Cunha e Silva Filho
Em
entrevista concedida por e-mail ao Globo pelo filósofo
húngaro István Mészaros, atualmente
professor emérito da Universidade
de Sussex, na Inglaterra, ao repórter Leonardo Cazes do Prosa&Verso,
(sábado, 21/02/2015), Mészaros centraliza sua
discussão em torno do tema
abordado no seu recente livro lançado
no Brasil, A montanha que devemos conquistar
(Editora Boitempo).
Não
vou esmiuçar todas as considerações tecidas
pelo filósofo que, na obra,
conforme informa o entrevistador, trata
de questões altamente relevantes, como a situação
do capitalismo de hoje, os
“impasses” da democracia e surgimento de
“novos partidos na Europa.” Por novos
partidos entende Mészaros os de
esquerda, citando os exemplos de Syriza, na Grécia, e o Podemos,
na Espanha. Mészaros é
marxista e, ainda, segundo Leonardo
Cazes, foi aluno, ainda na Hungria,
de György Lukács, sendo considerado o seu principal herdeiro intelectual .
Dos temas
ventilados na citada obra, Mészaros
analisa três tipos de
democracia a democracia direta, a
democracia representativa e a que ele
próprio propõe, a “democracia
substantiva,” para ele a que melhor atende à realidade mundial contemporânea, uma vez que se estriba
no conceito de “igualdade substantiva”, ou seja,
seu funcionamento depende de uma
“alteração radical” no processo
de efetivação do funcionamento
da sociedade e, para conseguir
isso, substitui a natureza
da alienação e tira do Estado
todo o poder “alienante” que vem
a ser a subordinação autoritária
que os sistemas democráticos exercem sobre a sociedade, ainda que esta só de
fachada se autodenomine representativa da vontade
popular. Neste ponto é que
passo, agora, a tentar
fazer alguns comentários e mesmo
reflexões sobre o que
no país vive o chamado
estado democrático.
Em
tese, o país vive uma democracia, com
os poderes funcionado livremente e
independentes. Porém, na
realidade, se o governo
Dilma, no seu segundo mandato e
no dois governos de Lula, o partido pelo qual
foram eleitos se denomina , em tese, da esquerda, será um contrassenso fazer
coexistir uma democracia
da esquerda, do mesmo modo que
seria contraditória uma democracia da direita ou do centro.
Ora, se
a esquerda se fundamenta em princípios
de governança da sociedade de natureza marxista, onde o Estado pode tudo e é voz soberana dos destinos da nação,
e se, no Brasil, afirma termos
uma democracia plena, há
algo muito errado
no que concerne aos
conceitos e às práticas
políticas em vigor não só
no Brasil mas em outros países.
Inclusive
porque se chamarmos ao governo
Dilma de socialista só porque destina vultosas
milhões de reais em benefícios
sociais não bem distribuídos, os quais não passam de “migalhas”
se comparados à minoria endinheirada
dos brasileiros, então não me parece
correto afirmar que
somos um país
dirigido por um partido de esquerda. Sabemos que, na realidade, os fatos
são diferentes e ricos
aqui continuam tendo
as mesmas regalias e os
altos padrões de vida.
No Estado brasileiro, os seus membros
dirigentes, a elite palaciana,
nos três poderes, levam vida
de altos burgueses, enquanto
a chamada classe média tem vida
limitada financeiramente e vive
endividada. Há ainda os menos favorecidos que
lutam duramente pela sobrevivência e com sérios
problemas relacionados a benefícios
públicos em vários setores
essenciais: saúde pública,
ensino, transporte.
O
filósofo húngaro acredita ainda no socialismo e o vê como a única saída para a sobrevivência da Humanidade. Ao dar
prioridade ao socialismo, o
filósofo desacredita o capitalismo, o neo-liberalismo, a sociedade consumista. Acredita ele
que, se mudarmos a “ordem de desigualdade substantiva” pela “ordem de
igualdade substantiva” será possível
pensar-se numa efetiva mudança
das sociedades que vivem em grandes dificuldades, sobretudo na sua organização política. Mészaros fala
ainda da exaltada
‘destruição produtiva’, produto do capitalismo que, para ele, está
declinante. Repudia ainda o que
chama de “produção destrutiva” aliada à “produção
de mercadorias” e, finalmente,
refere à “ameaça de destruição
militar em defesa da ordem estabelecida.”
O Estado Brasileiro, a meu ver,
se definiria como um Estado
híbrido, contraditório, socialmente
desigual, autoritário e profundamente
afundado no mal da corrupção exercida
entre políticos e empresários e num sistema de Justiça pouco
confiável em razão de que, por exemplo,
temos um Supremo Tribunal
Federal no qual seus
membros, na maioria, foram indicados pelo autoritarismo populista do
petismo ou lulismo que vai ao povo mas
não lhe permite ter voz política.
O mais alarmante é que
não é só no petismo
que identificamos gravíssimos e, em alguns aspectos, semelhantes
problemas de natureza política. A política brasileira atual tem um
viés de simbiose no
qual os extremos se tocam nos seus
males e nos seus defeitos crônicos. Em resumo, muito dos regimes
políticos se ressentem de alguns membros
que não dão
nenhum exemplo de uma personalidade de caráter firme e de integridade moral a toda a
prova. Este atributo, em qualquer forma
de democracia, leva um projeto
político à ruína e à
desmoralização. Ou seja, tudo se
resume a uma pré-condição: a falta de
ética na
práxis política.
Só para rematarmos as
reflexões provocados pelo
pensamento de Mészaros, vejo que
o filósofo, passando ao
campo da ordem política
internacional, não vê com otimismo
a condição das sociedades convulsionadas de todo os lados por
perigos iminentes, e um
deles seria pelo fato de que somente
poucas nações poderosas têm o poder de “destruir a espécie
humana, e por isso usam termos-chave como ‘segurança,’
‘autodefesa’, ao passo que a
maior parte dos povos nada podem fazer diante
dessas injunções do poder armamentista, que é minoritário mas
perigoso. Fora do que conceituou como democracia substantiva, será difícil
a melhoria da sociedade e
essa espécie de
sonho do filósofo é algo
que não se faz em
vinte anos. Demora tempo, mas pode,
segundo ele, ser realizável.
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