Cunha e Silva Filho
Após
a minha admissão ao Diretório de
engenharia da PUC, um
mês depois talvez, Arsênio
contratou os serviços de uma jovem
senhora pra cuidar especificamente da
parte datilográfica dos ofícios,
circulares e outros textos que
movimentavam a vida naquele
pequeno escritório. Não me lembro
infelizmente do nome dela. Só sei ter sido ela uma pessoa
amiga, afável, prestativa, que me
ajudou muito em dar conta
das tarefas que nos eram solicitadas a fazer em tempo certo e por vezes urgente. Arsênio, segundo
assinalei, era um presidente muito exigente e não era de brincar no serviço da sua gestão.
Quase sempre eu almoçava sozinho no restaurante dos estudantes da PUC. Em
seguida, retornava ao batente no Diretório no qual cumpria
expediente de manhã até a tarde.
Uma vez,
passei mal de saúde a ponto de a
senhoria do apartamento
onde eu alugara duas vagas, uma
para mim e a outra pro Winston, ficar com pena de mim e me indagar do meu estado de saúde. Era uma mal-estar, uma fraqueza que não
havia sentido antes. A senhoria, uma moça ainda bem jovem e bonita, certamente
preocupada comigo, me preparou uma
gemada, que tomei e, depois, fui
deitar-me. O marido dela, um senhor
ainda jovem, alto, muito magro (dizia-se que era tuberculoso), falando
sobre o meu estado de saúde, me aconselhou um outro lugar pra morar. Seria
na casa de uma tia dele que morava no bairro da Zona Norte, Vila Isabel. Ela,
da mesma forma, alugava vagas pra jovens e adultos.
Fui até lá conversar com a tia dele,
uma senhora idosa, meio mulata, que me lembrava, pela indumentária, uma cigana. Ela morava com uma filha, uma moça muito atraente. A casa era grande e velha. Para lá
fui com o meu irmão Winston.
Continuava indo pra PUC a fim de atender ao
presidente do Diretório. O meu
amigo Joaquim Baptista, de quem falei atrás, sempre andava bem animado e solícito na seção de reprografia. Foi quase um pai pra mim.
Aquele mal-estar, que sentira antes, já dava
outros sinais. Sentia-me mal, um pouco inchado, pálido e fraco. Comecei a ter nojo de
uma comida servida por um
senhora que trabalhava na PUC
em serviço humilde. Era a esposa de um dos vigias, que morava numa casinha dentro do campus, bem perto
daquele conjunto de casas, uma das quais a do Diretório. Quando
ia almoçar lá, sentia nojo da comida: resultado provável dos sintomas da doença. A outra alternativa seria o
restaurante dos estudantes, onde a comida
era melhor, porém mais cara e o dinheiro era curto.
Estava na
PUC uns quatro meses, se tanto. A
doença piorava. Sentia vontade de comer algo
inusitado: vontade de comer barro, aproveitando-me de paredes
com alguma pequena abertura de pintura
descascada exibindo o barro do tijolo. Fazia isso
várias vezes contra a minha vontade
e as razões da lógica. Era um impulso
irrefreável.
Não estava realmente bem, precisava de ajuda, de serviços médicos. Foi quando
relatei esta situação ao meu irmão e lhe pedi que falasse com o Olavo. Já mal aguentava
trabalhar. Passei a faltar ao
trabalho.
O deputado
Sousa Santos tinha sido informado do meu estado de saúde através do seu
secretário, e bem assim meus pais. O Olavo falara com meu irmão que me iam arranjar uma internação no Hospital Pedro Ernesto, na Rua 28 de Setembro, Vila
Isabel, pertinho da vaga em que morava.
Fui com o Winston ao Hospital Pedro
Ernesto. Nos dirigimos pro Centro de Hematologia, onde seria recebido
pelo Diretor, o Dr. Hildebrando Monteiro Marinho, um
médico renomado, que me recebeu
bem, me examinou cuidadosamente e concluiu logo pela minha i mediata
internação pra tratamento de anemia.
