terça-feira, 6 de outubro de 2009

Um poema de Verlaine




Cunha e Silva Filho


Desta vez, para aqui lhe trago, leitor, um pouco mais da literatura francesa, domínio das letras tão cheio de genialidades com reflexos para tantas literaturas do Ocidente e com repercussão até aos nossos dias. Paul Verlaine (1844-1896) é um poeta já de há muito conhecido desde os bancos do curso secundário, dos livros didáticos sobre literatura brasileira, obrigatoriamente citado no capítulo sobre o nosso Simbolismo, na referência célebre dele a uma das características do movimento simbolista francês, que, aliás, vale como um lema desse estilo de época: “De la musique avant toute chose”, preconizava Verlaine nesse enunciado extraído de sua Art poétique.
Paul Verlaine, como outros poetas de outros quadrantes, teve uma vida cheia de atribulações causadas pelas próprias opções dele com respeito à condução de sua vida, marcada por aventuras de um modo existencial ambíguo e desconcertante, tanto na sua vida de escritor quanto na sua vida afetiva. Afundou-se no fosso da dissolução, provocou o colapso de uma vida conjugal que poderia ter dado certo, vagabundeou, em companhia de Rimbaud, por diversos lugares, Bélgica, Inglaterra. Por haver, movido pelos efeitos do álcool, disparado dois tiros contra o amigo Rimbaud (1854-1891) passou dois anos na prisão, em Mons. Desejou recuperar-se moral e eticamente sem, afinal, consegui-lo e terminou seus dias na miséria e abandono. Restou-lhe a obra de supremo valor e isso lhe basta para que o reverenciemos como grande lírico -- um lírico de comportamento existencial barroco dada a sua indecisão entre uma vida pautada pela dignidade e pureza religiosa e uma vida dissoluta.A sua obra esteticamente o redime de todos os erros e hesitações.
O poema que, adiante traduzimos para o vernáculo, é extraído de sua obra La bonne chanson (1870). Ei-lo na sua apresentação bilíngue:

J’AI PRESQUE PEUR EN VERITÉ...

J’ai presque peur, em verité,
Tant je sens ma vie enlacée,
À la radieuse pensée
Qui m’a pris l’âme l’autre été.

Tant votre image, à jamis chère,
Habite em ce coeur tot à vous,
Mon coeur uniqquement jaloux
De vous aimer e de vus plaire;

Et je tremble, pardonnez-moi
D”aussi franchement vous le dire
À penser qu’un mot, un sourire
De vous est désormais ma loi.

Et qu’il vous suffirait d’un geste,
D’une parole oou d’un clin d’oeil,
Poour mettre tot mon être en deuil
De son illusion céleste.

Mais plutôt je ne veux voir,
L’avenir dût-il m’être sombre
Et fécçond en pein es sans nombre
Qu’à travers un immense espoir

Plongé dans ce bonheur suprême
De me dire encore et toujours,
En dépit des mornes retours
Que je vous aime, que je t’aime!
NA VERDADE QUASE SINTO MEDO...

Na verdade quase sinto medo
De tanto sentir enlaçada minha vida
Ao radiante pensamento
Que se apossou, no outro verão, da minh’alma.

Por isso, vossa imagem, para sempre querida,
Mora neste coração todo vosso,
Neste coração simplesmente ciumento
Por vos amar e agradar-vos

Tremo realmente, perdoai-me
Pela franqueza de dizê-lo.
Pensar que uma palavra, um sorriso
Vosso minha lei se torne doravante.

Bastar-me-ia um gesto vosso
Uma palavra ou uma piscadela,
A fim de pôr-me enlutado o ser
Da ilusão celeste.

Antes, contudo, não vos quero ver
Senão através de uma grande esperança
O futuro resolveu, sombrio, me deixar,
Assim pródigo de castigos sem fim

Mergulhado nessa suprema felicidade
De me dizer ainda e sempre
A despeito de melancólicos regressos,
Que vos amo, que te amo!

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