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Mas eu, que sempre te segui os passos
                                                                                                                              "
Mas eu, que sempre te segui os passos
          Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
E o teu suspiro com foi profundo!
E o teu suspiro com foi profundo!
                           CRUZ E SOUSA*
                                                         Cunha e Silva Filho
   UM
ANO DIFÍCIL: 1964 Tendo chegado  ao Rio
quase no final de fevereiro de 1964, poucos dias  da minha permanência na cidade,  estourou 
o golpe militar em 31 de março. Eu estava de volta do curso à noite
na  Senador Dantas e, a pé,   em  direção à   Central do Brasil a fim  de  tomar o trem
pra  Oswaldo Cruz. Havia um ar diferente
naquele dia. Durante o meu  percurso até à
Central percebi que algo  estava  errado. Pessoas  falavam  
alto,  discutiam, gesticulavam. Vi
movimentos de soldados  da Polícia
Militar,  do Exército, todos bem armados
passarem  por ruas do Centro da cidade. 
        Ao chegar à Estação, tive uma
surpresa  desagradável: o serviço de
trens estava interrompido. Só tinha uns trocados pra tomar  o trem, 
os quais  não davam pra comprar a
passagem de ônibus. O que seria de mim?, me perguntei. Estava  apavorado. Foi, então,  que perguntei 
a um  transeunte em frente à
Central por que os trens estavam parados. Ele, um senhor  idoso, 
me respondeu que era porque os militares tomaram  o poder no Brasil.
Aquela noite de 31 de março iria passar em claro, sentado a um batente de uma das entradas da Estação. Ficara com vergonha de pedir a alguém que me conseguisse uma quantia pra tomar o ônibus que me deixaria em Oswaldo Cruz. No dia seguinte, sem dormir - une nuit à la belle étoile - me animei com raro esforço a pedir a alguém o dinheiro pra voltar pra casa. Ao entrar na casa de meu tio, após bater no portão, ele, com ar apavorado e condenatório, me disse: "Garoto, o que houve? Você não deu notícia alguma. Onde dormiu? Lhe contei tudo. Era apenas um jovem garoto de dezoito anos, ingênuo e inexperiente na grande cidade de São Sebastião.
Aquela noite de 31 de março iria passar em claro, sentado a um batente de uma das entradas da Estação. Ficara com vergonha de pedir a alguém que me conseguisse uma quantia pra tomar o ônibus que me deixaria em Oswaldo Cruz. No dia seguinte, sem dormir - une nuit à la belle étoile - me animei com raro esforço a pedir a alguém o dinheiro pra voltar pra casa. Ao entrar na casa de meu tio, após bater no portão, ele, com ar apavorado e condenatório, me disse: "Garoto, o que houve? Você não deu notícia alguma. Onde dormiu? Lhe contei tudo. Era apenas um jovem garoto de dezoito anos, ingênuo e inexperiente na grande cidade de São Sebastião.
       Aos dezoito anos,  nunca 
fora um jovem dado a questões 
políticas,  à militância geralmente da ala esquerdista, como tantos jovens mesmo 
mais novos do que eu e entre os quais  tive grandes amigos, como  sobretudo  o jovem  Dirceu, sobre o qual  ainda tecerei comentários nestas anotações.  Costumo  afirmar que a minha grande militância, no tempo  da ditadura militar, era com a sobrevivência,  o ganha-pão, com os estudos, não que fosse um absenteísta, ou um  jovem que pudesse ser  tachado de  direitista  ou a favor do Estado  autoritário  que se implantou no país  de 1964 a 1985.     
Contudo, noção de que o país estava em situação de impasse político não me era novidade, uma vez que o Olavo, secretário de um deputado federal do MDB que meu pai havia conhecido em Teresina, me arranjara para estagiar no conceituado jornal Diário de Notícias. Ora, que melhor lugar para se ouvir falar em política do que a redação de um jornal?
Me lembro bem de parte de um bilhete que o Olavo me pediu que levasse até ao chefe de redação daquele jornal, que ficava na Rua Riachuelo, Centro. Era um prédio robusto, em cuja fachada havia, acima da larga porta principal, o nome do jornal em destaque. Parte do bilhete ao redator-chefe tinha o seguinte teor: "O portador deste é um jovem filho de um amigo meu do Piauí. Ele tem regular cultura geral e alguma experiência em redação, pois colabora esporadicamente pra jornal em Teresina.Veja o que pode fazer por ele."
Contudo, noção de que o país estava em situação de impasse político não me era novidade, uma vez que o Olavo, secretário de um deputado federal do MDB que meu pai havia conhecido em Teresina, me arranjara para estagiar no conceituado jornal Diário de Notícias. Ora, que melhor lugar para se ouvir falar em política do que a redação de um jornal?
Me lembro bem de parte de um bilhete que o Olavo me pediu que levasse até ao chefe de redação daquele jornal, que ficava na Rua Riachuelo, Centro. Era um prédio robusto, em cuja fachada havia, acima da larga porta principal, o nome do jornal em destaque. Parte do bilhete ao redator-chefe tinha o seguinte teor: "O portador deste é um jovem filho de um amigo meu do Piauí. Ele tem regular cultura geral e alguma experiência em redação, pois colabora esporadicamente pra jornal em Teresina.Veja o que pode fazer por ele."
