sábado, 3 de outubro de 2009

Um olhar atual para Sangue, de Da Costa e Silva

Cunha e Silva Filho

Em agosto de 1996, numa belíssima manhã de sol teresinense, estive aqui na Academia Piauiense de Letras para lançamento de m livro meu. Considero Teresina minha segunda terra natal, porquanto para esta cidade vim morar aos três anos quando papai se transferira definitivamente de Amarante para lecionar em colégios daqui. Por outro lado, as minhas lembranças infantis de Amarante são poucas e fugidias, mesmo porque poucas vezes estive lá. Mas é lá que estão sepultados meus antepassados paternos e em parte maternos.. Em Amarante está sepultado meu pai, membro ilustre desta instituição. Em Teresina fiquei até completar dezoito anos, quando parti para o Rio e Janeiro onde moro desde fevereiro de 1964.
Esta “Cidade Verde”, na famosa antonomásia de Coelho Neto (1864-1934), está fincada na minha memória com muito carinho e sempre com ilimitada saudade.
A vetusta Amarante guarda ainda, em seus casarões e nas suas ruas, dos dois lados da Avenida Amaral, centenárias memórias que parecem falar a quem a visita.A cidade é um arquivo vivo de lembranças e relembranças avoengas, de ressonâncias ainda muito potentes, muito fecundas e multiplicadoras de outras vozes poéticas autênticas do Piauí, e bem assim de outras vozes de parte da inteligência dos seus filhos em outros campos da cultura e da inteligência piauienses. Não vou citá-los porque são, em geral, do conhecimento dos filhos de Amarante e dos piauienses.
Porém, o fato é que foi em Amarante, nessa veneranda cidade, que nasceu o mais eminente poeta do Piauí, cujo nome é Antônio Francisco da Costa e Silva, mas, como nome literário, ficou, na história da literatura brasileira, sempre conhecido por Da Costa e Silva. Essa mesma Amarante, que jamais foi por ele esquecida, é um dos leitmotive da sua poética.. Em Sangue, obra inaugural de sua poesia, Amarante se faz fortemente presente no famosíssimo e nacionalmente conhecido soneto “Saudade,” presente na maioria das boas antologias do soneto brasileiro. Zodíaco, sua segunda obra, é dedicada a Piauí, ou melhor, aproveitando as próprias palavras do bardo, logo abaixo da epígrafe de Verhaeren (1855-1916): “Ao meu longínquo Piauí – na divina evocação de sua natureza maravilhosa”, finalizada logo abaixo pelas iniciais D.C.S.
A vetusta Amarante guarda ainda, em seus casarões e nas suas ruas, dos dois lados da Avenida Amaral, centenárias memórias que parecem falar a quem a visita. A cidade é um arquivo vivo de lembranças e relembranças avoengas, de ressonâncias ainda muito fecundas e multiplicadoras de outras vozes poéticas autênticas do Piauí, e bem assim de outras vozes de parte da inteligência dos seus filhos em outros campos da cultura piauiense. Não vou citá-los porque são, em geral, do conhecimento dos filhos de Amarante e dos piauienses.
É com imensa alegria que venho a Teresina para atender prontamente ao honroso convite a mim formulado pela Casa de Lucídio Freitas – locus ideal para a discussão sobretudo de literatura e cultura -, a fim de vir falar-lhes sobre o centenário de Sangue, obra de estreia no gênero poético, segundo há pouco salientamos, de Da Costa e Silva, publicada em 1908, em Recife, pela Livraria Francesa.
Da Costa e Silva não é somente um notável poeta do Piauí., é um autêntico símbolo do nosso querido Estado, orgulho de todo piauiense e poeta brasileiro que atingiu notoriedade nacional graças aos inegáveis méritos de sua obra .
Não sei se outros grandes poetas brasileiros têm recebido o merecido prestígio que nós piauienses reservamos a esse artista do verso. Falo assim porque estou pensando também em outro centenário de outro poeta e, como Da Costa e Silva, também grande poeta simbolista brasileiro.Reporto-me a Eduardo Guimaraens, poeta gaúcho, morto precocemente aos 34 anos, cujo livro Caminho da vida igualmente data de 1908. Se não o têm, os piauienses nesse aspecto, me parece, temos dado insofismáveis demonstrações de carinho e de reverência ao filho ilustre deste estado. É bairrismo exagerado? Não, sem dúvida, não o é. É puro reconhecimento pelos nossos valores estéticos, pelas figuras de nossa inteligência. As grandes nações civilizadas se comportam assim diante dos seus valores morais, artísticos, científicos e intelectuais. Em Londres, por exemplo, a Abadia de Westminster preserva os restos mortais de vários eminentes escritores ingleses, como Macaulay, Dickens, Tennyson, Milton. Shakespeare é uma lenda na sua terra natal, Stratford-on-Avon.
A modernidade que se preza não subestima o passado de seus heróis e de seus artistas, seus escritores, inventores, cientistas. A própria história do homem comum se torna também digna de nossa memória. A modernidade se projeta para o futuro, porém não pode se desvincular da tradição. Não é um passo para trás, mas um passo adiante, renovado e revigorado de novos conceitos, de novas concepções, de uma visão do mundo mais avançada e assentada na atualidade, a qual, entretanto, não deve nem pode perder o admirável elo do legado pretérito.
Contudo, o meu assunto central, objetivo desta palestra, é Da Costa e Silva, ou melhor, celebrar a data de estréia do livro Sangue. Este, sim, é o homenageado e, por isso, merece que a ele preste a minha contribuição, faça sua releitura, veja alguns tópicos que somente vêm à baila com o aporte da pesquisa e de novas reflexões propiciadas pela releitura da sua obra. A releitura de um autor não pode prescindir de novas leituras teóricas a seu respeito. Um escritor que se tornou objeto de nossa pesquisa acadêmica passa a fazer parte integrante de nossa vida intelectual, já que tal pesquisa só formalmente se concluiu para respeitar os cronogramas burocráticos de um projeto acadêmico.
