquer  coisa que  aspire ao que  Joaquim Nabuco (1849-1910)  alcançou, de forma admirável,  auto-retratar-se  intelectualmente,  dedicando a isso um livro  clássico,  Minha formação ( 1900). Aqui apenas   procuro traços  gerais da matéria, porém com a convicção de quem conhece suas  limitações no corpo de algumas colunas a que  darei  sequência. Julgo que não serão tantas.
    Sem o brilhos dos  precoces,  me descobri, no início da adolescência, naqueles  estritos limites dos teens que  a língua inglesa, tão etimológica,  sabe  muito  bem  exprimir de maneira  prática e funcional, que  ler é um prazer  que traz conhecimentos e abre  o nosso espírito, livremente,  a mundos  desconhecidos  com uma  alegria e emoção incontroláveis e para toda a vida.
   Entre aquele  “quarto-biblioteca” de meu pai, Cunha e Silva (1905-1990) e aquele outro  “quarto de estudos,”  (que dava tanto para a rua São Pedro quanto para a  Rua Arlindo Nogueira, em Teresina),   onde fazia intensas  e contínuas  leituras quase diárias  de antologias  que me chegaram às mãos ou mesmo  aproveitando  tudo de textos  de livros didáticos  de língua portuguesa do ginásio, do científico ou clássico para deles fruir  ora o sabor  do lirismo  poético, ora  o enredo  das narrativa,  ora ainda procurar  dinamizar  a capacidade  de conhecer  palavras novas, de saber-lhes os sentidos e, quando  possível,  internalizá-los ao máximo de minhas  possibilidades mnemônicas.   
   Foi  nesse mesmo  período  de vida desabrochando que, com um caderno de tamanho   médio,   listava  alguns temas  previamente   escolhidos para,   depois,  tentar desenvolvê-los  em forma de pequenos  textos. Os temas, variados (a família, a pátria,  o amor,   amizade,  os livros,  a vida escolar,   etc),   me serviram  mais pra exercitar  a minha capacidade de exposição analítica em torno deles.   Assim,  ia compondo  os meus  textos   até encher  aquele caderno.
   Não me lembro se enchi outro caderno  nas mesmas  proporções. Contudo,  o que me  era   bastante sistemático  era a combinação que fazia  entre  leituras  e escrita, coadjuvadas com as leituras de gramáticas  da época, as de Eduardo Carlos Pereira ( a de nível elementar, a de nível superior e a sua Gramática histórica) e  a de Brant  Horta (Gramática intuitiva da língua portuguesa), um livrinho  de análise sintática, de  Antenor  Nascentes  que me  deu  enorme ajuda  ao entendimento do que era a análise  lógica de textos clássicos, até   de Camões, a Gramática da língua portuguesa, de Carlos Góis  atualizada por Herbert Palhano, que  compulsei muito, até mesmo  dando  aulas em escolas do Rio de Janeiro.  Outras  obras de Carlos Góis ( homenageado com um nome de rua em Copacabana) como  os volumes sobre regência verbal,   concordância verbal, análise sintática igualmente me serviram de consulta.  Não posso deixar de citar a gramática de um velho  autor,  Gaspar de Freitas, que me foi  de grande utilidade para entender o que era oração principal. Era um livrinho muito funcional nem a coleção de Cândido de Figueiredo (Falar e escrever, O que se não deve dizer,  Estrangeirismos etc) e, amiúde, as consultas  com leituras  de verbetes de grandes dicionários  português, latim,  francês e inglês.Na verdade,  não seguia mais do que o preceito utilíssimo de  Gautier:  "Lisez les dictionaires, jeunes  gens."
          Tenho quase certeza de que  me vi forçado a melhorar meu  português por força  de uma crítica injusta de um  professor de português que tive no  Domício (nome pelo qual   afetiva e popularmente  chamávamos  ao  Ginásio “ Des. Antonio Costa) nos anos  de 1950. Depois,  li também  a gramática  de Artur de Almeida Torres, autor  didático  que  publicou vários bons  volumes  de livros    e estudos de filologia e que vim   a conhecer melhor no Rio de Janeiro.
