Cunha e Silva Filho
Ignoramus, vamos chamá-lo assim, se dizia importante diante do volume incalculável de informações que, no
mundo virtual, e no mundo comezinho da
nossa realidade chã e cinzenta, são guardadas, sob diversas
formas, muitas das quais
confesso desconhecer por não dominar o
assunto por demais técnico para a
minha compreensão já gasta
com o tempo, citando aqui as antigas:
pergaminhos, livros, jornais,
revistas, fora outras ainda
existentes e ultrapassadas: LPs, disquetes, CDs etc.
Ignoramus não ignora que a humanidade atual sofra desse
incômodo resultante da multiplicidade de meios de informações próprias do áureo período
dos computadores, que, de início,
gigantescos, com o progresso,
se tornaram bem pequenos se comparados à
forma primitiva do
tempo de Barbage. Falo de computadores e de seus derivados: celulares, notebooks, tablets, pen drivers e tantos outros gadgets
que, cada dia que passa, mais
sofisticados se tornam, provocando, nas gerações
mais antigas, um certa
perplexidade e até medo da máquina, de como aprender a manipular o mouse
fazendo com que ele movimente o
cursor para o lado que
nos aprouver (acho que esse verbo soou caduco
demais, não, leitor?).
Por outro lado, as crianças, a meninada,
em geral lá pelos seus quatro a ou cinco
anos, já está usando com naturalidade alguns passos do computador que nos causam surpresa. Elas movimentam seus dedinhos
com tanta velocidade
e habilidade que os mais velhos
não conseguem acompanhar
como chegaram a
determinado ponto de
manipulação. O que é pior: tal
precocidade e jeito
para lidar com a máquina deixa os mais velhos abismados. Essas crianças parecem dar sinal de que já nasceram
predispostas a dominar os procedimentos desses inúmeros aparelhinhos
eletrônicos cheios de
labirintos a percorrerem nas telas.
São como alguns animais que,
caindo na água, nadam
como se fossem pessoas que aprenderam esse
esporte.
O nosso
personagem principal, que
mal estou delineando
ante seus olhos, leitor, mas sem querer descer nos detalhes fisionômicos, por não estar nos
meus planos desta narrativa, inclusive porque
ninguém me pode obrigar a respeitar
todo o figurino do arcabouço
ficcional.
Ele cita um exemplo
de um incidente de que
foi testemunha ocular e do qual também seria
vítima semelhante : um amigo dele (espere
o leitor que, mais adiante, direi
o nome), que praticamente atravessa os mesmos
problemas midiáticos, segredou-lhe que,
mesmo sem comprar jornal ou
revista diariamente, viu-se em
apuros, os quais consistiam em, a
cada ano, pelo menos, empilhar uma
enorme quantidade de jornais
e revistas que, por um motivo ou
outro, não conseguira ler na íntegra.Na
verdade, havia um componente não mencionado aqui: a mulher do amigo estava sempre
lembrando-lhe que não havia tanto
espaço para manter
toda aquela papelada em casa,
ou melhor, num apartamento de tamanho médio.
Essa situação lhe causava angústia,
sentimento de incompletude, de não fazer as coisas por inteiro, ou até mesmo por
incapacidade de empregar melhor
o tempo, com frequência “muito” para algumas futilidades diárias, e “pouco” para
realmente resolver o que
era premente e
útil. Muita gente há que sabe
dividir o tempo, sem se
estressar e sentir-se culpada por não
o saber aproveitar corretamente, se bem que ninguém
possa negar que o mundo de hoje já não obedece ao
antigo preceito “Festina lenta,” mas ao da correria, do
imediatismo, do “quero agora.”
Com
esse comportamento, i.e., o de
ter séries dificuldades em
saber ocupar bem
o tempo e o
ócio, é que parece
que só agora descobriram que a vida é curta. O jovem de agora
age como se o amanhã não houvesse e, portanto,
cumpriria resolver tudo cedo, ganhar a vida cedo,
ter sucesso em pouco tempo,
além de, no início da carreira,
desejar um salário que, antigamente, só
desfrutaria após muitos anos
de trabalho árduo e
larga experiência.
Veja, leitor, uma pessoa que vai discar o número de um telefone. Se não o fizer
com certa rapidez, perde a vez de completar a ligação. Da mesma maneira,
quando está diante do caixa eletrônico, se não se apressar em ler as
instruções na tela e segui-las com a rapidez de um raio, não logrará concluir os
procedimentos eletrônicos: ver
seu saldo, examinar seu extrato, fazer
um empréstimo, fazer uma
transferência, pagar uma conta, retirar
um dinheiro entre outras
necessidades.
