sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O medo de perder o "bonde da História"



                                               Cunha e Silva Filho


             Ignoramus, vamos chamá-lo assim, se dizia importante diante do   volume incalculável de informações que, no mundo virtual,  e no mundo comezinho da nossa  realidade  chã e cinzenta, são guardadas, sob  diversas  formas, muitas das  quais confesso  desconhecer por não dominar  o  assunto por demais  técnico para a minha  compreensão  já gasta  com o tempo, citando  aqui as antigas: pergaminhos,    livros,   jornais,   revistas,  fora  outras ainda   existentes e  ultrapassadas:  LPs, disquetes,  CDs etc.
          Ignoramus  não ignora que a humanidade atual  sofra desse  incômodo resultante da multiplicidade de meios  de informações próprias do áureo   período   dos computadores, que, de início,   gigantescos,  com  o progresso,  se tornaram  bem pequenos   se comparados  à  forma  primitiva  do  tempo  de Barbage.  Falo de computadores   e de seus derivados: celulares, notebooks, tablets, pen drivers e tantos  outros  gadgets que, cada   dia que passa, mais sofisticados  se tornam, provocando,  nas gerações   mais antigas, um certa  perplexidade e até medo da máquina, de como  aprender a manipular  o mouse fazendo com que  ele movimente o cursor  para o lado  que  nos  aprouver (acho que  esse verbo soou  caduco  demais,  não, leitor?).
      Por outro lado, as crianças, a meninada, em geral  lá pelos seus quatro a ou cinco anos,   já está  usando com naturalidade  alguns passos do computador que nos causam   surpresa. Elas movimentam  seus dedinhos  com   tanta  velocidade  e   habilidade que os mais  velhos  não  conseguem  acompanhar  como  chegaram  a  determinado   ponto de manipulação. O que  é pior:  tal  precocidade  e  jeito  para  lidar  com a máquina deixa  os mais velhos abismados. Essas crianças  parecem dar sinal de que  já nasceram   predispostas  a dominar  os procedimentos desses inúmeros aparelhinhos eletrônicos   cheios  de  labirintos  a percorrerem   nas telas.    São  como alguns  animais que,   caindo  na água,  nadam  como se fossem   pessoas   que aprenderam   esse  esporte.
      O nosso  personagem  principal, que mal  estou  delineando  ante  seus  olhos, leitor,  mas sem querer descer nos detalhes  fisionômicos, por não  estar nos  meus  planos  desta narrativa, inclusive  porque  ninguém  me pode obrigar a  respeitar  todo  o figurino   do arcabouço  ficcional.  
    Ele  cita  um exemplo  de   um incidente  de que  foi  testemunha  ocular e do qual  também  seria vítima semelhante : um amigo dele (espere  o leitor que, mais adiante,  direi o nome), que  praticamente atravessa  os mesmos  problemas midiáticos, segredou-lhe que,  mesmo  sem   comprar jornal  ou  revista diariamente,  viu-se em apuros, os quais  consistiam  em,   a cada ano,  pelo menos,   empilhar uma  enorme  quantidade  de jornais  e revistas que, por um motivo  ou outro, não conseguira  ler na íntegra.Na verdade,   havia um componente  não mencionado aqui: a  mulher do amigo   estava sempre  lembrando-lhe  que não havia  tanto  espaço  para  manter   toda aquela  papelada em  casa,   ou  melhor,  num apartamento  de tamanho médio.
     Essa situação lhe causava  angústia,   sentimento  de  incompletude, de não  fazer as coisas  por inteiro, ou até mesmo  por  incapacidade  de empregar  melhor  o tempo,  com frequência   “muito” para algumas  futilidades diárias, e “pouco” para realmente  resolver  o que  era  premente  e  útil. Muita gente há que sabe  dividir  o tempo, sem  se  estressar e sentir-se  culpada  por não  o saber  aproveitar  corretamente, se bem que  ninguém  possa negar  que o mundo  de hoje já não  obedece ao  antigo  preceito  “Festina lenta,” mas  ao da correria,    do  imediatismo,   do “quero  agora.”
         Com  esse  comportamento, i.e.,  o de  ter  séries dificuldades  em  saber  ocupar  bem  o  tempo  e o  ócio,    é que parece  que  só agora  descobriram que a vida é curta. O jovem  de agora   age como se  o amanhã  não houvesse e,  portanto,   cumpriria  resolver  tudo cedo, ganhar a vida   cedo,  ter sucesso  em  pouco tempo,  além  de, no início da carreira, desejar  um salário que, antigamente,    só     desfrutaria  após   muitos anos  de  trabalho árduo   e  larga experiência.
     Veja, leitor, uma  pessoa que vai   discar o número de um   telefone. Se não  o fizer  com certa  rapidez,  perde a vez de completar  a ligação. Da mesma  maneira,   quando   está diante   do caixa eletrônico,  se não se apressar em   ler  as instruções na  tela e segui-las  com a rapidez de um raio,  não  logrará  concluir os  procedimentos   eletrônicos: ver seu saldo, examinar  seu extrato, fazer um empréstimo,   fazer uma transferência,  pagar uma conta,   retirar  um  dinheiro entre outras necessidades.
