Cunha
e Silva Filho
A questão
delicada e complexa de os Estados Unidos atacarem ou não o governo sírio virou
um impasse entre nações que
apoiam este país, como a França e
talvez a Inglaterra, e os que se opõem veementemente a qualquer intervenção militar contra o ditador Bashar al-Assad, como são exemplos a Rússia,
a China, o Irá, alguns
grupos árabes e próprio governo brasileiro.
O que
quero pôr em
discussão neste artigo é um argumento
que desejo situar acima
das ideologias, simpatias e interesses
político-econômicos entre os países
interessados em saídas
diferentes para o imbróglio já configurado.
Este argumento se equaciona
assim: o que para mim está em
jogo não é tanto a discussão de
apoio da esquerda ou da direita, mas sim
a situação de horror que já se
estabeleceu na Síria em guerra civil em que, de um lado, temos
uma oposição ao regime de Assad e de outro lado,
os seguidores de um regime
abertamente discricionário e autocrata. O que está em jogo são
perdas de vidas de inocentes de
todas as idades e de uso de arma química
por parte do próprio exército de Assad contra civis desprotegidos, conforme já
constataram relatórios dos EUA
e da França. A questão é,
portanto, de ordem humanitária e, sendo assim, deve ser
tratada de forma universal.
Num país em que há dois anos governo e oposição se engalfinharam na disputa para a tomada ou a manutenção do poder, com um saldo de mortos gigantesco e com ações beligerantes que
podemos configurar como
genocídio praticado pelas Forças
Armadas do ditador Assad, não se tem, até agora,
nenhuma ação decisiva
da parte dos organismos
internacionais destinados a
solucionar os caminhos da paz ou de uma negociação entre os envolvidos de sorte que
o ditador seja apeado do poder e as
forças da oposição consigam aglutinar
a formação de um governo interino
que, optando pela democracia,
possa fixar eleições livres
a fim de conduzir o pais
à normalidade e pôr um ponto final ao derramamento de sangue.
Naturalmente, para
efetivar tudo isso, é necessário
que as nações que compõem a ONU saiam
da sua indiferença e não ajam, como
tem sido
até hoje, como Pilatos, lavando as mãos, mas sim permitindo
que a transferência de poder
seja feita consoante as leis do Direito Internacional,
sob a vigilância de observadores
escolhidos pela ONU. Que as
eleições sejam limpas, livres, e não
sejam contaminadas por conchavos
e manipulações de oportunistas de
última hora. Da mesma forma,
espera-se que os culpados pela carnificina dessa guerra civil sejam julgados
por Tribunais Internacionais
soberanos e sejam punidos por crimes contra a humanidade.
Se de todo
forem esgotados os diálogos e
as negociações conduzidas pela ONU com
objetivos de devolver a paz à
população síria, caberá às nações democráticas a renunciar a todo e qualquer interesse hegemônico
ou de caráter imperialista ou
colonialista e exigirem que
o ditador se afaste
do poder sob pena de uma
intervenção militar concreta que venha
restabelecer um modelo livre
de governança na Síria onde seu
povo possa desfrutar da liberdade e da cidadania plena sob o
domínio da Lei da Justiça.
A Síria só
sairá do horror da guerra civil entre
irmãos se o seu
povo, ainda que composto de
grupos politicamente
antagônicos, souberem fazer
mútuas concessões sem que ambas
as partes em conflito se sintam injustiçadas no que
respeita a uma convivência
saudável ainda que com as suas diferenças ideológicas, políticas e religiosas.
A chamada Primavera Árabe é um fato
novo, um paradigma que não se
pode desprezar.. Sua meta não é
escravizar nenhuma nação, mas abrir
as nações ainda regidas por autocracias para sistemas políticos
que saibam valorizar as vantagens
propiciadas pela democracia, por governos abertos a convivências de múltiplos modos
de atuarem livremente, por um país com um povo a quem se
devolveram os valores inalienáveis
da liberdade de expressão, de uma imprensa livre, de propiciar condições
de aprimoramento cívico, de cidadania, de direitos civis iguais
entre homens em mulheres, sem
preconceitos nem constrangimentos.Isso
não significa forçar uma
ocidentalização cultural,
impor mudanças inatingíveis.
A
finalidade dos povos se assenta
na aquisição de tudo que não fere
a liberdade individual. Não é por ser muçulmano, ou
judeu, católico, protestante,
budista, ou de qualquer outra
religião do mundo, que um país
não possa modernizar-se, ter sua constituição, suas leis, seu
sistema judiciário, seu executivo,
seu legislativo. Tudo isso pode
alcançar desde que –e a regra serve para
todos os povos – se respeitem os valores
éticos, sua dignidade
individual e coletiva.Mesmo as
nações chamadas civilizadas e ricas
devem passar por mudanças
desde que não venham pôr em risco o respeito ao ser humano na sua inteireza e
na sua essência. Isso não é apanágio de um
povo específico, porém é
paradigma para todos os povos independentes.
Se os países
que podem e devem ajudar outros
em conflitos sangrentos, deixam de fazê-lo por interesses meramente econômicos, políticos, religiosos
ou ideológicos, eles estarão agindo erradamente e concorrendo para que novos
conflagrações e perdas de
vidas se estendam continuamente pelo mundo afora.
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