        Não sei como  meu pai  interpretava  aquela  mania do adolescente  insulado no seu  “quarto-biblioteca”, remexendo  os livros  dele,  olhando um,  olhando outro, a ponto de chegar a conhecê-los, um por um,  por títulos.Uma vez,  observei que ele parecia não gostar de que eu  mexesse tanto em seus livros – sentimento que, agora  compreendo na sua plenitude. Meu pai,  que era  grande leitor de livros e jornais,  naturalmente,por ciúme,  e cuidados,  pensava que  fosse danificar-lhe   os  livros.  “Que diabo esse menino  faz todo dia aqui  xeretando  meus livros?” Uma vez,  chegou ao ponto de me  advertir: “Olha,  meu filho,  cuidado com  os dicionários e com os livros mais  antigos.Muito cuidado!” Não lhe dei resposta. Saí silencioso  como  um monge   de um  poema de W. H Wadsworth (1865-1887).        
     Entretanto, a despeito das suas advertências, aproveitava as horas em que meu pai  não estava em casa e lá ia em direção ao “quarto-biblioteca” novamente  remexer no acervo tão precioso e tão significativo para a minha vida futura.Então,  livre,  podia  ir  tomando conhecimento  com  a diversidade  de gêneros de títulos  alinhados  nas prateleiras das duas enormes  estantes. 
   O quarto virava uma espécie de cela monacal, na qual  o exterior  pouco me  importava mergulhado que  ficava entre  livros, autores,  histórias,  ensaios, poesia,  filosofia,  geografia,  história,  sociologia,  física, matemática (aritmética,   álgebra e geometria),    botânica,  química,  desenho geométrico,  e o que tanto  me fascinava: obras para o aprendizado de  línguas que não sabia ainda suficientemente ( francês,  inglês,  latim, espanhol).   
   No topo de cada estante,  havia  umas caixas grandes de papelão apinhadas de recortes de jornais: eram os artigos de meu pai  publicados em  diversas  épocas de sua vida. Num deles,  encontrei uma poema  a ele dedicado,   o qual  dizia assim: “À inteligência  prodigiosa (ou “brilhante,” não me recordo bem) de Cunha e Silva."   
    Se me perguntarem  que livros havia lido daquele   “quarto-biblioteca", eu diria que não muitos. Deveria ter lido todos.Porém, uma coisa  não posso negar: consultava muito  os dicionários e os livros  didáticos  de idiomas. Lia mais  ficção do que poesia. Folheava ensaios. Lia alguns. Deixava, contudo, de ler outros livros também  indispensáveis  de ficção, o que foi uma grande perda só sentida anos depois. Tampouco, aos treze  ou catorze anos, me  interessa ler jornais, nem mesmo os artigos de papai, que só fui ler lá pros dezesseis ou dezessete anos, o que foi uma outra falha autodidática.  
   No que concerne a obras ficcionais, havia no  "quarto-biblioteca"  autores variados, alguns de  grande nomeada: Dostoióvski,   Flaubert,   Górki, J.J. Cronin, Paul Bourget, Machado de Assis, Coelho Neto,  Humberto de  Campos, Viriato Correia, Eça de Queiroz,  Berilo Neves,   José de Alencar, Fontes Ibiapina. Os ensaios  predominavam sobre os de ficção e  poesia, com  obras de autores como  Afrânio Peixoto, José Maria  Belo, Sud Menucci,  Ingenieros, Carlos Magalhães de Azeredo,  Antonio Henriques Leal, Mário de Alencar,   Pedro Calmon, entre outros.  Também não faltavam  obras   de  história literária francesa no original ( da coleção Berlitz) de filosofia em italiano,  de literatura  brasileira, um tratado de filosofia em italiano.(Continua)



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