Cunha e Silva Filho
     O subúrbio carioca não é bonito  para quem 
chega ao Rio de Janeiro pela 
primeira vez. O único bairro  da
ex-Central do Brasil, o Méier, é uma exceção. É um bairro  mais rico, 
mais  elegante,  tem movimentos semelhantes a  bairros da Zona Sul, os mais  belos 
do Rio. Posteriormente,  dedicarei um capítulo ao subúrbio carioca, parte do Rio de Janeiro tão bem retratada por escritores como  Lima Barreto e  Marques Rebelo, entre outros  ficcionistas.
     Tendo ido  morar com 
o  tio Zequinha em Oswaldo Cruz ,  segundo já mencionei,  achei 
o  Rio feio,  uma cidade que  nada tinha a ver com  aquelas 
cenas urbanas  das chanchadas
divertidas de  Carlitos e Grande Otelo
assistidas na Teresina   no final dos anos 1950 e início dos anos 1960 no  Theatro ou Rex. Lindas  e excitantes 
eram as cenas  filmadas  no Centro  
da capital  carioca ou as  de outros  
filmes  rodados  no  Rio
em que  apareciam   partes 
elegantes   da cidade
situadas  na Zona Sul,  mostrando 
Copacabana, a “Princesinha do Mar,” e a sua   esfuziante beleza, sobretudo  os calçadões 
da  praia  bem cuidada e ainda  não poluída como nos tempos atuais,   com suas belas   mulheres 
usando  maiôs.
       Só depois de alguns dias,  indo 
ao Centro do Rio, fui mudando  de  opinião 
com  referência  à cidade que esperava  
encontrar. Só quando  vi  a Av. Presidente  Vargas, 
e as Candelária  sempre à frente
no meio da paisagem urbana, e sobretudo a 
majestosa  Av. Rio Branco,  o palácio Monroe,  o magnífico  Theatro Municipal,  a Biblioteca 
Nacional , Escola de Belas Artes, a Cinelândia e seus bares,  os  seus  cinemas (daí 
Cinelândia), o prédio da Mesbla,  
o Edifício Serrador e aqueles outros 
arranha-céus, sendo  o mais  belo 
de então  o Edifício Central  e tantos 
outros  antigos  prédios de arquitetura  construído em diferentes estilos, clássico,  neoclássico, art-nouveau art décor, manuelino, barroco, moderno, pós-moderno.   Neste  prédio altíssimo, o Edifício Central  - um luxo pra  época, nos primeiros anos  de  inauguração, no qual tudo  funcionava bem -    pude  perceber que 
tinha  me  equivocado 
sobre  o que era o  Rio e o seu 
justo   renome mundial
de  grande e majestosa  cidade cercada de belezas e de paisagens   paradisíacas que  deixam os turistas de  queixo caído. Sim, o Rio é belo, era e  será sempre belo, e assim  continuará sendo  a despeito de tantas  prédios que foram  derrubados 
com a construção do Metrô, como o 
suntuoso  Palácio  Monroe, situado  quase ao final  da  
Av. Rio Branco e com   outras
modificações  que o Centro da cidade vem
sofrendo  ao longo  do tempo.
      Me matriculei num curso pré-vestibular
para medicina, Curso Arquimedes, situado 
num prédio, hoje, já antigo  e
maltratado,  o  Edifício Santos  Vale, 
na Rua    Senador  Dantas.  As aulas eram à noite e por isso  chegava Oswaldo Cruz bem tarde mas sem medo dos assaltos  e da violência galopante de hoje Sempre que  passo  por este 
edifício, me lembro do notável  crítico literário,  Álvaro 
Lins (1912-1970)  que o
menciona  num livro de memórias
diplomáticas – Missão em Portugal
(6). 
      Esse
livro me foi  ofertado  por um ex-aluno, Manuel  Chuva, um filho de portugueses, do tempo  em que lecionei no  Curso Policultura, já citado  anteriormente. Por pouco tempo, fiquei  no curso pré-vestibular. Primeiro,  em razão de não  querer 
mais  cursar medicina;
segundo,  porque  não 
tinha  dinheiro  pra 
pagar  o curso.Juntei ambos os
motivos  e larguei de vez  a ideia de fazer medicina. Contudo,  neles havia 
professores dedicados e competentes, todos  estudantes de medicina já em final  de curso.
