quarta-feira, 12 de maio de 2010

Spleen à romântica

Spleen à romântica


Cunha e Silva Filho

Acordei com uma sensação de viver à antiga, no Rio de Janeiro, talvez no século 19, desde a fase imperial de D. Pedro I, com suas estrepolias e aventureiras escapadas eróticas da mocidade até o reinado de seu pai, D. Pedro II. Mas viver não como um homem comum do povo, no meio de escravos e europeus ávidos do poder econômico, mas como enfadonho habitué de saraus só para satisfazer o bom tom da sociedade aburguesada, ou freqüentador assíduo de comédias farsescas de Martins Pena, tempo em que pontificava o ator João Caetano, ou de tragédias de Gonçalves de Magalhães, José de Alencar, Gonçalves Dias, Macedo, e ainda, de vez em quando, ler algum folhetim de Macedo, Alencar ou mesmo as aventuras pícaras de Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias ( em folhetins de 1853).Sim, leitor, viver o romântico século do subjetivismo, sofrer do spleen, do “mal do século”, da tuberculose, dos namoros platônicos ou mesmo dos desejos dionisíacos, das orgias e da tavernas meio escuras e fantasmagóricas à Álvares de Azevedo.
Fui buscar no século retrasado uma forma de escape, um fuga, diria melhor, da náusea contemporânea que nos avassala a todos, principalmente aqueles que mal suportam o peso e o sacrifício das nossas desgraças em vários setores da sociedade, na política municipal, estadual, nacional e internacional. Não veem, leitor, as disputas na Inglaterra entre conservadores e trabalhistas tendo no meio deles os liberais-democratas. Ó redentora Terceira Via, que tendes entre vossos ideólogos o decadente Gordon Brown, aquele mesmo que destratou, pensado estar em off, uma velhinha com palavras descorteses para um Premier que foram para o ar em transmissão mundial. O filme, mudando a língua e excluindo a palavra final da rainha inglesa e alguns costumes, é praticamente o mesmo de um país como o nosso. São realidades iguais para cenários diferentes.
Leio o jornal, ligo a TV ou mesmo o computador e, no noticiários, o que vejo? A polícia de São Paulo espancando um inocente até ao desfalecimento, quando – que ironia diabólica – o levam a um hospital e lá chegando, os médicos declaram que o jovem inocente está morto. O espancamento foi em frente à casa do jovem, um motoby, diante da pobre e desamparada mãe que tudo viu, inclusive os gritos dele pedindo socorro.. E era o Dia das Mães.
O mais doloroso foi o depoimento dela à imprensa afirmando que nem mesmo podia, naquele momento de aflição e terror, chamar a polícia uma vez que a policia ali mesmo estava trucidando seu próprio filho querido. Poucos dias atrás, um outro jovem foi fuzilado por policiais e, segundo soube, foram policiais de um quartel próximo ao daquele a que pertenciam os policiais do segundo crime.Onde está a formação que se dá a esses incompetentes e brutais policiais que, pagos pelo Estado de São Paulo com o dinheiro do contribuinte, carregam armas no corpo para assassinarem jovens brasileiros inocentes? Não quero crer que estamos num país democrático, cujo líder-mor a míope imprensa estrangeira alça à estratosfera como exemplo da mais influente liderança mundial. Oh, imprensa estrangeira, como seus membros estão longe de conhecer nosso país e nossas misérias! O marketing falaz, que custa milhões aos cofres públicos, consegue torcer visões de um país diante do mundo basbaque. Afinal, a burrice não tem fronteiras.
Não vou me alongar desfiando meu rosário de lágrimas diante de tanta covardia, mistificação, tráfico de influência, corrupção deslavada, cumplicidade, parcialidade da Justiça, injustiça social, desgoverno em vários setores e sobretudo empulhação para pascácios ou fanáticos de um rei nu que o aulicismo da direita, da esquerda e do centro teima em dizer que está vestido. O rei nu, porém, continua rindo, na sua ginga malandra, sendo homenageado globalmente, a serviço do capital de dentro e de fora, da especulação interna e externa, a ponto de se oferecer – como se fosse um poderoso paxá ou marajá miliardário do Oriente afundado na galinha dos ovos de ouro – ajuda a um país que se endividou na ciranda da especulação cujas consequências nefandas se comportam como efeito dominó Europa afora. Os ricos ou pseudo-ricos se deliciam em se ajudarem mutuamente já que são interdependentes nas suas metas e nos seus gostos, nos seus luxos, paraísos e mordomias palacianas.Ora, que liderança é essa incensada por capadócios da imprensa mundial que, ao invés de, como se queixou com toda razão, um leitor da Folha de São Paulo, amenizar o sufoco dos salários aviltantes dos aposentados brasileiros do INSS, nababescamente se oferece – para salvar especuladores gregos, naturalmente os homens lá do poder econômico, enquanto a população da velha Grécia de Homero (séc. IX a. C.?) vai às ruas protestar contra o arrocho dos salários imposto a ferro e fogo contra ela. Antío sas, ò Hélade, berço da civilização e da filosofia!
Acordei mesmo com um spleen romântico em tempo de objetividade e ausência de alma.

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