Cunha e Silva Filho
A reflexão critica é uma ação de constantes retomadas, lembrando a imagem de Sísifo. Por esta razão, desde suas primeiras manifestações, seu objeto principal – a obra literária -, combina conquistas do passado, desde os gregos, com as contribuições do presente.
No entanto, o corpus imenso e variado que constitui o legado de obras atravessando os séculos, num evoluir em que dados novos confluem com a tradição literária, ressignificam alguns conceitos e visões desta e ao mesmo tempo fornecem-lhe novos contributos sem que as novidades se considerem melhores ou piores na atividade de julgamento, de interpretação e de outros caminhos a serem trilhados pelo pensamento crítico contemporâneo.
Sendo assim, a atividade da crítica literária é um trabalho contínuo de tentativas de compreensão das obras através dessas retomadas e releituras que se vão sucedendo sem interrupção.
Dado ser a função crítica a de favorecer a variabilidade de temas, motivos, formas literárias e obras, vejo nessa recorrência de reflexões um certo ponto de circularidade nas escolhas de grandes autores, nacionais ou de fora, quer dizer, de quase sempre a crítica revisitar as mesmas obras já amplamente estudadas, as quais, em geral, fazem parte das listas canônicas de uma determinada literatura. Se a um tempo essas retomadas contribuem para alargar os horizontes de sua hermenêutica, de outra parte empobrece o curso a ser percorrido por novos autores que não se tomaram ainda como motivos de diferentes especulações que, da mesma forma, serviriam para ampliar, em relação a eles, estudos de maior magnitude em diferentes ângulos das obras.
É bem restrito o conjunto de livros e de autores que se tornaram verdadeiros totens da judicatura crítica brasileira. Tomem-se para ilustração, autores como Machado de Assis, Drummond, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, entre poucos mais. A literatura brasileira é já muito extensa no quantitativo de autores nos vários gêneros.
Se a nossa crítica superior se ativer tão-só a um seleto grupo de autores, ela decerto merece restrição, ainda que não possamos – quem somos nós? - absolutamente impor aos exegetas quais obras devem eles pesquisar e sobre elas produzir trabalhos.
Devemos acrescentar à nossa crítica as conquistas teóricas do exterior – sobretudo da Europa e dos Estados Unidos -, é verdade, mas sem que elas nos coloquem numa posição continuadamente de subordinação. Qualquer tese que se preze deverá, em princípio, escorar-se em teóricos estrangeiros caso o pesquisador deseje ser aprovado e aceito pelo meio acadêmico universitário. Claro que há exceções neste particular. A primeira alegação por parte da orientação acadêmica é a de que, se não houver a infraestrutura teórica, o estudo se ressentirá profundamente de uma visão científica, objetiva, séria.. Do contrário, o trabalho acadêmico apresentado se enquadraria em repudiado anacronismo impressionista.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. A crítica que proponho deve, sim, ser oxigenada pela grande contribuição de avançados e respeitados teóricos estrangeiros, mas o trabalho que dela decorra, mantendo o necessário diálogo com a teorias de fora, não deve se tornar demasiada e culturalmente ancilar a elas.
A crítica brasileira tem uma grande e decisiva tarefa a cumprir pela frente: a de desenvolver-se verticalmente, procurando desbravar internamente um caminho de alta reflexão e pesquisa acadêmica que redunde em originais conquistas a fim de exercer um pensamento crítico atuante, renovador e produtivo. Quer-se dizer, um pensamento sintonizado com os mais adiantados estudos literários do exterior através de um diálogo constante, fértil e – reforço - sem servidão cultural. Dessa simbiose pode surgir o tão almejado exercício da crítica literária entre nós, aberta às discussões, mas também consciente de seu lugar no mundo dos estudos literários e identificável por uma voz crítica singularizando modos brasileiros de entender o fenômeno literários e seus múltiplos e intrincados problemas trazidos pela contemporaneidade e desenvolvimento da civilização.
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