domingo, 19 de setembro de 2010

Da religião e da ausência dela

Cunha e Silva Filho



Todas as religiões têm seus pontos fracos. Todas têm seus defeitos. Sendo assim, nada mais inconcebíveis do que as guerras religiosas que têm assolado a Humanidade por séculos e séculos. Se povos se digladiam por causa de divergências de princípios religiosos, não estão agindo corretamente.
Professar uma determinada denominação religiosa, seja cristã, seja muçulmana, judaica, espírita, ou qualquer outra entre tantas subdivisões de subdivisões, é uma decisão que deve ser respeitada e não pode ser objeto de preconceitos por uma outra forma religiosa. Se pensar assim, o indivíduo passa, então, a agir no plano da intolerância e do extremismo nefastos, que, cedo ou tarde, vão se transformar em estopim de lutas sangrentas, de ações terroristas que tanto têm feito mal ao Planeta.
Respeitar, portanto, as diferenças de orientação espiritual é o primeiro passo para uma atitude ecumênica conducente à paz do espírito , pois o fundamento religioso é alcançar essa paz.
Qualquer ação covarde que se pratique contra um líder religioso deve ser energicamente repudiada pela sociedade, como são exemplos as manifestações desrespeitosas por parte de inimigos do catolicismo durante a visita do Papa Bento XVI à Inglaterra. Há questões das quais a Igreja Católica não quer abrir mão; a do aborto indiscriminado, a do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a do celibato entre outras .
Por outro lado, qualquer religioso católico sério – e são muitos no corpo da Igreja Católica - não pode admitir os desvios sexuais de padres e até do alto clero. Nessa questão, o Papa deve ser intransigente e excluí-los dos quadros daquela instituição.Se assim o fizer, será respeitado e terá o apoio da comunidade católica mundial.
Cumpre, entretanto, ao Pontífice alertar a humanidade para a escalada da secularização em que se estão transformando as sociedades modernas, cada vez mais se afastando do plano da transcendência e mergulhando no caos da perda de referenciais espirituais. Respeito quem seja ateu, mas não posso respeitar o ateísmo desatrelado da ética e da dignidade humana. Ser ateu para engolfar-se no lodaçal da licenciosidade e da permissividade se afigura muito mais criminoso do que algum moralismo de estofo conservador que pregue certas práticas sociais da vida contemporânea. O indivíduo não nasceu para fazer tudo que lhe dê na telha, quer no plano pessoal , quer no plano profissional, quer no plano espiritual. Seguir alguma religião, no meu entender, vale muito mais do que chafurdar numa vida sem nenhuma relação com o divino. Se a religião limita e enquadra as nossas atitudes, se sua doutrina nos ensina a praticar o bem e a repudiar as más ações de natureza moral, aí está uma das suas vantagens.
É possível haver, no meio religioso, hipocrisia, falsidades e mistificação? Sim, mas isso não impede que uma doutrina sã possa ser cultivada. Porém, cabe a cada comunidade religiosa fiscalizar desvios de conduta de seus membros e de seus dirigentes. Igualmente, os diversos segmentos religiosos não podem apenas visar a ser uma instituição de fachada, cheia de artificialismos e rituais meramente formais, protocolares, burocráticos, pragmáticos, como objetivos de proveitos financeiros e regalias para seus dirigentes.
Um templo não é um clube social para exibição de luxo e de modas de seus seguidores. Daí ser frequente um seu adepto mudar de religião porque percebeu que tal religião fosse outra no seu cotidiano de cultos ou serviços prestados. Possivelmente essas decepções tenham sido um dos motivos da redução de fiéis ou mesmo levado seus membros ao pessimismo extremo, i.e., à descrença completa e abraçar o ateísmo.
Um mundo completamente secularizado, diria mais precisamente, um mundo sem Deus ou sem uma força superior, ou energia incriada, um ser incriado, como queria Santo Agostinho, tornar-se-ia uma terra devastada no tocante aos valores interiores. Seria um mundo marcado pelo materialismo cru, movido por impulsos meramente biológicos, mecanicistas, animalescos, destituídos de um suporte filosófico no qual a ética e a moral fossem preservadas e melhor ainda, fossem profundamente vivenciadas, ou seja, associando harmoniosamente teoria e práxis.
A laicização ou secularização da sociedade pode desaguar numa condução da vida sem peias, levando o caos aos princípios reguladores da consciência autêntica e, pelo desvio, embrutecer os seres, destituindo-os dos atos nobres, das ações justas, do respeito aos seus semelhantes, permitindo-lhes, ao contrário, uma espécie de laisser-faire no domínio das resoluções morais.
A vida, assim, conheceria apenas um vácuo, uma falta de sentido, o que concorreria para tornar o ser humano um presafácil dos mimetismo da vida dissoluta, puramente hedonistica, sem mais aquele dado indispensável que se instala no espírito das coisas, dos objetos e principalmente do homem. Sem esse fio condutor, que está além da natureza pura, será difícil superar o impasse. Esse fio estaria inextricavelmente ligado ao mundo divino – campo aberto às mais puras revelações propiciadas pela razão, através do conhecimento (episteme) - e por que não? – pela tão almejada conquista da fé, não a fé cega, mas a conseguida pela teodiceia, sem contradições, sem manipulações de qualquer natureza, só possível pela intervenção do Criador. Não tenhamos vergonha de dizer que somos cristãos. Em tempo algum, a intelectualidade nunca foi um obstáculo à prática religiosa, seja qual for a sua denominação, cristã ou não-cristã. Afinal, o que mais importa é a religião do bem e da paz entre os homens e o cerne disso se encontra em todas as religiões corretamente conduzidas.

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