Cunha e Silva Filho
Me permita o leitor uma autocitação de um pequeno trecho de uma crônica de título “Impressões da cidade”, título, de resto, sugerido oportunamente por meu saudoso pai, que publiquei no jornal “Estado do Piauí”, em 1974, e que constará de um dos textos reunidos do meu livro As ideias no tempo ainda a ser publicado: “Hoje possuímos a Universidade Federal do Piauí. A Universidade dá uma nova dimensão à vida cultural de um estado. Ela é seu porta-voz maior, evitando o marasmo cultural. O desenvolvimento intelectual de Teresina se intensifica. Nota-se que há uma ânsia de se fazer alguma coisa que nossa e identifique valores culturais nossos. Nossos homens de letras sentem vontade de escrever, de publicar. A COMEPI é um exemplo edificante do governo”.
A observação citada acima tem uma distância de trinta e quatro anos! Ou seja, três décadas e uns quebrados. É uma vida. De lá pra cá aconteceram, na esfera cultural, muitas coisas que, pouco a pouco, foram mudando o perfil daquele Estado que deixei ainda com fortes traços provincianos. No intervalo desse longo período, a história da inteligência piauiense longe ficou de qualquer óbice entrópico.
Ao contrário, a cultura literária, antes mais circunscrita aos redutos da Academia Piauiense de Letras e à benevolência e espírito de visão de alguns donos de jornais, eles próprios, em geral, ligados à causa cultural, foi esgarçando lentamente alguns comportamentos e atitudes que não mais se coadunavam com os novos tempos agora impulsionados pelos ventos da comunicação de massa, pela criação de novas universidades e proliferação de campi das universidades públicas, sem se falar no aperfeiçoamento do corpo docente de professores que foram realizar cursos de alto nível nos centros mais adiantados do país ou mesmo no exterior.
Assim, se foi desenvolvendo não só a universidade em si, mas sobretudo o que dela se irradia na conquista de novos saberes, de novas tecnologias em todos os domínios do conhecimento e, agora, mais do nunca, da inimaginável experiência haurida pela Internet, universalizando e democratizando mais as fontes do conhecimento humano.
Era de se esperar que o impulso advindo das universidades de forma indireta repercutiu nos arraiais ainda presos ao anacronismo e , assim, foram aparecendo fundações culturais, conselhos de cultura, revistas culturais de expressão nacional, e, no que se refere ao capital humano, o surgimento de uma massa crítica mais tecnicamente preparada para dar continuidade ao passado. No âmbito da comunicação escrita, criaram-se vários jornais de alta qualidade de impressão e diagramação, com um corpo de redatores graduados por universidades atuando profissionalmente, sem mais o amadorismo dos velhos tempos idos e vividos, e servidos de colaboradores pertencentes à alta cultura do Estado piauiense.
Ainda por força do progresso provocado pela chegada das universidades públicas e particulares, novos escritores foram surgindo em todos os gêneros e bem assim novos talentos nos domínios das artes plásticas, do cinema, da humorismo, do teatro.
No campo específico do ensaísmo e da crítica literária, é de se notar a efervescência. de talentos que estão surgindo e procurando ocupar os espaços que o presente e o futuro estão a eles reservando. Sirvam-se de exemplos livros como Os sinais dos tempos, de João Kennedy Eugênio (Teresina, Halley S.A. Gráfica e Editora, 2007), Cantigas de viver – leituras, de João Kennedy Eugênio e Halan Silva (orgs., Teresina, Fundação Quixote, 2007), As formas incompletas apontamentos para uma biografia de H. Dobal, de Halan Silva (Oficina da Palavra, 2005), São os novos teóricos graduados e pós-graduados e, portanto, especificamente mais treinados, como diria Terry Eagleton, nas universidades para a atividade literária no sentido técnico-científico do que em geral havia no tempo em que deixei Teresina, quando o intelectual, o crítico, o ensaísta contavam mais com o talento e os estudos autodidáticos a fim de dedicar-se à vida literária. Mas, essa realidade não era só no Piauí de então, mas nos estados mais pobres.
Li uma publicação sobre estudos lingüísticos e ensaios literários em grosso volume, PHOROS ( Rio de Janeiro, Editora Caetés,2006 ), reunindo trabalhos de mestrandos e doutores da Universidade Federal do Piauí que me surpreenderam pela profundidade de reflexão crítica, da alta pesquisa na área multifacetada de Letras. Obviamente, todo essa produção que está sendo feita no Piauí ainda não recebeu o tratamento de correspondentes estudos nos campos da teoria literária, da histografia literária e da crítica literária. Dado ser já considerável atualmente essa produção cultural-literária do Piauí, é bem provável que o levantamento e a transformação desse lastro conquistado em forma de livros de referência, tenham que ser tarefa para equipes a fim de poder abarcá-la em profundidade de estudos e atualidade de pesquisas.
Da mesma forma, digno é de salientar que o Piauí já dispõe de editoras – a exemplo da novíssima Editora Nova Aliança - com disposição de crescer e lançar autores novos como, entre outros, o próprio editor, Dílson Lages, e antigos, como Assis Brasil ,cujo retorno ao Piauí foi benéfico para a vida literária local).
Ora, como não deixar de reconhecer esse nítido florescimento de uma nova mentalidade de autores piauienses, nos diversos gêneros literários e em gêneros afins com os estudos literários , como a história ( campo de estudos no qual o Piauí tem conhecido bons autores e uma boa produção científico-acadêmica ou fora do estrito espaço universitário.), a sociologia, o jornalismo, a filosofia. Nem seria justo assinalar, nestas longas três décadas, as inúmeras gráficas, editoras particulares, editoras oficiais da importância da Fundação Monsenhor Chaves, da antiga COMEPI, da atual Fundação Quixote, de publicações do porte da revista Presença, editada pelo Conselho Estadual de Cultura sob a operosa presidência do escritor e crítico literario M. Paulo Nunes, de outras tantas editoras já existentes no Piauí, das publicações feitas em convênio com a Academia Piauiense de Letras e a Universidade Federal do Piauí, de outras publicações entre o setor privado e instituições públicas e mesmo, do esforço próprio, digno de aplausos, das edições particulares. Isso tudo é inequívoca evidência de uma afirmação de um Piauí consolidado nas suas raízes culturais e nos desdobramentos futuros de um Estado que, no seu universo de produção intelectual, dá exemplo de pujança e perene desejo de ultrapassar fronteiras regionais e lançar-se corajosamente rumo a uma posição merecedora do respeito nacional sem mais receios de parecer - porque efetivamente não o é -, provinciano frente aos Estados brasileiros mais adiantados.
Os temas discutidos neste blog se concentram sobretudo na área de Literatura Brasileira, mas se estendem a outros temas e áreas culturais afins. Os gêneros literários da preferência da produção do autor são crítica literária, ensaios e crônicas. tradução de poesia estrangeira. Áreas de pesquisa e interesse do autor: teoria literária,história literária, vida literária.relação entre literatura, pobreza e violência, literatura universal e literatura de autores piauienses
sábado, 31 de julho de 2010
terça-feira, 27 de julho de 2010
Um poema de James Montgomery (1771-1854)
FRIENDS
Friend after friend departs:
Who has not lost a fried?
There is no union here of hearts,
That finds not here an end.
Were this frail world our only rest,
Living or dying, none were blest.
Beyond the flight of time,
Beyond this vale of death, -
There surely is some blessed clime,
Where life is not a breath,
Or life’s affections transient fire,
Whose sparks fly upward to expire.
There is a world above,
Where parting is unknown, -
A whole eternity of love,
Formed for the good alone;
And faith beholds the dying here
Translated to that happier sphere.
Thus star by star declines,
Till all are passed away,
As morning higher and higher shines
To pure and perfect day;
Nor sink those in empty night, -
They hide themselves in heaven’s own light.
AMIGOS
Um após outro, os amigos nos deixam:
Um amigo quem nunca perdeu?
União profunda na Terra não há,
Que não se finde aqui mesmo.
Fosse nosso derradeiro refúgio esse frágil mundo,
Não seriam abençoados a vida ou a morte.
Além do fluir do tempo,
Além deste vale de mortes, -
Seguramente bendito lugar há de existir,
Onde a existência um suspiro não seja,
Nem fogo fugaz as terrestres afeições,
Cujas fagulhas se elevam e desaparecem no espaço
Um mundo superior existe,
Sem lugar pras despedidas, -
Amor eterno e absoluto,
Digno apenas da bondade;
Lá a fé os mortos daqui contempla
Mais ditosos àquela esfera transpostos.
Dessa forma, sucumbe estrela após estrela,
Até se esfumarem todas,
À medida que vai clareando cada vez mais a manhã
Um dia puro e perfeito alcançando
Sem aquelas estrelas ofuscar numa noite sem fim, -
Posto que na própria luz celeste se escondam.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Friend after friend departs:
Who has not lost a fried?
There is no union here of hearts,
That finds not here an end.
Were this frail world our only rest,
Living or dying, none were blest.
Beyond the flight of time,
Beyond this vale of death, -
There surely is some blessed clime,
Where life is not a breath,
Or life’s affections transient fire,
Whose sparks fly upward to expire.
There is a world above,
Where parting is unknown, -
A whole eternity of love,
Formed for the good alone;
And faith beholds the dying here
Translated to that happier sphere.
Thus star by star declines,
Till all are passed away,
As morning higher and higher shines
To pure and perfect day;
Nor sink those in empty night, -
They hide themselves in heaven’s own light.
AMIGOS
Um após outro, os amigos nos deixam:
Um amigo quem nunca perdeu?
União profunda na Terra não há,
Que não se finde aqui mesmo.
Fosse nosso derradeiro refúgio esse frágil mundo,
Não seriam abençoados a vida ou a morte.
Além do fluir do tempo,
Além deste vale de mortes, -
Seguramente bendito lugar há de existir,
Onde a existência um suspiro não seja,
Nem fogo fugaz as terrestres afeições,
Cujas fagulhas se elevam e desaparecem no espaço
Um mundo superior existe,
Sem lugar pras despedidas, -
Amor eterno e absoluto,
Digno apenas da bondade;
Lá a fé os mortos daqui contempla
Mais ditosos àquela esfera transpostos.
Dessa forma, sucumbe estrela após estrela,
Até se esfumarem todas,
À medida que vai clareando cada vez mais a manhã
Um dia puro e perfeito alcançando
Sem aquelas estrelas ofuscar numa noite sem fim, -
Posto que na própria luz celeste se escondam.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
domingo, 25 de julho de 2010
É tempo de desapego: a morte anunciada
Cunha e Silva Filho
Conheci o Jornal do Brasil, ou como era afetivamente chamado pelos seus leitores cativos, o JB, quando ainda no Piauí, naturalmente através do meu pai. É certo que não o lia com assiduidade, visto que a própria distância dificultava qualquer estreitamento de amizade entre jornal e leitor. Mas, já àquela época, nos primeiros anos dá década de sessenta, dava para avaliar o quanto era um bom jornal, não só na forma gráfica, como no conteúdo apresentado, nos editoriais, na excelência de alguns articulistas que nele passaram anos e anos escrevendo e iluminando de cultura e de informação válida os leitores espalhados pelo país fora.
Acredito mesmo que, por aquele tempo e, depois, já no Rio, tomei contato com a coluna de Tristão de Athayde, assim como de outros articulistas de renome, como Wilson Figueiredo (hoje com 86 anos) Carlos Castelo Branco, Carlos Drummond de Andrade( na condição de cronista, sobretudo) e um outro de que gostava muito, Moacyr Werneck de Castro, tremendo jornalista e intelectual, que, felizmente, ainda está vivo, conforme recente entrevista que concedeu à imprensa.
Entretanto, me parece que não mais escreve pelo menos na imprensa escrita. Que pena privar-nos de todos eles e de outros articulistas do melhor quilate do jornalismo e da cultura brasileira. Sinto mesmo falta de Moacyr Werneck, de Tristão de Athayde, pela sua cultura universalista, e profundo sdabaer literário e filosóficos e pela trincheira que abriu nos momentos mais sombrios dos governos militares a partir de 1964, de Barbosa Lima Sobrinho, pela firmeza de sua convicções democráticas em defesa de um Brasil autônomo e mais justo, como sinto falta, em tempo mais recuado, dos poucos textos que tive a oportunidade de ler de Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, de Astrogildo Pereira, Austragésilo de Atayde, na revista O Cruzeiro. A coluna de Rachel chamava-se, se não me engano, Última Página, a de Austragésilo de Vana Verba. Não me recordo, contudo, do nome das colunas de Gilberto e de Astrogildo Pereia. Pena é que também, , naqueles idos, não conseguia assimilar, como deveria, com mais profundidade de leitor, as matérias lidas. Apesar de tudo, valeu a pena. Alguma coisa ficou deles todos.
Mais tarde, já no Rio, foi a época em que o Jornal do Brasil iniciou o Caderno Ideias, que se tornou famoso e acatado, e era leitura aguardada com ansiedade e prazer, sobretudo numa fase áurea de tantos bons articulistas, ensaístas, críticos, jornalistas, escritores em geral, que marcaram aquelas páginas com a tinta de papel da sabedoria e do brilho das ideias. (sem trocadilho, é claro!) . Interessante, não acompanhei, no Piauí, a fase em que o Jornal do Brasil conheceu uma período de fastígio intelectual inesquecível, verdadeira ponta de lança da vida cultural do país. É óbvio que estou falando do famoso SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil), que se estreou em 1956, com o surgimento do movimento de vanguarda chamado Concretismo. Infelizmente, àquela altura, ainda estava usando calça curta, e nem de longe pensava em assuntos mais sérios de poesia sofisticada, quando a minha cabeça apenas se emocionava com os sonetos bilaquianos ou outros poetas tradicionais do Romantismo. Nem sabia que Mário Faustino já era um intelectual de grande reputação apesar da juventude dele, quanto mais ouvir falar de Concretismo, Neoconcretismo, ruptura entre neoconcretistas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Mais tarde, tendo o Jornal do Brasil alcançado seu apogeu de diagramação e de jornal de estilo moderno e inovador, que já vinha do tempo do SDJB pela via indireta de um seu Suplemento feminino - de onde eclodiu, conforme informa o criador do SDJB, Reynaldo Jardim, o próprio SDJB, apresentando, como matérias, contos e poemas, além de textos crítico-teóricos sob a liderança de Mário Faustino. Anos depois, surgia o Caderno Idéias, cuja leitura acompanhei durante anos, sobretudo na fase em que brilhava uma coluna de Jose Guilherme Merquior, provavelmente um dos primeiros grandes ensaístas da cultura que o país já conheceu em todos os tempos, denominada O mundo das idéias. Além disso, o Caderno Ideias acolheu grandes figuras da inteligência brasileira nele colaborando, ou a ele concedendo entrevistas.
Algum tempo atrás, tinha eu uma coleção de numerosos números desse Caderno cultural, mas a perdi em algumas mudanças de residência por que passei e, por motivos de espaço físico, tive que me descartar, com o coração despedaçado, de coleções de jornais e de revistas e um bom número de livros didáticos sobretudo.
Aos poucos, fui observando que o velho JB de tantos leituras, sobretudo depois da morte de sua proprietária, a Condessa Pereira Carneiro, começava a dar sinais de decadência, primeiro sob a alegação de se tornar mais ágil e enxuto, com a drástica redução do número de páginas, em seguida, pela sintomática redução do número de páginas do Ideias, que me deixou desconfiado quanto às possibilidades da sobrevida do outrora grande jornal brasileiro. Agora, sou informado de que deixará de circula,r na forma impressa, em setembro próximo, passando a sobreviver na forma eletrônica. Não será nunca mais o mesmo sob todos os ângulos, inclusive o de não se poder mais manuseá-lo e sentir a sua forma física que tanto encanto nos causa e dá indizível prazer a quem ainda pertence a uma geração nascida e crescida sob o signo do papel impresso. Isso dói e traz saudade.