Só há pouco tempo lendo o brilhante prefácio de Francine Ricieri, que organizou, selecionou e anotou a recém-lançada Antologia da poesia simbolista, editora Lazuli/Companhia Editora Nacional, 2007, vim a saber que Sangue, na edição de estréia, mantém uma relação pictórica com a cosmovisão da obra. Lembra a pesquisadora que o volume, em formato de retângulo, ostentava na capa o título e o nome do autor na cor vermelha, distribuindo-os “cuidadosamente no espaço gráfico.” Nas palavras da organizadora da antologia, Sangue, devido a essas peculiaridades, “revela, igualmente, preocupações que remetem a uma concepção intelectualizada da obra”. Particularmente, essa visualização muito tem a ver com o caráter da obra dacostiana, sobretudo tendo em vista sua forte predisposição para o uso grafemático de seus poemas.
Entretanto, cabe acentuar que esses recursos grafemáticos, tanto na capa das edições de autores simbolistas quanto no interior dos livros, não são exclusivos do bardo de Amarante, conforme se vê em nota de pé de página da pesquisadora acima citada respigando informações no notável livro A vida literária no Brasil – 1900, de Brito Broca, 5 ª edição da José Olympio Editora/Academia Brasileira de Letras, 2005, p.184-5. Só que no poeta piauiense o grafismo não é epidérmico, instaura-se no cerne do poema e se aproxima mais de recursos gráfico-espaciais precursores do que surgiria a partir do Modernismo de 22 e especialmente no Concretismo brasileiro de 56.
A propósito ainda da história da publicação de Sangue, o mesmo Brito Broca, citado pela mencionada antologista, declara que a primeira tiragem de Sangue “gerou frisson e disputa pelos escassos volumes”. No bem fundamentado estudo sobre o pai, Alberto da Costa e Silva, no estudo “Notícia sobre Da Costa e Silva”, que já aparece na 2a edição das Obras Completas do poeta , editada pela Cátedra,/INL/MEC, 1976, relata igualmente a história de um leitor-fã de Da Costa e Silva que, não podendo comprar o único exemplar que se encontrava na vitrine da editora, sorrateiramente, “quebrou o vidro, à noite e roubou o volume.”
Não pretendo me ater nesta exposição a apenas dados extra-literários ou biográficos sobre Sangue. Interessam-me nesta obra sobretudo os seus valores intrínsecos, mas não deixarei de tratar, ainda que de forma resumida, de dois tópicos adicionais: o binômio estilo-temática e a situação atual da sua fortuna crítica, na qual está embutida sua correspondente recepção junto ao leitor especializado. Entendo que, neste sentido, o trabalho da crítica tem um considerável peso na difusão da obra de um escritor, uma vez que a posição da crítica tem reflexos positivos sobre os professores do ensino médio e da próprio ensino superior. Essa cadeia de informações tem efeito multiplicador junto ao público e ao leitor comum amante de poesia, principalmente hoje em dia com os meios de comunicação aperfeiçoados, sem falar na Internet – espaço virtual com muita força de irradiação no campo da cultura.
Penso, agora, retomar uma pergunta que levantei em artigo sob o título “Sangue: centenário de estréia,” publicado no jornal Diário do Povo, de Teresina, em 8 de julho do ano passado, um projeto provavelmente divisado por Da Costa e Silva. Aliás, outros estudiosos do poeta, inclusive Alberto da Costa e Silva, já deram indicações interpretativas nessa direção.Duas pistas me pareceram auxiliar nessa tentativa de objetivamente depreender uma organicidade latente em Sangue, obra que seria o ponto de partida para entendermos esse possível projeto da parte do poeta. Quer dizer, Sangue viria a ser a primeira parcela de um macro-discurso lírico identificador de uma processo de construção poética meticulosamente programado e não uma mera acumulação de poemas com temáticas variadas e artificialmente arrumadas pelo autor. O projeto se cumpriria com a publicação do conjunto de obras que comporiam sua produção poética: Sangue (1908), Zodíaco (19170, Pandora (1917) e Verônica (1919). Não incluo, por enquanto, Alhambra, não obstante contenha os poemas que indiciariam para uma dicção a caminho do Modernismo e que provavelmente seria sua próxima formulação poética em livro.
Inclusive, Da Costa e Silva nessa direção já havia acenado com uma futuro novo livro sob o título de Jangada, título este para o qual, em tom claramente brincalhão, pediu que não lhe fosse roubado, segundo a informação colhida em Judas Isgorogota numa enquete realizada com o poeta em 1931 por ocasião da sua chegada a São Paulo a fim de exercer o cargo de delegado fiscal. Aquele livro anunciado, nas palavras de Da Costa e Silva seria “uma poesia livre e selvagem, aprendida com mestre Amazonas”. Todavia, naquela mesma enquete, percebemos, pelo enunciado embora firme do poeta, que os seus projetos literários não seriam concretizados, como, na realidade sabemos que não o foram pelas circunstâncias conhecidas de sua biografia.Seus planos para o futuro soavam desalentadores, como a sinalizar um fim de sua caminhada lírica, visto que o infausto silêncio de que foi vítima involuntária data aproximadamente de 1933, ou seja, quando contava apenas 48 anos. A sua inatividade nas letras perdurou praticamente durante quase duas décadas, já que só veio a falecer em 1950, aos 65 anos.
As duas pistas acima referidas são, na minha opinião, representadas pelo poema inicial de Sangue e pelo poema final, “Depois da luta”. O livro inicial tem uma espinha dorsal, assim como têm as suas obras ulteriores.Em nenhum delas há improvisações, porém elevada consciência de um trabalho plenamente amadurecido, tanto no estilo, nos temas quanto principalmente nas formas de linguagem. Sem o trabalho desta, no mais alto conceito dos seus valores estéticos, não há criação verdadeira e duradoura.
“Cântico do sangue”, tanto quanto a “Profissão de fé” de Bilac e “Antífonas” de Cruz e Sousa, delineia os seus pressupostos estéticos, as linhas de força do seu estro, que deságuam conclusivas no último poema da obra, “Depois da luta”. Ambos os poemas procuram explorar dois pólos temáticos que percorrem essa obra com ligeiras variações: a vida e a morte. Curioso é ressaltar que exatamente, no poema “Canção da Noite”, a última estrofe equivale a uma instigante chave de leitura de Sangue:

