Cunha e Silva Filho
Talvez o título desta crônica
seja um tanto óbvio para algumas
pessoas, leitores, amigos, ou até mesmo
adversários; dos últimos, quem
não os tem aberta ou na encolha.?
Não sei se todos
que escrevemos, num gênero literário ou
em diversos gêneros, veem pela
mesma ótica esse assunto
que trago à baila, mas para mim a
melhor alegria é saber que alguns me leem, seja por um
vez só , seja por varoas vezes,
seja por muito tempo. Sei que nem
sempre estamos com a vontade de ler um colunista
ou outro. Tiro por mim.
Passo muito tempo lendo
um escritor. Depois, por um
motivo ou outro,
paro de o ler. Procuro, então,
ler outro ou outros e assim
sucessivamente. Ocorre,
também que, passado algum tempo,
volto a ler aquele/e escritor,
cronista/s – e é de cronista que
estou de preferência tratando nestas linhas -, que não vinha lendo há algum tempo. Volto a ele ou a eles e com
ele ou eles faço as pazes naquele sentido teórico de “pacto
narrativo” entre o escritor e o leitor.
Contudo, essa alegria, repito, é imensa, preenche e amacia o nosso ego, a nossa
auto-estima, a confiança de que
demos algum recado a alguém que
conosco se afinou ou se identificou, ou
concordou com as nossas ideias, ainda que com algumas ressalvas, o que é natural porque seria grande pretensão
de um escritor ser tão narcisista a
ponto de antecipar que todos
gostarão de tudo o que escreva. Seria isso pedir
o impossível. Nem os best-sellers teriam essa pretensa, uma vez que
outros tantos leitores não
gostam desse tipo de autores.
Uma vez um professor universitário de Letras, ele próprio ficcionista, me confessou: “eu não entendo por que
Paulo Coelho é tão vendido? Eu faço
das tripas coração, aprimoro minha
técnicas narrativa, conheço a estrutura
de um romance por dentro e por
fora, e cadê os leitores que não me leem? Estou agora, me lembrando de
um cronista que certa vez me segredou: “Que diabo, escrevo, escrevo, escrevo e ninguém me faz um simples comentário sobre o que falo. Só pode ser perseguição dos leitores que não sabem
apreciar a importância da minha escrita e dos
temas que abordo com
o máximo cuidado e amor ao ato
da escrita, aos cuidados com a
linguagem. Me dá às vezes vontade de gritar : comentem meus textos,
deixem de ser ruins e injustos comigo, não veem que tenho
valor, que domino os meus recursos de escritor!” Meu amigo só faltou afirmar que
era merecedor de um Nobel de
Literatura...
O fato é que ninguém pode obrigar
leitores a ler seus textos.
O prazer da leitura que se
encontra num autor advém
das afinidades, da capacidade que o autor tem de
atrair seus leitores
para as suas mensagens, seja em que gênero for. Se o autor consegue captar a
atenção do leitor levando-o a partilhar de muitas de suas ideias e posições diante dos acontecimentos da vida, se o autor
transmite no que escreve alguma
verdade e sinceridade, se de alguma maneira
estabelece um diálogo
proveitoso com quem o ler,
se o autor como
intelectual demonstra reunir
em sua personalidade um conjunto de
elementos significativos e
válidos como conceitos,
reflexões e posições assumidas
com autenticidade com
relação à complexidade e aos desafios da
existência considerada social,
filosófica, histórica,
culturalmente, então é bem provável que
o leitor seja por ele conquistado.
Há poucos
dias li de alguém que, se referindo ao
colunista da Folha de São Paulo, Elio Gaspari, comentou
que esse jornalista nunca escreve
os seus textos na primeira pessoa. Impessoalidade pura que,
no entanto, não me agrada muito. Gosto dos textos que têm
nervos, frêmitos, emoção,
sensibilidade, subjetividades, textos em que palpita a vida ainda que cuidando de temas dos quais se exige
objetividade Aprecio antes, opinião pessoal,
o jornalismo doutrinário.. Um certo
tipo de jornalismo atual se esmera por
ser destituído de alma. Na reportagem pura, sim, é
possível revesti-la de
objetividade, de secura, de
ausência de espírito. Na crônica, não, ela
precisa do dado subjetivo,
mesmo lírico, como o
encontramos em Rubem Braga , em Vinicius de Moraes, em
Fernando Sabino , em Drummond,
em Ferreira Gullar , entre
tantos outros.
O maior
exemplo desse fato imponderável, que é o número de leitores desejados
pelo autor, se pode ver naquela
nota introdutória – “Ao leitor” -
do narrador-personagem, autor-defunto Brás Cubas, em Memórias póstumas de Brás Cubas,[1] de
Machado de Assis. Ao se “admirar” e se “consternar”
que Stendhal tivesse declarado
que teria escrito um de seus
livro para cem leitores,
o narrador-personagem de Machado
se aproveita para usar de sua
verve irônica estendendo a ideia
de escassez de leitores para auto-ironizar
a quantidade de leitores que poderia
atingir a sua própria
obra apresentada ao leitor, fazendo-lhe
um prognóstico muito à feição machadiana
de corrosão e ao mesmo tempo
jocosidade: “O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores
de Stendhal, nem cinquenta, nem vinte,
e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco.”