Já que não sou tão cético, ainda nutro esperanças de que haja uma reviravolta positiva e essa morte anunciada do JB impresso não se torne uma definitiva realidade da comunicação jornalística no país. Mesmo sem conhecê-los pessoalmente, associo-me às vozes de lamentação que já estão irrompendo, como as de Ferreira Gullar, de Wilson Figueiredo, do vice-presidente da República, José Alencar, e de outros leitores e leitores ex-colunistas de longa data do histórico e respeitado Jornal do Brasil.
Conheci o Jornal do Brasil, ou como era afetivamente chamado pelos seus leitores cativos, o JB, quando ainda no Piauí, naturalmente através do meu pai. É certo que não o lia com assiduidade, visto que a própria distância dificultava qualquer estreitamento de amizade entre jornal e leitor. Mas, já àquela época, nos primeiros anos dá década de sessenta, dava para avaliar o quanto era um bom jornal, não só na forma gráfica, como no conteúdo apresentado, nos editoriais, na excelência de alguns articulistas que nele passaram anos e anos escrevendo e iluminando de cultura e de informação válida os leitores espalhados pelo país fora.
Acredito mesmo que, por aquele tempo e, depois, já no Rio, tomei contato com a coluna de Tristão de Athayde, assim como de outros articulistas de renome, como Wilson Figueiredo (hoje com 86 anos) Carlos Castelo Branco, Carlos Drummond de Andrade( na condição de cronista, sobretudo) e um outro de que gostava muito, Moacyr Werneck de Castro, tremendo jornalista e intelectual, que, felizmente, ainda está vivo, conforme recente entrevista que concedeu à imprensa.
Entretanto, me parece que não mais escreve pelo menos na imprensa escrita. Que pena privar-nos de todos eles e de outros articulistas do melhor quilate do jornalismo e da cultura brasileira. Sinto mesmo falta de Moacyr Werneck, de Tristão de Athayde, pela sua cultura universalista, e profundo sdabaer literário e filosóficos e pela trincheira que abriu nos momentos mais sombrios dos governos militares a partir de 1964, de Barbosa Lima Sobrinho, pela firmeza de sua convicções democráticas em defesa de um Brasil autônomo e mais justo, como sinto falta, em tempo mais recuado, dos poucos textos que tive a oportunidade de ler de Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, de Astrogildo Pereira, Austragésilo de Atayde, na revista O Cruzeiro. A coluna de Rachel chamava-se, se não me engano, Última Página, a de Austragésilo de Vana Verba. Não me recordo, contudo, do nome das colunas de Gilberto e de Astrogildo Pereia. Pena é que também, , naqueles idos, não conseguia assimilar, como deveria, com mais profundidade de leitor, as matérias lidas. Apesar de tudo, valeu a pena. Alguma coisa ficou deles todos.
Mais tarde, já no Rio, foi a época em que o Jornal do Brasil iniciou o Caderno Ideias, que se tornou famoso e acatado, e era leitura aguardada com ansiedade e prazer, sobretudo numa fase áurea de tantos bons articulistas, ensaístas, críticos, jornalistas, escritores em geral, que marcaram aquelas páginas com a tinta de papel da sabedoria e do brilho das ideias. (sem trocadilho, é claro!) . Interessante, não acompanhei, no Piauí, a fase em que o Jornal do Brasil conheceu uma período de fastígio intelectual inesquecível, verdadeira ponta de lança da vida cultural do país. É óbvio que estou falando do famoso SDJB (Suplemento Dominical do Jornal do Brasil), que se estreou em 1956, com o surgimento do movimento de vanguarda chamado Concretismo. Infelizmente, àquela altura, ainda estava usando calça curta, e nem de longe pensava em assuntos mais sérios de poesia sofisticada, quando a minha cabeça apenas se emocionava com os sonetos bilaquianos ou outros poetas tradicionais do Romantismo. Nem sabia que Mário Faustino já era um intelectual de grande reputação apesar da juventude dele, quanto mais ouvir falar de Concretismo, Neoconcretismo, ruptura entre neoconcretistas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Mais tarde, tendo o Jornal do Brasil alcançado seu apogeu de diagramação e de jornal de estilo moderno e inovador, que já vinha do tempo do SDJB pela via indireta de um seu Suplemento feminino - de onde eclodiu, conforme informa o criador do SDJB, Reynaldo Jardim, o próprio SDJB, apresentando, como matérias, contos e poemas, além de textos crítico-teóricos sob a liderança de Mário Faustino. Anos depois, surgia o Caderno Idéias, cuja leitura acompanhei durante anos, sobretudo na fase em que brilhava uma coluna de Jose Guilherme Merquior, provavelmente um dos primeiros grandes ensaístas da cultura que o país já conheceu em todos os tempos, denominada O mundo das idéias. Além disso, o Caderno Ideias acolheu grandes figuras da inteligência brasileira nele colaborando, ou a ele concedendo entrevistas.
Algum tempo atrás, tinha eu uma coleção de numerosos números desse Caderno cultural, mas a perdi em algumas mudanças de residência por que passei e, por motivos de espaço físico, tive que me descartar, com o coração despedaçado, de coleções de jornais e de revistas e um bom número de livros didáticos sobretudo.
Aos poucos, fui observando que o velho JB de tantos leituras, sobretudo depois da morte de sua proprietária, a Condessa Pereira Carneiro, começava a dar sinais de decadência, primeiro sob a alegação de se tornar mais ágil e enxuto, com a drástica redução do número de páginas, em seguida, pela sintomática redução do número de páginas do Ideias, que me deixou desconfiado quanto às possibilidades da sobrevida do outrora grande jornal brasileiro. Agora, sou informado de que deixará de circula,r na forma impressa, em setembro próximo, passando a sobreviver na forma eletrônica. Não será nunca mais o mesmo sob todos os ângulos, inclusive o de não se poder mais manuseá-lo e sentir a sua forma física que tanto encanto nos causa e dá indizível prazer a quem ainda pertence a uma geração nascida e crescida sob o signo do papel impresso. Isso dói e traz saudade.
Já que não sou tão cético, ainda nutro esperanças de que haja uma reviravolta positiva e essa morte anunciada do JB impresso não se torne uma definitiva realidade da comunicação jornalística no país. Mesmo sem conhecê-los pessoalmente, associo-me às vozes de lamentação que já estão irrompendo, como as de Ferreira Gullar, de Wilson Figueiredo, do vice-presidente da República, José Alencar, e de outros leitores e leitores ex-colunistas de longa data do histórico e respeitado Jornal do Brasil.
sábado, 24 de julho de 2010
Uma sextilha de John Dryden (1631-1700)
ON MILTON
John Dryden
Three poets, in three distant ages Born,
Greece, Italy, and England did adorn.
The first in loftiness of thought surpassed,
The next in majesty; in both the last
Therefore of nature could no further go;
To make a third, she joined the other two.
A PROPÓSITO DE MILTON
Nascidos em três épocas diversas três poetas,
A Grécia, a Itália e a Inglaterra aos píncaros elevaram.
Do pensamento venceu o primeiro na profundidade,
O segundo, em grandiosidade; em ambos, o último
Da natureza a força um passo adiante não logrou;
Para criar o terceiro, os dois primeiros fundiu.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
John Dryden
Three poets, in three distant ages Born,
Greece, Italy, and England did adorn.
The first in loftiness of thought surpassed,
The next in majesty; in both the last
Therefore of nature could no further go;
To make a third, she joined the other two.
A PROPÓSITO DE MILTON
Nascidos em três épocas diversas três poetas,
A Grécia, a Itália e a Inglaterra aos píncaros elevaram.
Do pensamento venceu o primeiro na profundidade,
O segundo, em grandiosidade; em ambos, o último
Da natureza a força um passo adiante não logrou;
Para criar o terceiro, os dois primeiros fundiu.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
sexta-feira, 23 de julho de 2010
Um poema de Jean Aicard (1848-1921)
La Montre
“Une montre à moi! quelle affaire!
Mon père m ‘offre ce cadeau
Pour m’encourager à bien faire.
Elle marche seule: c’est beau.
Quelle heure est-il? – Six heures! Diable!
Le soleil est déjà levé.
Mon livre est ouvert sur ma table,
Mon devoir n’est achevé!
Finissons! – La besonge est faite,
C’est drôle comme on est content!
Sept heures!! Ma copie est prête,
Et ma montre va; ça s’entend.
Mademoiselle, êteves-vous folle?
Huit heures déà? – J’ ai raison!
- Il faut donc partir pour l’école
- Viens, ma montre! – Oui, mon garcon!”
Et voous deux arrivent ensemble
À l’heure juste, sans retard.
”Je suis le premier, il me semble;
Remercions-la d’un regard”
Alors, parlant comme un bon livre,
Avec ses ressorts palpitants,
La montre a dit: “Fille, pour bien vivre,
Il faut savoir régler le temps.”
O Relógio de Algibeira
“Um relógio pra mim !
Presente de papai
Pra bom uso dele fazer.
Sozinho trabalha: beleza.
Como vai o inimigo? – Seis horas!
De pé já está o sol.
Sobre a mesa, aberto, meu livro,
Do dever dar conta me falta !
Terminemos! – Tarefa cumprida,
Engraçado, como estamos felizes!
Sete horas! A cópia concluí,
Andando, continua meu relógio; sua parte faz.
Você enlouqueceu, senhorita?
Oito horas, já ? – Sem dúvida!
Ir pra escola é preciso, pois.
Vem, relógio meu! - Sim, meu rapaz!”
E, juntos, ambos chegam
À hora certa, sem atraso.
“Cheguei primeiro, quero crer;
Agradecemo-la com um olhar.”
Então, que nem um bom livro,
Com seus recursos fabulosos,
Diz o relógio: “ Filho, pra viver bem,
Saber urge o tempo dividir.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
“Une montre à moi! quelle affaire!
Mon père m ‘offre ce cadeau
Pour m’encourager à bien faire.
Elle marche seule: c’est beau.
Quelle heure est-il? – Six heures! Diable!
Le soleil est déjà levé.
Mon livre est ouvert sur ma table,
Mon devoir n’est achevé!
Finissons! – La besonge est faite,
C’est drôle comme on est content!
Sept heures!! Ma copie est prête,
Et ma montre va; ça s’entend.
Mademoiselle, êteves-vous folle?
Huit heures déà? – J’ ai raison!
- Il faut donc partir pour l’école
- Viens, ma montre! – Oui, mon garcon!”
Et voous deux arrivent ensemble
À l’heure juste, sans retard.
”Je suis le premier, il me semble;
Remercions-la d’un regard”
Alors, parlant comme un bon livre,
Avec ses ressorts palpitants,
La montre a dit: “Fille, pour bien vivre,
Il faut savoir régler le temps.”
O Relógio de Algibeira
“Um relógio pra mim !
Presente de papai
Pra bom uso dele fazer.
Sozinho trabalha: beleza.
Como vai o inimigo? – Seis horas!
De pé já está o sol.
Sobre a mesa, aberto, meu livro,
Do dever dar conta me falta !
Terminemos! – Tarefa cumprida,
Engraçado, como estamos felizes!
Sete horas! A cópia concluí,
Andando, continua meu relógio; sua parte faz.
Você enlouqueceu, senhorita?
Oito horas, já ? – Sem dúvida!
Ir pra escola é preciso, pois.
Vem, relógio meu! - Sim, meu rapaz!”
E, juntos, ambos chegam
À hora certa, sem atraso.
“Cheguei primeiro, quero crer;
Agradecemo-la com um olhar.”
Então, que nem um bom livro,
Com seus recursos fabulosos,
Diz o relógio: “ Filho, pra viver bem,
Saber urge o tempo dividir.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
quinta-feira, 22 de julho de 2010
As águas pelo mundo afora
Cunha e Silva Filho
Não sou cientista, mas tenho os olhos voltados para o que me cerca. Não só no meu país, mas, no mundo, o que estou presenciando, ou melhor, vendo claramente visto - obrigado, Camões! -, é preocupante para o destino da Terra.
Há poucos dias li uma reportagem sobre o Himalaia, que não é mais o mesmo, tem reduzidas drasticamente, em pelo menos, em duas décadas, as camadas de neve sobre ele. O que se vê são partes descobertas de gelo, mostrando a nudez da montanha. Isso é mais do que um sinal e, a bom entendedor, meia palavra basta. Só não enxerga quem não quer, ou se quer, se omite por irresponsabilidade ou por interesses esconsos de natureza vária e em escala mundial.
Repetidas vezes tenho declarado, por pura observação, por puro amadorismo – o que não significa - desídia ou desinteresse pela defesa de nosso planeta, que o aumento do calor da Terra não foi devido a razões comumente justificadas por certa visão científica, alegando que, na história do nosso planeta, já houve variações drástica e destruição de fauna e flora.
Contudo, o que não me parece exato é a forma como estão tratando o nosso mundo físico, o nosso solo, as nossas florestas, os nosso rios, a Amazônia. Continuam depredando o planeta com o aumento descomunal do CO2. Aumentando o efeito estufa, sufocando os nosso céus e terras, exaurindo nosso solo e subsolo até as suas camadas mais profundas, modificando a paisagem, fabricando os mais variados produtos em excesso para atender as mais diversas demandas da economia e da indústria, poluindo nossos mares e oceanos, o espaço físico da Terra começa a reagir aos açoites do homem global, do homem consumista, desses terráqueos de todas as raças, línguas, costumes e religiões que parecem desconhecer que os recurso naturais tem suas medidas ditadas p elas leis rígidas da Natureza..
Como resultado, temos as mudanças bruscas de condições meteorológicas que, no passado, não existiam com tanta violência por parte da Mãe-Natureza.
Vejam-se, por exemplo, o que tais mudanças trouxeram para a divisão das quatro estações, muito nítidas e precisas nos séculos passados e, hoje, infelizmente, escapam a esse antigo ciclo harmonioso, como se notava sobretudo no Hemisfério Norte.
Reparemos em nosso país como as condições climáticas se misturaram, parecendo mais um pandemônio da Natureza. As chuvas torrenciais que têm castigado impiedosamente o Brasil inteiro são mais que evidentes para concluirmos que o tempo mudou para pior e, o que é mais grave, tem causado milhares de mortes e prejuízos financeiros incalculáveis, desestruturando os lares, o comércio, as habitações, a normalidade da vida urbana ou rural Estamos diante de um quadro climático inimaginável se comparado com tempos passados.
Países frios, como a Rússia, hoje sofrem altas temperaturas, provocando mudanças de condições de vida de seus habitantes, obrigando-os a procurar as praias, os lagos, as fontes, e até levando-as a mortes por excesso de calor e por afogamento em razão da corrida para as águas por causa das altas temperaturas que não conheciam antes.
A região Sul do nosso país tem sofrido com a chegada de temporais devastadores, com ventos de velocidades semelhantes àquelas que sofrem os Estados Unidos com seus vendavais, tufões e furacões.
O clima mundial sofre de inversões jamais pensadas em tempos passados. As inundações que têm apresentado os rios em escala mundial têm uma natureza aproximada. Não são pontuais esses desgovernos do comportamento climático do planeta. Antes, há até uma relativa uniformidade de comportamento da Natureza. Essa aproximação, essa similaridade nos leva a algumas conclusões: 1)É preciso que os organismos internacionais responsáveis pelas condições do meio-ambiente se reúnam não para discussões estéreis que não têm levado a uma caminho seguro para a melhoria do nosso planeta; 2) os países mais ricos e mais devastadores dos recursos da Terra devem repensar suas políticas ambientais e encontrar uma forma de efetivar os pontos comuns encontrados para reduzirem o aquecimento global; 3) O tempo de soluções que possam conduzir a uma melhoria e salvação do planeta está se esgotando; 4) Os países, com suas ambições e seus individualismos sem limites, hão de pagar caro pela postergação do enfrentamento das reais alternativas que livrariam a Terra de um golpe final e sem volta.
A Terra não é reduto de decisões de países que se arvoram em donos do mundo e não respeitam os limites dos recursos da Natureza, sejas de que espécie for. Segundo bem diz um provérbio inglês: “o tempo e a maré não esperam por ninguém.”