- E vem-me à idéia a minha sorte:
Poeta, a oscilar, desde menino,
Entre os dois pólos do destino:
- A vida e a morte.

Pelo visto, Da Costa e Silva, assim como Alphonsus de Guimaraens, por exemplo, é um artista do verso que não recua diante de certas confissões pessoais. Sua obra é, em parte, sua biografia nos lances mais dramáticos do seu percurso.
Em “Cântico de Sangue”, Da Costa e Silva se antecipa metalingüística e metapoeticamente, desde o início do poema, onde introduz o lexema “sangue”, até o derradeiro verso que se utiliza desse recurso retórico e reitera, na linha do derradeiro verso, o sentido emblemático de “sangue”, através do adjetivo “rubra”. Ou seja, quantitativamente, o campo semântico do poema inaugural se apóia basicamente no conceito desse elemento vital e responsável pela perpetuação da espécie humana e, por analogia, vale frisar, da Arte. Aliás, muito oportunamente ensina Massaud Moisés, em seu percuciente ensaio sobre o Simbolismo brasileiro, que Cruz e Sousa, após “contato” com poetas franceses, em especial Baudelaire, com quem, segundo o ensaísta e historiador literário, muito se identificou, procurava encontrar no sangue e na carne “as razões para criar poesia”.
A preferência nesse poema por um vocabulário vinculado à ciência biológica, tanto quanto, mas de forma exacerbada, ocorreu com Augusto dos Anjos, obviamente decorre da sua própria formação jurídico--científica na Escola do Recife, familiarizando-se com o pensamento evolucionista e fenomenista de Laurindo Leão, segundo já foi anotado por alguns estudiosos de sua obra.
Voltando ao poema “Depois da luta”, o ponto que o conexiona ao “Cântico de Sangue”, embora cantando o amor ferido e traído, reside justamente tanto pela tematização amorosa, através da alusão metapoética do verso “E que eu cantei em doce ditirambo”, como pela própria alusão ao conjunto de poemas de Sangue, ilustrada pelo derradeiro verso do soneto: “Vede este chão... é sangue! sangue! sangue! ou por outra, num poema de forma não fixa, posso deduzir e mesmo confirmar a minha hipótese de estudo: em “Cântico de Sangue”, Da Costa e Silva conduz o leitor àqueles dois pólos mencionados: a vida e a morte. É preciso, todavia, ir mais fundo no conceito simbolizado pelo léxico “vida”: aqui se desdobra o conceito para o âmbito do pensamento reflexivo da existência e para a tematização do amor e seus derivados. Sob aquele díptico o amor equivale a vida, portanto, subsistem os dois pólos: vida e morte. Desta forma, Sangue se sustenta e assume sua forma orgânica, unitária e singularizadora.
Estatisticamente, Sangue reúne 48 poemas, dos quais 12 são poemas de extensão e formas irregulares, e 36 são sonetos, conforme recentemente lembrou, num pequeno e penetrante ensaio estampado na revista Presença, nº 39, p. 8-10, o poeta e historiador literário Alexei Bueno. A prática do soneto sinaliza estruturalmente para uma forma muito ao gosto dos parnasianos. E sabemos que o estilo do Parnasianismo se imbrica muitas vezes no estilo do Simbolismo.A perfeição da forma, no Simbolismo brasileiro, está presente praticamente em quase todos os nosso simbolistas.Não houve como fugir à proximidade do Parnaso, assim como se insinuou no nosso Simbolismo o dado sentimental do Romantismo. O período era literariamente sincrético e a alma brasileira é por demais inclinada ao sentimentalismo. Da Costa e Silva não ficou imune a essas irradiações.Não obstante, os valores estéticos, formais e semânticos são indisfarçadamente simbolistas.
No movimento pendular entre os dois grandes pólos, vida e morte, consoante aludimos linhas atrás, cumpre-me, agora, adentrar esse universo bipolarizado, desdobrando o primeiro pólo, o da vida, que, em Sangue, abre flancos para inúmeros motivos que constituirão importantes linhas de força de sua poética; a mãe, o rio Parnaíba, a terra natal, a natureza, considerada na sua flora e fauna, o passado e, abstratamente, a saudade, a tristeza, a dor, a religiosidade de fundo cristão, litúrgico, a angústia, o sofrimento, o macabro, a ironia e, acima de tudo, o tema do amor. Basta essa enumeração para se poder avaliar o alcance multifário da substância de sua poética.
Cingindo-me ao tema amoroso em suas várias facetas, contamos, salvo engano, 14 poemas, o que comprova a extrema relevância que o autor conferia ao tema. Se mapearmos a gama de variações em torno do tema do amor, teremos as seguintes situações amorosas:
- a antinomia amorosa
- o amor de mistura com o ciúme
- o amor dividido entre a tranqüilidade, o suplício e a mágoa
- o amor-dúvida
- a dor amorosa indecifrada
- o amor erótico e inconcluso
- o amor incerto
- o amor não correspondido,
- o amor na vida e na eternidade
- o amor contrafeito.

