domingo, 29 de setembro de 2013

Meus olhos serão teus olhos



Cunha e Silva Filho 
                
               
                No sem-lugar, no sem-tempo onde só a memória  dirige as vontades, estarei sempre contigo. Ver-me-ei por teus olhos e, assim,  estarei sempre vendo  a natureza,  o sol, o mar, os campos,  os vales e montes,  o respirar  dos teus pulmões,   sentindo  o vento. Verei  o que  estarás fazendo e desde já sei que estarás fazendo  o Bem e, de quando em vez,  pensarás em mim com ternura e saudade, não aquela saudade doentia,   mas aquela que não mais dói e desliza na memória  como  um   valsa  vienense.
Sim, pelos  teus olhos estarei  vendo,  sabendo  o que  pensas, o que fazes,  o que amas. Tenho certeza  de que  o encaminhamento  de  tua trajetória – esta travessia  de todos os mortais sem exceção – será bem  conduzida. Nos teus olhos  caminharei contigo e, desta  forma,  me prolongarei em ti,  superarei  o limite de uma  existência longa ou  mais longa, mas jamais  curta, embora pressintas que  não seja tão longa. Estás enganado  ou enganada.. Pelos  teus olhos  não serei  um só homem, seremos dois, ou uma mulher especial, sem saberes que   contigo  estarei sempre. Seremos   três , cada um de cada vês ou todos  ao mesmo tmepo. O que  importa  sempre  é que  estarei contigo nos teus olhos em todos os instantes,   em todas as situações,  no  trabalho,  no descanso,  na vigília  dos estudos,  no trabalho  de casa, ou nas compras    da rua, na leitura  dos grandes  livros  da Humanidade. ou dos pequenos  livros simples, de leitura fácil mas útil, ou se não,  da leitura da  vida sem livros, o que n ao deixa de ser uma leitura.Há muita  sabedoria   fora dos livros .
Verei  por teus  olhos  o andar  da vida,  o passar  dos anos,  os teus  temores,  as   tuas aflições,  a tua sensibilidade  e emoções dirigidas para tantos   lados da existência efêmera, volátil, naquele  mesmo  parâmetro  que Pascal (1623-1662)  compreendia  a pequenez  da existência, a magnitude e o assombro  do  infinito.
Verei  por teus olhos  o teu dia-a-dia,  o teu esforço,  a tua luta  da vida  e os teus  sonhos  realizados  ou não  realizados. Verei teus choros  silenciosos,  discretos,   sofrendo  a dor  sozinho, ou sozinha. Estarei  acompanhando  teus passos, tuas ideias,  tuas indignações  jamais  justiçadas no lugar  que ocupas  como  filho  ou filha  de uma  pátria.
Verei  sempre  por teus olhos   o “Assim caminha a humanidade”, para    fazer uma correlação  entre a vida  e um filme que vi há tantos anos. Nos teus  olhos,  da minha parte sempre  vigilantes, mas sem  prejudicar-te os atos  e as decisões,  estarei  vivo  e quem,  sabe,  tendo a sensação   - vã sensação!  - de que  serei   eterno,  tanto quanto  os filhos de Eva após o pecado  original.   Pensam os ingratos   que estão no caminho certo, na sua   ingenuidade   boba   e  inconsciente,   sob o domínio do hedonismo   da civilização   contemporânea,  indiferentes  ao sentimento  de coletividade.
Ao ver o mundo  físico pelo teus olhos  não quero nunca que   te sintas  como  os   seres apressados, à procura da ilusória  fama,  seja esta de que forma for. Nesta pressa  sem termo   deixam eles, os apressados,   as oportunidades   do convívio  com  os amigos  que dissiparem   como  bolhas de sabão, amigos  logo  esquecidos  pelos   desejos  irrefreáveis  da pressa  pós-moderna. Fazendo assim,  perdem  as grandes  oportunidades de  manter  as velhas amizades das quais  vão se distanciando,  tendo a falsa  ideia  de que  melhores amizades    farão esquecer  as  mais simples e por isso  mesmo mais  autênticas.
A nossa, não,  é infinita sem  compromisso  com  o tempo, a vaidade,   a riqueza material,  já que  a sua matéria  não é feita  do   interesse ou egoísmo  humano, mas por um pacto com  o não-tempo, o não-lugar. Ela nasceu do sangue, do mesmo sangue  que corre nas minhas veias ainda  vivas e,  tenho certeza,  há de correr  pela veias  de teu  sangue comum ou do sangue fruto  do amor.
Viverei, sobreviverei  nos  teus olhos  e pelos teus olhos e, assim,  terei a   mesma sensação da imortalidade  relativa, porquanto  ela  depende  do espaço de tempo  físico  que  passares na  Terra.
Pelos teus olhos   ainda por longos anos ou por menos anos    poderei  ter  as sensações  várias   de que desfrutam  os viventes. De certa maneira,   pelos teus olhos  não morrerei  tão cedo. Ainda haverá tempo a percorrer com alegrias  e  vitórias, com sonhos  e amores redobrados..
Meus olhos  serão teus olhos nas mudanças do tempo,  das fases da vida,  dos deveres  e obrigações. Verei ainda muito desta vida  dura   e contraditoriamente  bela. Verei o tempo  passar na celeridade  mais intensa dos tempos atuais, nos quais  uma semana  parece um dia   em época  de pós-modernidade. A velhice  física não passa  de um suspiro da mocidade.
Porque meus olhos  verão pelos teus olhos   minha alma  se acalma ,  se alegra,  pela perspectiva que tem  pela frente  onde juntos tu (em duplo) e eu,  passaremos  pela  vida e descansaremos  à sombra de uma  árvore amiga,  com a brisa   passando  pelos nossos  rostos feitos  do físico e do imaterial, mas vivos, eternamente vivos  na   amplidão da interioridade   de nosso  espíritos.
Pelos teus olhos,  sim, adormecerei  em paz, estarei sempre  em tua companhia   e  conquistaremos   o pequeno  universo  da  Terra. Pelos teus  olhos,   verei  a Vida e terei, por algum tempo  não-sabido,  relativa eternidade    da existência física.
Pelos teus olhos  sentirei  o prazer  de continuar  vivo, vendo  o teu sucesso,  os teus passos,   o teu envelhecer, os teus cansaços   a tua procura, do Bem,  a tua  luta  contra  a Injustiça do teu país e do mundo.Pelos teus olhos  verei também  a derrocada  dos  prepotentes,   dos facínoras  e dos inimigos   da humanidade.  Acompanharei  a tua ascensão, o teu triunfo,  a tua cura, depois  das dores e sofrimentos, incompreensões e indiferenças. Verei, enfim, a tua alegria conquistada,  o teu  caminho  percorrido,  os teus feitos, as tuas obras e tuas ações  dignas, o teu labor  diário, a tua  comida  bem feita e por ti feita,.Nada disso esquecerei  porque  estarei sempre  vendo  o mundo  pelos teus  olhos  abençoados. 










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