Não sou cientista, mas tenho os olhos voltados para o que me cerca. Não só no meu país, mas, no mundo, o que estou presenciando, ou melhor, vendo claramente visto - obrigado, Camões! -, é preocupante para o destino da Terra.
Há poucos dias li uma reportagem sobre o Himalaia, que não é mais o mesmo, tem reduzidas drasticamente, em pelo menos, em duas décadas, as camadas de neve sobre ele. O que se vê são partes descobertas de gelo, mostrando a nudez da montanha. Isso é mais do que um sinal e, a bom entendedor, meia palavra basta. Só não enxerga quem não quer, ou se quer, se omite por irresponsabilidade ou por interesses esconsos de natureza vária e em escala mundial.
Repetidas vezes tenho declarado, por pura observação, por puro amadorismo – o que não significa - desídia ou desinteresse pela defesa de nosso planeta, que o aumento do calor da Terra não foi devido a razões comumente justificadas por certa visão científica, alegando que, na história do nosso planeta, já houve variações drástica e destruição de fauna e flora.
Contudo, o que não me parece exato é a forma como estão tratando o nosso mundo físico, o nosso solo, as nossas florestas, os nosso rios, a Amazônia. Continuam depredando o planeta com o aumento descomunal do CO2. Aumentando o efeito estufa, sufocando os nosso céus e terras, exaurindo nosso solo e subsolo até as suas camadas mais profundas, modificando a paisagem, fabricando os mais variados produtos em excesso para atender as mais diversas demandas da economia e da indústria, poluindo nossos mares e oceanos, o espaço físico da Terra começa a reagir aos açoites do homem global, do homem consumista, desses terráqueos de todas as raças, línguas, costumes e religiões que parecem desconhecer que os recurso naturais tem suas medidas ditadas p elas leis rígidas da Natureza..
Como resultado, temos as mudanças bruscas de condições meteorológicas que, no passado, não existiam com tanta violência por parte da Mãe-Natureza.
Vejam-se, por exemplo, o que tais mudanças trouxeram para a divisão das quatro estações, muito nítidas e precisas nos séculos passados e, hoje, infelizmente, escapam a esse antigo ciclo harmonioso, como se notava sobretudo no Hemisfério Norte.
Reparemos em nosso país como as condições climáticas se misturaram, parecendo mais um pandemônio da Natureza. As chuvas torrenciais que têm castigado impiedosamente o Brasil inteiro são mais que evidentes para concluirmos que o tempo mudou para pior e, o que é mais grave, tem causado milhares de mortes e prejuízos financeiros incalculáveis, desestruturando os lares, o comércio, as habitações, a normalidade da vida urbana ou rural Estamos diante de um quadro climático inimaginável se comparado com tempos passados.
Países frios, como a Rússia, hoje sofrem altas temperaturas, provocando mudanças de condições de vida de seus habitantes, obrigando-os a procurar as praias, os lagos, as fontes, e até levando-as a mortes por excesso de calor e por afogamento em razão da corrida para as águas por causa das altas temperaturas que não conheciam antes.
A região Sul do nosso país tem sofrido com a chegada de temporais devastadores, com ventos de velocidades semelhantes àquelas que sofrem os Estados Unidos com seus vendavais, tufões e furacões.
O clima mundial sofre de inversões jamais pensadas em tempos passados. As inundações que têm apresentado os rios em escala mundial têm uma natureza aproximada. Não são pontuais esses desgovernos do comportamento climático do planeta. Antes, há até uma relativa uniformidade de comportamento da Natureza. Essa aproximação, essa similaridade nos leva a algumas conclusões: 1)É preciso que os organismos internacionais responsáveis pelas condições do meio-ambiente se reúnam não para discussões estéreis que não têm levado a uma caminho seguro para a melhoria do nosso planeta; 2) os países mais ricos e mais devastadores dos recursos da Terra devem repensar suas políticas ambientais e encontrar uma forma de efetivar os pontos comuns encontrados para reduzirem o aquecimento global; 3) O tempo de soluções que possam conduzir a uma melhoria e salvação do planeta está se esgotando; 4) Os países, com suas ambições e seus individualismos sem limites, hão de pagar caro pela postergação do enfrentamento das reais alternativas que livrariam a Terra de um golpe final e sem volta.
A Terra não é reduto de decisões de países que se arvoram em donos do mundo e não respeitam os limites dos recursos da Natureza, sejas de que espécie for. Segundo bem diz um provérbio inglês: “o tempo e a maré não esperam por ninguém.”
O menino que sabia muito
Cunha e Silva Filho
Falou-se que Wesly até seis ou sete anos, dava sinais de capacidade mínima para aprender a ler. Tinha até sido considerado como portador de retardo mental, como dizem ter ocorrido com o sociólogo Gilberto Freyre(1900-1987) ou com o padre Antônio Vieira (1608-1697).Trocara várias vezes de escola. De nada adiantava.. Escola pública, o então chamado Grupo Escolar, escola particular ou mesmo com uma professora parente que lhe ia em casa dar algum reforço. Nada acontecia de bom. Tentou-se de tudo e nada que fizesse a criança desenvolver sua habilidade de leitura e de escrita. Os pais já não sabiam o que fazer para solucionar o problema. Pobrezinho do Wesley!
De repente, houve o estalo. A criança se descobriu lendo. Mais ainda, nela despertou um interesse inusitado para conhecer e saber de tudo. Sua curiosidade não tinha limites. Suas perguntas deixavam as pessoas perplexas. Não só estava lendo bem, como sua letra, a princípio, ininteligível, passou a ser legível e bonita.
Os pais, seu Antônio e dona Margarida, de descoroçoados, mudaram para eufóricos de alegria sem tamanho. O pequeno Wesley deixava definitivamente para trás o medo da escola, da professora, dos colegas. Da terceira serie pulara para o admissão ao ginásio., dando prova crescente de que era o melhor aluno da Escola em todas as matérias, posto com justiça seja dito que ele tinha um interesse especial para línguas.
Dava show nas aulas de português, latim, inglês, sempre tirando nota máxima No científico, já em outro colégio, uma instituição de renome na época, os colegas o consideravam uma espécie de gênio. No inglês, no espanhol, no latim, no francês era insuperável. Wesley se fizera respeitado pelos colegas e professores. A admiração por sua inteligência tomava conta da cidade. Continuava bom aluno em todas as disciplinas, com exceção de educação física, pois era franzino e não gostava muito das aulas, sobretudo quando o professor lhe pedia que corresse. A esta altura já ia completar dezoito anos.
Seus pais, que eram comerciantes de porte médio, pensaram em encaminhá-lo a um centro mais adiantado do país. Logo veio a idéia de mandá-lo para São Paulo. Por coincidência, neste estado, morava um irmão mais velho do seu pai, que era gerente de uma agência do Banco do Brasil.
Wesley chega a São Paulo. Já estava na hora de enfrentar o vestibular. O difícil para ele foi tomar uma decisão com respeito à carreira a seguir. Seu tio, Oswaldo, conversou com um amigo, um educador famoso que bem poderia ajudar o sobrinho nessa espinhosa opção de carreira para ingresso numa universidade. Marcou-se uma entrevista com o educador, o Prof. Diógenes Dudley, da USP.
No dia e hora marcados, lá estava, Wesley já com dezoito anos, a conversar, um sorriso sempre à mostra, com o Prof. Dudley.
- Então, você está decidido a estudar línguas? Não pense em ganhar dinheiro com o curso de Letras. O professor brasileiro sempre foi mal remunerado, em todos os níveis, e sobretudo no ensino primário e secundário.
- Sim, professor, é isso que quero.
O prof. Dudley examinou o jovem detidamente, olhou para ele vendo-lhe as feições harmoniosas: um rosto quase oval, olhos azuis, cabelos levemente ondulados, emoldurando-lhe a cabeça com um penteado partindo o cabelo ao meio. Sua pele era alva em ele havia sempre um largo sorriso nos lábios. O sorriso era tão largo, tão espontâneo que lhe irradiava pelo corpo todo. Uma simpatia de jovem.
_ Bem, acho que estamos conversados. Desejo-lhe sucessos na sua escolha, com estas palavras o professor arrematou a entrevista.
Wesley enfrentou o vestibular de Letras da USP. Foi o primeiro colocado, o que obteve a maior média geral de toda a Universidade, merecendo um entrevista da Folha de São Paulo.
Logo no primeiro semestre do primeiro ano do curso de Letras, chamou a atenção do corpo docente da Faculdade de Letras. O chefe do Departamento de Línguas Modernas o chamou ao seu gabinete:
- Wesley, vamos arranjar-lhe uma bolsa para estudar na Inglaterra. Você fará o resto do curso lá.
Wesley estava radiante, mandara telegrama aos pais falando dessa nova etapa de sua vida de estudante. Na Inglaterra, foi alvo da admiração dos colegas de sala e principalmente do corpo docente da Universidade de Oxford. Concluída a graduação com louvores fora logo convidado a ingressar no mestrado, especializando-se em línguas modernas. Terminado o mestrado, novamente foi convidado a fazer o doutorado, o PhD. Já se passaram dez anos na velha Álbion. Wesley foi nomeado professor daquela universidade. Estava com vinte e oito anos.
Seu curriculum cada vez mais se enriquecia. Tornara-se professor de renome mundial, com oito livros publicado pela Oxford University. Já havia dado palestras em outros países: Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Portual, Espanha, México.
Wesley é, agora, um linguista conceituado. Escreve em cinco línguas. Domina o grego e o latim. O latim começara a estudar ainda no Ceará, seu Estado natal, no ginásio.
Wesley retorna sempre ao Brasil a passeio, na temporada de férias. É um professor ocupadíssimo, com vários encargos acadêmicos, dando aulas, orientando teses, escrevendo numerosos artigos em diversas revistas especializadas na área da linguística e viajando com frequência para dar conferências no exterior.
O professor brasileiro naturalizou-se inglês. Casou-se e teve dois filhos, um casal. Agora, é o que se chama no Brasil de professor titular.
O governo brasileiro o convidou como visiting professor da USP durante quatro anos. Foi um sucesso estrondoso, pois Wesley colocou toda a sua inteligência, saber e experiência a serviço dos seus alunos. Entretanto, seu grande serviço prestado ao país foi sobretudo estabelecer avançada orientação no campo dos estudos linguísticos voltados para pesquisas de métodos de ensino de idiomas para crianças, adolescentes e adultos. Ele chegou mesmo a elaborar um projeto destinado a recrutar adolescentes, com grande talento para línguas, a empreender aprofundados estudos no campo da linguística aplicada. Costuma afirmar que todo mundo tem capacidade intelectual de aprender línguas. Isso é apenas uma questão de método adequado, assegura ele.
O Dr. Wesley Silva Monteiro na Universidade de Oxford continua pesquisando intensamente, e dedica-se também a consultoria pela Internet sem custo algum para os interessados. Milhares de estudantes, no mundo inteiro, acessam seu site procurando orientação segura para seus estudos . O prof. Wesley, até agora, tem editadas dez obras no domínio da linguística, sendo que as mais conhecidas são: The art of learning languages ( 1974), Applied linguistics for graduate students in modern languages ( 1978), What if men did not challenge God’s powers in building the Tower of Babel (1983), The story of a child who loved languages (1990), este ultimo uma autobiografia de sua trajetória intelectual, best seller tanto no meio acadêmico londrino quanto de público interessado em línguas pelo mundo afora.
Um jornal britânico recentemente informou que o Dr. Wesley Monteiro faleceu de repente de ataque cardíaco aos quarenta e nove anos.
A Universidade de Oxford tributou-lhe grandes e merecidas homenagens e já prometeu homenageá-lo e à sua obra num simpósio a ser realizado no segundo semestre deste ano.
Na sua terra natal, Crato, seus pais, seus familiares e amigos ficaram profundamente consternados com o falecimento prematuro do grande linguista.O prefeito da cidade decretou luto oficial por três dias.
O eminente professor e linguista cearense está sepultado num conhecido cemitério de Bourrnmouth,Inglaterra.*
Notado autor: Leitor, o sepultamento na verdade foi em Ealing, Middleessex, perto de Londres, e não como o texto informou. Houve erro do jornal que transmitiu a notícia do falecimento e sepultamento do Dr. Wesly. Lamento o meu involuntário descuido.
Falou-se que Wesly até seis ou sete anos, dava sinais de capacidade mínima para aprender a ler. Tinha até sido considerado como portador de retardo mental, como dizem ter ocorrido com o sociólogo Gilberto Freyre(1900-1987) ou com o padre Antônio Vieira (1608-1697).Trocara várias vezes de escola. De nada adiantava.. Escola pública, o então chamado Grupo Escolar, escola particular ou mesmo com uma professora parente que lhe ia em casa dar algum reforço. Nada acontecia de bom. Tentou-se de tudo e nada que fizesse a criança desenvolver sua habilidade de leitura e de escrita. Os pais já não sabiam o que fazer para solucionar o problema. Pobrezinho do Wesley!
De repente, houve o estalo. A criança se descobriu lendo. Mais ainda, nela despertou um interesse inusitado para conhecer e saber de tudo. Sua curiosidade não tinha limites. Suas perguntas deixavam as pessoas perplexas. Não só estava lendo bem, como sua letra, a princípio, ininteligível, passou a ser legível e bonita.
Os pais, seu Antônio e dona Margarida, de descoroçoados, mudaram para eufóricos de alegria sem tamanho. O pequeno Wesley deixava definitivamente para trás o medo da escola, da professora, dos colegas. Da terceira serie pulara para o admissão ao ginásio., dando prova crescente de que era o melhor aluno da Escola em todas as matérias, posto com justiça seja dito que ele tinha um interesse especial para línguas.
Dava show nas aulas de português, latim, inglês, sempre tirando nota máxima No científico, já em outro colégio, uma instituição de renome na época, os colegas o consideravam uma espécie de gênio. No inglês, no espanhol, no latim, no francês era insuperável. Wesley se fizera respeitado pelos colegas e professores. A admiração por sua inteligência tomava conta da cidade. Continuava bom aluno em todas as disciplinas, com exceção de educação física, pois era franzino e não gostava muito das aulas, sobretudo quando o professor lhe pedia que corresse. A esta altura já ia completar dezoito anos.
Seus pais, que eram comerciantes de porte médio, pensaram em encaminhá-lo a um centro mais adiantado do país. Logo veio a idéia de mandá-lo para São Paulo. Por coincidência, neste estado, morava um irmão mais velho do seu pai, que era gerente de uma agência do Banco do Brasil.
Wesley chega a São Paulo. Já estava na hora de enfrentar o vestibular. O difícil para ele foi tomar uma decisão com respeito à carreira a seguir. Seu tio, Oswaldo, conversou com um amigo, um educador famoso que bem poderia ajudar o sobrinho nessa espinhosa opção de carreira para ingresso numa universidade. Marcou-se uma entrevista com o educador, o Prof. Diógenes Dudley, da USP.
No dia e hora marcados, lá estava, Wesley já com dezoito anos, a conversar, um sorriso sempre à mostra, com o Prof. Dudley.
- Então, você está decidido a estudar línguas? Não pense em ganhar dinheiro com o curso de Letras. O professor brasileiro sempre foi mal remunerado, em todos os níveis, e sobretudo no ensino primário e secundário.
- Sim, professor, é isso que quero.
O prof. Dudley examinou o jovem detidamente, olhou para ele vendo-lhe as feições harmoniosas: um rosto quase oval, olhos azuis, cabelos levemente ondulados, emoldurando-lhe a cabeça com um penteado partindo o cabelo ao meio. Sua pele era alva em ele havia sempre um largo sorriso nos lábios. O sorriso era tão largo, tão espontâneo que lhe irradiava pelo corpo todo. Uma simpatia de jovem.
_ Bem, acho que estamos conversados. Desejo-lhe sucessos na sua escolha, com estas palavras o professor arrematou a entrevista.
Wesley enfrentou o vestibular de Letras da USP. Foi o primeiro colocado, o que obteve a maior média geral de toda a Universidade, merecendo um entrevista da Folha de São Paulo.
