Tradução de um poema de Rubén Darío
Lo fatal
Dichoso el árbol que es apenas sensitivo,
Y más la piedra dura, porque ésta ya no siente,
Pues no hay dolor más grande que el dolor de ser vivo,
Ni mayor pesadumbre que la vida consiente.
Ser, y no saber nada, y ser sin rumbo cierto,
y el temor de haver sido, y un futuro terror...
Y el espanto seguro de estar manãna muerto,
y sufrir por la vida y por la sombra y por
lo que no conocemos y apenas sospechamos,
y la carne que tienta con sus frescos racimos,
y la tumba que aguarda con sus fúnebres ramos,
¡ y no saber adónde vamos,
ni de dónde venimos!...
(Rubén Darío - 1867-1916 Cantos de vida y esperanza)
O inevitável
Feliz da arvore que apenas sensível é,
E mais ainda a pedra dura, porque nada sente,
Porquanto maior dor não existe do que a de vivo estar,
Nem tristeza maior do que da vida a consciência.
Ser, e não saber nada, vagar sem norte,
Com o temor de haver sido e um terror do futuro
e a certeza espantosa de, na manhã seguinte, estar morto.
e sofrer pela vida e pela sombra e pelo
não-conhecido sofrer ainda, embora suspeitado somente
e sofrer pela carne que, com a suas uvas frescas, seduz
e pelo que o túmulo espera com seus ramos fúnebres,
e não saber da verdade derradeira
nem da vida a origem!
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Os temas discutidos neste blog se concentram sobretudo na área de Literatura Brasileira, mas se estendem a outros temas e áreas culturais afins. Os gêneros literários da preferência da produção do autor são crítica literária, ensaios e crônicas. tradução de poesia estrangeira. Áreas de pesquisa e interesse do autor: teoria literária,história literária, vida literária.relação entre literatura, pobreza e violência, literatura universal e literatura de autores piauienses
quinta-feira, 31 de dezembro de 2009
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
Um velho poema francês sobre o Rio de Janero
Um velho poema em francês sobre o Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
Dans l’éternel azur et l’éternel été,
Entre la forêt vierge et l’océan s’étale
S’enveloppant tourjours de mousselins pâle
Rio, la féerique cité.
Arbres et fleurs, d’abord, sortent de l’Atlantique,
Et puis voici la ville e son visage clair,
La ville où, rudement, vient s’achever la mer
Sur un trottoir de mosaïque,
La ville, sn fiévreux, incessant mouvement,
Toute l’Europe au bout des vagues débarquée,
Commerce, science, art, grande âme compliquée,
Qui vibre passionnément.
Et moi que, voyageant sur le bateau que tangue,
Croyais candidement aller à l’étranger,
Je trouve cete ville où l’on parle ma langue,
Et vois n’avoir pas voyagé.
Rio de Janeiro, grande soeur océane,
Lorsque je rentrerai dans ma France lá-bas,
E lui dirai qu’elle a fecondé de sa manne
Ce sol qu’elle ne connaït as:
Je lui dirai qu’elle est aimée au loin, bénie,
Message plein d’amour, message plein d’éspoir
Qu’ellle a faite sans le savoir...
-Adieu! Je vais paritir sur la mer qui déferle,
Mais j’emporte , trésor conquis sous d’autres cieux,
Ton souvenir parfait, tendre, délicieux,
Rio, comme une belle perle.
(Lucie Delarue-Mardrus, Rio, 12 de junho de 1933)
Rio de Janeiro
No eterno azul e no eterno verão,
Entre a floresta virgem e o oceano se estende
De musselina pálida cercando-se continuamente
Rio - , a cidade feérica.
Árvores, e flores, do Atlântico saem primeiro,
E, em seguida, a cidade e seu rosto claro,
A cidade, na qual, rudemente, termina o mar
Numa calçada de mosaico,
A cidade, com seu fervoroso, incessante movimento,
Nas extremidades das ondas Europa inteira desembocando,
Comércio, ciência, arte, grande alma complicada
Que apaixonadamente vibra.
E eu, que, viajando no navio balançando ,
Candidamente pro estrangeiro ir ,julgava
Esta cidade encontro onde minha língua se fala
E entendo que não viajei.
Rio de Janeiro, grande irmã oceânica,
Logo que regressar pra minha França distante,
Lhe direi que ela de seu maná fecundou
Este solo que não conhece;
Dir-lhe-ei que é amada de longe, bendita,
Mensagem cheia de amor, mensagem de esperança cheia
Vinda da sentimental colônia
Que a construiu sem o saber...
- Adeus! vou partir pelo mar que as velas abre
Levo, porém, sob outros céus conquistado tesouro,
Tua lembrança perfeita, carinhosa, deliciosa,
Rio, cidade-pérola.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
Rio de Janeiro
Dans l’éternel azur et l’éternel été,
Entre la forêt vierge et l’océan s’étale
S’enveloppant tourjours de mousselins pâle
Rio, la féerique cité.
Arbres et fleurs, d’abord, sortent de l’Atlantique,
Et puis voici la ville e son visage clair,
La ville où, rudement, vient s’achever la mer
Sur un trottoir de mosaïque,
La ville, sn fiévreux, incessant mouvement,
Toute l’Europe au bout des vagues débarquée,
Commerce, science, art, grande âme compliquée,
Qui vibre passionnément.