Dr. Hildebrando tinha um
defeito físico, se não me engano,
numa das pernas, pois andava descompensado, certamente por ter uma das pernas menor do que a outra. Era um médico notável consoante, com o passar dos dias em que estive internado,
quase uns dois meses, constatei. Em
dias marcados, inspecionava criteriosamente todas as duas enfermarias (uma pra crianças e mulheres,
outra pra adultos de pacientes
com anemia e sobretudo com leucemia.
Levei pro hospital os meus pertences: uma
mala com roupas, o meu único terno,
algumas camisas, cuecas, aparelho de barbear, escova de cabelo, escova de dente, pasta de dente, sabonete, alguns livros e
meus documentos.
Na enfermaria, iria encontrar pessoas inesquecíveis, como o médico que cuidou de mim, o Dr. Sérgio Franco, jovem médico, alto, forte, de boa aparência, simpático, afetuoso, desses médicos que hoje estão rareando."Oi, Francisco,como se sente?" Dizia isso pegando a minha mão e examinando-lhe a palma. "Ainda está pálida. Tem que ficar como a minha: coradinha," arrematava o hematologista.
Outra pessoa que não posso jamais esquecer era um das enfermeiras, que tinha plantão à noite. Exemplar profissional da enfermagem. Atenciosa, meiga, bonita, fiquei encantado com ela. Até fizemos amizade depois de algum tempo de internação.
Na enfermaria, iria encontrar pessoas inesquecíveis, como o médico que cuidou de mim, o Dr. Sérgio Franco, jovem médico, alto, forte, de boa aparência, simpático, afetuoso, desses médicos que hoje estão rareando."Oi, Francisco,como se sente?" Dizia isso pegando a minha mão e examinando-lhe a palma. "Ainda está pálida. Tem que ficar como a minha: coradinha," arrematava o hematologista.
Outra pessoa que não posso jamais esquecer era um das enfermeiras, que tinha plantão à noite. Exemplar profissional da enfermagem. Atenciosa, meiga, bonita, fiquei encantado com ela. Até fizemos amizade depois de algum tempo de internação.
A minha
enfermaria ficava na parte central do segundo andar do hospital, a qual dava pra Rua 28
de Setembro, com a sua dupla pista para
os veículos em constante movimento de ir e vir. Da sacada ampla, via o movimento das pessoas
e dos carros.Na enfermaria havia
sempre doentes em seus leitos esperando pela cura de seus males.
Numa enfermaria contígua, havia crianças, muitas delas com leucemia e muitas delas vi morrer diante dos olhos dos médicos e das enfermeiras. Eram cenas tristes e mesmo trágicas. Nunca me esqueci de uma linda menina de uns doze anos, alourada, clarinha, que vi morrer. Seu corpinho frágil, imóvel, muito pálido, foi retirado por funcionários e encaminhado para outro setor do hospital. Pobres crianças mortas na flor dos anos da infância ou princípio da adolescência!
Numa enfermaria contígua, havia crianças, muitas delas com leucemia e muitas delas vi morrer diante dos olhos dos médicos e das enfermeiras. Eram cenas tristes e mesmo trágicas. Nunca me esqueci de uma linda menina de uns doze anos, alourada, clarinha, que vi morrer. Seu corpinho frágil, imóvel, muito pálido, foi retirado por funcionários e encaminhado para outro setor do hospital. Pobres crianças mortas na flor dos anos da infância ou princípio da adolescência!
Havia também a alegria de pacientes que lá se internaram e
vieram pra minha enfermaria. Um senhor
cinquentão muito conversador,
amulatado, que usava óculos e era meio
calvo com quem passava horas falando da situação política do país, no início de uma ditadura militar que seria longa. Passou a fazer parte dos meus
conhecidos de enfermaria. Havia
outro paciente com aparência de nordestino Estava bem
doente e veio a falecer alguns dias depois que me internaram. Não
suportou a leucemia.
Nos dias de visitas, pessoas das famílias dos doentes vinham
visitá-los. Eu não tinha ninguém que me
viesse visitar. Ficava sozinho, deitado
no meu leito, perto da seção da
enfermaria. Meu irmão Winston, de duas em
duas semanas, vinha me ver e
aproveitava pra almoçar. Isso
se fazia às escondidas, já que o hospital só fornecia refeições aos doentes.
Por falar em visitas durante a minha permanência no hospital no Pedro Ernesto, um há que diz de perto do comportamento dos órgãos públicos, o qual, de ordinário, vive da aparência e não da realidade.
