sábado, 21 de setembro de 2013

"Velho gagá"



 Cunha  e Silva Filho
                                

                                  A expressão que  emprego como título desta crônica me ocorre toda vez que a ouço  num filme,  numa  novela de televisão ou numa  conversa  ouvida  por acaso  num diálogo na rua ou  em  algum  lugar  qualquer  da vida. O sentido    acabrunhante que  ela passa é tão negativamente  forte e pesado que   equivale a qualquer  expressão  depreciativa  e preconceituosa  simbolizando a absoluta   incompreensão e a brutalidade      estabelecida  pela distância  geracional  entre  novos  e velhos. Seu conteúdo  semântico  é profundamente  excludente,  abastardado   e  reprovável sem  querer aqui  dar  lição de moralismo, que é alguma  coisa que não me agrada.
Ao utilizar-se desse sintagma, duplamente  preconceituoso na combinação  do substantivo e do  adjetivo  chulo,  as duas fases da vida mergulham  numa contradição que  dói pela  obtusidade unilateral  dos mais  novos   e pelo   violência   que sinaliza  ou seja,  pela  quebra   do respeito entre o  interlocutor  jovem e  o de idade  bem   avançada,    entre a inexperiência  cega  e  a experiência   enriquecida  dos anos. A expressão  faz parte   do campo semântico dos  “tabus  linguísticos” e  seu  emprego    só vem à tona  quando    a incivilidade  dos mais jovens   é contrariada  justa ou  injustamente   pelos mais  velhos. No entanto,  do uso  dela no instante em que  é proferida  não existe tantos   anos-luz assim. O tempo  é  breve e acelerado  e o que se afirmava contra um outro  de repente se volta para si mesmo  como um despertar  de um longo  sonho.E aí é que a dor   causada  pelo  vil  preconceito  se torna  dor  própria,  sangrando  tão ou mais  fortemente do que há tempos  passados   machucou  a alma de alguém.
Atenção ao tempo que, célere,  passa  e, ele, o tempo,  como  a maré do provérbio  inglês,   “...não esperam  por ninguém.” O instante  é a eternidade. O  presente, o passado e o futuro,  naquele tempo  tríduo gilbertofreiriano,  é o  momento   presente,  abissal e devorador como  a  “Areia, grão a grão,  escoa  na ampulheta...” do soneto de Da Costa e Silva (1855-1950).
“Cuidado,  pois, com  o que dizes diante  de um ancião, ó ser finito e relativo!” O tempo é contratempo na voragem  dos instantes  fluidos, no escoamento   dos anos dos  tempos apressados,  idiotamente   apressados,  sem rumo e sem  remo.
Envelhecemos a cada dia, embora  aparentemente, ao  olharmos para alguém, não  sintamos  a nitidez  dessa transformação. Não  adiante,  jovem,  sonhar  com  o  elixir da longa  vida,  nem  com os poderes dos pactos   fáusticos nem  com  a  aventura  malograda   de Dorian  Gray. O tempo  é voraz,   ávido  das travessias   do corpo, da matéria física,   da beleza  apolínea   e  das fugazes   ilusões dionisíacas. Nada  consegue detê-lo. Nem as plásticas mais  refinadas dos tempos  high tech,  nem  a  última    promessa da beleza   física que luta  contra  a eternidade do finito belo. Tudo  isso  porque, caros jovens,  somos mortais, eternamente  mortais.
Todo cuidado  é pouco  com   as expressões   que   ferem  o corpo e  o espírito e deixam sempre marcas da ausência do respeito àqueles que um dia também  foram  belos,  jovens  e pensavam  que tudo  aquilo  seria  duradouro.
Quero  concluir   este texto com  uns versos  de um  velho  poema  de Henry Wadsworth  Longfellow (1807-1882), que já traduzi no verdes anos e que,  depois, na maturidade,   republiquei com algumas   modificações: “For age is opportunity no less/Than  youth itself in another dress,/And  as  the evening twillight fades away/The sky is filled with stars, invisible by day” [Tradução: "Porquanto a velhice é oportunidade não menor/E, à proçorção que a tarde vai morrendo,/O firmamento se nos desvela prenhe de estrelas, invisíveis à luz do dia".]




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