No tocante ao tema da morte em Sangue, me deparei, pelo menos com sete poemas, nos quais o tema é focado com maior ou menor grau de morbidez e, em alguns deles, num tom sério-irônico. Indiscutivelmente, a fonte-matriz desse tema é Charles Baudelaire, esse controvertido, odiado e amado poeta das Flores do Mal, por excelência um obcecado por aquele tema, assim como pelo temas do exílio e do tempo:

Ah! A morte é quem nos consola! E nos dá vida;
É o marco final, e também a única esperança
Que, tal qual um elixir, nos anima e nos embriaga
E nos permite ainda ter coragem de alcançar a noite.

Voltando a citar o prefácio de Francine Ricieri, ela refere a uma classificação formulada no livro O Castelo de Axël, pelo crítico americano Edmund Wilson segundo o qual há duas tendências opositivas nos simbolistas franceses: a “sério-estética”, de que seriam exemplos os poetas Baudelaire, Mallarmé e Verlaine e a “coloquial-irônica”, a que se associariam os poetas Corbière e Laforgue. A coloquial-irônica combinaria o uso nobre da linguagem poética ao que a pesquisadora chama de “lixo” incorporado e ¨proibido” no discurso poético. Entretanto, o crítico e poeta Augusto de Campos, também citado por Ricieri, não via nos nossos simbolistas exemplos de maior significação empregando a segunda tendência, destacando, porém, o crítico brasileiro apenas o caso do poeta Marcelo Gama. Ricieri julga que talvez Da Costa e Silva pudesse ser um outro exemplo da segunda tendência. De minha parte, diria que em Da Costa e Silva o coloquial-irônico pode estar presente em alguns poemas, mas em grau discreto.Entretanto, Ricieri, em nota de rodapé, p.186, op. cit., conclui por considerar Da Costa e Silva, assim como Alphonsus de Guimaraens, Cruz e Sousa e o mencionado anteriormente Marcelo Gama, como poetas que tenham explorado a tendência coloquial-irônica proposta por Edmund Wilson, e cita como exemplos do poeta piauiense os poemas “Canção da Morte” e “Ironia Eterna”, que pertencem a Sangue. Vejam-se nestes versos extraídos, respectivamente, daqueles dois poemas

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Que o nosso tálamo bendito
Traduza as leis do meu sentir
Seja este amor todo o meu rito
Mostre este gozo, almo, infinito,
Minha caveira a rir, a rir...

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Ride, Visões sinistras, agoureiras
Pois que dos risos o melhor de todos
É o riso escancarado das caveiras.