Et moi que, voyageant sur le bateau que tangue,
Croyais candidement aller à l’étranger,
Je trouve cete ville où l’on parle ma langue,
Et vois n’avoir pas voyagé.
Rio de Janeiro, grande soeur océane,
Lorsque je rentrerai dans ma France lá-bas,
E lui dirai qu’elle a fecondé de sa manne
Ce sol qu’elle ne connaït as:
Je lui dirai qu’elle est aimée au loin, bénie,
Message plein d’amour, message plein d’éspoir
Qu’ellle a faite sans le savoir...
-Adieu! Je vais paritir sur la mer qui déferle,
Mais j’emporte , trésor conquis sous d’autres cieux,
Ton souvenir parfait, tendre, délicieux,
Rio, comme une belle perle.
(Lucie Delarue-Mardrus, Rio, 12 de junho de 1933)
Rio de Janeiro
No eterno azul e no eterno verão,
Entre a floresta virgem e o oceano se estende
De musselina pálida cercando-se continuamente
Rio - , a cidade feérica.
Árvores, e flores, do Atlântico saem primeiro,
E, em seguida, a cidade e seu rosto claro,
A cidade, na qual, rudemente, termina o mar
Numa calçada de mosaico,
A cidade, com seu fervoroso, incessante movimento,
Nas extremidades das ondas Europa inteira desembocando,
Comércio, ciência, arte, grande alma complicada
Que apaixonadamente vibra.
E eu, que, viajando no navio balançando ,
Candidamente pro estrangeiro ir ,julgava
Esta cidade encontro onde minha língua se fala
E entendo que não viajei.
Rio de Janeiro, grande irmã oceânica,
Logo que regressar pra minha França distante,
Lhe direi que ela de seu maná fecundou
Este solo que não conhece;
Dir-lhe-ei que é amada de longe, bendita,
Mensagem cheia de amor, mensagem de esperança cheia
Vinda da sentimental colônia
Que a construiu sem o saber...
- Adeus! vou partir pelo mar que as velas abre
Levo, porém, sob outros céus conquistado tesouro,
Tua lembrança perfeita, carinhosa, deliciosa,
Rio, cidade-pérola.
(Tradução de Cunha e Silva Filho)
domingo, 27 de dezembro de 2009
o rescaldo do novo Acordo Ortográfico
O rescaldo do Novo Acordo Ortográfico
Cunha e Silva Filho
Já aprovada, por Lei federal, pelo Presidente Lula, o Novo Acordo Ortográfico brasileiro segue o seu caminho, não suavemente, mas cheio de escolhos, de reprovações silenciosas, muito ao gosto do brasileiro, embora, entre professores de português, alguns filólogos ou linguistas conhecidos, sobre os quais recaem maior responsabilidade e maior peso de consciência de suas conclusões – a mudança dos hábitos de nossa grafia seja objeto de acerbas críticas e descontentamento.
É bem verdade que o tempo procura curar muitas feridas, mas deixa cicatrizes e estas se estampam nos pareceres e juízos insatisfeitos ou impotentes dos usuários da língua de Bilac.
Tenho para mim que o mais recente Acordo Ortográfico feito em conjunto com os países outros de Língua Portuguesa, merece, sim, reparos e não sãoo poucos. Só quem não quer ver, não enxerga, não obstante os seus ferrenhos defensores tanto no país quanto em parte lá fora.
Os grandes prejudicados das mudanças gráficas são os mais velhos, os que passaram por várias reformas no país em convênio com o além-mar ou por imposição unilateral interna com o apoio de alguns gramáticos e filólogos de nomeada. Reformas ortográficas, no meu entender, demandam bastante discussão, além de um tempo suficientemente dilatado entre as discussões de alto nível e a sua aprovação pelo Presidente da República. Do contrário, se torna açodamento e, como tal, muito sujeito a erros e imperfeições de toda espécie. Um outro ponto, as reformas podem esconder certos pressupostos ideológicos e políticos, além de se prestarem enormemente a ganhos econômicos da parte do setor editorial
Me lembro de que meu pai, traquejado jornalista, em carta a mim anos atrás, escrevia, por vezes, certos vocábulos, sobretudo uso de formas verbais na terceira pessoa do plural, não obedecendo, por razões mesmo de antigos hábitos gráficos, às modificações posteriores a 1943.
O excessivo caráter fonético imprimido à nova ortografia à maneira da língua inglesa, por exemplo -, não ajuda o usuário nos casos envolvendo o timbre aberto ou fechado dos ditongos ou hiatos grafados com acento circunflexo ou agudo, antes do novo Acordo ou Reforma, assim como o emprego do trema, que pode provocar erros de pronúncia ou mesmo hesitação de pronúncia correta no próprio nativo da língua de certos vocábulos, como em “líquido”, “quinquênio” ou análogos, que, sem o trema, poderiam ser lidos como se fossem dígrafos.
