segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A Síria e alguns Pilatos





Cunha e Silva Filho

                      A questão delicada e complexa de os Estados Unidos atacarem ou não o governo  sírio virou  um impasse entre nações que  apoiam  este país, como a França e talvez a Inglaterra, e os que se opõem veementemente  a qualquer intervenção militar  contra o ditador  Bashar al-Assad, como são exemplos  a Rússia,  a China, o Irá,  alguns grupos  árabes e próprio governo brasileiro.
O que quero  pôr  em  discussão neste artigo é um argumento  que  desejo  situar  acima  das ideologias, simpatias e interesses  político-econômicos entre os países  interessados  em  saídas  diferentes  para  o imbróglio já configurado.
Este argumento  se equaciona  assim: o que para mim  está em jogo não é tanto  a discussão  de  apoio da esquerda ou da direita, mas sim  a situação  de horror que já se estabeleceu  na Síria em guerra  civil em que, de um  lado, temos  uma oposição ao regime de Assad e de outro  lado,  os  seguidores  de um regime  abertamente  discricionário e autocrata.  O que está em jogo  são  perdas  de vidas de inocentes de todas as idades e de  uso de arma química por parte do  próprio  exército de Assad contra civis   desprotegidos, conforme  já  constataram  relatórios   dos EUA  e da França. A questão  é, portanto,  de ordem  humanitária e, sendo assim,  deve ser  tratada  de forma  universal.
 Num país em   que há dois anos  governo e oposição   se engalfinharam na disputa para a tomada  ou a manutenção  do poder, com um  saldo de mortos  gigantesco e com  ações beligerantes  que  podemos  configurar  como  genocídio praticado  pelas Forças Armadas  do ditador Assad, não se tem,  até agora,  nenhuma  ação   decisiva  da parte  dos  organismos  internacionais   destinados  a  solucionar   os caminhos da paz  ou de uma negociação entre os envolvidos   de sorte que  o ditador  seja apeado do poder  e   as forças  da oposição consigam  aglutinar   a formação  de um governo  interino  que, optando  pela  democracia,   possa fixar eleições  livres a  fim de conduzir  o pais   à normalidade  e pôr um  ponto final ao derramamento de sangue.
Naturalmente,   para  efetivar  tudo isso,  é necessário  que  as nações  que compõem a ONU  saiam  da sua indiferença  e não ajam, como tem  sido  até hoje,   como  Pilatos, lavando as mãos, mas  sim  permitindo  que  a transferência de poder seja  feita   consoante as leis do Direito Internacional, sob a vigilância de observadores   escolhidos  pela ONU. Que as eleições  sejam  limpas, livres,   e  não sejam  contaminadas  por conchavos  e manipulações  de oportunistas de última  hora. Da mesma  forma,   espera-se que  os culpados  pela carnificina  dessa guerra civil sejam  julgados  por Tribunais   Internacionais soberanos e sejam punidos por crimes contra a humanidade.
Se de todo forem  esgotados  os diálogos e  as negociações  conduzidas  pela ONU com  objetivos   de devolver  a paz  à população síria, caberá   às nações  democráticas a renunciar a  todo e qualquer interesse  hegemônico  ou de caráter  imperialista ou colonialista e  exigirem  que  o  ditador  se afaste  do  poder sob pena de uma intervenção militar   concreta  que venha  restabelecer  um modelo  livre  de  governança na Síria onde seu povo  possa  desfrutar da liberdade e da cidadania  plena sob o  domínio da Lei da Justiça.
A Síria só sairá  do horror da guerra civil entre irmãos  se  o seu  povo, ainda que  composto  de  grupos  politicamente antagônicos,   souberem  fazer  mútuas concessões sem que  ambas as partes em conflito   se sintam  injustiçadas  no que  respeita a uma convivência  saudável ainda que com as suas diferenças ideológicas, políticas   e religiosas.
A chamada  Primavera Árabe  é um fato  novo, um paradigma  que não se pode   desprezar.. Sua meta  não  é escravizar  nenhuma nação, mas  abrir  as nações ainda  regidas  por autocracias para sistemas  políticos   que saibam  valorizar  as vantagens  propiciadas  pela  democracia, por governos  abertos   a convivências  de múltiplos   modos  de  atuarem  livremente,  por um país  com um povo  a quem se  devolveram   os  valores  inalienáveis  da liberdade de expressão, de uma imprensa  livre, de propiciar  condições  de aprimoramento  cívico,  de cidadania, de direitos civis  iguais  entre  homens em mulheres, sem preconceitos  nem constrangimentos.Isso não significa forçar uma  ocidentalização   cultural, impor  mudanças  inatingíveis.
A finalidade  dos povos  se assenta  na aquisição  de tudo  que não fere  a liberdade individual. Não é por ser muçulmano,  ou  judeu, católico, protestante,    budista, ou de qualquer outra  religião  do mundo, que um país não possa  modernizar-se,  ter sua constituição, suas leis, seu sistema  judiciário, seu executivo, seu  legislativo. Tudo isso pode alcançar  desde que –e a regra serve para todos os povos – se respeitem os valores  éticos,  sua dignidade individual  e coletiva.Mesmo as nações  chamadas civilizadas e ricas devem  passar  por mudanças  desde que  não venham  pôr em risco  o respeito ao ser humano na sua inteireza e na sua essência. Isso não é apanágio de um  povo específico, porém  é paradigma  para  todos os povos  independentes.
Se os países que podem e devem  ajudar  outros  em  conflitos  sangrentos, deixam de fazê-lo por  interesses meramente  econômicos, políticos, religiosos   ou ideológicos, eles estarão  agindo   erradamente e concorrendo para que  novos  conflagrações  e perdas de vidas   se estendam  continuamente  pelo mundo afora.







  
   


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