     O
diretor,  um rapaz  ainda bem jovem, pessoa  boa  e
humana,  dava aulas de física e  português. Certa vez,  passara uma 
tarefa de redação que consistia em 
dissertar  sobre o tema “por que
desejo ser médico.”  Escrevi  meu texto e lhe entreguei  para correção.  No dia  
de devolução  dos  textos 
corrigidos, li as observações  que  o diretor 
me fez,  que foram  as seguintes: a)  “Você 
tem algum  jeito para  redigir; 
b) A sua  redação peca por falta
de objetividade; c) A prática  de
redação  lhe dará  muitos 
progressos; d) Nunca esquecer de que deve dar margem  aos parágrafos.”
    O reparo do diretor igualmente  me  despertou  para o fato  de que, em Teresina,  ao escrever um artigo à mão,  não dava margem aos parágrafos. O jornal é que cuidava de  me enquadrar no formato  apropriado. Essa passagem de minha vida  sobre ela  já relatei   alhures num artigo no qual  falava sobre a experiência  inicial do  grande crítico Antonio Candido     de escrever pra colunas  de jornais. Recordo  ainda sobre  esse assunto que meu pai,  escrevendo  à mão seus artigos e outros  textos de sua  produção,  não  dava a margem aos parágrafos,  conforme anos mais tarde,  sendo encarregado por ele de   copidescar  seu livro Gatos do palácio(8), notei que, mesmo  a cópia  datilografada da obra,  não  estava com  as margens  dos parágrafos, o que  os ingleses chamam de indented lines. 
     Confesso que não gostei da afirmação de
que  tinha “algum jeito” pra redigir. No
meu  orgulho  próprio de quem,  em Teresina, 
havia  escrito alguns    artigos pra jornais,  sendo até elogiado  pelo   professor, escritor e jornalista  A.Tito Filho,  como  
ousaria  o diretor  me 
dizer  que tinha  apenas “algum jeito pra redigir? Por algum
tempo,  me   abespinhei 
com aquilo   que, pra mim,  soava como crítica ou falta de
valorização  maior que   julgava merecer. Puro  excesso de orgulho  juvenil. 
    Das observações  do diretor, uma delas me serviu muito  de então pra diante   quando 
escrevesse   algum texto: daria
sempre  a margem ao texto, ao contrário
do estilo  dos americano, em carta  comercial, 
que não dão margem aos parágrafos. 
  Disso tomei 
conhecimento  quando, nos anos de  1967  a 1968, trabalhei como  "auxiliar", conforme está no meu  resisto da Carteira  Profissional,  da seção de Câmbio  do Banco do Intercâmbio Nacional (já extinto).
Na verdade, veja-se a  exploração  capitalista -  fazia mais era  redigir cartas em inglês, ou verter textos bancários e comerciais  para esta língua, o que me  obrigou a 
aprender  inglês comercial  e bancário através de bons  livros 
comprados com dificuldades, sendo um dele – o excelente Correspondência comercial inglesa de J.
L. Campos Jr.(7) -   adquirido 
com  um dinheiro dado   por meu
pai na sua  passagem pelo  Rio de Janeiro para um Congresso de Jornalistas
em Porto Alegre ,
anteriormente   referido nestas      memórias. 
A única coisa ruim que me aconteceu durante o período naquele banco foi uma observação de um dos diretores ou gerentes, um cearense metido a besta, que falara mal do meu inglês para o gerente geral do Banco do Brasil, Moacyr Freyre, piauiense, pessoa humana que estava sempre ais necessitados.Soube dessa crítica do cearense através do que contou à minha esposa, Elza, a Dona Santuzi, esposa do Sr Mocyr Freire. O casal era muito amigo da minha esposa. Sempre lhe deram, desde solteira, muito apoio, mesmo até os primeiros meses de meu casamento.
Mas, lembra Shakespeare com profundidade filosófica: "The evil that men do, lives after them." Aquele gerente cearense, um dia, no banco me chamou à sua sala, no andar térreo, que dividia com um outro gerente ou diretor. O assunto tinha sido uma carta em português que me pedira para verter pro inglês. Ele e o seu colega de sala me perguntaram sobre um enunciado que, segundo eles, não estava correto.