Um outro caso -verdadeiro calcanhar de Aquiles dos professores de português -, seria o emprego correto do hífen. Por que não fazer como na língua inglesa falada pelos americanos, onde o uso do hífen não é rígido? Ou a ausência agora do acento diferencial entre “para” (verbo) e “para” (preposição)? Donde posso concluir com facilidade que escritores, jornalistas, advogados, juízes, enfim, gente ligada à atividade da escrita, quando mais avançados na idade e não sendo, é claro, filólogos, gramáticos, linguistas ou professores de Língua Portuguesa, tendem a vacilar quanto às mais recentes alterações gráficas do vernáculo. Às vezes, tenho a impressão de que o novo Acordo atendeu mais às pretensões lusófonas e, em outros casos, instaurou um certo caos ortográfico entre o Brasil e Portugal. Nesse ponto, mais uma vez a língua inglesa foi muito mais prática do que o português, uma vez que as diferenças gráficas são mínimas, ajudadas – devo reconhecer – pelo fato de que o idioma inglês é muito fonético na sua fase moderna.
O fato se assemelha a um país, como o Brasil, que, em certa fase relativamente recente de sua história econômico-financeira, se viu às voltas com mudanças bruscas no seu sistema monetário, causando, dessa forma, inúmeras dores de cabeça às pessoas que, no momento da mudanças, se veem enredadas num cipoal de incompreensões com os cortes de zeros e a divisão da unidade monetária. Por muito tempo, as pessoas, mesmo relativamente instruídas, mostram certa confusão ao lidarem com a nova moeda e a consequente dificuldade de embaralhar o sistema anterior com a nova moeda. Daí que se leva tempo para assimilar bem o manuseio correto com os centavos na compra de produtos, no bilhete de passagens de ônibus etc.
Na situação da Reforma ou Acordo Ortográfico recente, já em pleno vigor,vai a média da população letrada ou semiletrada, nos pequenos ou mais extensos usos da língua escrita, cometendo erros, silabadas, cacografias, os quais – é engraçado constatar -, não são perdoados pelos caçadores de erros, que os há muitos e inclementes.
Ora, ninguém , com independência de pensamento, terá a coragem de afirmar ser a atual forma ortográfica uma maravilha. Quando o usuário da língua escrita se depara com o emprego ou não do hífen, com a ausência de acentos em ditongos abertos, com o uso de formas mesoclíticas, com a grafia de vocábulos com hiatos em formas verbais, não me vai ele afirmar que é o dono da cocada preta. Forçosamente, vai ficar no muro, vai vacilar e – como naquele pequeno e antigo conto de Artur de Azevedo (1855-1908) “Plebiscito”, vai, discretamente, consultar o novo Acordo Ortográfico, digamos, do filólogo e imortal Evanildo Bechara. Esse opúsculo deve ter vendido como água, acompanhado de tantas outras publicações, boas ou más, sobre o assunto. No fundo, toda mudança, embute um objetivo econômico.
O poeta Ferreira Gullar já avisou a seus leitores que, no tocante à nova ortografia em vigor, está deixando os acertos no seus textos nas mãos da redação do jornal, a Folha de São Paulo.
Lá fora, no ultramar, vozes dissonantes da intelectualidade portuguesa, como a de Saramago e outros escritores lusófonos, não vão dar acolhida ao badalado Novo Acordo Ortográfico.
Eu, da minha parte, sem fazer bulha e me misturando ao silêncio dos cordeirinhos brasílicos – o que se há de fazer? – vou usar, nos meus sufocos ortográficos, sobretudo do desalmado hífen, o mesmo procedimento do personagem pai do mencionado conto de Artur de Azevedo se não quiser cair no vexame diante de um filho ...
Vê-se que parte da intelectualidade portuguesa formou um verdadeiro exercito de “desobediência civil” no que tange ao Novo Acordo Ortográfico entre o Brasil, Portual e as antigas colônias lusas.
Cunha e Silva Filho
Já aprovada, por Lei federal, pelo Presidente Lula, o Novo Acordo Ortográfico brasileiro segue o seu caminho, não suavemente, mas cheio de escolhos, de reprovações silenciosas, muito ao gosto do brasileiro, embora, entre professores de português, alguns filólogos ou linguistas conhecidos, sobre os quais recaem maior responsabilidade e maior peso de consciência de suas conclusões – a mudança dos hábitos de nossa grafia seja objeto de acerbas críticas e descontentamento.
É bem verdade que o tempo procura curar muitas feridas, mas deixa cicatrizes e estas se estampam nos pareceres e juízos insatisfeitos ou impotentes dos usuários da língua de Bilac.
Tenho para mim que o mais recente Acordo Ortográfico feito em conjunto com os países outros de Língua Portuguesa, merece, sim, reparos e não sãoo poucos. Só quem não quer ver, não enxerga, não obstante os seus ferrenhos defensores tanto no país quanto em parte lá fora.
Os grandes prejudicados das mudanças gráficas são os mais velhos, os que passaram por várias reformas no país em convênio com o além-mar ou por imposição unilateral interna com o apoio de alguns gramáticos e filólogos de nomeada. Reformas ortográficas, no meu entender, demandam bastante discussão, além de um tempo suficientemente dilatado entre as discussões de alto nível e a sua aprovação pelo Presidente da República. Do contrário, se torna açodamento e, como tal, muito sujeito a erros e imperfeições de toda espécie. Um outro ponto, as reformas podem esconder certos pressupostos ideológicos e políticos, além de se prestarem enormemente a ganhos econômicos da parte do setor editorial
Me lembro de que meu pai, traquejado jornalista, em carta a mim anos atrás, escrevia, por vezes, certos vocábulos, sobretudo uso de formas verbais na terceira pessoa do plural, não obedecendo, por razões mesmo de antigos hábitos gráficos, às modificações posteriores a 1943.