A morte como tema, no que tange à tendência sério-estética, segue, nos limites de Sangue, as pegadas do figurino do Simbolismo francês via Baudelaire e, em Portugal, associa-se a Antero de Quental e um tanto a Antônio Nobre, sendo que, no Brasil, cola-se às pegadas de Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens.
É preciso insistir que, do mesmo modo que em outros estilos literários, os cultores do Simbolismo brasileiro, dentro das possibilidades, quer dos prógonos, quer dos epígonos, viviam sob a mesma influência do período cultural-artístico denominado Belle Époque, cujo marco inicial, na Europa, é o ano de 1895 e, no Brasil, vai ate, pelo menos, 1930, consoante esclarece José Guilherme Merquior na bela conferência que pronunciou em Teresina por ocasião das comemorações do centenário de nascimento de Da Costa e Silva, sendo parte dela publicada na Revista Presença, em edição especial, e, depois, reproduzida integralmente nas Poesia Completas de Da Costa e Silva, 4a edição, Nova Fronteira, 2000.
O que diferencia a elaboração do estilo poético em Sangue não é a novidade temática, mas a reelaboração lírica seguindo e mesmo renovando as características retóricas do Simbolismo, i.e., o nível sintático-estilístico será o fator axiológico determinante dos poemas. Se o poeta recorre aos recursos próprios desse estilo literario, ele passa a compartilhar o que é comum entre os seus pares simbolistas. Esta circunstância aponta um traço de maior significação para que o poeta consiga o seu lugar de relevo entre os melhores líricos do seu tempo: a originalidade. E por falar de originalidade, vale a pena citar um trecho de Cassiano Nunes extraído de uma conferência, sob o título “A poesia brasileira”, proferida nesta Academia e que, depois, foi reunida no livro O Brasil no limiar do novo milênio, edição da APL /Fundação Banco do Brasil e publicada em 2001. O trecho me parece luminoso, precisamente porque conceitua, com grande simplicidade e ao mesmo tempo argúcia, a idéia de originalidade: “...o artista terá que descobrir as suas características mais pessoais, naturais. Em suma, a nossa originalidade é de origem pessoal, quase se pode dizer genética.” (p. 187)
A originalidade, levando para o domínio poético, não depende da boa vontade de querer compor peças de qualidade. Nem tampouco do peso da cultura adquirida pelo artista do verso. Tudo isso não basta se lhe falta o indispensável, i.e., a capacidade de criar, de maneira pessoal e inconfundível, realidades imaginadas que exprimam situações problematizadoras da condição humana, e tanto mais profundas quanto mais gerarem novos sentidos em dimensão universal ainda que falando de existências individuas, de objetos, natureza, animais, sonhos, alegrias, dores, angústias, do mundo concreto, espiritual, metafísico, do permanente e do efêmero, enfim, de todas as realidades do Cosmos. Nas mãos do poeta nato, o repertório cultural, o domínio das técnicas do verso e a potencialidade da inventio, da poíesis é que farão dele um artista diferente de outros e um criador de imagens e reflexões nascidas de sua condição de ser, de sua visão do mundo.A finalidade maior da criação literária reside no jogo da linguagem pactuado entre o artista e nós leitores. Se tal não acontecer, a poesia abortará e o valor do poeta não atingirá mais do que a mediania, a imitação e a baixa voltagem de sua dicção.
Se consignarmos todas as características aprendidas com ligeiras variações nos manuais didáticos do ensino médio, verificamos ser Sangue um livro perfeitamente inserido no modelo simbolista. Todavia, é também verdade que nele rastreamos sem dúvida traços inerentes ao Parnasianismo em alguns poemas, entre os quais mencionaríamos o mais famoso soneto dacostiano – “Saudade” – presente em qualquer referência à obra do poeta, e no qual existem elementos formais e semânticos parnasianos, simbolistas e até românticos, o que evidencia ser Da Costa e Silva um artífice do verso em cuja produção lírica se manifestam vários poemas sob o signo da versatilidade.
Esse lado sincrético de sua dicção poética, a começar de Sangue, configurará a marca pessoal de suas obras posteriores – Zodíaco, Pandora e Verônica, e simultaneamente desvelará um dado técnico-composicional de sua atividade poética, a sua genial tendência ao experimentalismo em direção a formas abertas de corte moderno e até mesmo prenunciadoras, consoante acentuei anteriormente e, alhures, do Concretismo de 56 na lírica brasileira. A meu ver, essa faceta de sua obra é que o tornará um dos mais competentes e conscientes artistas do verso em nossa história literária. Diria mais: todo o seu esforço de testar novas formas de fazer poesia, seja por influências de outros poetas, seja pelo próprio esforço de se testar em diversas formas de composição ainda que nada tivessem a ver com o seu tempo de escrita, como são exemplos os seus poemas de puras recriações miméticas voltadas às fontes camonianas. Só para ilustrar parte disso, vou mencionar três casos paradigmáticos:

a) O recurso visual em caixa alta abrindo o primeiro verso do soneto “Cruzada Negra”, indicado pela palavra latina mors ( = morte):
“MORS: - em letras de luz gravo no meu escudo”
b) O poema “Madrigal de um louco”, em forma de losango, aliás recurso gráfico já usado na França pelo poeta Mallarmé, segundo a informação colhida no prefácio do professor e ensaísta Lauro Junkes para o Roteiro da poesia brasileira – Simbolismo, antologia por ele organizada e editada pela Global, 2006, p. 13.
c) O poema “Canção da Morte”, constituído de 13 estrofes, cada uma formada de uma quadra ou quarteto, apresenta, no entanto, na última estrofe, um grafema inusitado, no qual, ao invés da presença física das palavras compondo o verso final, o que se tem são linhas pontilhadas concluídas com o pronome latino indefinido “nihil (= nada) com inicial maiúscula e finalizado por ponto de exclamação.O ensaísta Heinrich F. Plett, num estudo sobre estilística e retórica, chama a esse recurso de subtração textual, que ele inclui no que classifica de figura textológica, ou metextema. Tal exemplo grafemático , mas agora no âmbito da prosa de ficção – já que não é exclusivo dos textos poéticos -, se encontra em três capítulos das Memórias póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis:
1) Naquele conhecido diálogo de Brás Cubas e Virgília, do capítulo LV intitulado “O velho diálogo de Adão e Eva”, no qual as falas dos personagens aparecem com grafemas indicados por linhas pontilhadas que acabam em ponto de interrogação ou de exclamação, além de, espacialmente, no suposto diálogo, os dois tipos de sinais de pontuação aparecerem ou não em suposto final de frase. Convém notar que este diálogo, de enunciado fisicamente vazio na página, vem precedido das indicações dos nomes dos dois personaqgens, Brás Cubas e Virgília, como se fora de uma rubrica de teatro..
2)No capítulo CXXV, de título “Epitáfio”, a disposição das frases evidencia procedimentos grafemáticos que ressaltam traços de linhas descontínuas abaixo da frase final do texto, além de reforçara fisicidade e posição espacial das frases, o tamanho diferente de letras com objetivos claramente visuais semelhando uma colagem;
3) Esse mesmo procedimento com recurso visual ocorre também no capítulo CXXXIX, de título “De como não fui ministro d’estado, no qual, em vez da narração textual, se vêem apenas cinco séries de linhas pontilhadas formando um micro-capítulo.