As memórias falham, mas, às vezes, acertam com uma nitidez que nos surpreende. O trecho da carta com o qual estavam implicando comigo era este : "Sempre que a oportunidade se fizer necessária, far-lh-ei uma visita em seu seu escritório em Londres." Desse modo foi por mim redigida: "Whenever an opportunity presents itself, "I will pay you a visit at your office in London." O cearense e o colega desconheciam os idiomatismos e os torneios da língua de John Milton.
Os deuses estavam ao meu lado. Naquela tarde, aconteceu de chegar à sala dos gerentes ou diretores um senhor de olhar afável embora mostrasse ser pessoa séria, inteligente e distinta. Era grego. Tinha negócios de exportação ou importação, não sei ao certo. Soube, depois, conversando com ele a sós, que tinha grande convívio com a língua inglesa e era um homem viajado. Aproveitando-se da presença do senhor grego, cliente vip do banco, os dois gerentes, mostrando-lhe a minha versão, lhe indagaram se aquilo estava correto. "Corretíssimo! - respondeu com firmeza o senhor grego. "Este rapaz, acrescentou o senhor grego, está com a razão". Os sabichões gerentes, sobretudo o cearense, perderam a voz e mudaram o tom antes doutoral. Era hora de almoço, deixei a sala e tomei a rua. Naquele instante, o senhor grego, virou-se pra mim e me perguntou: Por que você não procura a Man Power? Lá pode encontrar uma colocação para quem sabe inglês. Disse isso e se despediu de mim. Nunca mais o vi.
Antes que me esqueça, de outubro 1966 a março de 1967, trabalhei no First National City Bank, Departamento de Câmbio na função de "escriturário principiante," segundo consta na Carteira Profissional. Na realidade, trabalhava no balcão por ter conhecimentos de inglês. Atendia mais a estrangeiros em tarefas como desconto de cheques, remessa de dinheiro pro exterior, recebimento de remessa de dinheiro, fazer os respectivos cálculos de conversão, preenchimento de formulário.
Na hora dos cálculos por vezes me enrolava, de vez que nunca fui bom em cálculos financeiros. O uso do inglês era diário. Entretanto, os meus cálculos tinham que passar pela checagem de um funcionário e, desse modo, se cometesse algum erro, ele corrigiria. Consegui a colocação graças a um colega meu de Faculdade, um moço educado, prestativo e amigo. de origem espanhola.
Passei por uma prova oral - conversação em inglês, com um "officer" -, cuja única ressalva feita foi me afirmar que, ao falar inglês, denunciava um pouco de sotaque. No mais, tudo bem, estava por ele aprovado. Além disso, antes de concluir a entrevista me perguntou se me interessava fazer, em Nova Iorque, um curso de trainee e, depois, complementar com um curso em economia ou administração. Fui muito franco e sincero com ele, dizendo-lhe que não queria me dedicar à área bancária, porque estava cursando Letras. Não me respondeu nada. "The conversation was over."
Em seguida, tive uma última etapa antes de ser admitido ao emprego. Era um entrevista com o chefe de recurso humanos, de nome Tassinary ou algo bem próximo a esse nome. Não me lembro,  todavia,   ter feito  prova  de conhecimentos  gerais. De uma coisa  estou certo,agora depois de  tantos anos: o que o City Bank me pagava não valia  as minhas  lágrimas  derramadas na presença de minha esposa  quando dele fui demitido. Era uma mixaria pra tanto   trabalho e exigência. 
Durante o período no City Bank, conheci muitas pessoas, brasileiros e estrangeiros. Certa feita, chegara ao balcão uma senhora idosa e de traços finos, ainda bem disposta, acompanhada de uma jovem senhora muito bonita. Elas vinham receber uma valor relativo a uma ordem de pagamento. A mais velha me entregou um aviso pra comparecimento ao Banco a fim de receber a importância remetida. Eu mesmo as atendi. Assim que vi o sobrenome Da Costa e Silva, meio sorridente ia-lhes perguntar sobre o sobrenome. Elas, porém, se adiantaram e me disseram : "Não é do Presidente Costa e Silva. É do poeta piauiense Da Costa e Silva."
