Cunha e Silva Filho
Após uma já longa
experiência de vida, de leitor e de quem lida com a
escrita, seja no meio acadêmico, seja fora dos muros da universidade, posso distinguir dois tipos
principais de intelectuais: a) os
que só vivem para a literatura; b) os que, no seu
labor intelectual, imbricam
literatura e prática
política.
Ao me referir à prática política, quero significar aqueles estudiosos das questões literárias, seja no campo
poético, seja, no da ficção ( romance, conto, novela,
seja finalmente na dramaturgia), que
se expõem a seus leitores por
escrito ou verbalmente,
sua visão da realidade brasileira tomada em todos os seus ângulos. Não somente se expõem de corpo e
alma sobre temas que afligem e dizem respeito à condição
de ser brasileiro, de cidadania, de
posição ideológica, religiosa e
política.
Não é preciso citá-los todos, nem no passado nem no presente. O leitor, que acompanha
a história da literatura
brasileira e estrangeira, sabe a quem me
reporto. Ele há de perceber que
a minha preferência recai
sobre os escritores, que deram atenção igualmente aos aspectos sociais, não diria apenas engagés, à direita ou à esquerda, segundo costumavam ser rotulados autores
como Sartre, Lima Barreto, Oswald de Andrade, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Álvaro Lins na crítica, Camus, Máximo Górki, Zola, Leandro Konder como filósofo, Carlos Nelson Coutinho como ensaísta, Plínio Salgado, Astrogildo Pereira como ensaísta, Nelson Werrneck Sodré, como ensaísta, e historiador, Antonio Candido, como crítico, ensaísta e historiador, Carlos Heitor Cony, Fausto Wolff, João Antônio, Plínio Marcos como dramaturgo, Dias Gomes, como dramaturgo, Otávio
Paz, José Guilherme Merquior como pensador, crítico e historiador, Tristão de Athayde, como pensador e crítico, José Saramago, Vargas Llosa, Ferreira Gullar, como poeta e cronista, Roberto Schwarz, como crítico. Seria, entretanto, digno de nota assinalar uma circunstância: alguns deles ( e quero, neste caso, aludir apenas aos brasileiros) segundo os rumos da história política, fizeram mudanças político-ideológicas ou se calaram diante das prepotências de partidos no poder aos quais já pertenceram. Apenas aqui foram citados a esmo algumas figuras de destaque, que, na sua atividade intelectual, em jornais e livros, dão conta
de questões que falam de perto sobre
as condições em que vive o povo, uma sociedade.
Por outro lado, a vida intelectual estritamente isolada das discussões que afetam a sociedade, o mundo, o destino dos povos me parece incompleta, como se ainda se apresentasse presa a uma “torre de marfim.” Respeito, no entanto, o comportamento desses escritores. Questão de opção de cada um.
Por outro lado, a vida intelectual estritamente isolada das discussões que afetam a sociedade, o mundo, o destino dos povos me parece incompleta, como se ainda se apresentasse presa a uma “torre de marfim.” Respeito, no entanto, o comportamento desses escritores. Questão de opção de cada um.
Não desconheço que alguns
ficcionistas propõem
questões que estão
intimamente conexiondas com
problemas sociais e de condições
de vida de seus personagens nos vários níveis
sociais, ou que ensaístas de várias matizes, ao discutirem temas
humanos e mesmo
filosóficos, se mostrem com posições críticas sobre a sociedade vistas através de abordagens
comparativas. Não é possível que o
intelectual se restrinja
a parâmetros teóricos exclusivamente de ordem
estrutural e técnica.
Contudo, não vejo com bons olhos uma posição de um escritor meramente considerando a obra literária como artifícios técnicos, um produto pensado nos escrínios do laboratório seco e insensível. Por ser a obra literária fruto da imaginação humana e criadora, o conjunto de elementos que a constituirão não pode perder de vista o seu fundamento individual, social e existencial, forjado na experiência, na memória e na formação literária por que passou o criador da obra.