Logo no primeiro semestre do primeiro ano do curso de Letras, chamou a atenção do corpo docente da Faculdade de Letras. O chefe do Departamento de Línguas Modernas o chamou ao seu gabinete:
- Wesley, vamos arranjar-lhe uma bolsa para estudar na Inglaterra. Você fará o resto do curso lá.
Wesley estava radiante, mandara telegrama aos pais falando dessa nova etapa de sua vida de estudante. Na Inglaterra, foi alvo da admiração dos colegas de sala e principalmente do corpo docente da Universidade de Oxford. Concluída a graduação com louvores fora logo convidado a ingressar no mestrado, especializando-se em línguas modernas. Terminado o mestrado, novamente foi convidado a fazer o doutorado, o PhD. Já se passaram dez anos na velha Álbion. Wesley foi nomeado professor daquela universidade. Estava com vinte e oito anos.
Seu curriculum cada vez mais se enriquecia. Tornara-se professor de renome mundial, com oito livros publicado pela Oxford University. Já havia dado palestras em outros países: Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Portual, Espanha, México.
Wesley é, agora, um linguista conceituado. Escreve em cinco línguas. Domina o grego e o latim. O latim começara a estudar ainda no Ceará, seu Estado natal, no ginásio.
Wesley retorna sempre ao Brasil a passeio, na temporada de férias. É um professor ocupadíssimo, com vários encargos acadêmicos, dando aulas, orientando teses, escrevendo numerosos artigos em diversas revistas especializadas na área da linguística e viajando com frequência para dar conferências no exterior.
O professor brasileiro naturalizou-se inglês. Casou-se e teve dois filhos, um casal. Agora, é o que se chama no Brasil de professor titular.
O governo brasileiro o convidou como visiting professor da USP durante quatro anos. Foi um sucesso estrondoso, pois Wesley colocou toda a sua inteligência, saber e experiência a serviço dos seus alunos. Entretanto, seu grande serviço prestado ao país foi sobretudo estabelecer avançada orientação no campo dos estudos linguísticos voltados para pesquisas de métodos de ensino de idiomas para crianças, adolescentes e adultos. Ele chegou mesmo a elaborar um projeto destinado a recrutar adolescentes, com grande talento para línguas, a empreender aprofundados estudos no campo da linguística aplicada. Costuma afirmar que todo mundo tem capacidade intelectual de aprender línguas. Isso é apenas uma questão de método adequado, assegura ele.
O Dr. Wesley Silva Monteiro na Universidade de Oxford continua pesquisando intensamente, e dedica-se também a consultoria pela Internet sem custo algum para os interessados. Milhares de estudantes, no mundo inteiro, acessam seu site procurando orientação segura para seus estudos . O prof. Wesley, até agora, tem editadas dez obras no domínio da linguística, sendo que as mais conhecidas são: The art of learning languages ( 1974), Applied linguistics for graduate students in modern languages ( 1978), What if men did not challenge God’s powers in building the Tower of Babel (1983), The story of a child who loved languages (1990), este ultimo uma autobiografia de sua trajetória intelectual, best seller tanto no meio acadêmico londrino quanto de público interessado em línguas pelo mundo afora.
Um jornal britânico recentemente informou que o Dr. Wesley Monteiro faleceu de repente de ataque cardíaco aos quarenta e nove anos.
A Universidade de Oxford tributou-lhe grandes e merecidas homenagens e já prometeu homenageá-lo e à sua obra num simpósio a ser realizado no segundo semestre deste ano.
Na sua terra natal, Crato, seus pais, seus familiares e amigos ficaram profundamente consternados com o falecimento prematuro do grande linguista.O prefeito da cidade decretou luto oficial por três dias.
O eminente professor e linguista cearense está sepultado num conhecido cemitério de Bourrnmouth,Inglaterra.*
Notado autor: Leitor, o sepultamento na verdade foi em Ealing, Middleessex, perto de Londres, e não como o texto informou. Houve erro do jornal que transmitiu a notícia do falecimento e sepultamento do Dr. Wesly. Lamento o meu involuntário descuido.
terça-feira, 20 de julho de 2010
Cuba, a censura, presos políticos
Cunha e Silva Filho
Fidel Castro, aos oitenta e três, anos, recuperou em parte a saúde. Sua autoridade no país caribenho ainda é sentida e tem peso. Por detrás do seu substituto, seu irmão Raúl Castro, continua a pairar a sombra do caudilho cubano que livrou a bela e pequena ilha de governos corruptos e inimigos do povo. Castro conseguiu limpar as impurezas do país cujos governos (o último dos quais , o de Fulgêncio Batista, foi por ele derrubado) recebiam o apoio norte-americano. Antes da revolução, todos os governos forma pró-americanistas, governos que geraram tremendas desigualdades sociais, miséria, fome, corrupção, tudo isso acobertado pelos EUA, que, na pequena ilha, tinham negócios rendosos
Entretanto, os rumos da revolução cubana, ao longo de um percurso já longo, não seguiram os caminhos que dela se esperava, uma vez que, realizada a mudança, seu líder preferiu a receita comunista, tornando a nação uma espécie de satélite político da do comunismo russo do qual por muito tempo recebeu apoio comercial e logístico, particularmente em razão do impiedoso, injusto e cruel embargo decretado pela política externa estadunidense. Até aí, poder-se-ia compreender o regime socialista, implantado em Cuba, que não abriu mão de mudanças por vias democráticas, ou seja, eleições livres, alternância de poder e formação de partidos livres.
Seria, isso sim, o comportamento que de Fidel há muito as nações politicamente avançadas dele esperavam. Mas, os ventos de mudanças não vieram. Fidel entronizou-se no poder a ferro e fogo e procurou desenvolver estratégias de opressão contra qualquer voz política dissonante, ou seja, pelo fuzilamento ou encarceramento. Do poder despótico não quis apear, havendo apenas sucessão, por via indireta e nepotista, através da entrega do poder ao irmão, Raúl Castro.
Cuba, ficou, assim, amordaçada politicamente. Contudo, procurou melhorar em alguns setores, como na saúde. Lá a medicina conheceu melhores dias, saiu revigorada, dando exemplo ao mundo de um serviço médico de alta qualidade, que ninguém pode negar.
O povo continua pobre, mas não miserável. A educação é de qualidade.A economia estatizada distribui suas fatias de renda de modo ainda muito frugal. Ninguém lá morre de fome - esta é uma vitória que não pode ser esquecida Mas, no país não há modernização dos transportes e nos demais setores da vida econômico–industrial. O país ainda não desfrutou da prosperidade e do progresso pleno. Não pode ser feliz um povo que vive pela metade, que não conhece os principais benefícios da modernidade e, sobretudo, da liberdade de expressão.
Um país em estado perene de censura à imprensa, que não admite oposição explícita em seu solo, não pode encontrar as vias do soerguimento na sua plenitude.
O maior problema de Cuba é a falta de liberdade, de livre expressão do pensamento, da discussão pública, falada ou escrita, da mídia sem censura. Todos os presos políticos que, até hoje, conseguiram liberdade, esta se deu por mera pressão internacional.
Um país, com um número elevado de presos políticos, se torna uma nação incompleta, fadada a autodestruir-se. Nenhum argumento por parte de seus governantes pode se sustentar sob a censura e a prisão de adversários políticos.
Cuba precisa de oxigenar-se política e ideologicamente. O regime comunista russo não mais existe como era no auge da Guerra Fria ou anteriormente. O mundo é outro e anseia por um valor incontrastável: a liberdade de opinião e de permitir que seus concidadãos possam usufruir do direito de ir e vir, de não serem tutelados em seus modos de vida, em seus desejos e aspirações.
Cuba não sobreviverá no isolamento, sobretudo num mundo cada vez mais interligado.
Desconfio de que Fidel teme abrir o seu flanco ainda contaminado de ideias já ultrapassadas. Até entendo a sua cautela, o seu medo de que o país caia novamente na armadilha de oportunistas e demagogos sem princípios.
No meu modesto juízo, Cuba deve, sim, abrir, com mais desenvoltura, as suas portas ao mundo. Nem tudo é impuro e deletério no mundo contemporâneo. Nações há dignas e ansiosas de que países como Cuba saiam do marasmo e do atraso ideológico. O pluralismo das ideias não significa sucumbir aos cantos de sereias dos mistificadores de plantão em todos os quadrantes da Terra.
Ao determinar, há poucos dias, a liberdade de sete presos políticos, vejo que o governo cubano dá sinal de reorientação ao debate dessa questão cruciante para o regime e sobrevivência de Cuba, não obstante um deles, o professor universitário e economista, Antonio Villarreal Acosta, tenha declarado a Luisa Belchior, colaboradora da Folha de São Paulo em Madrid, que esse gesto do governo cubano não significa qualquer forte indicação de que vai mudar seu endurecimento no que concerne a contestadores do regime. Oxalá esse dissidente não tenha razão.
Só vislumbro para Cuba dois caminhos em direção à paz política; a instituição, em médio prazo, da democracia e o banimento definitivo da censura à liberdade de expressão. Logrando isso, o país pode, com prudência e amadurecimento, inserir-se no concerto das nações civilizadas e não hegemônicas.
Fidel Castro, aos oitenta e três, anos, recuperou em parte a saúde. Sua autoridade no país caribenho ainda é sentida e tem peso. Por detrás do seu substituto, seu irmão Raúl Castro, continua a pairar a sombra do caudilho cubano que livrou a bela e pequena ilha de governos corruptos e inimigos do povo. Castro conseguiu limpar as impurezas do país cujos governos (o último dos quais , o de Fulgêncio Batista, foi por ele derrubado) recebiam o apoio norte-americano. Antes da revolução, todos os governos forma pró-americanistas, governos que geraram tremendas desigualdades sociais, miséria, fome, corrupção, tudo isso acobertado pelos EUA, que, na pequena ilha, tinham negócios rendosos
Entretanto, os rumos da revolução cubana, ao longo de um percurso já longo, não seguiram os caminhos que dela se esperava, uma vez que, realizada a mudança, seu líder preferiu a receita comunista, tornando a nação uma espécie de satélite político da do comunismo russo do qual por muito tempo recebeu apoio comercial e logístico, particularmente em razão do impiedoso, injusto e cruel embargo decretado pela política externa estadunidense. Até aí, poder-se-ia compreender o regime socialista, implantado em Cuba, que não abriu mão de mudanças por vias democráticas, ou seja, eleições livres, alternância de poder e formação de partidos livres.
Seria, isso sim, o comportamento que de Fidel há muito as nações politicamente avançadas dele esperavam. Mas, os ventos de mudanças não vieram. Fidel entronizou-se no poder a ferro e fogo e procurou desenvolver estratégias de opressão contra qualquer voz política dissonante, ou seja, pelo fuzilamento ou encarceramento. Do poder despótico não quis apear, havendo apenas sucessão, por via indireta e nepotista, através da entrega do poder ao irmão, Raúl Castro.
Cuba, ficou, assim, amordaçada politicamente. Contudo, procurou melhorar em alguns setores, como na saúde. Lá a medicina conheceu melhores dias, saiu revigorada, dando exemplo ao mundo de um serviço médico de alta qualidade, que ninguém pode negar.
O povo continua pobre, mas não miserável. A educação é de qualidade.A economia estatizada distribui suas fatias de renda de modo ainda muito frugal. Ninguém lá morre de fome - esta é uma vitória que não pode ser esquecida Mas, no país não há modernização dos transportes e nos demais setores da vida econômico–industrial. O país ainda não desfrutou da prosperidade e do progresso pleno. Não pode ser feliz um povo que vive pela metade, que não conhece os principais benefícios da modernidade e, sobretudo, da liberdade de expressão.
Um país em estado perene de censura à imprensa, que não admite oposição explícita em seu solo, não pode encontrar as vias do soerguimento na sua plenitude.
O maior problema de Cuba é a falta de liberdade, de livre expressão do pensamento, da discussão pública, falada ou escrita, da mídia sem censura. Todos os presos políticos que, até hoje, conseguiram liberdade, esta se deu por mera pressão internacional.
Um país, com um número elevado de presos políticos, se torna uma nação incompleta, fadada a autodestruir-se. Nenhum argumento por parte de seus governantes pode se sustentar sob a censura e a prisão de adversários políticos.
Cuba precisa de oxigenar-se política e ideologicamente. O regime comunista russo não mais existe como era no auge da Guerra Fria ou anteriormente. O mundo é outro e anseia por um valor incontrastável: a liberdade de opinião e de permitir que seus concidadãos possam usufruir do direito de ir e vir, de não serem tutelados em seus modos de vida, em seus desejos e aspirações.
Cuba não sobreviverá no isolamento, sobretudo num mundo cada vez mais interligado.
Desconfio de que Fidel teme abrir o seu flanco ainda contaminado de ideias já ultrapassadas. Até entendo a sua cautela, o seu medo de que o país caia novamente na armadilha de oportunistas e demagogos sem princípios.
No meu modesto juízo, Cuba deve, sim, abrir, com mais desenvoltura, as suas portas ao mundo. Nem tudo é impuro e deletério no mundo contemporâneo. Nações há dignas e ansiosas de que países como Cuba saiam do marasmo e do atraso ideológico. O pluralismo das ideias não significa sucumbir aos cantos de sereias dos mistificadores de plantão em todos os quadrantes da Terra.
Ao determinar, há poucos dias, a liberdade de sete presos políticos, vejo que o governo cubano dá sinal de reorientação ao debate dessa questão cruciante para o regime e sobrevivência de Cuba, não obstante um deles, o professor universitário e economista, Antonio Villarreal Acosta, tenha declarado a Luisa Belchior, colaboradora da Folha de São Paulo em Madrid, que esse gesto do governo cubano não significa qualquer forte indicação de que vai mudar seu endurecimento no que concerne a contestadores do regime. Oxalá esse dissidente não tenha razão.
Só vislumbro para Cuba dois caminhos em direção à paz política; a instituição, em médio prazo, da democracia e o banimento definitivo da censura à liberdade de expressão. Logrando isso, o país pode, com prudência e amadurecimento, inserir-se no concerto das nações civilizadas e não hegemônicas.
sábado, 17 de julho de 2010
Eleições e palmadas
Cunha e Silva Filho
Fica difícil entender este país. Já não consigo enxergar nada à minha frente, entender ainda pior. Como entender se a mistura dispar e camaleônica já se instalou, confundindo todos qual uma conhecida comédia shakespeariana, ou seria beckettiana ? Não sei mais de nada, tudo se complicou. Perdi minha referência. Estou à deriva. Procuro e não encontro. Bato e a porta não se abre. O mundo às avessas. Meu Deus, o que está acontecendo com o país e o mundo, pois o mundo está no país dentro daquele velho conceito retórico de parte e todo – do conhecido tropo, a metonímia - tão bem explorado numa página de Vieira ( 1608-1697)
Os candidatos à eleição presidencial, depois de tanto barulho, escolhem seus vices, figuras que nem sabíamos dispostas pelo menos para exercerem mandatos executivos, uma vez que pensávamos só fariam carreira na Câmara ou no Congresso. Para nós, eleitores compulsórios, ainda que uma delas, o Presidente do PMDB, Michel Temer, por força de sua função, constantemente apareça na mídia, não o víamos como provável candidato à vice-presidência da República. Que razões estão escondendo, sobretudo o PT, e o PSDB, para que fossem os vices os que aí estão já selecionados? Que pobreza de bons candidatos está exibindo a política nacional!
Um velho jornalista do JB, volte e meia, deplora a penúria de grandes políticos de que o país necessita tanto, principalmente para os tempos que correm, tempos enganadores que colocaram a esperteza e o oportunismo(leia-se: privilégios do “melhor emprego do mundo”) como a meta principal da atuação dos representantes do povo.Quais as grandes e ilustres figuras do Parlamento brasileiro? São poucas, pouquíssimas. A política, em grande parte do mundo, não está dando bom exemplo nem está sendo conduzida pelo que há de melhor dos membros da sociedade. É triste, infelizmente, constatar isso. Será que está definitivamente enterrada a era dos grandes e respeitados líderes da História? Peço a Deus que não.