       Obviamente,  o Olavo 
era conhecido do  chefe da redação.
Este me recebeu  solícito, educado e me
encaminhou para uma  outra seção
pedindo-me que levasse um bilhete a um jornalista,  seguramente o 
responsável por estagiários  do
periódico. Li o bilhete antes de entregá-lo à pessoa  indicada: “Por favor,  inicie 
o jovem portador deste no estágio  e comece a lhe pedir  tarefas 
“suaves.”  
      No
dia seguinte,  lá estava eu na redação do
Diário de Notícias. Um jornalista-repórter
que me atendeu, também muito simpático, 
me colocou um crachá da imprensa   com  o
nome do  jornal na minha  lapela. Eu estava de terno  e gravata. Tínhamos uma missão  importante 
pela frente: fazer  uma cobertura  de um comício 
do João Goulart, a realizar-se no Arsenal da Marinha a poucos dias  da tomado do poder  pelos militares.
     Confesso
que apenas fiquei  observando  intrigado e surpreso  com o desenrolar  do evento. Os meus colegas,  jornalistas 
tarimbados, não me pediram nada. Fui mais pra acompanhá-los e me
familiarizar  com  a atividade 
de  um repórter. Passei uma semana
neste ritmo de vida  agitada  e apressada, que é o jornalismo. Porém, um
problema havia: não tinha  condições de,  todo dia, 
ir  à redação. Estava sem
dinheiro  pra almoçar, fazer um lanche.
Além disso,  só tinha um terno que
usei  na viagem de Teresina  pro Rio. 
        Um dia, no curtíssimo período do meu
estágio,  o  repórter, do qual  falei acima,  vendo que não dispunha de dinheiro pra
almoçar,  me convidou a fazer a refeição  com ele num restaurante que havia na  Rua  da
Carioca, Centro. Logo desisti de continuar a frequentar  o jornal. 
    Quando 
viajei pro Rio,  trazia o endereço
do secretário do deputado  Sousa Santos. A
ele entreguei uma carta de meu  pai,
dando  informações sobre mim e lhe
pedindo  que  me 
arranjasse uma colocação.O secretário do deputado federal, de nome Olavo,  era
maranhense, um senhor de meia idade, 
muito  inteligente,  escrevia bem, era quem cuidava dos
discurso  do deputado  Sousa 
Santos e de outras  tarefas  correlatas 
ao seu cargo. Seu escritório ficava no belo  edifício 
Central, do qual  já  falei  atrás.
   A primeira
 vez que fui ao seu escritório, que
ficava num dos andares  mais altos,  fui acompanhado do tio Zequinha, visto que
ainda não sabia  andar bem na cidade. Tive
boa impressão do Olavo, pois, a par de ser 
inteligente, era  um bom  causer que
aliava a essa qualidade  uma  ironia  
às vezes  ácida. Fui ao seu escritório  muitas vezes e me dava bem  com ele, 
principalmente  porque     possuía  cultura  literária,  
um espírito crítico e muito franco, às vezes em demasia. Olavo   recebia 
sempre  exemplares do jornal  Estado
do Piauí, no qual  meu pai  colaborou por muito tempo, tanto com  artigos   
assinados quanto  com artigos de
fundo. Nesse jornal,  publiquei muitos
artigos  sobre literatura,
analisando  obras  ou discutindo  acerca  de  outras questões  de literatura.
 
     Certa vez,   me confessou   algo 
que não me agradou. Falara  que
meu pai era um  bom jornalista mas, mas não  era bom 
poeta. Ele se  referia a  alguns poemas, sobretudo, sonetos, que
papai  estampava naquele jornal. Meu pai
começou a escrever  poesia aos sessenta
anos, um ano depois que  saí de Teresina.
Segundo me relatou em carta, se tornara poeta  sessentão em face das “agruras da  vida.” 
Quanto ao meus artigos,  o secretário
do deputado julgava  que tinham  algum mérito. Olavo não era de elogiar muito
ninguém.  Ao contrário, tinha uma língua afiada pra fofocas  literárias. ou
seja,  pra falar  mal 
de  grandes escritores. Creio,
todavia,  que, em literatura,   era um espírito  mais conservador,  pois não 
me citava nunca  escritores
brasileiros  mais novos. (Continua)
* SOUSA, Cruz e. Vida obscura. In:___Poesias completas.( Broquéis, Faróis, Últimos sonetos). Introdução e Tasso da Silveira. Rio de Janeiro: Ediouro, p.161.s.d.
* SOUSA, Cruz e. Vida obscura. In:___Poesias completas.( Broquéis, Faróis, Últimos sonetos). Introdução e Tasso da Silveira. Rio de Janeiro: Ediouro, p.161.s.d.
História de luta, hem, meu caro Cunha e Silva Filho? Bom saber desses detalhes.
ResponderExcluirVocê , poeta de raça e de aitudes firmes, ao fazer um breve comentário, me estimula a prosseguir nesta maravilhosa aventura humano pelo caminho da escrita, tarefa espinhosa, seletiva, e que, apesar disso, deixa muitas rasuras dignas de um leitor e criador como Você. Um grande abraço do Cunha e Silva Filho
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