sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Os males do fanatismo



                                                                                                          Cunha e Silva Filho.

                 Se há alguma  coisa que me  causa um mal-estar   interior  de mistura com indignação, este é o fanatismo manifestado  seja de que  forma for. O indivíduo,  tomado  por   esse sentimento  de excessos francamente   negativos e deletérios,  perde aquilo que,  numa definição   de Aristóteles (384-322 a.C) encontraria correspondência na frase, ou dito,  latina disseminada, e que   tão bem   expressa  um comportamento prudente e  saudável:  "In medio stat virtus"  ( A virtude está no meio).  Manter a equidistância dessa linha de extrapolação   equivaleria a livrar o mundo  de muitas desavenças, incompreensões,    conflitos e até guerras.
O fanatismo, um forma distorcida e hipertrofiada  da visão  que uma pessoa  tem  do mundo  e  de tudo  que  nele  existe,  se mostra mais  evidente e mais devastador  em três dimensões principais : na religião; na política e no esporte.  De resto,  toda falta de  equilíbrio demonstrado na  solução   de problemas redunda  em  fracasso.
Vejamos como atua   cada um  desses desvios  de conduta   do homem  vítima do fanatismo religioso. Tome-se  o exemplo do catolicismo e do  protestantismo, tendo como  palco de cenário  a Irlanda do Norte, cujo  povo   está fadado  há longos anos  aos constantes conflitos de ordem  religiosa  e   recrudescidos  pelos de ordem  política. Sabemos  que  cada  religião tem  o seu  conjunto de princípios, dogmas e especificidades  inerentes aos seus credos,    os quais devem, ou deveriam,  ser  seguidos  à risca  pelos seus   membros, pelo menos  teoricamente  considerados.
 No entanto,  na práxis religiosa  tal conduta  não  existe no contexto dos  dois  tipos de  religião. O que, então,  se observa  é que no cotidiano  daquele  país, basta que  haja uma  insatisfação  ou  um pequeno deslize numa e noutra   das religiões para que  a irrupção da violência venha à tona  e, neste caso,   todo o corpo espiritual  doutrinário entra  em  colapso. Na emoção  dos conflito armado,   os  princípios  religiosos  são esquecidos  e  o que passa  a valer são  as ações   violentas  e terroristas,  provocadoras  de  mortes  de inocentes Isso  porque  nenhum dos lados   cede um palmo daquilo que pensa  ser  a sua verdade tomada  unilateralmente,  desconsiderando   as diferenças  do outro, os direitos  do que passa a ser  inimigo e por isso não pode ser levado em conta.
 O sentimento  fanático  é cego, não enxerga  de forma  lúcida  no confronto   travado entre duas   partes. Por isso, as discussões  religiosas, que deveriam  ser pautadas pelo  diálogo entre diferentes, mas nem tão diferentes assim entre as duas  doutrinas   fundamentadas  no cristianismo, tornam-se  reféns do  fanatismo, abdicam    da lógica  discursiva  e  partem para o campo da batalha  e da irracionalidade..
O segundo  desvio, móvel  irracional   que toma  conta   do indivíduo  presa   do desequilíbrio no campo da  política e manifestado  pelo fanatismo, tem  muito  mais  força   e negatividade  quando    praticado   por  sectários   de  determinados  partidos  ou  de líderes que   adquiriram    relevância, em geral  figuras   que  se aproximam  do nível  do  messianismo ou  de salvadores da  pátria tão  comuns  no  Terceiro  Mundo.
São os fanáticos  que, em geral,  não passam  de eleitores convictos de que  o líder  populista, junto com seu partido,   são  pessoas  infalíveis,  de   caráter  ilibado, merecedores  do respeito  de seus correligionários  e de seu eleitorado. Esse indivíduos,  em geral  sofrem  de uma  patologia através  da qual  não podem  ouvir  nenhuma    afirmativa  de outrem  que  contrarie os  valores  e ideias  de seus   líderes e partido. Encontram-se, no  Brasil,   exemplos   típicos    dessa situação   nas figuras  de um  Getúlio Vargas,  de um  Leonel  Brizola e de uma Lula. O exemplo do Collor  passou  por perto  durante a sua campanha para  presidente do país,  mas, no governo,   a sorte lhe foi  ingrata e acabou  no que  todo mundo viu, ou seja,  de caçador de marajá passou a ser  desprezado  por aqueles   que  ficaram  fascinados  com a  suas  ideias   de salvação  da pátria. 
O terceiro desvio do sentimento   de fanatismo,  no  caso que   escolhi  para este artigo,  é o futebol, esporte  maior do povo brasileiro, com   força   gigantesca  de  movimentar   multidões de fãs, de apreciadores  normais  que sabem   ver  nesse  esporte  o encanto   de uma jogada genial  e de uma craque de verdade.
Um pensador  católico  brasileiro,  Alceu Amoroso Lima (1893-1983)  - ao iniciar, em 1919,  sua coluna de crítico literário  em O Jornal,  substituindo, se não me engano,  o  mordaz crítico Agripino Grieco (1888-1973),   usou,  durante  grande parte  de sua vida de escritor, o pseudônimo de Tristão de Athayde.
Tristão de Athayde chamou  o futebol de  “O grande catalisador.”  Ele sabia  o que dizia, porquanto   esse esporte, de origem  inglesa,   no país  foi,  de início,   praticado  pelas camadas   altas   da sociedade e,  com  o tempo,   ganhou   o amor   do  povão, da classes média, da burguesia, de alguns intelectuais, segmentos sociais  que não mais o  abandonaram.     
Em todos os rincões do  Brasil, principalmente entre  os mais  pobres,  o futebol  é sempre uma festa e uma esperança  de   deixar  um menino de talento futebolístico  com a esperança  de se tornar  um campeão, um grande jogador,  a ser  disputado  pelos  ricos  clubes   da Europa e de outras partes do mundo. Os jogadores   de talento  tornam-se  ricos e por isso  são disputados  pelas mulheres bonitas com amor  e sem amor.
Pois é esse esporte onde grassa também  o fanatismo e desse para a violência é um pulo.Hoje em dia,   o fanático, em torcidas   organizadas,  é um barril de pólvora,  um perigo  iminente,  causador  de  mortes, de pancadaria, de extrema selvageria dentro  dos estádios e fora deles. Esses torcedores  são  igualmente  doentes,  sofrem de psicopatias e são indivíduos  que devem ser  vigiados  pelos  órgãos de segurança, sob   pena de transformar  o  futebol  em esporte  sinônimo de extrema  violência.
 Como mobiliza  grandes   multidões de fãs, o futebol  é facilmente  instrumentalizado   por  estratégias de setores  do governo  e da mídia que  bem sabem  dele  tirar partido,    inclusive subliminarmente,  tendo  por objetivo  usá-lo    como amortecedor  social e dominação   política no pior sentido da palavra, da mesma maneira sendo uma  forma   segura  e  milionária de  ganhar  rios de  dinheiro facilmente  e de  fazer a festa dos detentores  do poder  econômico que administram,  promovem e  estimulam ideologicamente   um esporte   que não  nasceu    com  a vocação  de  ser instrumento   desse poder. No entanto, essa modalidade esportiva deixou, a partir de certa fase de sua história, um rastro de  oportunistas, prestidigitadores, cartolas, empresários  inescrupulosos  e o  poder público cooptado.  Tudo  maravilhosamente  entrosado para o bem das nações  e da mídia  nacional e  internacional.


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