Cunha e Silva filho
Já reparou, leitor, que o Brasil é um
enigma indecifrável, onde existe
o que dá certo, o que dá errado,
o que prejudica, o que faz mal a
tantos e nada se faz para melhorar nada? Vejamos um dos setores
da nossa sociedade civil que causa vexame às nações civilizadas
e sérias: a desvalorização dos professores públicos em todos os níveis.
Antigamente, era um lugar comum,
ou melhor, uma constatação
de que o país
paga miseravelmente seus
professores primários e secundários
a tal ponto que um velho
programa do saudoso
humorista Chico Anísio, a “Escolinha
do Professor Raimundo,” que durou por muito tempo e sempre
batia na tecla de que o salário do professor brasileiro não passava de um "ó." simbolizado corrosivamente com a junção do polegar com o indicador.
Ora,
não foi difícil sair
da tela da TV para o consenso da
comunidade o fato de que o professor
era um pé de chinelo, a quem ninguém
reconhecia status social e
principalmente financeiro. Conheci um professor do ensino médio
estadual do Rio de Janeiro que queria
alugar um apartamento no subúrbio da cidade e, quando teve que
dizer ao “senhorio,”
geralmente portugueses, que era professor, isso foi bastante para que
quase fosse escorraçado pelo
proprietário como cachorro doido.
O
programa do Chico Anísio, como uma vez analisei
em artigo, tinha, a meu ver, um
efeito deplorável: a caricatura do professor antes
serviu como combustível para aumentar
o descaso da sociedade para a figura do
professor. Até nas novelas de
televisão um personagem professor é
visto como alguém sem crédito e sem realce tanto pela burguesia quanto pela classe média e mesmo as
classes menos favorecidas que, hoje, - dizem ( será verdade?) - ascendeu
à classe média.
Leio
na Folha de São Paulo de ontem, dia
3 de agosto, um contundente artigo
com título em interrogação (“Quanto vale um professor?") expondo as agruras dos professores e as injustiças cometidas contra eles. Desta vez, trata-se de
professores estaduais de São Paulo,
estado com o Orçamento mais rico
da Federação, conforme
lembram os autores, porquanto o artigo é assinado a quatro mãos, com
autores de alto nível reafirmando
essa vergonha nacional. O mais grave é
que o poder público estadual alega
que são muitos os gastos com as universidades estaduais
paulistas e, por essa razão não pode
remunerar bem os docentes.
Com razão queixam-se
os articulistas, - vamos nomeá-los - os jovens
professores Daniel Damásio Borges e Ana Gabriela Mendes Braga, da área
de Direito, de que, se os salários dos professores universitários estaduais
de São Paulo forem
comparados aos de outros
setores do funcionalismo estadual, torna-se gritante
a injustiça contra os mestres. Citam os autores
o exemplo de um professor com doutorado e com regime de
dedicação exclusiva, cujo salário não passa de
nove mil reais, enquanto um médico,
“nos termos do recente plano
de carreira do governo estadual”,
perceberá um salário “muito
superior”, - pasmem! – a de um
professor titular da Faculdade de
Medicina com dedicação exclusiva. Sem desejar
subestimar outras profissões,
um professor universitário não se
faz em
quatro anos.
Uma vez que abrace por vocação e destino a atividade docente fazendo uma carreira, muitas vezes, brilhante, atrás dele
há uma longa história
de estudos, de produção
científica, de aperfeiçoamento, muitas,
vezes, nos grandes centros culturais do mundo, de
dedicação ao saber e à
cultura de seu país.São longos
anos debruçados nos livros,
isolados nos laboratórios, na participação
com trabalhos de ponta em congressos nacionais e internacionais, na orientação de especialistas, mestres e doutores e na
coordenação de pós-doutores, i.e., no
crescimento contínuo da produção
do conhecimento em elevado nível de
aprofundamento. É um construção intelectual-científica de toda uma vida.
Ora, um governo
( e aqui me refiro aos governos federal, estaduais e municipais) que não
valoriza seus professores
seguramente nunca atingirá
uma posição de relevo
nos vários campos do
conhecimento humano. Estamos atrasados em
séculos em setores
vitais à demanda das necessidades do mundo
contemporâneo.Vejam os exemplos
magníficos do valor à
educação em países como a
China, o Japão, e mesmo os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, a Alemanha e outros países adiantados que respeitam o ensino e a educação.
Numa coisa o país cresceu admiravelmente: na corrupção, nas injustiças, na malversação
do dinheiro público,
na politicagem hoje
completamente desacreditada, na
violência crônica, na falta de vergonha
em escala nacional.
Têm
sobras de razão os professores signatários do artigo publicado, por sinal,
na página “Tendências/Debates do mencionado jornal.Eu não
consigo entender como candidatos, nas próximas eleições, terão
tranquilidade para virem a público
elogiar a educação
brasileira quando todos os que
têm um pouco de consciência de nossos
direitos de cidadania sabemos
que os governos brasileiros há décadas
vêm dizendo inverdades
sobre uma suposta
melhoria do ensino
público, sobretudo estadual e municipal. O privado, da mesma forma, tem
suas misérias e seus descalabros, uma vez que há diferentes níveis
de qualidade do ensino particular, que vão do péssimo
ao ótimo e em diferentes regiões do país.
Com que cara
aparecerão nas telas de TVs os
responsáveis pela educação brasileira
diante do fechamento de
Universidade Gama Filho, por exemplo, uma instituição que já
teve seu tempo de apogeu em décadas atrás? Como ficarão seus formandos que estão tendo sérios
problemas de ordem pessoal e de auto-estima em face
da falta de
ajuda do governo federal para uma universidade que já formou tantos profissionais na graduação e pós-graduação que hoje estão
em posições relevantes em sua atividades profissionais?
.O governo federal
não já socorreu até canais de televisão em apuros financeiros, e até bancos privados para que dessem continuidade à suas atividades? Por que não ajudar, na forma
de Lei,
aquelas universidades privadas
que, por má gestão
administrativa, foram levadas à falência? O que o Estado Brasileiro
deveria ter feito era apurar as irregularidades praticadas pelos dirigentes dessas universidades,
puni-los com rigor e encampar
tais instituições. Em países que
preservam suas universidades, isso jamais
aconteceria.
Como se sentirá um ex-aluno de uma universidade que deixa de existir? E sua imagem, e seus
brios e sua finalidade cultural
para o conjunto das universidades privadas? Um país que respeita
o conjunto de seu ensino
superior, independentemente de ser
uma universidade privada
ou pública, é um país que preserva a sua
história social.
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