Quanto às siglas partidárias, além de numerosas e que só concorrem para aumentar a confusão e a divisão, numa fragmentação que causa embaraços na cabeça do eleitor, nos assusta o fato de que se reuniram recentemente, nesta antecipação de campanha presidencial, numa espécie de confraternização social entre mulheres da alta sociedade, antigos contestadores da burguesia capitalista tupiniquim, a elite econômica da classe das mulheres, à frente das quais a dama global servindo de anfitriã, viúva do megaempresário Roberto Marinho, uma velha professora de formação e orientação marxista e a principal convidada, a candidata do Lula, Dilma Rousseff, pertencente a um partido que se autoproclama da esquerda, num coro que se estende além-fronteiras. Como é do conhecimento geral da nação, Dilma participou ativamente da luta contra a ditadura militar. Finalmente, estiveram também presentes no encontro festivo outras mulheres do universo brasileiro artístico e social. Num caldeirão desses não há como proclamar, alto e bom som, que a polarização direita-esquerda tornou-se uma balela, um faz-de-conta, um antagonismo poroso, contraditório e hipócrita que se dilui diante do desdobramento do fenômeno da globalização e que, por outro lado, constituirá, sem dúvida, um campo fértil para acalorados e polêmicos estudos sociológicos e antropológicos em virtude do intrincado cipoal de tendências multifacetadas e difusas no qual desaguou o teatro político brasileiro e, por tabela, o mundial.
Ainda no contexto de perplexidades e descaminhos, acaba de ser majoritariamente votada pelos deputados federais uma lei que prevê sanções para pais que dão palmadas nos filhos. Ora bolas! Os deputados não têm mais o que fazer do que discutirem uma questão que só diz respeito à privacidade da família? Daqui a pouco haverá leis que regulamentarão a frequência da atividade sexual entre os casais. Que é isso? Por que não se preocupam com as reformas do confiscatório imposto de renda e com os altíssimos planos de saúde que estão sufocando as despesas das famílias de classe média? Aliás, são inúmeras as questões urgentes e de ampla relevância social que não se tornam objeto de debates pelo poder legislativo. Esta lei da palmada é irrelevante porque a legislação brasileira já dispõe de sanções penais para pais que maltratam os filhos. Um castigo leve e dado com bom senso corrige e educa as crianças sem maiores traumas ou consequências mais graves. Só pais despreparados e desequilibrados maltratarão seus filhos. A lei me parece redundante e de aplicação até impossível, dado que seria impraticável e descabido fiscalizar as famílias em situações de flagrante privacidade. A lei antes provoca mais conflitos entre pais e filhos do que outra coisa. Será mais uma lei que, pela sua natureza, se tornará, enquanto em vigor, uma verdadeira petição de princípio.
Fica difícil entender este país. Já não consigo enxergar nada à minha frente, entender ainda pior. Como entender se a mistura dispar e camaleônica já se instalou, confundindo todos qual uma conhecida comédia shakespeariana, ou seria beckettiana ? Não sei mais de nada, tudo se complicou. Perdi minha referência. Estou à deriva. Procuro e não encontro. Bato e a porta não se abre. O mundo às avessas. Meu Deus, o que está acontecendo com o país e o mundo, pois o mundo está no país dentro daquele velho conceito retórico de parte e todo – do conhecido tropo, a metonímia - tão bem explorado numa página de Vieira ( 1608-1697)
Os candidatos à eleição presidencial, depois de tanto barulho, escolhem seus vices, figuras que nem sabíamos dispostas pelo menos para exercerem mandatos executivos, uma vez que pensávamos só fariam carreira na Câmara ou no Congresso. Para nós, eleitores compulsórios, ainda que uma delas, o Presidente do PMDB, Michel Temer, por força de sua função, constantemente apareça na mídia, não o víamos como provável candidato à vice-presidência da República. Que razões estão escondendo, sobretudo o PT, e o PSDB, para que fossem os vices os que aí estão já selecionados? Que pobreza de bons candidatos está exibindo a política nacional!
Um velho jornalista do JB, volte e meia, deplora a penúria de grandes políticos de que o país necessita tanto, principalmente para os tempos que correm, tempos enganadores que colocaram a esperteza e o oportunismo(leia-se: privilégios do “melhor emprego do mundo”) como a meta principal da atuação dos representantes do povo.Quais as grandes e ilustres figuras do Parlamento brasileiro? São poucas, pouquíssimas. A política, em grande parte do mundo, não está dando bom exemplo nem está sendo conduzida pelo que há de melhor dos membros da sociedade. É triste, infelizmente, constatar isso. Será que está definitivamente enterrada a era dos grandes e respeitados líderes da História? Peço a Deus que não.
Quanto às siglas partidárias, além de numerosas e que só concorrem para aumentar a confusão e a divisão, numa fragmentação que causa embaraços na cabeça do eleitor, nos assusta o fato de que se reuniram recentemente, nesta antecipação de campanha presidencial, numa espécie de confraternização social entre mulheres da alta sociedade, antigos contestadores da burguesia capitalista tupiniquim, a elite econômica da classe das mulheres, à frente das quais a dama global servindo de anfitriã, viúva do megaempresário Roberto Marinho, uma velha professora de formação e orientação marxista e a principal convidada, a candidata do Lula, Dilma Rousseff, pertencente a um partido que se autoproclama da esquerda, num coro que se estende além-fronteiras. Como é do conhecimento geral da nação, Dilma participou ativamente da luta contra a ditadura militar. Finalmente, estiveram também presentes no encontro festivo outras mulheres do universo brasileiro artístico e social. Num caldeirão desses não há como proclamar, alto e bom som, que a polarização direita-esquerda tornou-se uma balela, um faz-de-conta, um antagonismo poroso, contraditório e hipócrita que se dilui diante do desdobramento do fenômeno da globalização e que, por outro lado, constituirá, sem dúvida, um campo fértil para acalorados e polêmicos estudos sociológicos e antropológicos em virtude do intrincado cipoal de tendências multifacetadas e difusas no qual desaguou o teatro político brasileiro e, por tabela, o mundial.
Ainda no contexto de perplexidades e descaminhos, acaba de ser majoritariamente votada pelos deputados federais uma lei que prevê sanções para pais que dão palmadas nos filhos. Ora bolas! Os deputados não têm mais o que fazer do que discutirem uma questão que só diz respeito à privacidade da família? Daqui a pouco haverá leis que regulamentarão a frequência da atividade sexual entre os casais. Que é isso? Por que não se preocupam com as reformas do confiscatório imposto de renda e com os altíssimos planos de saúde que estão sufocando as despesas das famílias de classe média? Aliás, são inúmeras as questões urgentes e de ampla relevância social que não se tornam objeto de debates pelo poder legislativo. Esta lei da palmada é irrelevante porque a legislação brasileira já dispõe de sanções penais para pais que maltratam os filhos. Um castigo leve e dado com bom senso corrige e educa as crianças sem maiores traumas ou consequências mais graves. Só pais despreparados e desequilibrados maltratarão seus filhos. A lei me parece redundante e de aplicação até impossível, dado que seria impraticável e descabido fiscalizar as famílias em situações de flagrante privacidade. A lei antes provoca mais conflitos entre pais e filhos do que outra coisa. Será mais uma lei que, pela sua natureza, se tornará, enquanto em vigor, uma verdadeira petição de princípio.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
História de um esquecido
Cunha e Silva Filho
“Você, mano, deve esquecer, perdoar. Isso vale muito e é demonstração de desprendimento humano. Vá em frente. Siga a sua vida.”
Fiquei olhando para o semblante dele: jovem, magrinho, baixo, moreno, cabelos curtos que lhe realçavam o formato de rosto quase quadrado, claro, pele fina e limpa, sem uma espinha, olhos bonitos e profundos, um leve sorriso de tristeza, talvez. Já estava doente. Tinha ido com ele ao Posto de Saúde para lá receber uns medicamentos. O médico com quem conversei me disse, em tom de reprovação, que era muito errado da minha parte alimentar qualquer preconceito sobre a doença, que era curável. A única coisa que eu poderia fazer seria ter os cuidados higiênicos necessários. Com a medicação tomada segundo a prescrição médica, tudo correria normal.
Quando chegou do Nordeste, vinha cheio de esperança. Estava bem fisicamente. Charmoso. Até arranjara trabalho numa empresa do centro do Rio. Desejava fazer Economia. Já me tinha avisado há um mês que viria pro Rio tentar uma vida melhor e se formar. Estava bem, alegre e determinado a vencer. Encontrei-o casualmente na Rua São José, à altura do Edifício Garagem, o Menezes Cortes, para quem não se lembra.
Gostava de pintar quadros de pessoas ou paisagens. Até me presenteou com um quadro quando ainda estava no Rio. Também fazia poesia, mas sem grandes vôos. Não era revolucionário nesses dois campos artísticos, mas tinha algum talento, sim. Muito conversador, sobre qualquer assunto, tinha ideias próprias e polêmicas. Sexualmente, era uma pessoa livre e sem preconceitos.
Um dia, num sonho, o vi sentado numa rede, me pedindo que o abraçasse. No sonho, não quis atendê-lo. Sentia que podia me contaminar. Me reprovava por isso. Que absurdo ter medo de me contaminar do próprio irmão! Não me via como um irmão verdadeiro e solidário, que não tivesse nojo ou receio de um contato físico com o meu próprio sangue. Era terrível pra mim só imaginar esse comportamento pequeno e egoísta, inclusive ignorante. Não é coisa que se faça a um ser humano muito menos ao mano Ecê, que, antes de tudo, precisava de meu apoio. Felizmente, aquilo foi apenas um sonho muito tempo depois de seu desaparecimento em terra estranha e abandonado pela família.
Aquela cena do filme relatando a história do príncipe judeu Ben-Hur procurando pela mãe e irmã, no Vale dos Leprosos, me vinha sempre à mente e se misturava ao meu remorso. Ben-Hur não teve nojo nem medo de contágio. Abraçou as duas e foi abençoado por Deus com o milagre da cura Por que eu não fiz o mesmo? Por que o rejeitei com hipócrita discrição? Tal atitude minha não me livra de uma possível condenação segundo princípios cristãos. Hei de carregar essa mancha interior para sempre, já que é tarde demais pra me redimir. Ainda mais porque me desfiz de uma pintura emoldurada que me dera de coração aberto e franco. Ele mesmo era a franqueza em pessoa.. Que insensatez a minha! Até que ponto me chegava a estupidez?
De certa forma, creio que ele teve culpa de seu sofrimento . Por que havia de se meter com aquela gente estranha, dissoluta, trazendo nas veias o terrível vírus? Uma vez, indo visitá-lo, comprovei o que pensava de suas companhias e do lugar em que estava morando. Lá vi tudo. Não havia dúvida de que tudo vinha à tona sobre o seu estado presente de saúde abalada que resultou na tragédia e no seu longo e solitário sofrimento. Morreu sozinho e fora enterrado praticamente como um indigente no cemitério de uma grande capital. Não havia nenhum familiar na ocasião. Nenhum membro da família, eu inclusive, foi procurá-lo ainda que fosse pra lhe dar uma última palavra de alento e pedir-lhe perdão – por que não? Hoje, jaz numa cova rasa, no esquecimento dos mortos e dos humilhados.
Me lembro daquela vez, à noite, em que nós dois ficamos duas ou três horas juntos, sentados, conversando alegremente, tomando um refrigerantes debaixo de frondosas árvores daquela velha praça de nossa cidade. Era em dias de festejos da Igreja. Ele estava feliz, com sonhos pra realizar. Tinha uma grande mágoa da mãe, com quem nunca se dera bem.
Ainda me lembro do dia em que entrara no meu apartamento de subúrbio e lá encontrei uma telegrama me avisando que viria pro Rio . Esperava contar comigo. Não viria pra minha casa. Ficaria uns dias na casa de uma nossa velha tia. Só depois, apareceu em minha casa. Estava feliz e animado. Venceria na cidade grande se não fossem aquelas coisas em que se viu enredado quanto à saúde e ao seu comportamento sexualmente livre. Os artistas, enfim, são assim mesmo. Entram na senda dos perigos da vida e delas saem chamuscados. O resultado é um destino anunciado, previsível, premonitório. Acordei daquele sonho na madrugada e lhe rezei pela alma, pedindo-lhe meu perdão pelo meu medo e pela minha covardia. Requiescat in pace.
“Você, mano, deve esquecer, perdoar. Isso vale muito e é demonstração de desprendimento humano. Vá em frente. Siga a sua vida.”
Fiquei olhando para o semblante dele: jovem, magrinho, baixo, moreno, cabelos curtos que lhe realçavam o formato de rosto quase quadrado, claro, pele fina e limpa, sem uma espinha, olhos bonitos e profundos, um leve sorriso de tristeza, talvez. Já estava doente. Tinha ido com ele ao Posto de Saúde para lá receber uns medicamentos. O médico com quem conversei me disse, em tom de reprovação, que era muito errado da minha parte alimentar qualquer preconceito sobre a doença, que era curável. A única coisa que eu poderia fazer seria ter os cuidados higiênicos necessários. Com a medicação tomada segundo a prescrição médica, tudo correria normal.
Quando chegou do Nordeste, vinha cheio de esperança. Estava bem fisicamente. Charmoso. Até arranjara trabalho numa empresa do centro do Rio. Desejava fazer Economia. Já me tinha avisado há um mês que viria pro Rio tentar uma vida melhor e se formar. Estava bem, alegre e determinado a vencer. Encontrei-o casualmente na Rua São José, à altura do Edifício Garagem, o Menezes Cortes, para quem não se lembra.
Gostava de pintar quadros de pessoas ou paisagens. Até me presenteou com um quadro quando ainda estava no Rio. Também fazia poesia, mas sem grandes vôos. Não era revolucionário nesses dois campos artísticos, mas tinha algum talento, sim. Muito conversador, sobre qualquer assunto, tinha ideias próprias e polêmicas. Sexualmente, era uma pessoa livre e sem preconceitos.
Um dia, num sonho, o vi sentado numa rede, me pedindo que o abraçasse. No sonho, não quis atendê-lo. Sentia que podia me contaminar. Me reprovava por isso. Que absurdo ter medo de me contaminar do próprio irmão! Não me via como um irmão verdadeiro e solidário, que não tivesse nojo ou receio de um contato físico com o meu próprio sangue. Era terrível pra mim só imaginar esse comportamento pequeno e egoísta, inclusive ignorante. Não é coisa que se faça a um ser humano muito menos ao mano Ecê, que, antes de tudo, precisava de meu apoio. Felizmente, aquilo foi apenas um sonho muito tempo depois de seu desaparecimento em terra estranha e abandonado pela família.
Aquela cena do filme relatando a história do príncipe judeu Ben-Hur procurando pela mãe e irmã, no Vale dos Leprosos, me vinha sempre à mente e se misturava ao meu remorso. Ben-Hur não teve nojo nem medo de contágio. Abraçou as duas e foi abençoado por Deus com o milagre da cura Por que eu não fiz o mesmo? Por que o rejeitei com hipócrita discrição? Tal atitude minha não me livra de uma possível condenação segundo princípios cristãos. Hei de carregar essa mancha interior para sempre, já que é tarde demais pra me redimir. Ainda mais porque me desfiz de uma pintura emoldurada que me dera de coração aberto e franco. Ele mesmo era a franqueza em pessoa.. Que insensatez a minha! Até que ponto me chegava a estupidez?
De certa forma, creio que ele teve culpa de seu sofrimento . Por que havia de se meter com aquela gente estranha, dissoluta, trazendo nas veias o terrível vírus? Uma vez, indo visitá-lo, comprovei o que pensava de suas companhias e do lugar em que estava morando. Lá vi tudo. Não havia dúvida de que tudo vinha à tona sobre o seu estado presente de saúde abalada que resultou na tragédia e no seu longo e solitário sofrimento. Morreu sozinho e fora enterrado praticamente como um indigente no cemitério de uma grande capital. Não havia nenhum familiar na ocasião. Nenhum membro da família, eu inclusive, foi procurá-lo ainda que fosse pra lhe dar uma última palavra de alento e pedir-lhe perdão – por que não? Hoje, jaz numa cova rasa, no esquecimento dos mortos e dos humilhados.