Ora, neste
breve nota ao leitor, Machado se
põe visivelmente na condição de crítico, de analista, se utiliza da meta-ficcionalidade, ao falar
de alguns de seus processos de criação literária pela boca do narrador
Brás Cubas: a) Para ele, o romance
que o possível leitor vai ler
é por ele definido como “obra
difusa”; b) Adotou a “forma livre”
de Sterne ou de Xavier de Maistre; c) Coloca
em dúvida se na obra instilou algum “pessimismo”;
d) Afirma ser “obra de finado;” e) Foi
escrita com a “pena da galhofa” e a “tinta
da melancolia”;f) Hesita quanto ao resultado dessa mistura, se assim posso afirmar.
Falando ao eventual
leitor, tem dúvidas quanto à classificação de gênero
do ponto de vista do leitor que,
no caso, corresponderia, segundo
Brás Cubas, a dois tipos de leitores: “ gente grave” e “gente frívola.” Quanto ao gênero de
ficção, ao primeiro tipo de leitor pareceria ser um
“puro romance”; ao
segundo, não seria aquela narrativa a
que estava acostumado. Tudo, porém, é
inferido de modo propositalmente
indeciso. Concluindo: o narrador-analista se vê
diante de um problema : constata
que a narrativa não terá
uma acolhida favorável de nenhum
dos dois tipos de leitores, o que deixa
o narrador num beco sem saída quanto
à validade do texto que está oferecendo
ao leitor.
Isso tudo não
passa de um artifício retórico do narrador Brás Cubas, ou seja, o de
desconstruir, construindo, o
de negar , afirmando, o de não meta-ficcionalizar, meta-ficcionalizando. Em outras
palavras, o analista- narrador
tanto faz o que diz quanto não
faz o que afirma.Por cima de tudo, há, no segundo parágrafo da
nota “Ao leitor,” uma retomada
do tema do relacionamento entre
autor e leitor, e, agora, o analista-narrador já fala em
captar as simpatias do leitor e
para isso cumpriria atender a alguns procedimentos
retórico-técnico-narrativos, colocando-se, assim, o analista-narrador na posição de teórico:a) Evitar um “prólogo explícito e longo;” b) O melhor
prólogo é o que contém menos cousas, ou o que as diz de m jeito obscuro
e truncado.”
No que
concerne ao item “b” do parágrafo acima,
pode-se deduzir que o hermético
tem lá seus efeitos válidos e sua razão de ser. Mais
adiante, o processo meta-ficcional se torna,
nesta nota “Ao leitor,” uma reafirmação de que o trabalho da criação
ficcional das “Memórias” fornece
ao leitor especializado, ao crítico, a consciência
artesanal do ofício da escrita em elevado nível
de qualidade artística e, por conseguinte, para o leitor
comum, assim podemos inferir, seria para ele
“desnecessário ao entendimento da
obra.” No final da nota “Ao leitor,”
o narrador lapidarmente dá a entender
ao leitor que o fundamento
da obra ficcional poderia
bem corresponder a esta
afirmação: “A obra em si mesma é
tudo” [..]
Ou por
outra: o leitor é a última
e primordial instância na fruição
de uma obra literária. Tudo o mais é matéria
do artista, do seu talento, da
sua competência e da sua função.Por
outro lado, o autor se sente compensado
com a boa recepção que possa encontrar junto aos leitores e este é o motivo pelo qual
dei o titulo a esta crônica Todavia,
para o analista-narrador, para Machado,
ao final de contas, se o leitor não se sente
atraído pelo que o narrador lhe está relatando, só lhe resta levar um “piparote.” Machado
não tem culpa de um ouvido torto. Machado é mutável. Brinca, ironiza e, desse modo, na
folha impressa refaz a vida.
.Entre o afirmar e o
negar, entre o dizer
e o ocultar, o analista-narrador desvela
e dessacraliza o chamado “ilusionismo
narrativo,” ao expor ser a obra
de arte um produto de imaginação, uma realidade artística
feita de linguagem,
de palavras, de artifícios técnicos esteticamente
“harmonizados” e, o que é mais
fascinante, dando sentido de autenticidade ao que
o texto transmite de realidade humana. Ou seja, a Literatura
faz-se com palavras, mas estas
nos dão uma sensação profunda e total da existência e por isso nos comoverá sempre que penetrarmos na leitura
de um romance, de um conto,
de um poema.
[1] Cf. ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
In: Obra completa -romances. Organizada por Afrânio
Coutinho. vol. 1. Rio de Janeiro: Editora
Nova Aguilar, 1997, p. 513.
Nenhum comentário:
Postar um comentário