Contudo, não vejo com bons olhos uma posição de um escritor meramente considerando a obra literária como artifícios técnicos, um produto pensado nos escrínios do laboratório seco e insensível. Por ser a obra literária fruto da imaginação humana e criadora, o conjunto de elementos que a constituirão não pode perder de vista o seu fundamento individual, social e existencial, forjado na experiência, na memória e na formação literária por que passou o criador da obra.
O que
a velha crítica definia como autêntica
criação literária seria
que esta fosse
resultante de visões
do mundo e do homem numa
determinada sociedade e em tempo
demarcado. E se ainda se fala do
mistério da criação literária, é porque tal
“mistério” está indissoluvelmente associado
a estratégias de composição
da linguagem literária e da mesma forma da predisposição do autor
para criar mundos fictícios
que nos dão a insuperável impressão
de que estamos, enquanto leitores, vivenciando
fatos, ações, conflitos de
situações determinadas e convincentes da existência humana a ponto de embarcarmos
na aventura da narrativa - um
mundo que se sustenta por si mesmo
- ou
no conjunto de imagens poéticas elaboradas
que nos emocionam, nos fazem refletir
sobre a vida, os outros e nós
mesmos.
A denominada catarse grega vale igualmente para a ficção, a poesia e mesmo para o ensaio, o qual pode provocar o sentimento da emoção estética e a identificação ou dissenso teórico-conceitual com o autor. Veja-se o exemplo que encontramos na afirmativa do velho crítico Agripino Grieco ao comentar personagens de Jorge Amado: o romance ou qualquer outro tipo de ficção forçosamente teria que ter personagens de “carne e osso.”
A denominada catarse grega vale igualmente para a ficção, a poesia e mesmo para o ensaio, o qual pode provocar o sentimento da emoção estética e a identificação ou dissenso teórico-conceitual com o autor. Veja-se o exemplo que encontramos na afirmativa do velho crítico Agripino Grieco ao comentar personagens de Jorge Amado: o romance ou qualquer outro tipo de ficção forçosamente teria que ter personagens de “carne e osso.”
Ora, essa expressão, atualizada, diante da multiplicidade de abordagens críticas, elucida bem a
questão crucial do que
faz um romance um artefato
pleno de vida, de experiência
e de convencimento, de uma invenção,
pelos múltiplos recursos da linguagem
literária, de uma sociedade, e do
indivíduo particularmente, como
realidades “possíveis.”
Se o leitor, o receptor,
não é atraído para
mundos criados com
tanto discernimento e que permitem
um aprendizado, uma fruição, um acompanhamento, passo a passo, do que
ocorre com a narrativa
e a vida de seus personagens e
não se confunde com a
referencialidade chã e
simplista do cotidiano da
realidade temporal, espacial e psicológica, então a composição
desse mundo inventado se nos afigura artificial,
nos causa dúvida sobre a sua
“veracidade” tanto da história narrada quanto
do arcabouço ficcional construído
com o que Vitor
Manuel de Aguiar e Silva chama de
“competência literária” diferenciando-a
da “competência linguística.”
Existe um atributo, um dado
pré-determinado que chamamos de talento,
ou de vocação, ou de predisposição inata que, no meu juízo,
não pode ser desprezado no conjunto
do conceito geral de
criação artística em todas as
suas modalidades. E essa talento não se cinge apenas à criação
literária; pode-se localizá-lo igualmente
nas vocações de outros talentos
: nos ofícios, no campo tecnológico,
no campo científico, nas profissões liberais, na política, nos
estudos filosóficos, enfim, em inúmeros campos
da atividade humana.
Um oficina de criação
literária não faz um grande escritor se este não traz em seu intelecto a chama de criador inescapável. Não se é escritor porque
o queiramos, mas porque somos
tragados para os
braços do mundo da criação,
da linguagem com fins estéticos,
na luta do escritor com o
trabalho espinhoso da formalização do
objeto literário. A técnica da criação
literária é valiosa e deve ser
cultivada, aperfeiçoada e,
ademais, desenvolvida com a
observação das leituras dos
grandes escritores de todos os tempos.A consciência do
ofício da criação deve estar sempre presente no ato de escrever vidas,
problemas humanos, aos quais
se juntam questões de toda ordem e em terrenos
múltiplos: a natureza, o espaço físico, o tempo,
a arquitetura da obra.
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