O uso desses elementos tipográficos não data de hoje, mas vem desde a Antiguidade greco-latina. Entretanto, foi retomando e modificado pela poesia dita experimental do Modernismo, tomando –se este termo na sua acepção geográfica mais larga possível., a qual, para o ensaísta português Carlos Reis, “(...) cultiva as características grafemáticas da linguagem verbal, fundando-se numa certa capacidade expressiva dos ‘ signos tipográficos’. ( O conhecimento da literatura – introdução aos estudos literários, 2 ed. Coimbra: Almedina , p. 332). A esse estudioso devo a citação do exemplo do capítulo CXXXIX de Memórias póstumas de Brás Cubas, acima-mencionado, que recolhi de uma nota de pé- de –página da sua referida obra (ibidem, p. 332).
De resto, tal recurso espacial-visual Machado deve ter se inspirado em Lawrence Sterne (1713- 1768), romancista inglês, que o utilizou no famoso romance Tristan Shandy, segundo a crítica, uma das leituras e influências inglesas de Machado
Recordo-me, agora, do livro Literatura piauiense, de João Pinheiro, obra pioneira no gênero da historiografia literária piauiense – escorço histórico, editada pela Imprensa Oficial, Teresina, Piauí, 1937. O autor foi jornalista, contista, romancista, poeta e folclorista. Esta obra, além de historiar autores e obras representativos do Piauí, vale também como uma espécie de antologia, pois reúne textos ou passagens dos autores que vão até Lucídio Freitas. Em 1994, saiu uma nova edição, com atualização ortográfica de Magnólia Belarmino acompanhada de um posfácio de atualização crítico-historiográfico de Francisco Miguel de Moura, publicação da Fundação Cultural Mons. Chaves, Teresina, Piauí, nos moldes da primeira edição.
Naquela primeira edição de João Pinheiro, o vate amarantino aparece, no meio de muitos intelectuais. E só. Nada melhor do que os sucesso do tempo para peneirar os mais ilustres dos menos ilustres e confirmar quais autores receberão as glórias do futuro e se projetarão no curso da história literária brasileira. Daquele grupo só Da Costa e Silva, a rigor, distinguiu-se nacionalmente.
Em 1976, Herculano Moraes, com sua Visão histórica da literatura piauiense, Companhia Editora Americana, 1976, vem preencher uma lacuna no gênero da historiografia literária piauiense. Ninguém pode negar-lhe essa empreitada corajosa, que foi seu trabalho de atualizar a história literária piauiense, incluindo os novos autores surgidos após o trabalho de João Pinheiro, estudando-lhes as obras, distribuindo-os nos seus vários movimentos e períodos literários, desde a formação da vida literária piauiense até os contemporâneos. Posteriormente são lançadas, a 2a. e 3a edições daquela obra respectivamente, em 1982 e 1991, pela Editora Hércules/APL. Em 1997, Herculano leva, em 1977, às livrarias uma 4a. edição de sua história literária, editada pela HM Editor, Teresina, ampliada, revista e atualizada e em três tomos, e, da mesma maneira que já o fizera Francisco Miguel de Moura na reedição e atualização da obra de João Pinheiro, Da Costa e Silva surge não mais como um nome entre outros, mas como figura de proa das letras piauienses e como poeta de repercussão nacional..
Em 1976, foi publicado, em Teresina, provavelmente o primeiro ensaio de maior amplitude sobre a poesia de Da Costa e Silva da autoria de J. Carlos de Santana Cruz, de título A continuidade poética de Da Costa e Silva.Em 1977, o ficcionista e ensaísta J. Miguel de Matos lança o seu O poeta da saudade, um estudo cuidadoso dentro daquele estilo seu imaginoso, cheio de detalhes mas escrito com muita sensibilidade e amor ao trabalho intelectual. Em 1993, edita-se o livro Aspectos da literatura piauiense, de Alcenor Candeira Filho, Teresina, UFPI, no qual o autor procura, em tom algo polêmico, responder à pergunta da primeira parte de seu inquietante ensaio: existe literatura piauiense? Sua resposta é categórica: existe.
Passaram-se os tempos. Vem o centenário de nascimento do bardo de Amarante. O Estado do Piauí o festeja com todas as honras a que faz jus. Sua obra é estudada, pesquisada e analisada sob novos enfoques metodológicos. A Universidade Federal do Piauí lança, em 1985,, especialmente para celebrar essa efeméride, um notável Tablóide, organizado pelo seu Departamento de Letras, contendo artigos e estudos de grandes nomes da crítica brasileira do passado e do presente, acompanhado de textos inéditos poéticos do poeta, todos exaltando a contribuição de Da Costa e Silva para a literatura brasileira.
Da mesma forma, em 1985, é publicado um número especial da prestigiosa revista Presença, Ano VI, No. 13, edição da Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Piauí, sob o título 100 anos de Da Costa e Silva,edição inteiramente dedicada ao poeta, trazendo contribuições de vários ensaístas, críticos e escritores piauienses, um ensaio de Alberto da Costa e Silva e excertos de uma conferência, da qual linhas atrás fizemos menção, de José Guilherme Merquior proferida em Teresina em 1985, ano do centenário de nascimento de Da Costa e Silva, bem como um conjunto de artigos de Da Costa e Silva estampados no jornal Correio da Manhã na década de 20. Estas duas publicações, no meu entender, se tornaram, dado o alto valor da qualidade e alcance dos estudos, artigos e ensaios sobre o poeta, em fonte de pesquisa obrigatória para os estudos dacostianos.