Um dia, vieram me visitar o deputado federal Mauel de Sousa Santos acompanhado do fiel escudeiro, digo, secretário, o Olavo.A direção do hospital pôs-se em povorosa e o fato era bem mais visível na minha enfermaria. "Chegou um deputado federal pra visitá-lo, Francisco" - atalhou uma das enfermeiras. De repente, aparece, com movimentos apressados, o pessoal da arrumação, varrendo, espanando, lustrando o largo espaço da minha enfermaria, trocando lençóis, colchas, travesseiros, fronhas, roupa limpa pros pacientes. Isso tudo, claro, para aparecer que aquele lugar era perfeito, asseado, com tudo em seus devidos lugares, funcionado às mil maravilhas.
O deputado e o secretário entraram finalmente na enfermaria. Foi o Olavo que logo me viu sentado no meu leito. O parlamentar era um senhor ainda novo, de boa altura, vestido com esmero no seu terno de tecido fino; Olavo, da mesma forma, usava um terno elegante. Conversaram comigo durante alguns minutos sobre o meu estado de saúde e me indagaram se o tratamento era de qualidade. Lhe respondi afirmativamente. "Estou sendo bem tratado, me recuperando a olhos vistos. Meu médico, o Dr, Sérgio Franco é muito bom, as enfermeiras, também. Os dois saíram acompanhados de dois senhores que chegaram depois, provavelmente pertencentes à direção do hospital.
Por falar em visitas durante a minha permanência no hospital no Pedro Ernesto, um há que diz de perto do comportamento dos órgãos públicos, o qual, de ordinário, vive da aparência e não da realidade.
Um dia, vieram me visitar o deputado federal Mauel de Sousa Santos acompanhado do fiel escudeiro, digo, secretário, o Olavo.A direção do hospital pôs-se em povorosa e o fato era bem mais visível na minha enfermaria. "Chegou um deputado federal pra visitá-lo, Francisco" - atalhou uma das enfermeiras. De repente, aparece, com movimentos apressados, o pessoal da arrumação, varrendo, espanando, lustrando o largo espaço da minha enfermaria, trocando lençóis, colchas, travesseiros, fronhas, roupa limpa pros pacientes. Isso tudo, claro, para aparecer que aquele lugar era perfeito, asseado, com tudo em seus devidos lugares, funcionado às mil maravilhas.
O deputado e o secretário entraram finalmente na enfermaria. Foi o Olavo que logo me viu sentado no meu leito. O parlamentar era um senhor ainda novo, de boa altura, vestido com esmero no seu terno de tecido fino; Olavo, da mesma forma, usava um terno elegante. Conversaram comigo durante alguns minutos sobre o meu estado de saúde e me indagaram se o tratamento era de qualidade. Lhe respondi afirmativamente. "Estou sendo bem tratado, me recuperando a olhos vistos. Meu médico, o Dr, Sérgio Franco é muito bom, as enfermeiras, também. Os dois saíram acompanhados de dois senhores que chegaram depois, provavelmente pertencentes à direção do hospital.
Poucos dias depois da minha internação, recebi uma visita alvissareira: a da minha colega
de trabalho do Diretório Acadêmico de
engenharia da PUC. Sua missão
fora me entregar uma quantia em dinheiro como indenização que o presidente do Diretório resolvera enviar pra mim. Era uma boa quantia, que me deixou bem alegre,
porquanto dela iria precisar
pra pagar uma vaga onde
fosse morar quando tivesse alta hospitalar.
Ainda por falar de visitas de conhecidos ou parentes, as quais, o leitor pôde ver que foram quase nulas, um belo dia (vou-me permitir o lugar comum) apareceram, de repente, na minha enfermaria o meu tio Carlitos e um tio-avô materno, o major Dico, militar do Exército e, se não me equivoco, fora professor de educação física. Fiquei contente com a presença deles. Vieram saber como estava. Entretanto, não quero pensar mal deles, contudo ele tinham um viagem à Teresina, não sei se os dois juntos. Naturalmente, pra não ficarem mal com a minha família, se deram ao trabalho de me fazer uma vista. Assim, quando , em Teresina, meus pais falassem - o que lhes seria mais do que obrigatório - sobre a minha internação, eles teriam assunto e tudo estaria perfeitamente nos seus lugares certos.
