domingo, 12 de abril de 2015

Minha formação (5)

                          


                                                      Cunha e Silva Filho


       Ao deixar Teresina,  naquele dia de fevereiro, no aeroporto da cidade,  não  sabia   quantas  coisas  boas e ruins iria  encontrar no Rio de Janeiro.  Alea jacta  est! Mamãe, papai e alguns irmãos maiores foram  me embarcar.
       Não me recordo bem se fora num final de  manhã ou no começo da tarde.Chegaria ao Rio,  com  ligeira escala em Brasília, lá pelas dez horas da noite.
      Estava envergando um terno cor de vinho, com camisa clara de manga comprida, gravata (o nó foi  feito  por meu  pai, pois nunca  aprendi a dar nó de gravata satisfatório), sapato   social, tudo novinho em folha. Por muito tempo,  ao usar aquele  terno,  o nó era o mesmo  que meu pai havia  feito. Ao subir a escada do  avião, olhei pra trás e avistava,  a alguns metros, meus pais e irmãos. Todos  com olhos fixos em mim.
     Tomei assento do lado da  janela e dali ainda podia ver  minha  família, todos juntos, um pertinho do  outro, papai, mamãe, os meninos.Semelhava, no seu conjunto,  a uma foto de família. Parecia  que meus familiares  choravam,  se não por fora,  por dentro de seus  espíritos. Era demais  pro meu coração já saudoso dominado pelas incertezas futuras. Essa despedida foi  bem  retratada num soneto (5) paterno  a mim dedicado e remetido num recorte do  jornal Estado do Piauí, onde fora  publicado, pouco tempo depois da minha partida. Adiante não resisto   ao desejo de transcrever o soneto:

                 O talismã
                                               Cunha e Silva
         
          Com lágrimas nos olhos te vi partir,
          Com lenço branco pra mim acenavas
          Da janela do avião a sorrir
          Pra mim que, com tristeza,  me deixavas.

          Logo que o avião voo tomava,
          Prolongado adeus me concedeste,
          Emotivo, lágrimas  enxugava
          No lencinho que me ofereceste.

  Este lencinho tenho-o guardado
          E só quero revê-lo quando chegares,
          Um dia, com teu  sonho realizado.

          O talismã da tua felicidade
          É ele, meu filho, e, ao regressares,
          Devolver-to-ei com ansiedade.