Me lembro daquela vez, à noite, em que nós dois ficamos duas ou três horas juntos, sentados, conversando alegremente, tomando um refrigerantes debaixo de frondosas árvores daquela velha praça de nossa cidade. Era em dias de festejos da Igreja. Ele estava feliz, com sonhos pra realizar. Tinha uma grande mágoa da mãe, com quem nunca se dera bem.
Ainda me lembro do dia em que entrara no meu apartamento de subúrbio e lá encontrei uma telegrama me avisando que viria pro Rio . Esperava contar comigo. Não viria pra minha casa. Ficaria uns dias na casa de uma nossa velha tia. Só depois, apareceu em minha casa. Estava feliz e animado. Venceria na cidade grande se não fossem aquelas coisas em que se viu enredado quanto à saúde e ao seu comportamento sexualmente livre. Os artistas, enfim, são assim mesmo. Entram na senda dos perigos da vida e delas saem chamuscados. O resultado é um destino anunciado, previsível, premonitório. Acordei daquele sonho na madrugada e lhe rezei pela alma, pedindo-lhe meu perdão pelo meu medo e pela minha covardia. Requiescat in pace.
Namorando os livros
Cunha e Silva Filho
Nas décadas de sessenta, setenta e oitenta fui um assíduo frequentador de livrarias do centro do Rio de Janeiro quanto dos sebos. Esta cidade possui uma quantidade considerável de sebos assim como outras capitais brasileiras.
Como naquela época não dispunha de dinheiro suficiente, ao entrar nas livrarias mais famosas ficava apenas “namorando” os livros nas prateleiras das estantes e naquelas mesas-estantes muito comuns em algumas livrarias, sobretudo as mais antigas. Olhava os preços e desistia, tal como aquele personagem de André Theurieut (1833-1907) que também que ficara fascinado com o título de um livro na vitrine que de imediato desejara adquirir, mas não tinha dinheiro para tanto.
O livro chamava-se: “Livro Mágico”, na tradução livre. Só a custo o conseguiu, ou seja, depois que lutou para conseguir, ajudando estudantes a visitar exposições numa livraria, um adiantamento de dois francos da funcionária, com os quais pôde comprá-lo. Mas, pouco durou o deslumbramento. Logo que tomou posse do volume, verificou que ‘de mágico só tinha o título” e o trocou por uma bola de ágata com um colega.
No meu caso particular, nunca fiquei sabendo se alguns daqueles livros que desejei comprar se transformariam em mais um exemplo de “livro mágico.” Na minha situação, era diferente porque não foi só um livro que me chamou tanto a atenção. Foram várias e várias obras que sonhava obter sem nunca ter conseguido.
O que me valeu um pouco foram os livros antigos que, por serem mais baratos, terminava por comprar: eram excelentes livros de autores estrangeiros, principalmente sobre língua inglesa, gramáticas, didáticos, livros teóricos, de crítica literária, história literária, história, livros franceses, espanhóis, de latim, volumes de ensaios literários, de ficção, de poesia etc.
Quase todos eles li, se não na íntegra, pelo menos alguns capítulos. Muita gente pensa que já lemos todos os livros que possuímos e que formam uma pequena, média ou grande biblioteca. Longe disso, há livros que compramos e que jamais leremos, como há outros que lemos tempos depois. Não há uma regra para esse nosso comportamento de leitor. Livros há que lemos de imediato, de um fôlego. Outros, o fazemos pela metade, de outros mais só lemos as orelhas.
Confesso-lhe, leitor, me dá uma grande frustração por não ter lido pelo menos todos os que venho colecionando há tanto tempo. Vezes há que ainda reservamos uma dezena ou vintena de volumes e nos prometemos que iremos um dia começar a lê-los. Qual nada! O tempo passa e nada de começarmos a leitura do primeiro deles. Chegará um tempo que não teremos mais tempo de enfrentá-los, mas então será “tarde, muito tarde”, como diria o velho pregador no seu último sermão.
Hoje posso comprar livros sem tanta dificuldade como de antanho. Não vou hoje com tanta regularidade às livrarias nem aos sebos, sobretudo porque estão aí pra ficarem as livrarias virtuais de sebos, com milhões de livros vendidos pelos quatro cantos do país. Sem se falar nas estrangeiras que vendem livros novos e usados. Tenho usado muito dessas livrarias. Compramos os livros pela Internet e recebemos os volumes em casa pelo Correio. É confortável e cansa menos. Quanto aos livros novos, vejo que é um bom hobby ir às livrarias, algumas delas luxuosas, com serviço de bares, poltronas para leituras. Na verdade, recomendo a todos que visitem as boas livrarias, locus propício a informações das novidades do mercado editorial brasileiro e estrangeiro. No Rio há lindas livrarias que dá gosto visitá-las com assiduidade.
Porém, naqueles idos de três décadas, como doía, no meu espírito ávido de adquirir livros e conhecimento, não ter recursos para comprar aqueles livros cujo títulos, nomes de autores e editoras se me fugiram em definitivo da memória!
Só me restava neles fixar longamente os olhos e imaginar que um dia poderia comprá-los. Naquele tempo, a prioridade era o sustento da família, não os livros, não obstante tão almejados, tão necessários à minha atualização. Me imaginava entrando no futuro nas belas livrarias cariocas comprando o que quisesse, levando para casa os volumes que tanto me fascinavam a ponto de namorá-los, como já disse atrás, toda vez que pelas livrarias passava. Entretanto, havia que pensar primeiro na família, naqueles que de mim dependiam. Os livros queridos e que me atraíam poderiam esperar, esperar, esperar. Haja esperança!
Nas décadas de sessenta, setenta e oitenta fui um assíduo frequentador de livrarias do centro do Rio de Janeiro quanto dos sebos. Esta cidade possui uma quantidade considerável de sebos assim como outras capitais brasileiras.
Como naquela época não dispunha de dinheiro suficiente, ao entrar nas livrarias mais famosas ficava apenas “namorando” os livros nas prateleiras das estantes e naquelas mesas-estantes muito comuns em algumas livrarias, sobretudo as mais antigas. Olhava os preços e desistia, tal como aquele personagem de André Theurieut (1833-1907) que também que ficara fascinado com o título de um livro na vitrine que de imediato desejara adquirir, mas não tinha dinheiro para tanto.
O livro chamava-se: “Livro Mágico”, na tradução livre. Só a custo o conseguiu, ou seja, depois que lutou para conseguir, ajudando estudantes a visitar exposições numa livraria, um adiantamento de dois francos da funcionária, com os quais pôde comprá-lo. Mas, pouco durou o deslumbramento. Logo que tomou posse do volume, verificou que ‘de mágico só tinha o título” e o trocou por uma bola de ágata com um colega.
No meu caso particular, nunca fiquei sabendo se alguns daqueles livros que desejei comprar se transformariam em mais um exemplo de “livro mágico.” Na minha situação, era diferente porque não foi só um livro que me chamou tanto a atenção. Foram várias e várias obras que sonhava obter sem nunca ter conseguido.
O que me valeu um pouco foram os livros antigos que, por serem mais baratos, terminava por comprar: eram excelentes livros de autores estrangeiros, principalmente sobre língua inglesa, gramáticas, didáticos, livros teóricos, de crítica literária, história literária, história, livros franceses, espanhóis, de latim, volumes de ensaios literários, de ficção, de poesia etc.
Quase todos eles li, se não na íntegra, pelo menos alguns capítulos. Muita gente pensa que já lemos todos os livros que possuímos e que formam uma pequena, média ou grande biblioteca. Longe disso, há livros que compramos e que jamais leremos, como há outros que lemos tempos depois. Não há uma regra para esse nosso comportamento de leitor. Livros há que lemos de imediato, de um fôlego. Outros, o fazemos pela metade, de outros mais só lemos as orelhas.
Confesso-lhe, leitor, me dá uma grande frustração por não ter lido pelo menos todos os que venho colecionando há tanto tempo. Vezes há que ainda reservamos uma dezena ou vintena de volumes e nos prometemos que iremos um dia começar a lê-los. Qual nada! O tempo passa e nada de começarmos a leitura do primeiro deles. Chegará um tempo que não teremos mais tempo de enfrentá-los, mas então será “tarde, muito tarde”, como diria o velho pregador no seu último sermão.
Hoje posso comprar livros sem tanta dificuldade como de antanho. Não vou hoje com tanta regularidade às livrarias nem aos sebos, sobretudo porque estão aí pra ficarem as livrarias virtuais de sebos, com milhões de livros vendidos pelos quatro cantos do país. Sem se falar nas estrangeiras que vendem livros novos e usados. Tenho usado muito dessas livrarias. Compramos os livros pela Internet e recebemos os volumes em casa pelo Correio. É confortável e cansa menos. Quanto aos livros novos, vejo que é um bom hobby ir às livrarias, algumas delas luxuosas, com serviço de bares, poltronas para leituras. Na verdade, recomendo a todos que visitem as boas livrarias, locus propício a informações das novidades do mercado editorial brasileiro e estrangeiro. No Rio há lindas livrarias que dá gosto visitá-las com assiduidade.
Porém, naqueles idos de três décadas, como doía, no meu espírito ávido de adquirir livros e conhecimento, não ter recursos para comprar aqueles livros cujo títulos, nomes de autores e editoras se me fugiram em definitivo da memória!
Só me restava neles fixar longamente os olhos e imaginar que um dia poderia comprá-los. Naquele tempo, a prioridade era o sustento da família, não os livros, não obstante tão almejados, tão necessários à minha atualização. Me imaginava entrando no futuro nas belas livrarias cariocas comprando o que quisesse, levando para casa os volumes que tanto me fascinavam a ponto de namorá-los, como já disse atrás, toda vez que pelas livrarias passava. Entretanto, havia que pensar primeiro na família, naqueles que de mim dependiam. Os livros queridos e que me atraíam poderiam esperar, esperar, esperar. Haja esperança!
segunda-feira, 12 de julho de 2010
Um poema de Jean Richepin ( 1849-1926)
Le soleil riche
Pour te laver du sommeil
Qui sur tes yeux pèse encore,
Viens voir lever le soleil
Dans son alcove d’aurore.
Lentement il cligne un oeil.
I veut redormir peut-être.
Mais la Nuit, la veuve en deuil,
Crie em ouvrant la fenêtre:
“- Allons, allons fainéant,
Il faut sortir de la plume
Déjá là-bas, l’Océan,
Votre grand miroir s’allume”.
Allors, se frottant les yeux,
Débarbouillé de rosée,
Le dormeur aux beaux cheveux
Met le nez à la croisée.
Et l’on voit, dans l‘air léger
D’un nuage que rougeoie
Un vol de flocons neiger
Comme des papiers de soie.
L’un est blanc, l’autre est vermeil,
Tous sont roulés en pelotes.
C’ést Monseigneur le Soleil
Qui défait ses papillotes.
A riqueza solar
Para do sono te livrares
Que inda pesa em teus olhos,
Vem ver o sol levantar
Na sua alcova d’aurora.
Lentamente, o olho pisca.
Quiçá dormir inda queira.
A Noite, viúva enlutada,
Abrindo a janela clama:
“- Vamos, vamos, preguiçoso,
Urge deixar os lençóis
Bem distante, o Oceano,
Vosso grande espelho, ilumina.
Os olhos, então, esfregando,
Livre agora do orvalho,
O dorminhoco de cabelos belos
O nariz põe na sacada.
E, na leveza do ar, se avista
Um vermelhar de nuvem
Um voo de flocos
Papéis de seda nevando.
Um é branco outro, vermelho,
Em forma de novelos todos.
É o Monsenhor Sol
Que papelotes destrói.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Pour te laver du sommeil
Qui sur tes yeux pèse encore,
Viens voir lever le soleil
Dans son alcove d’aurore.
Lentement il cligne un oeil.
I veut redormir peut-être.
Mais la Nuit, la veuve en deuil,
Crie em ouvrant la fenêtre:
“- Allons, allons fainéant,
Il faut sortir de la plume
Déjá là-bas, l’Océan,
Votre grand miroir s’allume”.
Allors, se frottant les yeux,
Débarbouillé de rosée,
Le dormeur aux beaux cheveux
Met le nez à la croisée.
Et l’on voit, dans l‘air léger
D’un nuage que rougeoie
Un vol de flocons neiger
Comme des papiers de soie.
L’un est blanc, l’autre est vermeil,
Tous sont roulés en pelotes.
C’ést Monseigneur le Soleil
Qui défait ses papillotes.
A riqueza solar
Para do sono te livrares
Que inda pesa em teus olhos,
Vem ver o sol levantar
Na sua alcova d’aurora.
Lentamente, o olho pisca.
Quiçá dormir inda queira.
A Noite, viúva enlutada,
Abrindo a janela clama:
“- Vamos, vamos, preguiçoso,
Urge deixar os lençóis
Bem distante, o Oceano,
Vosso grande espelho, ilumina.
Os olhos, então, esfregando,
Livre agora do orvalho,
O dorminhoco de cabelos belos
O nariz põe na sacada.
E, na leveza do ar, se avista
Um vermelhar de nuvem
Um voo de flocos
Papéis de seda nevando.
Um é branco outro, vermelho,
Em forma de novelos todos.
É o Monsenhor Sol
Que papelotes destrói.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Tragédias brasileiras: atos de selvageria
Cunha e Silva Filho
O país está traumatizado com dois crimes abomináveis cometidos contra duas jovens brasileiras. A primeira, uma advogada, a segunda, uma ex-namorada de um goleiro do Flamengo. A estupidez inominável de que foram vítimas mais parece ter saído desses filmes de horror muito ao gosto da cinematografia americana, com personagens psicopatas prontos a praticar os mais hediondos assassínios que se possa imaginar, filmes muito apreciados por adultos pelo menos aqui no mundo ocidental. São tão repugnantes os atos de covardia e de desumanidade demonstrados pelos seus verdugos que me custa acreditar na espécie humana.
Um carro aparece submerso num lago. Ao ser retirado, a polícia descobre se tratar da jovem e promissora advogada, Mércia Nakashima, moça bem educada por uma família extremosa, que para sempre ficará emocionalmente destruída pela maldade sem freio de um criminoso abjeto, sórdido, covarde. As suspeitas se voltam para um ex-namorado, de nome Mizael Bispo,que fora policial e virou advogado. Seu semblante não inspira confiança no que afirma sobre a morta nem transmite ao menos resquícios de tristeza pelo que aconteceu com a jovem sacrificada.
As investigações prosseguem, contudo, até agora, não foram reunidas evidências incontestes para um pedido de prisão preventiva desse taciturno advogado. Espero que as autoridades policiais cheguem a resultados conclusivos sobre a culpabilidade ou não desse homem, mas é quase improvável que as suspeitas não se confirmem. Leio hoje que o Ministério Público já irá denunciá-lo à Justiça pela morte da advogada. Vamos esperar.
Uma jovem é considerada desaparecida, movimentando diligências policiais de dois Estados, Rio e Janeiro e Minas Gerais. A investigação concluiu que a ex-namorada de Bruno, o goleiro do Flamengo, tinha sido assassinada e brutalizada, constituindo, em nosso país, um dos crimes mais macabros dos últimos anos. Não contentes com simplesmente matá-la, os facínoras, pelo que foi reportado pela mídia, esquartejaram Eliza Samudio, desossaram-na e atiraram pedaços dela a cães ferozes, os tais rotweillers. No caso dessa jovem, não foi só um algoz diabólico que lhe tirou a vida. Foi um crime satanizado por um grupo de degenerados, inclusive, com um bandido de menor, todos, entretanto, comandados pelo mentor e principal criminoso, o goleiro Bruno.
Agora, passemos aos comentários. Tanto num caso como noutro, os crimes ocorridos reforçam algumas ideias minhas em torno do assunto. Uma primeira se relacionaria a comportamentos sociais, melhor dizendo, a opções de natureza amorosa por parte de jovens belas e com boa formação cultural e estrutura familiar equilibrada. A jovem advogada, que aparece nas gravações da família, transmite ao espectador alegria, felicidade, plenitude afetiva, esperança de vida, junto aos familiares que a adoravam e para ela prodigalizaram afetos e carinhos.