Se não fizer isso tudo com rapidez,
nada feito, o melhor será
pedir a ajuda da atendente do
banco. Eis por que os velhos
não conseguem geralmente
manipular os caixas eletrônicos.O
mundo pós-moderno é o dos que sabem
conviver com a rapidez, esse ritmo fabuloso, porta de entrada para a felicidade
e paz no planeta
Terra...
O amigo de Ignoramus , com seu ato de
lançar no lixo material
de leituras ( vale repetir, jornais,
revistas, sobretudo),
segundo já relatei,
sem os ter lido na
íntegra, lamentava profundamente o prejuízo que essa atitude lhe causaria à condição
ideal de estar “atualizado” com as
notícias, as reportagens, os
editoriais, as colunas específicas de
sua preferência, os cadernos culturais, as páginas sobre
política nacional, internacional, economia, as páginas sobre
esportes. as páginas
de eventos, espetáculos teatrais, musicais que poderia
escolher para seu
lazer cultural. Por
essa razão, lhe era acabrunhante
ao espírito ávido de notícias e
de informações livrar-se dessa pressão e, como acontecia com
o amigo, urgia que juntasse
uma pilha enorme de jornais e revistas e a jogasse no lixo.
O pior
era que havia outra
pilha que crescia semanalmente, a de partes de jornais que não lhe interessavam: os classificados. Mas, para estes já
havia uma destinação; serviriam
para utilidades domésticas de limpeza, como forrar
a área do tanque e usá-los até como
capachos da cozinha, da área e das dependências, ou , em outros casos, seriam
úteis quando se necessitasse dar uma pintura nova ao apartamento.
Ignoramus, contudo,
não havia tomado as mesmas
medidas que o amigo.Disse para si
que ainda ia refletir sobre esse assunto. É que para seguir o exemplo do amigo acreditava que ia ter grandes
problemas psicológicos ou frustrações
profundas intelectualmente
falando, pois pensava com seus
botões quanta matéria relevante poderia lançar no lixo. E se precisasse de algum
material de pesquisa, onde iria
achar com a facilidade que, em
casa, tinha sempre a pouca distância?
Nos arquivos públicos ou privados, teria que
obedecer aos trâmites e regulamentos burocráticos e, por esta
razão, não se sentiria à
vontade em ambientes tais como
gente vigiando-lhe os passos e sem aquele
conforto do doce lar.
O receio de Ignoramus era, com
efeito, o de perder o “bonde da História, o de não estar sintonizado” com as notícias. Ele, como muita
gente mais, tinha a
certeza de que o jornal sobretudo, era um capítulo de um livro interminável. Daí sua
constante preocupação de não perder as leituras dos periódicos. Se perdesse, seria como
deixar de almoçar todo o dia. A
leitura do jornal era uma forma de se manter
vivo e útil. Para si pelo menos.
Essa
obsessão, essa compunção de não perder a
leitura de periódicos comprados e lidos,
em grande parte , no mesmo dia em que era comprado na banca
mais próxima de casa, deixava-lhe conturbado, incompleto,
sem direção. Claro que seções do
jornal dedicadas a temas culturais e literarios
eram lidos nos dias seguintes. Algum
matérias eram recortadas
para compor arquivos pessoais com os
recortes colocados em envelopes
grandes, contendo o nome do jornal,
a seção e a data de publicação.
Pelos motivos assinalados
antes, é que penso
no que se transformou a
cabeça de Ignoramus: um homem letrado, mas idiossincrático tanto quanto o
amigo.
Em outros aspectos de sua vida, se mostrava um
indivíduo normal, de
espírito aberto, sensível, compreensivo, honesto e amigo de sua família. Estava prestes a se aposentar como burocrata
do Ministério da Aeronáutica,
onde trabalhava na seção
encarregada de fazer os cálculos das folhas de pagamento, que,
depois, seriam encaminhadas para Brasília a fim de serem processadas.
Da última vez que o vi – e foi na semana
passada – ainda não se decidira
se acompanharia o exemplo
do amigo. Me perdoe, leitor, por
não declarar o nome do amigo até agora: Ilustrissimus. É um advogado trabalhista,
com escritório na Rua Álvaro,
Centro do Rio de Janeiro. Ilustrissimus é o que podemos chamar de bookwrom.
O desenlace desta narrativa prometo para um
dia desses. Promessa é dívida, Deixemos,
por enquanto, os dois amigos ainda com as suas manias e obsessões, que o tempo urge e não é amigo dos que compõem o grupo de vagarosos e pacientes habitantes dos tempos que correm.
Boa noite,
ResponderExcluirVisitando seu blogger e deixando um passagem bíblica
Sem motivo especifico, apenas propagando a Palavra de Deus.
Abraços.
Jesus Cristo te Ama!
JOÃO 10
9 Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens.
10 O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.
11 Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas.
12 Mas o mercenário, e o que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa as ovelhas.
Jesus Cristo já nos provou ser o Bom Pastor, entregando sua vida pelas nossas.