Anotações de viagem 
        Cunha e Silva Filho
  Encontro-me em Curitiba. Da janelinha fechada e reforçada por uma redezinha, avisto, lá fora, o sol de julho e a paisagem de um bairro da cidade: Boqueirão. As casas têm telhados de formas semelhantes, sobretudo o que aqui chamam de sobradinhos,  que lembram construções  de estilo alemão, e deles há muitos e por toda a parte. 
                 Geometricamente, os tetos formam um triângulo sem base, pois esta é parte integral da fachada composta de uma janelinha no alto, próxima do vértice do triângulo e, pouco abaixo, mais duas outras janelas, que se localizam no terceiro piso. No segundo piso, veem-se mais duas janelas e, no rés-do-chão, a porta principal da entrada, ladeada por uma janela.  Naturalmente, há sobradinhos um pouco diferentes  do  descrito  aqui. Deles há maiores, mais confortáveis e .. mais caros! 
A arquitetura dos sobradinhos geralmente pouco difere  uma de outra.   Deles alguns exibem um pequeno quintal ao lado, ou por detrás  da construção. Antes da porta de entrada, é comum  haver um pequeno pátio, com espaço que pode  servir para garagem ou jardim,  ou até para, num cantinho,  abrigar  um  casinha de cão.
Quando escrevo estas linhas, tenho sobre a escrivaninha um livrinho antigo, uma pequena antologia  de textos franceses em poesia e prosa. O livrinho está aberto, porquanto, antes do  ato desta  escrita,  nele estava lendo uma página de Victor Giraud (1868- 1946) )na qual  o escritor  francês  faz uma  descrição física e moral  de St. Vincent de Paul.
Olho de novo para fora. As casas, a rua, os telhados permanecem silenciosos, banhados da luz solar. Alguns passarinhos gorjeiam  não sei onde, talvez escondidos em galhos do arvoredo do bairro. Tudo ali é verdejante, onde se  salientam  os pés de araucárias e pinheiros, estes últimos a me lembrarem  árvores de natal naturais.
A rua em que fica a casa ( também um sobradinho) do meu filho mais velho, Francisco,  é tranquila, com o silêncio apenas de quando em vez quebrado pela passagem de um veículo.
Desta vez, vim visitá-lo para comemorar os aniversários de minhas netinhas, Isabella, que fez dez anos, e Amanda, que completou cinco anos. São duas  bela criaturinhas, delícias do avô coruja. A festinha  foi alegre e aconchegante, abrilhantada com  a presença de  crianças acompanhadas dos pais. Valeu a pena ter saído  do Rio  para vir abraçá-las.
Sempre  que venho a Curitiba, não poupo  elogios a esta cidade, onde o verde se espalha por todos os cantos,  formando um  todo paisagístico em linhas harmoniosas e fazendo da cidade – sendo um bom exemplo  o  seu centro - ,  uma  recanto  alegre e  perenemente vivo. Verde, no qual  fala, em silêncio,  a natureza. Suas ruas largas, seus  espaços abertos,     arborizados, são um convite ao deleite  dos  visitantes.  O ritmo desta urbe é bem menos trepidante do que a maior parte das capitais  brasileiras. Há alguma coisa  no ar de Curitiba que me  deixa  em sossego e em paz.  
Estou na biblioteca de meu filho. Há livros  em abundância, cujos títulos, na maioria, são  da área jurídica. Ele é um jovem advogado e   professor universitário de Direito, amante, como foi seu avô paterno, Cunha e Silva, e como eu também, dos livros, dos estudos, das leituras intensivas e extensivas, enfim, das elucubrações (desculpem-me o pedantismo léxico) intelectuais. Um exemplo  de bibliófilo. Não sabe ir a uma livraria sem  comprar um volume.
Outros livros que ficam nas estantes do primeiro piso pertencem ao campo da Medicina, visto que minha nora é uma jovem pediatra que escolheu Curitiba como  residência  fixa. Perguntei-lhe se gostava  dessa cidade e ela me respondeu que aqui deseja ficar, acha a cidade mais  calma, com qualidade de vida superior ao Rio de Janeiro. Só  não quer é perder o lindo sotaque carioca.
Lá fora, continua “impávido”, o sol de julho curitibano. O céu está límpido, de um claro azul sobrepondo-se a uma temperatura amena, com um ventozinho soprando, levemente frio,   nesta manhã de terça-feira.
 Volto ao Rio hoje mesmo. Deixo, como tem sido  de hábito nestas viagens à terra das araucárias, muitos adeuses  e abraços  de saudades antecipadas, de recordações que comigo carrego pela vida  afora. As viagens a Curitiba são uma maneira tenra, carinhosa, de um encontro,  continuamente renovado, com as raízes do  amor e da vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário