COMO ESTAR CONTENTE?
Cunha e Silva Filho
Me pergunto se em nosso tempo brasílico ou global ainda é possível estar feliz quando tudo à nossa volta conspira contra nossas vidas. No país, em pré-campanha (nunca vou entender o que seja essa fase se ela própria já na prática é campanha declarada com todas as letras) presidencial, ficamos sem saber a quem dar nosso voto, quando não sabemos mais onde começa a direita e onde acaba a esquerda.
Quanto ao centro, deixo isso pros futurólogos ou pras cartomantes. De permeio, há os liberais, da direita, da esquerda, sendo que cada um se diz democrata ou, para não parecer muito inconseqüente, se diz socialista.
Fala-se em esquerda e novamente me pergunto o que seja esta . Seriam o comunismo, o socialismo? E onde fica o anarquismo? Diacho, fico sem saber quem é quem e o que é quê. Penso que nem o melhor estrategista do tabuleiro de xadrez resolveria o imbróglio e conseguiria entender tanta mixórdia, para não dizer mistificação entre realidade e abstração, entre a prática da vida, os costumes sociais, os gostos burgueses, a dolce vita a qualquer preço e aética, as mordomias e a desgastada insipidez vermelha. Não passaria tudo isso de um uma grande faz de conta, em escala mundial, que, para se perpetuar nas regalias de todos as cores políticas, que o Sistema global, sob a batuta do capital ( de Marx? - mas, nesse caso, seria com letras iniciais maiúsculas), estaria indefinidamente engabelando a todos nós mortais enquanto a vida cá na Terra durar?
Como estar contente quando nos tiram seis meses do ano para pagarmos o imposto de renda, que, assim, vira uma prestação alta e compulsória cuja destinação ninguém sabe ao certo qual é. Dou razão a James Brown que, certa vez, declarara, por ato de desobediência civil, não concordar que lhe cobrassem o imposto de renda uma vez que o EUA, segundo ele, nada fizeram por ele, por sua formação, por sua sobrevivência, por suas conquistas feitas só com o suor do seu rosto, sem a ajuda do Estado. Preferiu ser preso a pagar imposto ao governo.
Como estar contente quando a saúde pública nossa é precária e funcionários que atendem à população humilde ainda insultam os doentes ? Como estar contente quando os ricos roubam os cofres públicos e não vão para a cadeia ? Como estar contente quando não temos segurança nas ruas, nos nossos lares, nas nossas cidades? Como estar contente quando só os espertalhões se dão bem em nosso país? Como estar contente quando sabemos que o uso da droga é altamente consumido por executivos, que têm dinheiro para seu consumo e, então, se tornam grandes responsáveis pela difusão maldita das drogas e da manutenção do tráfico, conforme foi recentemente comentado numa crônica de Ferreira Gullar no caderno Ilustríssima da Folha de São Paulo?
Como estar contente quando países como a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, que deveriam ser unidos, vivem mutuamente mostrando suas presas afiadas, sempre em pé de guerra? Como estar contente quando uma embarcação pacífica a serviço de uma ONG, levando suprimentos para populações palestinas , é assaltada por ações de pirataria a serviço do governo judeu matando quase uma dezena de pessoas inocentes em águas internacionais? Onde estão os princípios religiosos do judaísmo e intenções de promover a paz entre esses dois povos? Como pode o embaixador de Israel, em Brasília, reiterar que a ação sangrenta seja correta? Meu Deus, quanta insensibilidade! Então, é certo matar inocentes e indefesos? Se matar pessoas inocentes se justifica, como fica a dignidade judia quando entram em discussão os crimes nazistas do infausto período do Holocausto? Para ser respeitado, é preciso respeitar o maior bem do Homem, que é a vida.
Com estar contente quando persistem as atrocidades no Afeganistão, no Paquistão, na Índia, no Tibete, ou o terrorismo de esquerda e de direita? Como ficar contente quando não se cessa de matar animais já em estado de extinção pelo mundo afora, sobretudo por países que se dizem civilizados? Acompanhe o leitor o que constantemente a Humane International Society informa sobre as atrocidades cometidas contra os animais e o meio ambiente no mundo.
Como estar contente quando pais encomendam mortes de filhos ou vice-versa só para se apoderarem de fortunas ganhas em loterias? Como estar contente com a escassez do sentimento de solidariedade, de respeito, de cooperação entre nações altamente desenvolvidas pelo menos do ponto de vista intelectual?
Como estar contente com a falta de boa convivência entre vizinhos, entre funcionários de uma mesma repartição, de uma mesma empresa, quando cada um só pensa em si e em derrubar alguém que ao ver deles seja considerado uma ameaça à sua posição?
Todo esse estado de descontentamento chegou a uma fase aguda, de ameaça à convivência entre pessoas, parentes, membros de famílias, entre nações, governos, autoridades, líderes religiosos, intelectuais, cientistas, enfim, em tudo onde há a presença do ser humano quando este tenta agir socialmente à procura da convivência pacífica e duradoura e o seu semelhante o impede de fazê-lo. Não acontecendo esse desejado encontro entre os dois lados, não haverá salvação para a Humanidade.
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