O excessivo caráter fonético imprimido à nova ortografia à maneira da língua inglesa, por exemplo -, não ajuda o usuário nos casos envolvendo o timbre aberto ou fechado dos ditongos ou hiatos grafados com acento circunflexo ou agudo, antes do novo Acordo ou Reforma, assim como o emprego do trema, que pode provocar erros de pronúncia ou mesmo hesitação de pronúncia correta no próprio nativo da língua de certos vocábulos, como em “líquido”, “quinquênio” ou análogos, que, sem o trema, poderiam ser lidos como se fossem dígrafos.
Um outro caso -verdadeiro calcanhar de Aquiles dos professores de português -, seria o emprego correto do hífen. Por que não fazer como na língua inglesa falada pelos americanos, onde o uso do hífen não é rígido? Ou a ausência agora do acento diferencial entre “para” (verbo) e “para” (preposição)? Donde posso concluir com facilidade que escritores, jornalistas, advogados, juízes, enfim, gente ligada à atividade da escrita, quando mais avançados na idade e não sendo, é claro, filólogos, gramáticos, linguistas ou professores de Língua Portuguesa, tendem a vacilar quanto às mais recentes alterações gráficas do vernáculo. Às vezes, tenho a impressão de que o novo Acordo atendeu mais às pretensões lusófonas e, em outros casos, instaurou um certo caos ortográfico entre o Brasil e Portugal. Nesse ponto, mais uma vez a língua inglesa foi muito mais prática do que o português, uma vez que as diferenças gráficas são mínimas, ajudadas – devo reconhecer – pelo fato de que o idioma inglês é muito fonético na sua fase moderna.
O fato se assemelha a um país, como o Brasil, que, em certa fase relativamente recente de sua história econômico-financeira, se viu às voltas com mudanças bruscas no seu sistema monetário, causando, dessa forma, inúmeras dores de cabeça às pessoas que, no momento da mudanças, se veem enredadas num cipoal de incompreensões com os cortes de zeros e a divisão da unidade monetária. Por muito tempo, as pessoas, mesmo relativamente instruídas, mostram certa confusão ao lidarem com a nova moeda e a consequente dificuldade de embaralhar o sistema anterior com a nova moeda. Daí que se leva tempo para assimilar bem o manuseio correto com os centavos na compra de produtos, no bilhete de passagens de ônibus etc.
Na situação da Reforma ou Acordo Ortográfico recente, já em pleno vigor,vai a média da população letrada ou semiletrada, nos pequenos ou mais extensos usos da língua escrita, cometendo erros, silabadas, cacografias, os quais – é engraçado constatar -, não são perdoados pelos caçadores de erros, que os há muitos e inclementes.
Ora, ninguém , com independência de pensamento, terá a coragem de afirmar ser a atual forma ortográfica uma maravilha. Quando o usuário da língua escrita se depara com o emprego ou não do hífen, com a ausência de acentos em ditongos abertos, com o uso de formas mesoclíticas, com a grafia de vocábulos com hiatos em formas verbais, não me vai ele afirmar que é o dono da cocada preta. Forçosamente, vai ficar no muro, vai vacilar e – como naquele pequeno e antigo conto de Artur de Azevedo (1855-1908) “Plebiscito”, vai, discretamente, consultar o novo Acordo Ortográfico, digamos, do filólogo e imortal Evanildo Bechara. Esse opúsculo deve ter vendido como água, acompanhado de tantas outras publicações, boas ou más, sobre o assunto. No fundo, toda mudança, embute um objetivo econômico.
O poeta Ferreira Gullar já avisou a seus leitores que, no tocante à nova ortografia em vigor, está deixando os acertos no seus textos nas mãos da redação do jornal, a Folha de São Paulo.
Lá fora, no ultramar, vozes dissonantes da intelectualidade portuguesa, como a de Saramago e outros escritores lusófonos, não vão dar acolhida ao badalado Novo Acordo Ortográfico.
Eu, da minha parte, sem fazer bulha e me misturando ao silêncio dos cordeirinhos brasílicos – o que se há de fazer? – vou usar, nos meus sufocos ortográficos, sobretudo do desalmado hífen, o mesmo procedimento do personagem pai do mencionado conto de Artur de Azevedo se não quiser cair no vexame diante de um filho ...
Vê-se que parte da intelectualidade portuguesa formou um verdadeiro exercito de “desobediência civil” no que tange ao Novo Acordo Ortográfico entre o Brasil, Portual e as antigas colônias lusas.
sábado, 26 de dezembro de 2009
Fernando Pessoa: "Sonnet XIV"
Fernando Pessoa: “Sonnet XIV”
Sonnet XIV
WE ARE BORN at sunset and we die ere morn,
And the whole darkness of the world we konw,
How can we guess its truth, to darkness born,
Only the stars to teach us light. We grasp
Their scattered smallness with thoughts that stray,
And, though their eyes look through night’s complete mask,
Wyet they speak not the features of the day,
Why should these small denials of the whole
More than the black whole the pleased eyes attract?