Então, lhes disse que efetivamente não estava pensando no Presidente Costa e Silva, mas no poeta da minha terra, Da Costa e Silva. Ficaram surpresas com a minha afirmação.As duas senhoras eram Dona Creuza Fontenele da Costa e Silva e Alice Fontenele da Costa e Silva, respectivamente, a segunda esposa do "poeta da Saudade" e uma das filhas.a Alice, a mais nova. de três filhos do poeta amarantino. Mal imaginara que, anos depois, ia revê-las justamente na casa de Dona Ceuza, na Tijuca, justamente durante a minha pesquisa de mestrado versando sobre o tema da saudade do maior poeta piauiense.
Data dessa data a amizade que estabeleci com a família Da Costa e Silva. Foi o período em que tive o primeiro contato com o filho de Dona Creuza, o diplomata e escritor Alberto da Costa e Silva, o qual me franqueou tudo que lhe foi possível pra desenvolver a minha pesquisa sobre o seu pai. O diplomata me enviava do exterior farto material bibliográfico sobre Da Costa e Silva. Conseguira o primeiro contato cm ele através do endereço do diplomata no exterior que me forneceu um funcionário do velho e majestoso Palácio do Itamaraty, situado na Avenida Marechal Floriano, Centro do Rio. Com o Alberto da Costa e Silva, troquei algumas correspondências sobre o andamento da minha pesquisa. O funcionário, muito solícito, referia-se ao diplomata pelo nome Da Costa,dito de forma afetiva.
Noutra ocasião, chegou ao balcão do City Bank uma americano, a quem atendi com a tenção que me caracterizava exercendo aquela função bancária. Conversando com ele, soube que admirava o estudo de línguas orientais. Morava em Niterói, no Saco do São Francisco.Chamava-se Leonard Mesnar. Vi-o outra vez tempos depois quando o encontrei perto de outro banco em que trabalhei, Banco de intercâmbio Nacional, na rua Primeiro de Março, Centro. Mr. Mesznar me havia dito uma verdade: "Você só aprende uma língua praticando-a sempre, em convívio com quem a fala, sobretudo se nativo." Não era uma novidade , porém era uma verdade. Não cheguei a procurá-lo no seu endereço talvez por timidez ou mesmo acomodação.
Outra vez, apareceu um senhor ainda moço, muito gentil e sorridente que me dissera: "Você trata bem demais os clientes, sempre sorrindo e de bom humor. Talvez mude com o tempo, pois a vida nos vai mostrando com as decepções pelas quais vamos passando." Ele era estudioso de mapa astral e me pediu o meu nome, o mês e ano de meu aniversário. Um mês depois, se tanto, voltou ao balcão pra tratar de alguma coisa e me entregou um envelope, no qual constava o mapa astral. alusivo ao meu signo, sagitário.Lendo-o em casa, pude constatar que muita coisa que ali dizia dizia repeito à minha personalidade. Durante algum tempo, gostava de ler, nos jornais, a seção de horóscopo. Me divertia sempre que me era favorável o teor do meu signo.
Um outro dia, apareceu no balcão um moço a quem atendi. Havia outros dois colegas de trabalho que atendiam no mesmo balcão. Ele veio descontar um cheque. Conversa vai, conversa vem, vim a saber que ele era de Paranaíba, cidade litorânea do Piauí. Era funcionário da FAO (Food Agricultural Organization). Morava num país de língua inglesa. Depois, me disse que era filho de um escritor piauiense, Alarico da Cunha, cujo nome não me era estranho, pois meu pai me falra bem dele e tanto ele quanto meu pai colaboraram no Almanaque do Parnaíba. Me recordo de um exemplar que folheei e nele havia um artigo de meu pai que estampava a foto dele no canto superior direito da página do artigo. Papai estava bem moço, com o cabelo ainda negro.Esse moço de Parnaíba , vendo meu interesse por línguas, me recomendou que ouvisse muito discos com gravações reproduzindo diálogos em línguas estrangeiras modernas. "Ouvir com frequência as gravações e os textos respectivos melhorava muito a nossa pronúncia e a nossa fluência."
De lembranças gratas do banco americano propriamente dito só levei de Mr. Dudley, um velhote americano, um outro "officer" de grande respeito junto ao à Seção de Câmbio.Com ele sempre falava em inglês. Sempre que ia à sua mesa, que ficava num canto aos fundos da ampla sala de Câmbio, a ele me dirigia pelo nome carinhoso de "Daddy." Em apuros, recorria a ele, até quando me deparava, "at the counter," com uma gringazinha que falava num inglês difícil de entender. "Don't you worry, Francisco, she's really got a strange accent. Matter of region, you know. Virando-se pra ela disse: Just turn around the corner, young girl, and you'll find the place you want." Saudades do velho Dudley! - uma autêntico personagem de um filme de cowboy de uma cidadezinha americana conversando com outros velhotes sobre bandoleiros que acabavam de assaltar um banco...