                
         Já estava combinado  que faria o curso de medicina, porém sabia que estava me enganando e apenas  sendo levado  pela escolha  de meus pais.Medicina era, naquele tempo,  um curso  superior muito valorizado, talvez mais do que  direito e  engenharia. Significava posição  privilegiada na sociedade teresinense e, além disso,  abria caminho  pra uma vida  financeira mais  rendosa.
       A “Cidade Maravilhosa”, do alto da aeronave,  à noite,  lembrava uma miríade de jóias preciosas. Tudo era cintilante,  com brilhos que piscavam  o tempo todo.  Nunca  vira coisa  igual.
      No aeroporto Santos Dumont ninguém  estava à minha  espera. Eu iria  ficar na casa de um  tio, que morava em Oswaldo Cruz,  subúrbio da Central do Brasil. Fiquei  amedrontado e me dirigi a uma cabine telefônica  que ficava no  piso superior. pois havia  trazido comigo o telefone de um primo, o Wellington, que morava  no Flamengo,  um belo bairro  próximo do centro, onde ficava o aeroporto  Santos Dumont. Nunca havia  telefonado na minha vida,  recorri a uma senhora ainda jovem que estava com  o seu esposo e notara  o meu desespero.
     Não sei se o casal  tinha vindo de Teresina no mesmo avião.  Conversando, soube que ele tinha sido aluno do meu pai em Amarante, uma conhecida  e bela cidade  piauiense.. Era Eduardo Neiva,  alto funcionário do Banco do Brasil. Trabalhava na Carteira do Exterior dessa instituição. Já o conhecia  de nome, porquanto  meu pai me falava   sobre ele sempre com orgulho. Eduardo Neiva tinha sido, segundo meu pai,  o aluno mais inteligente que tivera no Atheneu  Rui Barbosa,  escola fundada por meu  pai em Amarante.
      Eduardo Neiva era competentíssimo e, além disso,  um  poliglota de mão cheia. Ajudou a fundar várias agências do Banco do Brasil no exterior.     Foi sua  prestativa   esposa que ligou pro meu primo e ele por ela me avisava que,  dentro de uns  vinte minutos,  estaria no aeroporto para me ajudar. Dito e feito,  meu primo  logo  chegou ao aeroporto e se mostrou  muito   solícito, um amigo mesmo. Fez mais: me levou de táxi até à Central do Brasil. De lá pegaríamos o trem que nos  deixaria em Oswaldo Cruz. Eu levava uma pesada  mala,  porquanto  nela  trazia um bocado de livros  de Teresina. Meu primo, coitado,  por me haver feito um  grande favor, tivera que dormir na casa de meu tio Zequinha,  dado que chegáramos à casa dele   muito tarde  da noite e, na manhã seguinte,  o primo  Wellington teria que acordar bem cedo para pegar o trem que o deixaria no Centro do Rio. Da estação  ferroviária,  tomaria um ônibus pro trabalho na Av. Beira-Mar,  no qual  exercia a função de datilógrafo num escritório do Laboratório  Silva Araújo.
         Tio Zequinha, meu  único tio  vivo, trabalhava como chefe de seção   de uma  repartição  pública   pertencente ao  Ministério da Saúde, a  extinta SUCAM.  .  Era um dos quatro   irmãos de mamãe, que residiam no Rio de Janeiro,  um  outro  chamava-se   Ivon,  sargento  paraquedista do Exército. uma boa pessoa, de quem  tenho saudades,  pois foi ele que,  numa   lambreta,  me levou de Owaldo Cruz, onde também  morava com a família,  para   conhecer  o bairro principal da Central, Madureira, parada obrigatória para quem quer conhecer o  subúrbio carioca atravessado   pela antiga  Estrada de Ferro Central  do Brasil. Os outros dois eram o tio  Carlitos e o Cláudio.  Carlitos foi  pracinha na  Segunda  Guerra Mundial e lutou na Itália.  Sempre me dei bem  com  ele. Morava com a família em Sulacap,  subúrbio do Rio. Antes havia  morado no bairro da Piedade,  no subúrbio da Central do Brasil  Cláudio, segundo  me contaram,   exercia a função de  policial civil. Este não  tinha praticamente  contato com  os  outros irmãos; fora criado por uma outra família que, de Teresina,  viera pro Rio.  
         Tio Zequinha se desculpou  por não ter ido me apanhar no aeroporto alegando que, no dia anterior,   fora me esperar, conforme   combinara com meu  pai. Houve, ao que tudo  indica,  uma mudança  de dia da minha viagem, que não foi  certamente  informada a ele. a tempo.
         No meu íntimo,  sabia  que nunca  seria  médico,  primeiro porque  não me atraía   o curso; segundo,  porque o meu boletim escolar  contra-indicava  qualquer  possibilidade de   sair vitorioso  num  exame  vestibular: eram baixas as minhas notas  nas disciplinas  que mais   exigiriam  de mim:  matemática,  física,  química. Na biologia era um pouquinho  melhor, mas só ela  não me levaria à aprovação.
        Me lembro de  que mamãe  ficava  zangada  quando  via o  resultado de minhas notas daquelas matérias  do curso  científico no Liceu.. “Você precisa estudar mais  física,  química,  matemática." Tais disciplinas eram pesadas e  apresentavam   um conteúdo  avançado. Por exemplo, em matemática  tínhamos cálculo  integral,  equação exponencial, análise combinatória; da mesma sorte,  em física, química, biologia os conteúdos eram  complexos  pra mim que só tinha olhos  mais  pra língua portuguesa,  literatura,  espanhol,   francês e  inglês. Essas ressalvas, por si sós,  justificam   por que não teria  muita chance em   medicina.   (Continua)

NOTA:


(5) Entre o título do  soneto e o nome de meu pai, havia uma dedicatória: “Para o meu bom filho Cunha e Silva Filho.” Por  descuido meu,  no recorte não  coloquei a data de publicação  do poema, prém  creio que tenha sido  publicado em fevereiro de 1964.

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