Add what it calls “worth” does the captive soul
Add to the small and from the large detract?
So, out of light’s, love wishing it night’s stretch,
A nightly thought of day we darkly reach.
Soneto XIV
NO POENTE NASCEMOS, e, antes d’alvorada, morremos
Do mundo a escuridão completa conhecemos,
Como alcançar podemos a verdade, nascida da escuridão,
Da ausência da luz a escuridão, a desconhecida consequência? Discernimos
Com pensamentos sem destino sua dispersa pequenez,
E, posto seus olhos na máscara da noite penetrem,
Eles, no entanto, pelos sinais do dia, não falam.
Por que estas pequenas contradições do todo deveriam
os olhos atrair satisfeitos mais do que a absoluta escuridão?
Por que a alma cativa aquilo que ela valoriza
Agrega ao que pequeno é deprecia o que grande é?
Assim, o desejo do alcance da noite do amor da luz nasce,
Na escuridão alcançamos um noturno pensamento do dia.
Sonnet XIV
WE ARE BORN at sunset and we die ere morn,
And the whole darkness of the world we konw,
How can we guess its truth, to darkness born,
Only the stars to teach us light. We grasp
Their scattered smallness with thoughts that stray,
And, though their eyes look through night’s complete mask,
Wyet they speak not the features of the day,
Why should these small denials of the whole
More than the black whole the pleased eyes attract?
Add what it calls “worth” does the captive soul
Add to the small and from the large detract?
So, out of light’s, love wishing it night’s stretch,
A nightly thought of day we darkly reach.
Soneto XIV
NO POENTE NASCEMOS, e, antes d’alvorada, morremos
Do mundo a escuridão completa conhecemos,
Como alcançar podemos a verdade, nascida da escuridão,
Da ausência da luz a escuridão, a desconhecida consequência? Discernimos
Com pensamentos sem destino sua dispersa pequenez,
E, posto seus olhos na máscara da noite penetrem,
Eles, no entanto, pelos sinais do dia, não falam.
Por que estas pequenas contradições do todo deveriam
os olhos atrair satisfeitos mais do que a absoluta escuridão?
Por que a alma cativa aquilo que ela valoriza
Agrega ao que pequeno é deprecia o que grande é?
Assim, o desejo do alcance da noite do amor da luz nasce,
Na escuridão alcançamos um noturno pensamento do dia.
O reencontro com um "amigo"
Reecontrando um “amigo”
Cunha e Silva Filho
Se meu leitor ou leitora são fieis ao colunista, bem provável é que, de quando me vez, possam discordar de mim, ou concordar, se for o caso. Entretanto, é também possível que me notem os defeitos e qualidades, pois todos nós temos tudo isso. E é bom que o seja assim, se não, não seríamos mortais e imperfeitos.
Com o tempo, os leitores que se afeiçoam aos nossos escritos vão percebendo algumas visões de vida do autor, suas preferências, seus “resmungos..” Por falar em resmungos, me lembro de que um colega do mestrado chegou a definir o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) de “resmungão”, com o que não concordei. Uma palavra puxa palavra, e não é que, se não estou enganado, Ferreira Gullar, estreou sua coluna de crônica na Folha de São Paulo com um artigo cujo titulo é “Resmungos”. Mas, vá lá.
Assim, como o artista de televisão, o cantor, o apresentador ou qualquer pessoa da área artística, precisam da boa aceitação do diretor, do público em geral, através das chamadas pesquisas de opinião, enquetes, níveis de Ibope ou de outros meios de avaliação, o cronista, o escritor, necessitam da ressonância do público. O artista necessita de feedback. Não só o artista, todos que dependem da receptividade favorável, ou não, do público. O seu desempenho visa á satisfação deste último. Não me venham, pois, dizer que, no caso do escritor, não nos lixamos para o público leitor. Ao contrario, temos enorme interesse de sermos amados, respeitados, reconhecidos.
O assunto, contudo, desta crônica não é a digressão que acabamos de fazer. Quero antes falar de “amigos” e, no exemplo que pretendo ilustrar, “amigos” significa livros, obras, textos.
Tenho um hobby que se configurou com o passar dos anos: o de conseguir reunir livros que, no passado, me cativaram a atenção. Livros que não pude comprar por falta de dinheiro, livros que perdi com o tempo ou pelas circunstâncias da vida madrasta, livros que só me deixaram saudades por não os haver ainda reencontrado.
Um desses livros é de feitio diferente. Não é ficção, nem ensaio, nem poesia, nem drama nem de outro gênero literário. No caso atual, é um dicionário, - agora conseguido pela compra na internet, nas livrarias virtuais -, que, pela primeira vez, encontrei e consultei na velha biblioteca do Liceu Piauiense que, no tempo de colegial, se chamava Colégio Estadual “Zacarias Gois”. Foi naquela relativamente pequena sala de biblioteca que se deu o meu encontro com ele.