Convém lembrar que, em 1950, vieram a lume pela editora O Cruzeiro, as Poesias Completas de Da Costa e Silva, em volume organizado por Alberto da Costa e Silva.
Encarece, contudo, acentuar que, fora do Piauí, o poeta igualmente foi objeto de celebração por ocasião do seu centenário de nascimento, por parte da grande imprensa. No Ceará, por exemplo.
Sabemos que, no passado mais recuado, Da Costa e Silva, foi entusiasticamente elogiado por figuras da grande crítica brasileira. No presente, mercê sobretudo da dedicação de Alberto da Costa e Silva, que, por feliz coincidência, é também respeitado poeta, a fortuna critica dacostina foi crescendo, notadamente por conta do porfioso trabalho de retomada da divulgação desenvolvida pelo ele. Após 1950, ano da 1a edição das Obras Completas do seu pai, a que já fizemos referência, Alberto da Costa e Silva ,em 1976, lança uma 2a edição pela editora Cátedra/INL/MEC agora, já trazendo um substancial ensaio crítico-biográfico do poeta. Essa edição se acompanha de uma revisão e notas, abrangendo variantes, supressões e acréscimos preparados pelo organizador. Por sinal, foi essa a edição por mim utilizada no meu trabalho de Mestrado sobre Da Costa e Silva. Foi-me difícil na época, década de 90, conseguir um exemplar nas livrarias do Rio.
Em 1985, saiu, por ocasião do centenário de nascimento do poeta, uma 3a edição – Edição do Centenário -, pela Nova Fronteira/Pró-Memória/INL. A mais recente edição que tenho é a 4a , revista e ampliada, e lançada também pela Nova Fronteira em 2000. Dela Alberto da Costa e Silva excluiu, infelizmente, o já referido estudo crítico-biográfico de sua autoria, substituindo-o por dois ensaios de alto alcance analítico que sobremaneira valorizam a poesia dacostiana: “Espelho do mundo: refrações” de Oswaldino Marques, e ”Indicações para o estudo da obra de Da Costa e Silva”, texto integral da citada conferência de José Guilherme Merquior, ambos já falecidos. Essa edição, ademais, atualiza a bibliografia passiva do poeta e ainda acrescenta. A letra do Hino do Piauí, da autoria do poeta.
Não poderia olvidar, neste apanhado sucinto da fortuna crítica dacostiana, que Alberto da Costa e Silva deu-se à tarefa de reeditar a antiga Antologia do pai, publicada pela Civilização Brasileira em 1934 e organizada pelo próprio poeta. Um 2a edição saiu em 1984 pela Livraria Corisco, de Teresina. Um terceira, foi editada, em 1982, pela Fundação Cultural do Piauí, com apresentação de M. Paulo Nunes. Em 1997, veio a lume A literatura piauiense em curso: Da Costa e Silva, uma seleta organizada por Alberto da Costa e Silva, editora Corisco Ltda. Esta seleção, nos lembra os estudos de autores brasileiros e portugueses da prestimosa coleção Nossos Clássicos, da editora Agir. Ela abrange uma cronologia do poeta e um estudo sintético e ao mesmo tempo meticuloso situando o poeta no seu tempo histórico do Brasil e do mundo, analisando-lhe a obra com a profundidade que tem de exegeta do seu ilustre pai.
Alegra-me ressaltar, nos estudos sobre Da Costa e Silva, um fato que venho observando com o tempo. Muitos historiadores brasileiros que, a princípio, apenas ligeiramente emitiam comentários acerca do poeta, em outras edições já reservam uma análise mais desenvolvida com relação à sua poesia, o que bem significa uma demonstração amadurecida do valor da lírica do poeta piauiense. Um exemplo seria Massaud Moisés.Pena é que uma historiadora italiana, do porte de Luciana Stegagno-Picchio, autora da História da literatura brasileira, recentemente falecida, tenha se equivocado num juízo crítico da obra de Da Costa e Silva, incluindo-o, no Simbolismo, numa relação de autores supostamente menores. Penso que a historiadora não chegou a assimilar bem a obra de um poeta da estatura estético- intelectual de Da Costa e Silva.
Vejo, assim, o quadro atual da fortuna crítica do poeta e, com o perdão de tantas omissões de estudos, artigos e ensaios sobre sua obra, poderia mencionar alguns nomes que vieram qualitativamente acrescer a bibliografia dacostiana. Entre eles, citaria Assis Brasil, que há muito tempo tem divulgado Da Costa e Silva, não só em artigos da imprensa, mas em trabalhos didáticos de literatura brasileira pela Ediouro, assim como no capítulo “Do impressionismo ao simbolismo” que escreveu para a História da literatura brasileira, volume 2, dirigida pelo ensaísta, poeta e historiador Sílvio Castro. Há pouco li, no site do Instituto Dom Barreto, um ótimo artigo-síntese de Assis Brasil a propósito do centenário de Da Costa e Silva, “1908: Ano emblemático”; Massaud Moisés, Carlos Nejar, Alexei Bueno, Pedro Lyra, Francine Ricieri, Lauro Junkes, que, no citado Roteiro da poesia brasileira – Simbolismo, edição de 2006, com seleção e prefácio de sua autoria, incluiu Da Costa e Silva, com breve biografia e três poemas.