Ainda não lhe contei , leitor, qual foi a causa da minha doença: uma anemia provocada por um parasito chamado "necator americanus," que se introduz na sola dos pés das pessoas quando descalças.É comum no Nordeste.Alguns parentes pensaram erradamente que sofria de leucemia.Ela não se manifestou em Teresina, porém veio me acometer em terra carioca.
Ainda por falar de visitas de conhecidos ou parentes, as quais, o leitor pôde ver que foram quase nulas, um belo dia (vou-me permitir o lugar comum) apareceram, de repente, na minha enfermaria o meu tio Carlitos e um tio-avô materno, o major Dico, militar do Exército e, se não me equivoco, fora professor de educação física. Fiquei contente com a presença deles. Vieram saber como estava. Entretanto, não quero pensar mal deles, contudo ele tinham um viagem à Teresina, não sei se os dois juntos. Naturalmente, pra não ficarem mal com a minha família, se deram ao trabalho de me fazer uma vista. Assim, quando , em Teresina, meus pais falassem - o que lhes seria mais do que obrigatório - sobre a minha internação, eles teriam assunto e tudo estaria perfeitamente nos seus lugares certos.
Ainda não lhe contei , leitor, qual foi a causa da minha doença: uma anemia provocada por um parasito chamado "necator americanus," que se introduz na sola dos pés das pessoas quando descalças.É comum no Nordeste.Alguns parentes pensaram erradamente que sofria de leucemia.Ela não se manifestou em Teresina, porém veio me acometer em terra carioca.
Meu irmão Winston, que tinha uma vaga na
velha casa da senhora idosa de Vila Isabel, como não tinha
arranjado nenhum emprego, pediu a ela que ficasse morando numa canto da
casa e, como pagamento, a ajudaria
em alguma coisa. Assim foi combinado. Entretanto, não demorou muito
e a senhora idosa pediu que deixasse a casa. Winston, então, ficou no olho da rua, sem saber onde se
alojar.
Começou uma peregrinação na rua, dormiu até em banco de trem da Central do Brasil. Os parentes não se ofereceram para lhe dar abrigo. Sofreu muito, inclusive com o risco de ser vítima de algum bandido pelas ruas do Rio de Janeiro à noite e nas madrugadas. Fosse atualmente, seria perigoso por causa da escalada de violência no paí, sobretudo nas grandes urbes como São Paulo e Rio de Janeiro.
Começou uma peregrinação na rua, dormiu até em banco de trem da Central do Brasil. Os parentes não se ofereceram para lhe dar abrigo. Sofreu muito, inclusive com o risco de ser vítima de algum bandido pelas ruas do Rio de Janeiro à noite e nas madrugadas. Fosse atualmente, seria perigoso por causa da escalada de violência no paí, sobretudo nas grandes urbes como São Paulo e Rio de Janeiro.
Suas idas ao hospital,
mesmo em dias que não
eram de visita, se tornaram
recorrentes.. Ele, malandramente,
conseguia entrar no hospital e
vinha até a mim, almoçava às ocultas
e me pedia dinheiro. Lhe disse que
não mais lhe podia ajudar financeiramente. O dinheiro da
indenização estava minguando.
Que ele tratasse de voltar pro
Piauí, já que com parentes não podia
contar
Um primo meu, sabendo que recebera uma indenização, me veio
pedir empréstimo. Eu o atendi. Ora, pensei comigo: até doente no hospital alguém me aparece pra pedir
dinheiro emprestado. Pra me
visitar como parente, não vinham. Era demais.
Continuava internado, sendo medicado a tempo e hora No almoço, comia com frequênca, fígado, feijão, arroz e salada de legumes. As palmas de minha mãos já estavam bem mais coradas. Dr. Sérgio vibrava. Amanhã, lhe vou mandar aplicar uma espécie de purgativo, muito forte.Ele deixará você um pouco tonto após evacuar. Mas isso é normal. Seu tratamento está chegando ao fim. O Dr, Hildebrando dará a última palavra e com certeza terá alta.Exultei de contentamento.