A única coisa ruim que me aconteceu durante o período naquele banco foi uma observação de um dos diretores ou gerentes, um cearense metido a besta, que falara mal do meu inglês para o gerente geral do Banco do Brasil, Moacyr Freyre, piauiense, pessoa humana que estava sempre ais necessitados.Soube dessa crítica do cearense através do que contou à minha esposa, Elza, a Dona Santuzi, esposa do Sr Mocyr Freire. O casal era muito amigo da minha esposa. Sempre lhe deram, desde solteira, muito apoio, mesmo até os primeiros meses de meu casamento.
Mas, lembra Shakespeare com profundidade filosófica: "The evil that men do, lives after them." Aquele gerente cearense, um dia, no banco me chamou à sua sala, no andar térreo, que dividia com um outro gerente ou diretor. O assunto tinha sido uma carta em português que me pedira para verter pro inglês. Ele e o seu colega de sala me perguntaram sobre um enunciado que, segundo eles, não estava correto.
As memórias falham, mas, às vezes, acertam com uma nitidez que nos surpreende. O trecho da carta com o qual estavam implicando comigo era este : "Sempre que a oportunidade se fizer necessária, far-lh-ei uma visita em seu seu escritório em Londres." Desse modo foi por mim redigida: "Whenever an opportunity presents itself, "I will pay you a visit at your office in London." O cearense e o colega desconheciam os idiomatismos e os torneios da língua de John Milton.
Os deuses estavam ao meu lado. Naquela tarde, aconteceu de chegar à sala dos gerentes ou diretores um senhor de olhar afável embora mostrasse ser pessoa séria, inteligente e distinta. Era grego. Tinha negócios de exportação ou importação, não sei ao certo. Soube, depois, conversando com ele a sós, que tinha grande convívio com a língua inglesa e era um homem viajado. Aproveitando-se da presença do senhor grego, cliente vip do banco, os dois gerentes, mostrando-lhe a minha versão, lhe indagaram se aquilo estava correto. "Corretíssimo! - respondeu com firmeza o senhor grego. "Este rapaz, acrescentou o senhor grego, está com a razão". Os sabichões gerentes, sobretudo o cearense, perderam a voz e mudaram o tom antes doutoral. Era hora de almoço, deixei a sala e tomei a rua. Naquele instante, o senhor grego, virou-se pra mim e me perguntou: Por que você não procura a Man Power? Lá pode encontrar uma colocação para quem sabe inglês. Disse isso e se despediu de mim. Nunca mais o vi.
Antes que me esqueça, de outubro 1966 a março de 1967, trabalhei no First National City Bank, Departamento de Câmbio na função de "escriturário principiante," segundo consta na Carteira Profissional. Na realidade, trabalhava no balcão por ter conhecimentos de inglês. Atendia mais a estrangeiros em tarefas como desconto de cheques, remessa de dinheiro pro exterior, recebimento de remessa de dinheiro, fazer os respectivos cálculos de conversão, preenchimento de formulário.
Na hora dos cálculos por vezes me enrolava, de vez que nunca fui bom em cálculos financeiros. O uso do inglês era diário. Entretanto, os meus cálculos tinham que passar pela checagem de um funcionário e, desse modo, se cometesse algum erro, ele corrigiria. Consegui a colocação graças a um colega meu de Faculdade, um moço educado, prestativo e amigo. de origem espanhola.
Passei por uma prova oral - conversação em inglês, com um "officer" -, cuja única ressalva feita foi me afirmar que, ao falar inglês, denunciava um pouco de sotaque. No mais, tudo bem, estava por ele aprovado. Além disso, antes de concluir a entrevista me perguntou se me interessava fazer, em Nova Iorque, um curso de trainee e, depois, complementar com um curso em economia ou administração. Fui muito franco e sincero com ele, dizendo-lhe que não queria me dedicar à área bancária, porque estava cursando Letras. Não me respondeu nada. "The conversation was over."