Foi um encontro frutífero nos seus desdobramentos. O Dicionário inglês-português (English - Portuguese illustrated dictionary de J. L. Campos Jr., editado, em 1952, pelas Edições LEP, com 1042 páginas, contém uma breve introdução na qual o autor salienta que, na elaboração dele, consumiu oito anos de porfia lexicográfica. O dicionário ainda apresenta uma breve bibliografia de grandes dicionários de autores da língua inglesa da época, naturalmente por ele pacientemente compulsados.
O dicionáario de Campos Jr é notável sob todos os aspectos e de fácil manuseio, com verbetes e abonações traduzidas pelo autor, riquíssimo em expressões idiomáticas. Traz pronúncia figurada nos velhos moldes que seguramente devem ter prestado inestimáveis serviços à mocidade estudiosa de seu tempo e ainda hoje me parece prestimoso a quem ama o inglês. Além disso, esta magnum opus inclui pequenas informações culturais sobre figuras notáveis do mundo cultural e científico inglês, americano e de outras nacionalidades, e bem assim dados biobibliográficos ( o que torna a obra uma breve e oportuna enciclopédia) de autores da literatura inglesa e americana. Não sei por que algum editor, até hoje, não se interessou por atualizar, em mãos competentes no domínio da língua inglesa, uma obra dessa envergadura. E, para terminar o soneto com chave de ouro, chamo a atenção do leitor para mais uma qualidade do autor: Campos Jr. era exímio ilustrador de seus próprios livros sobre a língua inglesa e o dicionáario de que estou falando dá exemplo disso com a inclusão, ao longo de suas inúmeras páginas, de ilustrações artisticamente realizadas pela sua mão de mestre no desenho. Uma beleza, abrangendo desenhos de pessoas, objetos, flora, fauna, arquitetura, objetos de arte, objetos do universo científico, técnico etc, que só engrandecem essa obra feita com dedicação e amor ao trabalho intelectual de amplo alcance..
J. L. Campos Jr. foi , assim, um notabilíssimo autor didático e um exemplar lexicógrafo. Nada sei da sua vida familiar e de sua biografia mais pessoal. Presumo que tenha nascido em São Paulo. Sei que publicou vários - livros - adiante mencionados - para o ensino da língua inglesa. Sua primeira obra levou o título de The entertainer, publicada em Nova Iorque, se não incorro em erro, lá pela segunda década do século passado. Em Nova Iorque estudou inglês pelo chamado American Progressive Method, cuja abordagem de ensino-apredizagem desconheço como era.. Na sua produção didática escreveu os seguintes livros: How to learn English, Falemos inglês (Let us speak English. Através destes dois tomei conhecimento do autor, pois era exemplares pertencentes à biblioteca de papai.). Ambos, porém, estavam em estado de conservação precária, e ainda com páginas faltando, o que me deixava sempre decepcionado, porquanto não suporto livros incompletos; Springtime, Dicionário de verbos ingleses, Seleta de autores ingleses, The master key (em três volumes para a 2ª, 3ª e 4ª séries ginasiais), Correspondência comercial inglesa (adquirido por mim em 1968, no Rio, com um dinheiro que papai me dera durante sua passagem por essa cidade em direção a Porto Alegre, onde participaria de um congresso de jornalistas ) Dicionário português-inglês e o já citado Dicionário inglês-português (English- Portuguese illustrated dictionary, assunto principal desta crônica.
J. L. Campos Jr. deve ter sido um autor feliz, porquanto suas obras alcançaram muitas edições e reimpressões, sobretudo o How to leann English, possivelmente no país todo graças ao seu método prático e simples de ensinar inglês, em especial aos alunos com inclinações ao autodidatismo como eu e tantos outros. A par de sua produção didática, manteve, em São Paulo, seu próprio curso de inglês, o Curso de inglês Washington Irving. Sua produção medeia entre os anos 20 e 50 do século passado. Campos Jr. foi professor concursado do Ginásio de São Paulo e de outras escolas respeitadas da capital paulista. O livro Correspondência comercial inglesa, já referido, recebeu do professor americano Alfred R. Hill, antigo professor da Tabor Academy, Marion, Mass., USA, este parecer consagrador : “...após cuidadoso exame das obras do Sr. Campos, posso, com toda ênfase, afirmar que elas nada ficam a dever às melhores que me chegaram às mãos [ quando do meu ingresso para a Universidade de Yale]”. Sobre outro livro de Campos Jr., - os três volumes sob o titulo The máster key, citado acima -, o mesmo professor americano referiu-se ao autor afirmando, entre outros elogios, ser o professor Campos Jr. um “professor nato”.
Devo a esse autor, assim como a tantos outros queridos “amigos”, o meu desenvolvimento nos estudos de língua inglesa. De resto, fiquei tão contente com a recente compra do dicionário ilustrado que, como costumo às vezes fazer, escrevi, em inglês, logo na primeira página do velho e querido dicionário, o seguinte, que me desculpe o leitor por autocitar-me e autotraduzir-me: “Finalmente, meu bom amigo, você veio ao meu encontro. A primeira vez que o orgulho tive de folheá-lo, você não passava de uma obra pertencente à velha Biblioteca do Liceu Piauiense, em Teresina. Dessa forma, não poderia tomá-lo de empréstimo à biblioteca, visto que você fazia parte das obras de referência. Naquele tempo, lá pelos inícios da década de 60 do século passado, apenas era um adolescente ansioso por aprender uma língua estrangeira tão útil. Bem sabe Deus, quanta saudade tinha de você (...). Graças à ciência e à tecnologia, pude encontrá-lo e adquirir essa obra maravilhosa. Agora, você me pertence e, espero eu, há de pertencer aos meus descendentes”
Cunha e Silva Filho
Se meu leitor ou leitora são fieis ao colunista, bem provável é que, de quando me vez, possam discordar de mim, ou concordar, se for o caso. Entretanto, é também possível que me notem os defeitos e qualidades, pois todos nós temos tudo isso. E é bom que o seja assim, se não, não seríamos mortais e imperfeitos.