Voltando a autores piauienses que ainda contribuíram para o avanço da fortuna crítica do poeta, devo mencionar Adrião Neto, com o seu utilíssimo Dicionário biográfico Escritores Piauienses de todos os tempos, Teresina, Halley Editora, 1995 e sua obra didática Literatura piauiense para estudantes, EDUFPI, Teresina,1996 e Francisco Miguel de Moura, com Literatura do Piauí – 1859-1999, vindo à luz pela Academia Piauiense de Letras/Banco do Nordeste, Teresina, 2001. Não poderia deixar de mencionar alguns artigos e estudos crítico-interpretativos sobre Da Costa e Silva estampados na imprensa, em revistas especializadas e em livros de intelectuais piauienses de primeiro plano, como, entre outros, Clemente Fortes, Wilson Brandão, M. Paulo Nunes, Celso Barros Coelho, Clóvis Moura, Francisco Miguel de Moura, Maria Figueiredo dos Reis, Maria do Socorro Rios Magalhães, somados aos já citados ao longo desta exposição. Gostaria de, com o perdão por auto-citar-me, referir-lhes dois ensaios meus sobre o poeta: Da Costa e Silva: uma leitura da saudade, originalmente uma Dissertação de Mestrado defendida, em 1994, na UFRJ e, publicada em livro em 1996 pela APL/UFPI, e “Da Costa e Silva: do cânone ao Modernismo”, capítulo do volume Geografias Literárias: confrontos: o local e o nacional, organizado pelo ensaísta piauiense e professor da UERJ, Francisco Venceslau dos Santos, editora Caetés, Rio de janeiro, 2003.
Estão surgindo atualmente no Piauí novos ensaístas do ensino superior, oriundos não necessariamente dos cursos de Letras, que, servidos de atualizado aparato teórico, estão pesquisando e produzindo estudos interpretativos, alguns de natureza comparativa, sobre escritores piauienses, inclusive Da Costa e Silva. Fora do Piauí, tomei conhecimento também de alentada tese, um estudo comparativo desenvolvendo uma análise músico-literária de poemas de Walt Whitman, Da Costa e Silva e Léopoldo Sédar Senghor, da autoria de Marly Gondim Cavalcanti Souza(hoje professora da UESPI), defendida em 2006 na Universidade Federal de Pernambuco É um sinal de mudanças bem-vindas à vida cultural piauiense. Acredito que Da Costa e Silva tenha sido ou esteja sendo objeto de estudos de outros pesquisadores pelo país afora. Faço, porém, aqui uma restrição de ordem historiográfico-crítico-interpretativa: que o ensaísmo crítico que está aparecendo no Piauí não empregue aquele velho e surrado expediente segundo o qual quem está chegando deve passar por cima dos seus predecessores. A história literária, a crítica literária jamais terão desenvolvimento em qualquer região se for dirigida apenas com o objetivo de julgar superficialmente trabalhos alheios que já constituíram a massa crítico-ensaística mais ou mesmo menos remotamente anterior. Não que o passado não possa naco possa ser criticamente reavaliado e repensado em moldes atualizados, mas que o seja dentro de um real espírito de pesquisa científica sem ares de superioridade ou de arrogância. Acredito que Da Costa e Silva tenha sido ou esteja sendo objeto de estudos de outros pesquisadores pelo país afora.
Penso, Senhoras e Senhores presentes, ter cumprido, ainda que de forma sumária, o que lhes prometi no título desta conferência: apenas um olhar atual de quem, como possivelmente todos os presentes ou ausentes deste recinto, cresceu ouvindo falar no Piauí, em Teresina, no meu caso, desde a minha infância e adolescência, de um poeta nascido em Amarante, em 23 de novembro de 1885. De seus poemas, no passado, ouvimos declamações feitas por parentes, amigos, nossos pais, avós. De certa maneira, todos guardamos na memória algum soneto dele, sobretudo o nacionalmente antologiado, “Saudade,” de resto, já aludido no início desta palestra, “A Moenda,” “Amarante,” entre muitos outros. Em nossa memória auditiva, do poeta permanecerão indelevelmente algumas virtudes do seu estro: a musicalidade, a força das imagens ( bem lembradas por José Guilherme Merquior e outros) e um certo halo de tristeza e de tom filosófico, ou melhor, para citar-lhes um trechinho do meu primeiro ensaio: “Vitória do lirismo sobre os espinhos da vida em forma de saudade”.
Da Costa e Silva, poeta, antes de tudo poeta, cuja voz lírica não foi abafada pelo tempo e nem o será jamais. Não tenhamos receio de confessar – repito - nosso bairrismo louvando, sempre que necessário, as suas virtudes e qualidades literárias .Ele é um poeta do passado? Sim, mas foi ele que, até hoje, conseguiu se tornar o maior nome da história da poesia piauiense. Não é isso suficiente para encher-nos de orgulho e daquela alegria eterna da beleza de que nos fala o poeta romântico inglês John Keats num do versos do mitológico poema ‘Endymion”?
“Poeta nascitur” - diz uma velha máxima latina,. e por isso mesmo, Senhoras e Senhores, o nosso poeta de Amarante, cujo estro tão bem a ela se aplica, não poderia deixar de ser alguém que, em versos célebres, espontâneos, autobiográficos, delicados e tocantes, uma vez dissera sobre o seu berço natal:


Amarante

A minha terra é um céu, se há um céu sobre a serra:
É um céu sob outro céu tão límpido e tão brando,
Que eterno sonho azul parece estar sonhando.
Sobre o vale natal, que o seio à luz descerra...

Que encanto natural o seu aspecto encerra!
Junto à paisagem verde, a igreja branca, o bando
Das casas, que se vão, pouco a pouco, apagando
Com o nevoento perfil nostálgico da serra...

Com o seu povo feliz, que ri das próprias mágoas,
Entre os três rios, lembra uma ilha, alegre e linda,
A cidade sorrindo aos ósculos das águas.

Terra para se amar com o grande amor que eu tenho!
Terra onde tive o berço e de onde espero ainda
Sete palmos de gleba e os dois braços de um lenho!

Muito obrigado!

Conferência proferida no dia 28 de março de 2009 no Auditório Wilson de Andrade Brandão da Academia Piauiense de Letras (APL), Teresina, Piauí, em comemoração ao Centenário.de estreia de Sangue, de Da Costa e Silva.

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