Na manhã seguinte, após fazer a higiene no banheiro, saí meio tonto.Incontineti, fui me deitar. Veio, uma hora depois, aquela doce enfermeira.Conversou comigo e me perguntou se estava melhor. Lhe respondi que estava ainda tonto. Ela, então, foi até sua sala, uma espécie de laboratório, e de lá me trouxe um medicamento que me ajudaria a diminuir a tonteira. Me falou ainda que, dali a uma hora, chegaria o Dr. Sérgio Franco que, com de costume, examinava cada paciente dele.
Com efeito, uma hora depois, vem o Dr. Franco com olhar simpático e acolhedor. Chegando a minha vez, me perguntou: "Então, Francisco, como se sente agora?" Me pediu que mostrasse as palmas das mãos. "Ah, agora, vejo que estão coradas. O Dr Hildebrando falou-me ontem do seu caso e me me disse que, em quatro dias, estaria de alta". Todos os cuidados foram tomados, medicação, aplicação de vermífugo. "Você reagiu bem ao tratamento," finalizou ele.
Antes de deixar o hospital, num domingo, pedi a um rapaz, que cuidava da limpeza da enfermaria, que me comprasse um exemplar do Jornal do Brasil e, por acaso, dei uma olhada nos classificados, seção de empregos. Um anúncio da Embaixada Americana estava recrutando jovens com, no mínimo, o colegial completo e que tivessem alguma fluência do .inglês. O anúncio exigia agilidade em datilografia. Este último pré-requisito me preocupou, de vez que tinha aprendido muito pouco datilografia num curso que fiz na Praça Tiradentes, Escola Edson, no Centro do Rio. Não consegui concluí-lo. Me faltou dinheiro pras mensalidades Esqueci esse detalhe.
A vontade de obter uma colocação falou mais alto.Pedi ao Dr. Franco que me permitisse sair do hospital a fim de comparecer à Embaixada Tirei o terno da minha mala, uma camisa clara de mangas compridas, a gravata com o mesmo nó, lustrei os sapatos e tomei a rua. Peguei um ônibus que me deixou na Cinelândia. De lá fui caminhando pra Avenida Presidente Wilson, onde se localizava a Embaixada Americana (hoje Consulado). O edifício, uma construção moderna, cheia de vidros, é o mesmo de hoje e ainda está bem cuidado, apenas com modificações na calçada em frente para efeitos de segurança.
Me identifiquei na entrada informando o motivo de estar naquele lugar. Havia homens muito altos fardados. Eram militares americanos que prestavam serviço à Embaixada. Subi no elevador que me levou ao andar e sala indicados no anúncio. Entrei numa pequena ante-sala onde uma funcionária me atendei. Ela me pediu que aguardasse um pouco, apontando-me para um sofá. Havia duas mulheres não muito jovens que conversavam em inglês. Estavam alegres e, de vez em quando, davam algumas risadinhas inadequadas ao ambiente.
Fui testado no inglês por uma senhora americana muito séria e objetiva. Segundo ela, passara no exame de conversação. Veio a prova de datilografia Me entregou uma máquina meio velha e solicitou a que datilografasse um texto - ainda me lembro - uma carta pedindo emprego justamente à Embaixada.
Ao preparar-me pra bater o texto que devia ser executado em breves minutos, talvez uns dez minutos, fui logo sentindo que aquela máquina era diferente das que usara pra treinar no curso da Praça Tiradentes. Em suma. com muito custo, consegui copiar a metade do texto.A senhora americana foi curta mas não grossa: "Francisco, você não tem domínio em datilografia. Podemos dar por concluído o teste. Boa sorte. Saí de lá quase chorando. Sempre a datilografia a perturbar a minha vida!
De volta ao hospital, a enfermeira atenciosa - que pena não me lembrar do nome dela - me perguntou sobre o resultado do emprego. Não lhe contei a verdade. Ainda bem que faltavam dois dias pra deixar o hospital. Apenas lhe adiantei que o resultado sairia dali a uma semana.
Ao deixar o hospital, me despedi de todos. O rapaz da limpeza se prontificou a levar a minha mala até à casa na Rua Jorge Rudge, Vila Isabel, na qual continuei na minha vaga.