Isso, no entanto, não a protegeria dos ardis da vida e das oportunidades infelizes de um encontro com uma pessoa incompatível com um relacionamento saudável e duradouro. Estava à vista de todos. Esta seria uma outra ideia que me veio à consideração sobre o crime.
Quanto ao segundo crime, não é difícil explicitar as causas e as consequências do fato em si. Uma jovem se deixa aproximar de um jogador de futebol, goleiro de um time carioca tradicional, montado no dinheiro oriundo de contato com gordos salários mensais aos quais se adicionam outras vultosas somas de dinheiro auferidas pela publicidade em vários flancos do mercado. Não é difícil também entender o interesse de jovens para esse tipo de partido com arriscado “jogo amoroso”. Por parte dela, há a perspectiva de uma vida folgada e, além disso, com a possibilidade de uma gravidez que se materializou, reforçando anseios de segurança do ponto de vista financeiro.
O goleiro mau-caráter não aceitou essa possibilidade de aproximação mais séria, para a qual não existiam planos por ele traçados. Recusa-se a ceder à pretensão de aceitar a paternidade, confirmada pelos exames de DNA. Desta forma, arquitetou o plano do crime hediondo.
Tanto no primeiro caso quanto no segundo, os erros e acertos se anulam diante das ações sanguinárias de dois monstros merecedores não simplesmente de prisão perpétua de que falou a colunista Ana Ramalho do Jornal do Brasil ( “Um crime bárbaro”, B2|Caderno B, 10/07/2010) em indignado e ácido desabafo contra o celerado goleiro, mas de pena capital – dois tipos de punição legal ainda inexistentes no país.
A colunista do JB acha que a pena de morte ineficiente. Para ela, a “pena de morte é pouco: morrer é rápido, não dói.” (...) A prisão perpétua - poderia acrescentar de minha parte -, seria castigo contínuo, corrosivo, acabrunhante, faz o criminoso sofrer do maior bem social: a liberdade. É folha podre e presa, galho seco e estéril, e a alma é pequena, mais do que isso, é daninha, pérfida, desprezível, causa asco e fede. Por outro lado, a pena de morte seria uma implacável forma de dissuasão para criminosos irrecuperáveis.
O país está traumatizado com dois crimes abomináveis cometidos contra duas jovens brasileiras. A primeira, uma advogada, a segunda, uma ex-namorada de um goleiro do Flamengo. A estupidez inominável de que foram vítimas mais parece ter saído desses filmes de horror muito ao gosto da cinematografia americana, com personagens psicopatas prontos a praticar os mais hediondos assassínios que se possa imaginar, filmes muito apreciados por adultos pelo menos aqui no mundo ocidental. São tão repugnantes os atos de covardia e de desumanidade demonstrados pelos seus verdugos que me custa acreditar na espécie humana.
Um carro aparece submerso num lago. Ao ser retirado, a polícia descobre se tratar da jovem e promissora advogada, Mércia Nakashima, moça bem educada por uma família extremosa, que para sempre ficará emocionalmente destruída pela maldade sem freio de um criminoso abjeto, sórdido, covarde. As suspeitas se voltam para um ex-namorado, de nome Mizael Bispo,que fora policial e virou advogado. Seu semblante não inspira confiança no que afirma sobre a morta nem transmite ao menos resquícios de tristeza pelo que aconteceu com a jovem sacrificada.
As investigações prosseguem, contudo, até agora, não foram reunidas evidências incontestes para um pedido de prisão preventiva desse taciturno advogado. Espero que as autoridades policiais cheguem a resultados conclusivos sobre a culpabilidade ou não desse homem, mas é quase improvável que as suspeitas não se confirmem. Leio hoje que o Ministério Público já irá denunciá-lo à Justiça pela morte da advogada. Vamos esperar.
Uma jovem é considerada desaparecida, movimentando diligências policiais de dois Estados, Rio e Janeiro e Minas Gerais. A investigação concluiu que a ex-namorada de Bruno, o goleiro do Flamengo, tinha sido assassinada e brutalizada, constituindo, em nosso país, um dos crimes mais macabros dos últimos anos. Não contentes com simplesmente matá-la, os facínoras, pelo que foi reportado pela mídia, esquartejaram Eliza Samudio, desossaram-na e atiraram pedaços dela a cães ferozes, os tais rotweillers. No caso dessa jovem, não foi só um algoz diabólico que lhe tirou a vida. Foi um crime satanizado por um grupo de degenerados, inclusive, com um bandido de menor, todos, entretanto, comandados pelo mentor e principal criminoso, o goleiro Bruno.
Agora, passemos aos comentários. Tanto num caso como noutro, os crimes ocorridos reforçam algumas ideias minhas em torno do assunto. Uma primeira se relacionaria a comportamentos sociais, melhor dizendo, a opções de natureza amorosa por parte de jovens belas e com boa formação cultural e estrutura familiar equilibrada. A jovem advogada, que aparece nas gravações da família, transmite ao espectador alegria, felicidade, plenitude afetiva, esperança de vida, junto aos familiares que a adoravam e para ela prodigalizaram afetos e carinhos.
Isso, no entanto, não a protegeria dos ardis da vida e das oportunidades infelizes de um encontro com uma pessoa incompatível com um relacionamento saudável e duradouro. Estava à vista de todos. Esta seria uma outra ideia que me veio à consideração sobre o crime.
Quanto ao segundo crime, não é difícil explicitar as causas e as consequências do fato em si. Uma jovem se deixa aproximar de um jogador de futebol, goleiro de um time carioca tradicional, montado no dinheiro oriundo de contato com gordos salários mensais aos quais se adicionam outras vultosas somas de dinheiro auferidas pela publicidade em vários flancos do mercado. Não é difícil também entender o interesse de jovens para esse tipo de partido com arriscado “jogo amoroso”. Por parte dela, há a perspectiva de uma vida folgada e, além disso, com a possibilidade de uma gravidez que se materializou, reforçando anseios de segurança do ponto de vista financeiro.
O goleiro mau-caráter não aceitou essa possibilidade de aproximação mais séria, para a qual não existiam planos por ele traçados. Recusa-se a ceder à pretensão de aceitar a paternidade, confirmada pelos exames de DNA. Desta forma, arquitetou o plano do crime hediondo.
Tanto no primeiro caso quanto no segundo, os erros e acertos se anulam diante das ações sanguinárias de dois monstros merecedores não simplesmente de prisão perpétua de que falou a colunista Ana Ramalho do Jornal do Brasil ( “Um crime bárbaro”, B2|Caderno B, 10/07/2010) em indignado e ácido desabafo contra o celerado goleiro, mas de pena capital – dois tipos de punição legal ainda inexistentes no país.
A colunista do JB acha que a pena de morte ineficiente. Para ela, a “pena de morte é pouco: morrer é rápido, não dói.” (...) A prisão perpétua - poderia acrescentar de minha parte -, seria castigo contínuo, corrosivo, acabrunhante, faz o criminoso sofrer do maior bem social: a liberdade. É folha podre e presa, galho seco e estéril, e a alma é pequena, mais do que isso, é daninha, pérfida, desprezível, causa asco e fede. Por outro lado, a pena de morte seria uma implacável forma de dissuasão para criminosos irrecuperáveis.
sexta-feira, 9 de julho de 2010
O perdão
Cunha e Silva Filho
“Não adianta, Euler, revolver as cinzas do passado. Perdoar é um ato de grandeza no ser humano. O que não pode é permanecer na dúvida atroz, que só mal faz ao espírito e mesmo lhe traz prejuízos pra saúde. O passado está enterrado.Você me diz que tem dúvidas com respeito ao que realmente ocorreu. Sim, concordo com você, mas o perdão uma vez concedido a alguém, vai aliviá-lo de tudo. Talvez na alma sua, sensível, vá ficar um resíduo do que nunca aceitou inteiramente. O tempo é remédio para muitas coisas. É remédio e , às vezes, uma forma de cura por resignação.”
Naquela aula de literatura portuguesa, ele não conseguia se concentrar no que estava sendo expondo, logo ele que era vidrado nessa disciplina. Ficava ali sentado na sua carteira, com o pensamento distante, confuso, com imagens que o feriam profundamente, imagens que compunham quadros da realidade e de atos humanos que o repugnavam só de pensar que podiam estar acontecendo. Parecia-lhe estar assistindo, numa vasta sala de exibição, a um filme com cenas repulsivas, em imagens que se embaralhavam com a sua própria experiência de vida. Não se diz comumente que às vezes a vida imita a arte?
As imagens que apareciam eram fortes demais. Suportá-las quem havia de ? Só se fosse a um idiota que não discerne os limites éticos da vida, aquilo seria compreensível. Mas, não, não nascera para ser pisoteado assim como homem, sobretudo como um ser dotado de dignidade e amor próprio. As cenas eram terríveis, inaceitáveis, moralmente hediondas. Via, na imaginação febril, corpos que se encontravam na calada da noite, em delírio, no gozo dionisíaco e supremo dos membros entrelaçados, unidos física e espiritualmente. “Toda nudez será castigada”. As cenas de Othelo lhe vinham também ao pensamento com toda a força de persuasão. “Perdoa-me por me traíres”. No pensamento transversalmente lhe chegavam as reflexões maldosas de Bentinho. A literatura e a realidade se misturavam conspirando contra o dilacerado eu.
Terminou por não entender bem a aula de literatura portuguesa, ou melhor, só se lembrava de que o tema era o mesmo que lhe atormentava as entranhas. Saiu da faculdade arrasado com os seus pensamentos, uma espécie de Hamlet desejando sangue aos inimigos, mas um Hamlet bem parecido com o personagem shakesperiano, com toda a sua carga e desespero da dúvida e do niilismo diante da situação existencial.“Life is but a walking shadow a tale told by an idiot full of sound and fury signifying nothing.” A vida pra ele foi, naquele dia, e com os intervalos e intermitências dos anos, marcada pela ambiguidade diante do “sentimento cruel em Dom Casmurro.” Culpada ou inocente: eis a questão.
Seu irmão Francisco Luiz, os amigos, todos o que o rodeavam, até aquele amigo que o admirava, hoje já sepulto, em uníssono, o exortavam ao sublime e generoso sentimento do perdão. Os espinhos das rosas doem e se eternizam no coração dos homens.
“Não adianta, Euler, revolver as cinzas do passado. Perdoar é um ato de grandeza no ser humano. O que não pode é permanecer na dúvida atroz, que só mal faz ao espírito e mesmo lhe traz prejuízos pra saúde. O passado está enterrado.Você me diz que tem dúvidas com respeito ao que realmente ocorreu. Sim, concordo com você, mas o perdão uma vez concedido a alguém, vai aliviá-lo de tudo. Talvez na alma sua, sensível, vá ficar um resíduo do que nunca aceitou inteiramente. O tempo é remédio para muitas coisas. É remédio e , às vezes, uma forma de cura por resignação.”
Naquela aula de literatura portuguesa, ele não conseguia se concentrar no que estava sendo expondo, logo ele que era vidrado nessa disciplina. Ficava ali sentado na sua carteira, com o pensamento distante, confuso, com imagens que o feriam profundamente, imagens que compunham quadros da realidade e de atos humanos que o repugnavam só de pensar que podiam estar acontecendo. Parecia-lhe estar assistindo, numa vasta sala de exibição, a um filme com cenas repulsivas, em imagens que se embaralhavam com a sua própria experiência de vida. Não se diz comumente que às vezes a vida imita a arte?
As imagens que apareciam eram fortes demais. Suportá-las quem havia de ? Só se fosse a um idiota que não discerne os limites éticos da vida, aquilo seria compreensível. Mas, não, não nascera para ser pisoteado assim como homem, sobretudo como um ser dotado de dignidade e amor próprio. As cenas eram terríveis, inaceitáveis, moralmente hediondas. Via, na imaginação febril, corpos que se encontravam na calada da noite, em delírio, no gozo dionisíaco e supremo dos membros entrelaçados, unidos física e espiritualmente. “Toda nudez será castigada”. As cenas de Othelo lhe vinham também ao pensamento com toda a força de persuasão. “Perdoa-me por me traíres”. No pensamento transversalmente lhe chegavam as reflexões maldosas de Bentinho. A literatura e a realidade se misturavam conspirando contra o dilacerado eu.
Terminou por não entender bem a aula de literatura portuguesa, ou melhor, só se lembrava de que o tema era o mesmo que lhe atormentava as entranhas. Saiu da faculdade arrasado com os seus pensamentos, uma espécie de Hamlet desejando sangue aos inimigos, mas um Hamlet bem parecido com o personagem shakesperiano, com toda a sua carga e desespero da dúvida e do niilismo diante da situação existencial.“Life is but a walking shadow a tale told by an idiot full of sound and fury signifying nothing.” A vida pra ele foi, naquele dia, e com os intervalos e intermitências dos anos, marcada pela ambiguidade diante do “sentimento cruel em Dom Casmurro.” Culpada ou inocente: eis a questão.
Seu irmão Francisco Luiz, os amigos, todos o que o rodeavam, até aquele amigo que o admirava, hoje já sepulto, em uníssono, o exortavam ao sublime e generoso sentimento do perdão. Os espinhos das rosas doem e se eternizam no coração dos homens.
quinta-feira, 8 de julho de 2010
Anotações de viagem
Anotações de viagem
Cunha e Silva Filho
Encontro-me em Curitiba. Da janelinha fechada e reforçada por uma redezinha, avisto, lá fora, o sol de julho e a paisagem de um bairro da cidade: Boqueirão. As casas têm telhados de formas semelhantes, sobretudo o que aqui chamam de sobradinhos, que lembram construções de estilo alemão, e deles há muitos e por toda a parte.
Geometricamente, os tetos formam um triângulo sem base, pois esta é parte integral da fachada composta de uma janelinha no alto, próxima do vértice do triângulo e, pouco abaixo, mais duas outras janelas, que se localizam no terceiro piso. No segundo piso, veem-se mais duas janelas e, no rés-do-chão, a porta principal da entrada, ladeada por uma janela. Naturalmente, há sobradinhos um pouco diferentes do descrito aqui. Deles há maiores, mais confortáveis e .. mais caros!
A arquitetura dos sobradinhos geralmente pouco difere uma de outra. Deles alguns exibem um pequeno quintal ao lado, ou por detrás da construção. Antes da porta de entrada, é comum haver um pequeno pátio, com espaço que pode servir para garagem ou jardim, ou até para, num cantinho, abrigar um casinha de cão.
Quando escrevo estas linhas, tenho sobre a escrivaninha um livrinho antigo, uma pequena antologia de textos franceses em poesia e prosa. O livrinho está aberto, porquanto, antes do ato desta escrita, nele estava lendo uma página de Victor Giraud (1868- 1946) )na qual o escritor francês faz uma descrição física e moral de St. Vincent de Paul.
Olho de novo para fora. As casas, a rua, os telhados permanecem silenciosos, banhados da luz solar. Alguns passarinhos gorjeiam não sei onde, talvez escondidos em galhos do arvoredo do bairro. Tudo ali é verdejante, onde se salientam os pés de araucárias e pinheiros, estes últimos a me lembrarem árvores de natal naturais.
A rua em que fica a casa ( também um sobradinho) do meu filho mais velho, Francisco, é tranquila, com o silêncio apenas de quando em vez quebrado pela passagem de um veículo.
Desta vez, vim visitá-lo para comemorar os aniversários de minhas netinhas, Isabella, que fez dez anos, e Amanda, que completou cinco anos. São duas bela criaturinhas, delícias do avô coruja. A festinha foi alegre e aconchegante, abrilhantada com a presença de crianças acompanhadas dos pais. Valeu a pena ter saído do Rio para vir abraçá-las.