     Se não fizer isso  tudo  com  rapidez,  nada feito, o melhor será  pedir   a  ajuda da atendente  do  banco. Eis por que os  velhos não  conseguem  geralmente    manipular   os caixas eletrônicos.O mundo pós-moderno   é o dos que  sabem   conviver  com  a rapidez, esse ritmo   fabuloso, porta de entrada para  a felicidade  e paz  no  planeta  Terra...
   O amigo de Ignoramus , com seu   ato de lançar  no lixo   material  de leituras ( vale   repetir,  jornais,  revistas,  sobretudo), segundo  já  relatei,   sem os   ter lido  na  íntegra,   lamentava  profundamente o prejuízo que  essa atitude lhe causaria à condição ideal  de estar “atualizado” com as notícias, as reportagens,  os editoriais,  as colunas específicas de sua preferência, os cadernos culturais, as páginas  sobre  política  nacional,  internacional,  economia, as páginas   sobre  esportes.  as  páginas  de eventos,  espetáculos  teatrais, musicais  que poderia   escolher  para  seu  lazer cultural.   Por  essa razão,  lhe era   acabrunhante  ao espírito ávido  de notícias e de informações   livrar-se dessa  pressão e, como  acontecia com  o amigo, urgia que juntasse  uma  pilha  enorme  de jornais e revistas  e a jogasse no lixo.
       O pior   era que  havia  outra  pilha  que crescia   semanalmente, a de partes de jornais  que não lhe interessavam: os  classificados. Mas, para  estes já  havia  uma destinação;  serviriam  para utilidades domésticas de limpeza, como  forrar  a área do tanque e usá-los até como  capachos da cozinha, da área e das dependências, ou , em  outros casos,   seriam  úteis quando  se necessitasse  dar uma pintura nova  ao apartamento. 
     Ignoramus,  contudo,  não havia  tomado  as mesmas   medidas que o  amigo.Disse para si que ainda  ia refletir sobre  esse assunto. É que para seguir  o exemplo do amigo acreditava que ia  ter grandes  problemas psicológicos ou frustrações  profundas intelectualmente  falando, pois  pensava com seus botões   quanta matéria  relevante poderia  lançar no lixo. E se precisasse de algum material  de pesquisa, onde  iria  achar   com a facilidade que, em casa,  tinha sempre a pouca distância? Nos arquivos  públicos ou  privados, teria  que  obedecer  aos trâmites   e regulamentos  burocráticos e,  por esta  razão,  não se sentiria à vontade  em ambientes  tais como  gente  vigiando-lhe os passos  e sem aquele  conforto  do doce lar.
    O receio de Ignoramus era, com  efeito,  o de perder  o “bonde da História,  o de não estar  sintonizado” com as notícias. Ele, como muita gente mais,  tinha  a  certeza de que o jornal sobretudo, era um capítulo de um livro  interminável.  Daí sua  constante preocupação de não perder as leituras dos  periódicos. Se perdesse, seria  como  deixar de  almoçar todo o dia. A leitura do jornal era uma forma  de  se manter  vivo e útil. Para si  pelo menos.
      Essa obsessão, essa  compunção de não perder a leitura de periódicos comprados  e lidos, em grande parte ,   no mesmo  dia em que era comprado  na banca  mais próxima  de  casa, deixava-lhe conturbado,  incompleto,   sem  direção. Claro que seções do jornal  dedicadas a temas culturais  e literarios  eram lidos  nos dias seguintes. Algum matérias   eram  recortadas  para  compor  arquivos pessoais  com   os recortes   colocados em  envelopes  grandes, contendo  o nome do  jornal,  a seção   e a data de publicação.
        Pelos motivos  assinalados  antes,  é que  penso  no que se  transformou a cabeça  de Ignoramus: um homem letrado, mas idiossincrático tanto quanto o amigo.
       Em outros  aspectos de sua vida, se mostrava  um  indivíduo  normal, de espírito  aberto,  sensível, compreensivo, honesto e amigo  de sua família. Estava prestes  a se aposentar como  burocrata  do Ministério  da Aeronáutica, onde trabalhava na seção  encarregada  de fazer  os cálculos das folhas de pagamento, que, depois, seriam  encaminhadas para  Brasília a fim de serem  processadas.
    Da última vez que o vi – e foi  na semana  passada – ainda  não se decidira se acompanharia  o  exemplo  do amigo. Me perdoe, leitor,  por não  declarar  o nome do amigo até agora: Ilustrissimus. É um advogado trabalhista,  com escritório na Rua  Álvaro, Centro do Rio de Janeiro. Ilustrissimus  é o que podemos chamar de bookwrom.
    O desenlace desta narrativa prometo para um dia desses. Promessa é dívida, Deixemos,  por enquanto, os dois amigos ainda com as suas  manias e obsessões, que o tempo urge e  não é amigo dos que  compõem o grupo de  vagarosos e pacientes habitantes  dos tempos que correm.

           
    


Um comentário:

  1. Boa noite,
    Visitando seu blogger e deixando um passagem bíblica
    Sem motivo especifico, apenas propagando a Palavra de Deus.

    Abraços.
    Jesus Cristo te Ama!

    JOÃO 10

    9 Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens.
    10 O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.
    11 Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas.
    12 Mas o mercenário, e o que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa as ovelhas.

    Jesus Cristo já nos provou ser o Bom Pastor, entregando sua vida pelas nossas.

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