Meu irmão Winston, continuava na rua. Foi, então, que decidiu voltar pra Teresina. Me recordo de que fizera a viagem numa kombi conseguida pelo Olavo. Por incrível que pareça, Winston estava, no dia da partida, na casa do tio Zequinha com quem eu estava de relações cortadas. Por isso, fiquei aguardando na esquina da Travessa Santa Luzia,em Oswaldo Cruz.
Após colocar a mala num banco da kombi, meu irmão me deu um forte abraço. Nem vi direito a cara do motorista. Acompanhei o movimento do veículo até dobrar uma outra esquina.Sentia já saudades dele e ao mesmo tempo senti solidão.Por outro lado, regressar à casa paterna seria melhor pra ele. Até hoje, vislumbro a cena da kombi correndo, em velocidade média, até se perder de minha vista.
A bela enfermeira me deu, numa pequena folha, o seu endereço. Era em Copacabana. Anotei, depois, numa página final de um Dicionário de gramática, de Walmírio Macedo, na edição antiga publicada pela Edições de Ouro. Mantive comigo durante anos aquele prestimoso e útil dicionário, que consultava amiúde.
Anos depois, já professor do Colégio Militar do Rio de Janeiro, dei de presente a uma colega, professora de inglês, aquele pequeno dicionário. A professora tinha sido aluna de língua portuguesa do autor, grande filólogo e, vendo eu o quanto a professora admirava o ex-professor Walmírio, terminei por lhe passar às mãos aquela obra. A anotação do endereço daquela formosa enfermeira se apagara com o tempo. Uma pena!
Continuava internado, sendo medicado a tempo e hora No almoço, comia com frequênca, fígado, feijão, arroz e salada de legumes. As palmas de minha mãos já estavam bem mais coradas. Dr. Sérgio vibrava. Amanhã, lhe vou mandar aplicar uma espécie de purgativo, muito forte.Ele deixará você um pouco tonto após evacuar. Mas isso é normal. Seu tratamento está chegando ao fim. O Dr, Hildebrando dará a última palavra e com certeza terá alta.Exultei de contentamento.
Na manhã seguinte, após fazer a higiene no banheiro, saí meio tonto.Incontineti, fui me deitar. Veio, uma hora depois, aquela doce enfermeira.Conversou comigo e me perguntou se estava melhor. Lhe respondi que estava ainda tonto. Ela, então, foi até sua sala, uma espécie de laboratório, e de lá me trouxe um medicamento que me ajudaria a diminuir a tonteira. Me falou ainda que, dali a uma hora, chegaria o Dr. Sérgio Franco que, com de costume, examinava cada paciente dele.
Com efeito, uma hora depois, vem o Dr. Franco com olhar simpático e acolhedor. Chegando a minha vez, me perguntou: "Então, Francisco, como se sente agora?" Me pediu que mostrasse as palmas das mãos. "Ah, agora, vejo que estão coradas. O Dr Hildebrando falou-me ontem do seu caso e me me disse que, em quatro dias, estaria de alta". Todos os cuidados foram tomados, medicação, aplicação de vermífugo. "Você reagiu bem ao tratamento," finalizou ele.
Antes de deixar o hospital, num domingo, pedi a um rapaz, que cuidava da limpeza da enfermaria, que me comprasse um exemplar do Jornal do Brasil e, por acaso, dei uma olhada nos classificados, seção de empregos. Um anúncio da Embaixada Americana estava recrutando jovens com, no mínimo, o colegial completo e que tivessem alguma fluência do .inglês. O anúncio exigia agilidade em datilografia. Este último pré-requisito me preocupou, de vez que tinha aprendido muito pouco datilografia num curso que fiz na Praça Tiradentes, Escola Edson, no Centro do Rio. Não consegui concluí-lo. Me faltou dinheiro pras mensalidades Esqueci esse detalhe.
A vontade de obter uma colocação falou mais alto.Pedi ao Dr. Franco que me permitisse sair do hospital a fim de comparecer à Embaixada Tirei o terno da minha mala, uma camisa clara de mangas compridas, a gravata com o mesmo nó, lustrei os sapatos e tomei a rua. Peguei um ônibus que me deixou na Cinelândia. De lá fui caminhando pra Avenida Presidente Wilson, onde se localizava a Embaixada Americana (hoje Consulado). O edifício, uma construção moderna, cheia de vidros, é o mesmo de hoje e ainda está bem cuidado, apenas com modificações na calçada em frente para efeitos de segurança.