Com o tempo, os leitores que se afeiçoam aos nossos escritos vão percebendo algumas visões de vida do autor, suas preferências, seus “resmungos..” Por falar em resmungos, me lembro de que um colega do mestrado chegou a definir o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) de “resmungão”, com o que não concordei. Uma palavra puxa palavra, e não é que, se não estou enganado, Ferreira Gullar, estreou sua coluna de crônica na Folha de São Paulo com um artigo cujo titulo é “Resmungos”. Mas, vá lá.
Assim, como o artista de televisão, o cantor, o apresentador ou qualquer pessoa da área artística, precisam da boa aceitação do diretor, do público em geral, através das chamadas pesquisas de opinião, enquetes, níveis de Ibope ou de outros meios de avaliação, o cronista, o escritor, necessitam da ressonância do público. O artista necessita de feedback. Não só o artista, todos que dependem da receptividade favorável, ou não, do público. O seu desempenho visa á satisfação deste último. Não me venham, pois, dizer que, no caso do escritor, não nos lixamos para o público leitor. Ao contrario, temos enorme interesse de sermos amados, respeitados, reconhecidos.
O assunto, contudo, desta crônica não é a digressão que acabamos de fazer. Quero antes falar de “amigos” e, no exemplo que pretendo ilustrar, “amigos” significa livros, obras, textos.
Tenho um hobby que se configurou com o passar dos anos: o de conseguir reunir livros que, no passado, me cativaram a atenção. Livros que não pude comprar por falta de dinheiro, livros que perdi com o tempo ou pelas circunstâncias da vida madrasta, livros que só me deixaram saudades por não os haver ainda reencontrado.
Um desses livros é de feitio diferente. Não é ficção, nem ensaio, nem poesia, nem drama nem de outro gênero literário. No caso atual, é um dicionário, - agora conseguido pela compra na internet, nas livrarias virtuais -, que, pela primeira vez, encontrei e consultei na velha biblioteca do Liceu Piauiense que, no tempo de colegial, se chamava Colégio Estadual “Zacarias Gois”. Foi naquela relativamente pequena sala de biblioteca que se deu o meu encontro com ele.
Foi um encontro frutífero nos seus desdobramentos. O Dicionário inglês-português (English - Portuguese illustrated dictionary de J. L. Campos Jr., editado, em 1952, pelas Edições LEP, com 1042 páginas, contém uma breve introdução na qual o autor salienta que, na elaboração dele, consumiu oito anos de porfia lexicográfica. O dicionário ainda apresenta uma breve bibliografia de grandes dicionários de autores da língua inglesa da época, naturalmente por ele pacientemente compulsados.
O dicionáario de Campos Jr é notável sob todos os aspectos e de fácil manuseio, com verbetes e abonações traduzidas pelo autor, riquíssimo em expressões idiomáticas. Traz pronúncia figurada nos velhos moldes que seguramente devem ter prestado inestimáveis serviços à mocidade estudiosa de seu tempo e ainda hoje me parece prestimoso a quem ama o inglês. Além disso, esta magnum opus inclui pequenas informações culturais sobre figuras notáveis do mundo cultural e científico inglês, americano e de outras nacionalidades, e bem assim dados biobibliográficos ( o que torna a obra uma breve e oportuna enciclopédia) de autores da literatura inglesa e americana. Não sei por que algum editor, até hoje, não se interessou por atualizar, em mãos competentes no domínio da língua inglesa, uma obra dessa envergadura. E, para terminar o soneto com chave de ouro, chamo a atenção do leitor para mais uma qualidade do autor: Campos Jr. era exímio ilustrador de seus próprios livros sobre a língua inglesa e o dicionáario de que estou falando dá exemplo disso com a inclusão, ao longo de suas inúmeras páginas, de ilustrações artisticamente realizadas pela sua mão de mestre no desenho. Uma beleza, abrangendo desenhos de pessoas, objetos, flora, fauna, arquitetura, objetos de arte, objetos do universo científico, técnico etc, que só engrandecem essa obra feita com dedicação e amor ao trabalho intelectual de amplo alcance..
