domingo, 22 de fevereiro de 2015

Democracia e caráter de seus supostos praticantes



                                                            Cunha  e Silva Filho


     Em entrevista  concedida por e-mail ao Globo pelo  filósofo  húngaro István Mészaros, atualmente  professor  emérito da  Universidade  de  Sussex, na Inglaterra,  ao repórter  Leonardo Cazes do   Prosa&Verso, (sábado, 21/02/2015),  Mészaros centraliza  sua discussão  em torno   do tema   abordado  no seu   recente livro  lançado  no Brasil, A montanha que devemos  conquistar (Editora  Boitempo).
      Não vou  esmiuçar  todas as considerações   tecidas  pelo filósofo que, na obra,  conforme informa  o entrevistador,  trata de questões  altamente  relevantes, como   a situação  do capitalismo  de hoje, os “impasses” da democracia e  surgimento de “novos  partidos na Europa.”  Por novos  partidos   entende Mészaros os de esquerda, citando  os exemplos  de  Syriza, na Grécia,   e o Podemos,  na Espanha. Mészaros  é marxista  e, ainda, segundo   Leonardo  Cazes, foi  aluno, ainda na  Hungria,  de  György Lukács,  sendo considerado   o seu principal  herdeiro  intelectual . 
      Dos temas   ventilados  na citada obra,  Mészaros   analisa    três tipos de democracia a democracia  direta, a democracia   representativa e a que  ele  próprio  propõe, a “democracia substantiva,” para ele a que  melhor   atende  à realidade  mundial   contemporânea, uma vez que  se estriba  no conceito  de  “igualdade substantiva”,  ou seja,   seu funcionamento   depende  de uma   “alteração  radical” no  processo  de efetivação do funcionamento    da sociedade e, para conseguir  isso,   substitui  a natureza  da alienação e tira  do  Estado   todo o poder “alienante”   que  vem a ser   a subordinação    autoritária  que os sistemas democráticos  exercem sobre a sociedade, ainda que esta   só de fachada   se autodenomine   representativa  da vontade  popular. Neste  ponto  é que  passo,  agora, a  tentar  fazer   alguns comentários  e mesmo  reflexões  sobre  o que  no país   vive  o chamado  estado democrático.
       Em tese,  o país vive  uma democracia,  com   os poderes  funcionado   livremente e  independentes. Porém,  na realidade,   se  o governo  Dilma, no seu segundo mandato  e no  dois governos de Lula, o partido  pelo qual   foram   eleitos  se denomina , em tese,   da esquerda,  será um contrassenso  fazer  coexistir  uma  democracia   da esquerda,    do mesmo modo que seria   contraditória  uma democracia da direita ou do centro.
    Ora,  se a esquerda se fundamenta  em princípios de governança da sociedade de natureza marxista, onde o Estado  pode tudo e é voz soberana   dos destinos da  nação,  e se, no Brasil,   afirma  termos   uma democracia  plena,  há algo  muito   errado  no que  concerne aos conceitos  e  às práticas   políticas   em vigor não só no  Brasil mas em outros   países.
    Inclusive porque   se chamarmos ao  governo  Dilma  de  socialista só porque destina   vultosas  milhões de reais em  benefícios sociais  não bem   distribuídos,  os quais não passam  de “migalhas”  se comparados  à minoria   endinheirada  dos brasileiros,  então  não me parece  correto   afirmar  que  somos  um    país  dirigido  por um partido  de esquerda. Sabemos que, na realidade,   os fatos  são  diferentes  e ricos  aqui  continuam   tendo  as mesmas  regalias e os altos  padrões de vida.  
    No  Estado  brasileiro,   os  seus   membros  dirigentes, a elite  palaciana, nos três poderes,  levam  vida   de  altos burgueses, enquanto a  chamada  classe média tem  vida  limitada  financeiramente  e  vive endividada.  Há ainda  os menos favorecidos  que  lutam  duramente  pela sobrevivência e com  sérios  problemas  relacionados  a benefícios   públicos em vários setores   essenciais: saúde pública,  ensino,  transporte. 
    O filósofo  húngaro acredita  ainda no socialismo e o vê como a  única saída para  a sobrevivência  da Humanidade. Ao  dar  prioridade  ao socialismo,  o  filósofo  desacredita   o capitalismo, o  neo-liberalismo,  a sociedade consumista. Acredita ele que,  se mudarmos  a “ordem de desigualdade  substantiva” pela  “ordem de  igualdade substantiva” será possível  pensar-se numa  efetiva   mudança  das sociedades  que vivem  em grandes dificuldades, sobretudo  na sua organização política. Mészaros fala ainda   da  exaltada  ‘destruição  produtiva’,  produto do capitalismo  que, para ele,  está  declinante. Repudia  ainda o que chama de  “produção  destrutiva” aliada  à “produção  de mercadorias” e, finalmente,    refere  à “ameaça de destruição militar em defesa da ordem estabelecida.” 
   O Estado Brasileiro,  a meu ver,   se  definiria como  um Estado  híbrido, contraditório,  socialmente   desigual,  autoritário e  profundamente  afundado  no mal da corrupção   exercida  entre  políticos  e empresários e num sistema de Justiça   pouco  confiável  em razão de que,   por exemplo,  temos um  Supremo   Tribunal  Federal  no qual  seus  membros, na maioria,  foram    indicados pelo autoritarismo populista do petismo ou lulismo que vai ao  povo mas não lhe permite  ter voz política.
    O mais alarmante   é que  não  é só no  petismo  que  identificamos   gravíssimos e, em  alguns aspectos,  semelhantes  problemas  de natureza  política. A política brasileira atual  tem  um viés  de simbiose   no qual os extremos  se tocam nos seus males  e nos seus defeitos  crônicos. Em resumo, muito dos regimes políticos se ressentem de alguns membros  que  não  dão  nenhum exemplo  de  uma personalidade de  caráter firme e de integridade moral a toda a prova. Este atributo, em qualquer  forma de democracia,  leva um  projeto  político à ruína e à  desmoralização. Ou seja,  tudo se resume a  uma pré-condição: a falta de ética  na  práxis  política. 

  Só para  rematarmos as  reflexões provocados  pelo pensamento  de Mészaros, vejo  que  o   filósofo, passando  ao  campo   da ordem  política  internacional,   não vê com  otimismo  a condição   das sociedades  convulsionadas   de todo os lados  por   perigos   iminentes, e um deles  seria  pelo fato de que  somente  poucas nações   poderosas    têm o poder de “destruir  a espécie  humana, e por isso   usam  termos-chave como  ‘segurança,’  ‘autodefesa’, ao passo que   a maior parte  dos  povos nada podem fazer  diante   dessas   injunções  do poder armamentista,  que é minoritário  mas  perigoso.  Fora do que   conceituou como democracia substantiva,  será difícil  a melhoria  da sociedade e essa  espécie  de  sonho  do filósofo  é algo  que   não se faz  em  vinte anos. Demora tempo, mas pode,  segundo ele,   ser realizável.

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