Me identifiquei na entrada informando o motivo de estar naquele lugar. Havia homens muito altos fardados. Eram militares americanos que prestavam serviço à Embaixada. Subi no elevador que me levou ao andar e sala indicados no anúncio. Entrei numa pequena ante-sala onde uma funcionária me atendei. Ela me pediu que aguardasse um pouco, apontando-me para um sofá. Havia duas mulheres não muito jovens que conversavam em inglês. Estavam alegres e, de vez em quando, davam algumas risadinhas inadequadas ao ambiente.
Fui testado no inglês por uma senhora americana muito séria e objetiva. Segundo ela, passara no exame de conversação. Veio a prova de datilografia Me entregou uma máquina meio velha e solicitou a que datilografasse um texto - ainda me lembro - uma carta pedindo emprego justamente à Embaixada.
Ao preparar-me pra bater o texto que devia ser executado em breves minutos, talvez uns dez minutos, fui logo sentindo que aquela máquina era diferente das que usara pra treinar no curso da Praça Tiradentes. Em suma. com muito custo, consegui copiar a metade do texto.A senhora americana foi curta mas não grossa: "Francisco, você não tem domínio em datilografia. Podemos dar por concluído o teste. Boa sorte. Saí de lá quase chorando. Sempre a datilografia a perturbar a minha vida!
De volta ao hospital, a enfermeira atenciosa - que pena não me lembrar do nome dela - me perguntou sobre o resultado do emprego. Não lhe contei a verdade. Ainda bem que faltavam dois dias pra deixar o hospital. Apenas lhe adiantei que o resultado sairia dali a uma semana.
Ao deixar o hospital, me despedi de todos. O rapaz da limpeza se prontificou a levar a minha mala até à casa na Rua Jorge Rudge, Vila Isabel, na qual continuei na minha vaga.
Meu irmão Winston, continuava na rua. Foi, então, que decidiu voltar pra Teresina. Me recordo de que fizera a viagem numa kombi conseguida pelo Olavo. Por incrível que pareça, Winston estava, no dia da partida, na casa do tio Zequinha com quem eu estava de relações cortadas. Por isso, fiquei aguardando na esquina da Travessa Santa Luzia,em Oswaldo Cruz.
Após colocar a mala num banco da kombi, meu irmão me deu um forte abraço. Nem vi direito a cara do motorista. Acompanhei o movimento do veículo até dobrar uma outra esquina.Sentia já saudades dele e ao mesmo tempo senti solidão.Por outro lado, regressar à casa paterna seria melhor pra ele. Até hoje, vislumbro a cena da kombi correndo, em velocidade média, até se perder de minha vista.
A bela enfermeira me deu, numa pequena folha, o seu endereço. Era em Copacabana. Anotei, depois, numa página final de um Dicionário de gramática, de Walmírio Macedo, na edição antiga publicada pela Edições de Ouro. Mantive comigo durante anos aquele prestimoso e útil dicionário, que consultava amiúde.
Anos depois, já professor do Colégio Militar do Rio de Janeiro, dei de presente a uma colega, professora de inglês, aquele pequeno dicionário. A professora tinha sido aluna de língua portuguesa do autor, grande filólogo e, vendo eu o quanto a professora admirava o ex-professor Walmírio, terminei por lhe passar às mãos aquela obra. A anotação do endereço daquela formosa enfermeira se apagara com o tempo. Uma pena!
Meu pai tinha uma filha da primeira
mulher com quem se
casou em 1927, no Rio de Janeiro. Ao chegar ao Rioa., me foi apresentada pelo primo Wellington que, um dia, me levou à casa dela. O Wellington era aquele mesmo que me ajudou na minha chegada ao Aeroporto Santos Dumont. Nélia era seu nome. Morava com a mãe no Centro do Rio, na Rua do Senado. Mercedes era o nome dessa primeira mulher de meu pai.
casou em 1927, no Rio de Janeiro. Ao chegar ao Rioa., me foi apresentada pelo primo Wellington que, um dia, me levou à casa dela. O Wellington era aquele mesmo que me ajudou na minha chegada ao Aeroporto Santos Dumont. Nélia era seu nome. Morava com a mãe no Centro do Rio, na Rua do Senado. Mercedes era o nome dessa primeira mulher de meu pai.