Em seguida, tive uma última etapa antes de ser admitido ao emprego. Era um entrevista com o chefe de recurso humanos, de nome Tassinary ou algo bem próximo a esse nome.
Durante o período no City Bank, conheci muitas pessoas, brasileiros e estrangeiros. Certa feita, chegara ao balcão uma senhora idosa e de traços finos, ainda bem disposta, acompanhada de uma jovem senhora muito bonita. Elas vinham receber uma valor relativo a uma ordem de pagamento. A mais velha me entregou um aviso pra comparecimento ao Banco a fim de receber a importância remetida. Eu mesmo as atendi. Assim que vi o sobrenome Da Costa e Silva, meio sorridente ia-lhes perguntar sobre o sobrenome. Elas, porém, se adiantaram e me disseram : "Não é do Presidente Costa e Silva. É do poeta piauiense Da Costa e Silva."
Então, lhes disse que efetivamente não estava pensando no Presidente Costa e Silva, mas no poeta da minha terra, Da Costa e Silva. Ficaram surpresas com a minha afirmação.As duas senhoras eram Dona Creuza Fontenele da Costa e Silva e Alice Fontenele da Costa e Silva, respectivamente, a segunda esposa do "poeta da Saudade" e uma das filhas.a Alice, a mais nova. de três filhos do poeta amarantino. Mal imaginara que, anos depois, ia revê-las justamente na casa de Dona Ceuza, na Tijuca, justamente durante a minha pesquisa de mestrado versando sobre o tema da saudade do maior poeta piauiense.
Data dessa data a amizade que estabeleci com a família Da Costa e Silva. Foi o período em que tive o primeiro contato com o filho de Dona Creuza, o diplomata e escritor Alberto da Costa e Silva, o qual me franqueou tudo que lhe foi possível pra desenvolver a minha pesquisa sobre o seu pai. O diplomata me enviava do exterior farto material bibliográfico sobre Da Costa e Silva. Conseguira o primeiro contato cm ele através do endereço do diplomata no exterior que me forneceu um funcionário do velho e majestoso Palácio do Itamaraty, situado na Avenida Marechal Floriano, Centro do Rio. Com o Alberto da Costa e Silva, troquei algumas correspondências sobre o andamento da minha pesquisa. O funcionário, muito solícito, referia-se ao diplomata pelo nome Da Costa,dito de forma afetiva.
Noutra ocasião, chegou ao balcão do City Bank uma americano, a quem atendi com a tenção que me caracterizava exercendo aquela função bancária. Conversando com ele, soube que admirava o estudo de línguas orientais. Morava em Niterói, no Saco do São Francisco.Chamava-se Leonard Mesnar. Vi-o outra vez tempos depois quando o encontrei perto de outro banco em que trabalhei, Banco de intercâmbio Nacional, na rua Primeiro de Março, Centro. Mr. Mesznar me havia dito uma verdade: "Você só aprende uma língua praticando-a sempre, em convívio com quem a fala, sobretudo se nativo." Não era uma novidade , porém era uma verdade. Não cheguei a procurá-lo no seu endereço talvez por timidez ou mesmo acomodação.
Outra vez, apareceu um senhor ainda moço, muito gentil e sorridente que me dissera: "Você trata bem demais os clientes, sempre sorrindo e de bom humor. Talvez mude com o tempo, pois a vida nos vai mostrando com as decepções pelas quais vamos passando." Ele era estudioso de mapa astral e me pediu o meu nome, o mês e ano de meu aniversário. Um mês depois, se tanto, voltou ao balcão pra tratar de alguma coisa e me entregou um envelope, no qual constava o mapa astral. alusivo ao meu signo, sagitário.Lendo-o em casa, pude constatar que muita coisa que ali dizia dizia repeito à minha personalidade. Durante algum tempo, gostava de ler, nos jornais, a seção de horóscopo. Me divertia sempre que me era favorável o teor do meu signo.
