Cunha
e Silva Filho
Todos sabemos que a ainda jovem norte-americana Terri, de 41 anos, vinha sofrendo nestes quinze anos, desde
que teve um ataque cardíaco aos vinte e sete anos, resultando
numa grave lesão cerebral. Vive, até
hoje, em estado quase vegetativo. Segundo
informações, o ataque cardíaco
foi provocado por vários anos
de anorexia e bulimia. Para alguns especialistas, seu estado é de “mínima consciência” e apenas se mantém viva graças a tubos através dos quais seu
tênue organismo vem se alimentando. Entretanto,
nem todos sabem perceber o quanto vale a sua presença física, o seu olhar profundo, o revirar das pupilas e um quase
balbuciar, sinais, a meu ver, ainda da presença da vida plena, da vida que é
o que afinal importa, especialmente. Todavia, a jovem
Terri há tempos falando ao marido
que não desejava manter-se
viva por aparelhos. Terri nascera em Filadélfia, Estados Unidos, em 1963.
Se o corpo é
vivo, se a pele é viva, se o rosto, embora sofrido e modificado em parte pela fragílima
situação de saúde, se ainda dá sinais de
vida, por que privá-la do convívio de quem a ama acima de
contingências materiais e de saúde perfeita?
O corpo é vida, presença e, para os pais, cujas mãos ainda
podem tocá-lo com verdadeiro amor, com o carinho e o calor do afeto e até mesmo a alegria de ainda poder tê-la junto deles fisicamente, o sabê-la
ocupando espaço nas suas vidas de pais devotados é o que mais lhes conta. O corpo, como disse, está
ali, vivo, lutando pela vida a qualquer custo,
mesmo contra a vontade da doente.que
perdeu a motivação de viver.
Há, no entanto, no olhar de Terri um enlace da pureza e da
inocência das crianças. A inocência de seu olhar só a encontramos nos
puros, nos místicos, naqueles seres
tocados pelo divino olhar dos
anjos, olhar de bondade, de pura
fragilidade. Os olhos se Terri se espiritualizam. Somente os santos têm aquele olhar de desinteresse pela matéria.
Se Terri
Schiavo uma vez a seu marido manifestou a vontade de morrer ainda assim não é válida
nem legítima qualquer ação dos homens da Justiça para lhe dar cabo da vida. Não cabe à lei, à Justiça, ao
Estado unilateralmente a determinação de mandar desligar o tubo através do qual a
jovem Terri se mantém se alimentando.
O coração de
Terri ainda pulsa, não morreu. Seu olhar pertence aos que ainda respiram e têm o sopro da vida.
Há uma semana,
por ordem judicial, desligaram o tubo
que a alimentava. Agora, não recebe alimento, nem mesmo água. Qualquer ação humana contra isso me parece errada, precipitada e mesmo criminosa.
Estão
matando Terri. A lei a está matando aos
poucos. Sem misericórdia, muda aos apelos da sociedade que não a quer ver morta. Terri agoniza. O Tribunal aclçheu a determinação do juiz de Tampa,
James Whittme. Nem a Suprema Corte se
viu competente para decidir sobre a delicada caso de Terri. Pela quinta vez o Supremo Tribunal negou-se a intervir no
caso.
Enquanto
isso, lá fora, manifestantes
protestam em
silêncio. Sabe-se quão eloquente é às vezes o silêncio. Porém,
as faixas falam pela mordaça do silêncio.
Todos apelam para o religamento do tubo, por onde o alimento e a água ainda
podem devolver um sopro
de vida à sofrida Terri Schiavo.
De acordo com os médicos, Terri, impedida de
comer e beber, possivelmente aguentará
esta semana só. Os homens constroem as leis do Estado e este passa a ter
paradoxalmente a última palavra
entre a vida e a morte do indivíduo.. É uma sentença condenatória? Quem sabe não o é? Somos todos muito pequenos
diante do Estado e do mundo. Há algo absurdo
na vida. Algo que escapa ao entendimento
nas relações humanas, entre a pessoa e a
sociedade, entre a liberdade e
opressão, entre o
entendimento comum e as razões do
Estado. “Mundo, mundo vasto mundo..”,
diria Carlos Drummond de Andrade.
Não sei se
esta crônica, ao ser publicada, estará datada. Espero que não.
Nota: do colunista Terri Schiavo morreu quatorze dias depois que lhe retiraram do corpo o tubo de alimentação. O caso dela
virou debate nacional sobre a questão da eutanásia, ou seja, do direito de morrer, questão, até hoje, amplamente discutida e que sempre reacende
candentes polêmicas na sociedade
em todo o mundo.
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