Nélia era uma moça ainda jovem,
alourada, de tez clara, muito
espirituosa, brincalhona, nem feia, nem bonita.. Trabalhava,
então, no Laboratório Silva Araújo Centro, na Avenida Beira-Mar, Centro. Estava noiva de um diretor
de firma, que vim a conhecer. Estive na festa elegante do seu casamento, realizada num apartamento em Botafogo. Ate ´ me
fotografaram. A foto, anos depois, me
foi mostrada pela minha meia irmã.Eu estava ainda com os meus dezoito
anos, em plena mocidade.
O
esposo de Nélia, meu cunhado, era um
moço de ótima aparência, educado,
muito claro, de estatura média, sempre envergando um
terno elegante, talvez fosse até mais novo do que a minha meia irmã
carioca.
Na festa,
estava com os meus primos, o
Wellington, que sempre foi amigo de Nélia e o seu irmão, Weyden, Este, no
breve tempo em que morei com
o tio Zequinha, viera também
pro Rio a fim de trabalhar e talvez estudar Sobre
ele ainda me reportarei nestas
remembranças.
Após o casamento, Nélia foi morar em Vila Isabel, num apartamento pequeno, mas bem confortável
Pouco tempo depois de casada, me convidou a passar uns dias com ela.
Fui com prazer e fizemos alguma amizade.
Agora, me recordo, seu esposo tinha por nome Ernani. Não sei se
ainda está vivo. Não o vejo há muito tempo.
Esta meia irmã faleceu tempos atrás e em circunstância trágicas, segundo me informaram: ela havia sido vítima de um enfermeiro psicopata que, num hospital do Méier, andava matando pacientes dando-lhes medicamentos mortais. Nessa época, minha meia irmã beirava os sessenta anos. Deixara dois filhos, um rapaz uma moça.. Tivera três. O primogênito, contudo, faleceu bem jovem, chamava-se também Ernani, nome do pai. Eu o vi no seu primeiro dia de nascimento, numa clínica na Rua Riachuelo, Centro da cidade. Tornou-se um jovem de ótima aparência. Era meio gordinho, baixo e muito educado. Antes de falecer, trabalhava num Banco. Acho que o SAFRA, no Centro da cidade.
Esta meia irmã faleceu tempos atrás e em circunstância trágicas, segundo me informaram: ela havia sido vítima de um enfermeiro psicopata que, num hospital do Méier, andava matando pacientes dando-lhes medicamentos mortais. Nessa época, minha meia irmã beirava os sessenta anos. Deixara dois filhos, um rapaz uma moça.. Tivera três. O primogênito, contudo, faleceu bem jovem, chamava-se também Ernani, nome do pai. Eu o vi no seu primeiro dia de nascimento, numa clínica na Rua Riachuelo, Centro da cidade. Tornou-se um jovem de ótima aparência. Era meio gordinho, baixo e muito educado. Antes de falecer, trabalhava num Banco. Acho que o SAFRA, no Centro da cidade.
A última vez que tive contato com ela foi em
1985, quando meu pai e minha mãe passaram
uns dias comigo no Rio, tempo em eu que residia num apartamento da Vila da Penha, subúrbio da Leopoldina. A viagem de papai ao Rio fora um despedida. Seria a última de sua vida. Mamãe faleceria poucos anos depois.
Meu pai, minha mãe, minha esposa e eu fomos de carro, minha esposa dirigindo, à nova residência de Nélia, no bairro de Lins, Zona Norte carioca. A boa imagem que levei dela datava dos dias em que com ela conviviem
Vila Isabel e a lembrança mais grata foi esta: um dia, chegando de algum lugar,
a encontrei passando a minha roupa com cuidados de uma boa irmã. Senti vontade de
chorar com aquela cena comovente. (Continua)
Meu pai, minha mãe, minha esposa e eu fomos de carro, minha esposa dirigindo, à nova residência de Nélia, no bairro de Lins, Zona Norte carioca. A boa imagem que levei dela datava dos dias em que com ela convivi