Um outro dia, apareceu no balcão um moço a quem atendi. Havia outros dois colegas de trabalho que atendiam no mesmo balcão. Ele veio descontar um cheque. Conversa vai, conversa vem, vim a saber que ele era de Paranaíba, cidade litorânea do Piauí. Era funcionário da FAO (Food Agricultural Organization). Morava num país de língua inglesa. Depois, me disse que era filho de um escritor piauiense, Alarico da Cunha, cujo nome não me era estranho, pois meu pai me falra bem dele e tanto ele quanto meu pai colaboraram no Almanaque do Parnaíba. Me recordo de um exemplar que folheei e nele havia um artigo de meu pai que estampava a foto dele no canto superior direito da página do artigo. Papai estava bem moço, com o cabelo ainda negro.Esse moço de Parnaíba , vendo meu interesse por línguas, me recomendou que ouvisse muito discos com gravações reproduzindo diálogos em línguas estrangeiras modernas. "Ouvir com frequência as gravações e os textos respectivos melhorava muito a nossa pronúncia e a nossa fluência."
De lembranças gratas do banco americano propriamente dito só levei de Mr. Dudley, um velhote americano, um outro "officer" de grande respeito junto ao à Seção de Câmbio.Com ele sempre falava em inglês. Sempre que ia à sua mesa, que ficava num canto aos fundos da ampla sala de Câmbio, a ele me dirigia pelo nome carinhoso de "Daddy." Em apuros, recorria a ele, até quando me deparava, "at the counter," com uma gringazinha que falava num inglês difícil de entender. "Don't you worry, Francisco, she's really got a strange accent. Matter of region, you know. Virando-se pra ela disse: Just turn around the corner, young girl, and you'll find the place you want." Saudades do velho Dudley! - uma autêntico personagem de um filme de cowboy de uma cidadezinha americana conversando com outros velhotes sobre bandoleiros que acabavam de assaltar um banco...
  Continua).
NOTAS:
(6)LINS,  Álvaro Lins.  Missão
em Portugal (primeiro  volume).  Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960.
(7)CAMPOS
JR.,  José Luís. Correspondência comercial  inglesa.   São  Paulo : Editora LEP S.A, 1964. Li quase toda a obra desse autor.
(8)
Esta obra, uma sátira  política,  quase nos moldes de outra obra dele,  Copa e
Cozinha (Teresina,PI.: Academia Piauiense de Letras/Projeto  Petrônio Portella, 1988), conforme informou uma das minhas irmãs,foi  extraviada. Eu diria  por  negligência
de meus familiares. É lamentável   que
tenha  sido perdida. Tal  fato não ocorreria  se ainda morasse em Teresina. Enquanto   vivi com meu pai, cuidava de sua biblioteca,
a que chamo afetivamente de  “quarto-biblioteca.”   Depois do falecimento de  meu pai (1990), tudo se esboroou do seu  pequeno
mas valioso acervo, com obras  de muito
valor e, por incúria,  extraviadas.  Eu me sentia 
o “warder” de seu  espólio  bibliográfico.É imperdoável   esse fato.Outro fato desagradável que constatei
foi o seguinte: a tese de meu pai,  O papel de Floriano  Peixoto na obra da proclamação e consolidação da República (1957)   - é triste 
afirmar – foi  também extraviada. Por
algum tempo,  estive com ela  aqui no Rio de Janeiro. Depois,  por amor 
aos livros e respeito ao  acervo
de meu pai,  numa das viagens a
Teresina,  devolvi a tese ao se
lugar  nas estantes. Não deveria ter  devolvido se soubesse que não iriam cuidar bem
dos  seus livros,  ficaria com 
a Tese que iria ter um lugar de honra 
na minha biblioteca.A primeira Tese dele,  graças a Deus, se  encontra na minha biblioteca. Tem por título  A odisseia
do cativeiro no Brasil. Foi  submetida 
à Escola Normal  “Antonino Freire,” no concurso   para catedrático de
Historia do Brasil, 1952. Essa Tese foi defendida e aprovada Meu pai suou muito, .  pois havia um  membro da banca. adrede escolhido  pra prejudicá-lo por questões  político-educacionais.. Menino, acompanhei meu pai  durante a defesa. Mais do que sua voz,  vejo a sua gesticulação   expondo eloquentemente o assunto ventilado. O dito  inimigo ali presente,  nas suas considerações, alegou  que meu pai  estava mais  no papel  de orador do que de professor. A  Tese que  foi  extraviada  foi  submetida  à cátedra de História
do Brasil do Colégio  Estadual do  Piauí (antigo Liceu Piauiense), a qual não foi, no entanto,   defendida. Desconheço as razões.
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