Sempre que venho a Curitiba, não poupo elogios a esta cidade, onde o verde se espalha por todos os cantos, formando um todo paisagístico em linhas harmoniosas e fazendo da cidade – sendo um bom exemplo o seu centro - , uma recanto alegre e perenemente vivo. Verde, no qual fala, em silêncio, a natureza. Suas ruas largas, seus espaços abertos, arborizados, são um convite ao deleite dos visitantes. O ritmo desta urbe é bem menos trepidante do que a maior parte das capitais brasileiras. Há alguma coisa no ar de Curitiba que me deixa em sossego e em paz.
Estou na biblioteca de meu filho. Há livros em abundância, cujos títulos, na maioria, são da área jurídica. Ele é um jovem advogado e professor universitário de Direito, amante, como foi seu avô paterno, Cunha e Silva, e como eu também, dos livros, dos estudos, das leituras intensivas e extensivas, enfim, das elucubrações (desculpem-me o pedantismo léxico) intelectuais. Um exemplo de bibliófilo. Não sabe ir a uma livraria sem comprar um volume.
Outros livros que ficam nas estantes do primeiro piso pertencem ao campo da Medicina, visto que minha nora é uma jovem pediatra que escolheu Curitiba como residência fixa. Perguntei-lhe se gostava dessa cidade e ela me respondeu que aqui deseja ficar, acha a cidade mais calma, com qualidade de vida superior ao Rio de Janeiro. Só não quer é perder o lindo sotaque carioca.
Lá fora, continua “impávido”, o sol de julho curitibano. O céu está límpido, de um claro azul sobrepondo-se a uma temperatura amena, com um ventozinho soprando, levemente frio, nesta manhã de terça-feira.
Volto ao Rio hoje mesmo. Deixo, como tem sido de hábito nestas viagens à terra das araucárias, muitos adeuses e abraços de saudades antecipadas, de recordações que comigo carrego pela vida afora. As viagens a Curitiba são uma maneira tenra, carinhosa, de um encontro, continuamente renovado, com as raízes do amor e da vida.
Cunha e Silva Filho
Encontro-me em Curitiba. Da janelinha fechada e reforçada por uma redezinha, avisto, lá fora, o sol de julho e a paisagem de um bairro da cidade: Boqueirão. As casas têm telhados de formas semelhantes, sobretudo o que aqui chamam de sobradinhos, que lembram construções de estilo alemão, e deles há muitos e por toda a parte.
Geometricamente, os tetos formam um triângulo sem base, pois esta é parte integral da fachada composta de uma janelinha no alto, próxima do vértice do triângulo e, pouco abaixo, mais duas outras janelas, que se localizam no terceiro piso. No segundo piso, veem-se mais duas janelas e, no rés-do-chão, a porta principal da entrada, ladeada por uma janela. Naturalmente, há sobradinhos um pouco diferentes do descrito aqui. Deles há maiores, mais confortáveis e .. mais caros!
A arquitetura dos sobradinhos geralmente pouco difere uma de outra. Deles alguns exibem um pequeno quintal ao lado, ou por detrás da construção. Antes da porta de entrada, é comum haver um pequeno pátio, com espaço que pode servir para garagem ou jardim, ou até para, num cantinho, abrigar um casinha de cão.
Quando escrevo estas linhas, tenho sobre a escrivaninha um livrinho antigo, uma pequena antologia de textos franceses em poesia e prosa. O livrinho está aberto, porquanto, antes do ato desta escrita, nele estava lendo uma página de Victor Giraud (1868- 1946) )na qual o escritor francês faz uma descrição física e moral de St. Vincent de Paul.
Olho de novo para fora. As casas, a rua, os telhados permanecem silenciosos, banhados da luz solar. Alguns passarinhos gorjeiam não sei onde, talvez escondidos em galhos do arvoredo do bairro. Tudo ali é verdejante, onde se salientam os pés de araucárias e pinheiros, estes últimos a me lembrarem árvores de natal naturais.
A rua em que fica a casa ( também um sobradinho) do meu filho mais velho, Francisco, é tranquila, com o silêncio apenas de quando em vez quebrado pela passagem de um veículo.
Desta vez, vim visitá-lo para comemorar os aniversários de minhas netinhas, Isabella, que fez dez anos, e Amanda, que completou cinco anos. São duas bela criaturinhas, delícias do avô coruja. A festinha foi alegre e aconchegante, abrilhantada com a presença de crianças acompanhadas dos pais. Valeu a pena ter saído do Rio para vir abraçá-las.
Sempre que venho a Curitiba, não poupo elogios a esta cidade, onde o verde se espalha por todos os cantos, formando um todo paisagístico em linhas harmoniosas e fazendo da cidade – sendo um bom exemplo o seu centro - , uma recanto alegre e perenemente vivo. Verde, no qual fala, em silêncio, a natureza. Suas ruas largas, seus espaços abertos, arborizados, são um convite ao deleite dos visitantes. O ritmo desta urbe é bem menos trepidante do que a maior parte das capitais brasileiras. Há alguma coisa no ar de Curitiba que me deixa em sossego e em paz.
Estou na biblioteca de meu filho. Há livros em abundância, cujos títulos, na maioria, são da área jurídica. Ele é um jovem advogado e professor universitário de Direito, amante, como foi seu avô paterno, Cunha e Silva, e como eu também, dos livros, dos estudos, das leituras intensivas e extensivas, enfim, das elucubrações (desculpem-me o pedantismo léxico) intelectuais. Um exemplo de bibliófilo. Não sabe ir a uma livraria sem comprar um volume.
Outros livros que ficam nas estantes do primeiro piso pertencem ao campo da Medicina, visto que minha nora é uma jovem pediatra que escolheu Curitiba como residência fixa. Perguntei-lhe se gostava dessa cidade e ela me respondeu que aqui deseja ficar, acha a cidade mais calma, com qualidade de vida superior ao Rio de Janeiro. Só não quer é perder o lindo sotaque carioca.
Lá fora, continua “impávido”, o sol de julho curitibano. O céu está límpido, de um claro azul sobrepondo-se a uma temperatura amena, com um ventozinho soprando, levemente frio, nesta manhã de terça-feira.
Volto ao Rio hoje mesmo. Deixo, como tem sido de hábito nestas viagens à terra das araucárias, muitos adeuses e abraços de saudades antecipadas, de recordações que comigo carrego pela vida afora. As viagens a Curitiba são uma maneira tenra, carinhosa, de um encontro, continuamente renovado, com as raízes do amor e da vida.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
O mal venceu o bem
O MAL VENCEU O BEM
Cunha e Silva Filho
Podem estranhar, leitor ou leitora, o título desta crônica, porém me explico no que relato adiante. Não sei se vou convencê-los de que estou com a razão.
Na última vez que vi meu amigo Kling conversamos rapidamente. Foi um encontro casual na calçada do estádio do Maracanã, onde costumo fazer minha caminhada acompanhado de minha mulher. A certa altura de uma volta no famoso estádio, avistei o major Kling (sua promoção a esse posto era recente), que vinha em sentido contrário e seguramente já tinha feito seu exercício de corrida ou, quem sabe, de mera caminhada. Estava também acompanhado da família, a esposa e dois adolescentes, os quais me foram então apresentados. Era uma família bonita, unida, saudável.
Com aquele habitual sorriso largo e franco, com jeito de semblante de garoto bom e brincalhão, parou e veio ao meu encontro, cumprimentando-me com um abraço afetivo. Me lembro de que fiz um elogio à aparência dos dois jovens, rapazinhos. Tinham a pele clarinha, boa estatura, a denotar que, com o crescimento, seriam altos e fortes como o pai.
Não éramos íntimos, contudo mantínhamos um relacionamento bem cordial. Kling era daquelas pessoas que sempre encontramos sorridentes. Era carioca. Se não me engano, tinha ascendência germânica. Apreciava o Nordeste, o Ceará, particularmente. Não sei ao certo se morou em Fortaleza. Infelizmente, não disponho de mais informações sobre sua vida nem pude checar antes de escrever esta página de saudade.
No Colégio Militar do Rio de Janeiro, do qual era professor de geografia, trabalhei com ele na mesma seção, o Prevest., ou seja, na última série do ensino médio, preparatória ao vestibular.
Com o rosto corado, sempre estava de bom humor. Nunca o vi de cara amarrada. Me recordo de que era muito bem entrosado com os alunos. Não podia ser diferente. Com aquele espírito sempre aberto, vendendo saúde e simpatia, o jovem Kling era pessoa que todos só podíamos admirar e estimar. E assim foi sempre.
Telefonando a um amigo comum e também professor do Colégio Militar, soube que há pouco tempo, Kling, dirigindo seu carro com a família, foi de repente abordado por um assaltante, um facínora que lhe tirou a vida diante dos seres que mais amava.
Kling, um cidadão brasileiro e oficial do Exército, professor de um conceituado colégio, com uma vida inteira pela frente – tinha apenas quarenta e oito anos -, foi assassinado covardemente num bairro carioca. Crime hediondo, em que mal posso acreditar tenha ocorrido com pessoa tão querida. Só uma besta que de humano só possui o “esqueleto andante”, de que nos fala o poeta argentino Jorge Luis Borges ( 1899-1986), faria tal atrocidade.
Contou meu amigo – e me parece que os jornais assim o noticiaram -, que o major Kling não esboçou nenhuma reação contra o assassino. É bem provável porquanto era uma doçura de pessoa, muito educado, muito prudente. Sorriso sempre à vista. Sempre a transfundir alegria e vida.
Não quero crer que esse ato perverso seja mais um exemplo de impunidade. O Rio de Janeiro não merece ser, na minha opinião, o lugar mais violento do país. Estou cansado de saber que os assaltos nesta cidade continuam ceifando homens de bem, pais de famílias exemplares, profissionais competentes.
Os habitantes da Cidade de São Sebastião não mais suportam tantas mortes por assaltos. Há urgência de que penas mais rigorosas sejam infligidas à criminalidade. Um assassino não pode ser apenas encarcerado por algum tempo. Sua pena não pode ser reduzida sob alegações de bom comportamento, ou outros expedientes de leis da Justiça que apenas favorecem, ou melhor, estimulam a escalada de homicídios considerados hediondos. Seria tempo oportuno de se rediscutir a possibilidade da prisão perpetua para o tipo de crime de que foi vítima o major Kling e outros brasileiros.
Um assassino toupeira destrói em segundos a vida de um homem de bem, pensando se tratar de um policial, visto que a identificação de um policial por assaltantes, numa espécie de pacto no mundo do crime, vale como instantânea sentença de morte para o policial.
A educação brasileira perde um jovem professor, um educador da juventude, que irá fazer muita falta aos alunos de agora e de anos vindouros, pois ainda tinha muitos anos de docência a cumprir.Cortaram-lhe os sonhos, os planos, muitos anos de vida a desfrutar, ver os filhos encaminhados, envelhecer normalmente, quem sabe, ser avô e completar sua missão neste planeta tão brutalizado de tantas e diferentes maneiras.
Naquele dia fatal estava comemorando mais um ano de aniversário de casamento. Feliz sentia-se junto à família querida.. Não largava da face corada o sorriso sempre renovado diante da existência.
Adeus, querido amigo e colega do magistério. Tenho certeza de que alunos e professores do tradicional Colégio Militar do Rio de Janeiro hão de guardar vivamente e para sempre a lembrança da tua passagem por essa centenária instituição de ensino federal do pais.
Cunha e Silva Filho
Podem estranhar, leitor ou leitora, o título desta crônica, porém me explico no que relato adiante. Não sei se vou convencê-los de que estou com a razão.
Na última vez que vi meu amigo Kling conversamos rapidamente. Foi um encontro casual na calçada do estádio do Maracanã, onde costumo fazer minha caminhada acompanhado de minha mulher. A certa altura de uma volta no famoso estádio, avistei o major Kling (sua promoção a esse posto era recente), que vinha em sentido contrário e seguramente já tinha feito seu exercício de corrida ou, quem sabe, de mera caminhada. Estava também acompanhado da família, a esposa e dois adolescentes, os quais me foram então apresentados. Era uma família bonita, unida, saudável.
Com aquele habitual sorriso largo e franco, com jeito de semblante de garoto bom e brincalhão, parou e veio ao meu encontro, cumprimentando-me com um abraço afetivo. Me lembro de que fiz um elogio à aparência dos dois jovens, rapazinhos. Tinham a pele clarinha, boa estatura, a denotar que, com o crescimento, seriam altos e fortes como o pai.
Não éramos íntimos, contudo mantínhamos um relacionamento bem cordial. Kling era daquelas pessoas que sempre encontramos sorridentes. Era carioca. Se não me engano, tinha ascendência germânica. Apreciava o Nordeste, o Ceará, particularmente. Não sei ao certo se morou em Fortaleza. Infelizmente, não disponho de mais informações sobre sua vida nem pude checar antes de escrever esta página de saudade.
No Colégio Militar do Rio de Janeiro, do qual era professor de geografia, trabalhei com ele na mesma seção, o Prevest., ou seja, na última série do ensino médio, preparatória ao vestibular.
Com o rosto corado, sempre estava de bom humor. Nunca o vi de cara amarrada. Me recordo de que era muito bem entrosado com os alunos. Não podia ser diferente. Com aquele espírito sempre aberto, vendendo saúde e simpatia, o jovem Kling era pessoa que todos só podíamos admirar e estimar. E assim foi sempre.
Telefonando a um amigo comum e também professor do Colégio Militar, soube que há pouco tempo, Kling, dirigindo seu carro com a família, foi de repente abordado por um assaltante, um facínora que lhe tirou a vida diante dos seres que mais amava.
Kling, um cidadão brasileiro e oficial do Exército, professor de um conceituado colégio, com uma vida inteira pela frente – tinha apenas quarenta e oito anos -, foi assassinado covardemente num bairro carioca. Crime hediondo, em que mal posso acreditar tenha ocorrido com pessoa tão querida. Só uma besta que de humano só possui o “esqueleto andante”, de que nos fala o poeta argentino Jorge Luis Borges ( 1899-1986), faria tal atrocidade.
Contou meu amigo – e me parece que os jornais assim o noticiaram -, que o major Kling não esboçou nenhuma reação contra o assassino. É bem provável porquanto era uma doçura de pessoa, muito educado, muito prudente. Sorriso sempre à vista. Sempre a transfundir alegria e vida.
Não quero crer que esse ato perverso seja mais um exemplo de impunidade. O Rio de Janeiro não merece ser, na minha opinião, o lugar mais violento do país. Estou cansado de saber que os assaltos nesta cidade continuam ceifando homens de bem, pais de famílias exemplares, profissionais competentes.
Os habitantes da Cidade de São Sebastião não mais suportam tantas mortes por assaltos. Há urgência de que penas mais rigorosas sejam infligidas à criminalidade. Um assassino não pode ser apenas encarcerado por algum tempo. Sua pena não pode ser reduzida sob alegações de bom comportamento, ou outros expedientes de leis da Justiça que apenas favorecem, ou melhor, estimulam a escalada de homicídios considerados hediondos. Seria tempo oportuno de se rediscutir a possibilidade da prisão perpetua para o tipo de crime de que foi vítima o major Kling e outros brasileiros.
Um assassino toupeira destrói em segundos a vida de um homem de bem, pensando se tratar de um policial, visto que a identificação de um policial por assaltantes, numa espécie de pacto no mundo do crime, vale como instantânea sentença de morte para o policial.
A educação brasileira perde um jovem professor, um educador da juventude, que irá fazer muita falta aos alunos de agora e de anos vindouros, pois ainda tinha muitos anos de docência a cumprir.Cortaram-lhe os sonhos, os planos, muitos anos de vida a desfrutar, ver os filhos encaminhados, envelhecer normalmente, quem sabe, ser avô e completar sua missão neste planeta tão brutalizado de tantas e diferentes maneiras.
Naquele dia fatal estava comemorando mais um ano de aniversário de casamento. Feliz sentia-se junto à família querida.. Não largava da face corada o sorriso sempre renovado diante da existência.
Adeus, querido amigo e colega do magistério. Tenho certeza de que alunos e professores do tradicional Colégio Militar do Rio de Janeiro hão de guardar vivamente e para sempre a lembrança da tua passagem por essa centenária instituição de ensino federal do pais.
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