J. L. Campos Jr. foi , assim, um notabilíssimo autor didático e um exemplar lexicógrafo. Nada sei da sua vida familiar e de sua biografia mais pessoal. Presumo que tenha nascido em São Paulo. Sei que publicou vários - livros - adiante mencionados - para o ensino da língua inglesa. Sua primeira obra levou o título de The entertainer, publicada em Nova Iorque, se não incorro em erro, lá pela segunda década do século passado. Em Nova Iorque estudou inglês pelo chamado American Progressive Method, cuja abordagem de ensino-apredizagem desconheço como era.. Na sua produção didática escreveu os seguintes livros: How to learn English, Falemos inglês (Let us speak English. Através destes dois tomei conhecimento do autor, pois era exemplares pertencentes à biblioteca de papai.). Ambos, porém, estavam em estado de conservação precária, e ainda com páginas faltando, o que me deixava sempre decepcionado, porquanto não suporto livros incompletos; Springtime, Dicionário de verbos ingleses, Seleta de autores ingleses, The master key (em três volumes para a 2ª, 3ª e 4ª séries ginasiais), Correspondência comercial inglesa (adquirido por mim em 1968, no Rio, com um dinheiro que papai me dera durante sua passagem por essa cidade em direção a Porto Alegre, onde participaria de um congresso de jornalistas ) Dicionário português-inglês e o já citado Dicionário inglês-português (English- Portuguese illustrated dictionary, assunto principal desta crônica.
J. L. Campos Jr. deve ter sido um autor feliz, porquanto suas obras alcançaram muitas edições e reimpressões, sobretudo o How to leann English, possivelmente no país todo graças ao seu método prático e simples de ensinar inglês, em especial aos alunos com inclinações ao autodidatismo como eu e tantos outros. A par de sua produção didática, manteve, em São Paulo, seu próprio curso de inglês, o Curso de inglês Washington Irving. Sua produção medeia entre os anos 20 e 50 do século passado. Campos Jr. foi professor concursado do Ginásio de São Paulo e de outras escolas respeitadas da capital paulista. O livro Correspondência comercial inglesa, já referido, recebeu do professor americano Alfred R. Hill, antigo professor da Tabor Academy, Marion, Mass., USA, este parecer consagrador : “...após cuidadoso exame das obras do Sr. Campos, posso, com toda ênfase, afirmar que elas nada ficam a dever às melhores que me chegaram às mãos [ quando do meu ingresso para a Universidade de Yale]”. Sobre outro livro de Campos Jr., - os três volumes sob o titulo The máster key, citado acima -, o mesmo professor americano referiu-se ao autor afirmando, entre outros elogios, ser o professor Campos Jr. um “professor nato”.
Devo a esse autor, assim como a tantos outros queridos “amigos”, o meu desenvolvimento nos estudos de língua inglesa. De resto, fiquei tão contente com a recente compra do dicionário ilustrado que, como costumo às vezes fazer, escrevi, em inglês, logo na primeira página do velho e querido dicionário, o seguinte, que me desculpe o leitor por autocitar-me e autotraduzir-me: “Finalmente, meu bom amigo, você veio ao meu encontro. A primeira vez que o orgulho tive de folheá-lo, você não passava de uma obra pertencente à velha Biblioteca do Liceu Piauiense, em Teresina. Dessa forma, não poderia tomá-lo de empréstimo à biblioteca, visto que você fazia parte das obras de referência. Naquele tempo, lá pelos inícios da década de 60 do século passado, apenas era um adolescente ansioso por aprender uma língua estrangeira tão útil. Bem sabe Deus, quanta saudade tinha de você (...). Graças à ciência e à tecnologia, pude encontrá-lo e adquirir essa obra maravilhosa. Agora, você me pertence e, espero eu, há de pertencer aos meus descendentes”
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Alegria que passa
Alegria que passa
Cunha e Silva Filho
O Natal está à nossa porta e, por falar em porta, façamos como na Irlanda à véspera do Natal, quando todas as casas devem manter as portas abertas a fim de que não se repita o que aconteceu há pouco mais de dois mil anos quando Maria de Nazaré e José pediram abrigo numa das estalagens de Belém e todas elas se lhes fecharam.
De acordo com o costume irlandês – não sei se ainda hoje esse costume prevalece -, nessa data santa, as portas devem permanecer abertas, ainda que sejam nos lares mais pobres, para que a ninguém seja negado um alimento.
Este preâmbulo, por associação de ideias, me leva a um a tentativa de poesia dos meus tempos de adolescente quando mandava, aos domingos, artigos para um jornal de Teresina que mantinha uma página destinada a literatura. Era no final do ano de 1963, 25 de dezembro, um domingo. Nunca me tive como poeta, mas os jovens, no início de sua trajetória de vida literária, são afoitos, acham que podem ser tudo, inclusive, poeta. Que me desculpem, meus leitores, mas aquilo que julgava ser um poema, independente do seu nível estético, me saiu espontâneo, até rimados em parte. E sua inspiração me veio por passar muitas vezes por uma rua de Teresina onde havia um convento, creio que de capuchinhos.
Quando por lá passava, ouvia vozes, quase como se fosse um coro. Quanto ao retrato de Cristo, não sei bem se, da rua, eu avistava algum quadro de Cristo. O convento sempre me pareceu muito silencioso, místico, isolado, cheio de mistérios. Por vezes, me assombrava também. Não sei, até hoje, por quê. A fachada do convento dava para a rua Frei Serafim e, de lá se via os fundos da bela Igreja de São Benedito que, para mim, está muito ligada às minhas juvenis e românticas andanças noturnas com o meu primo, o radialista Weyden Cunha e Silva e, às vezes, sozinho.
Meu pai, um crítico severo dos meus textos, não me aprovava algum arroubo poético. Feria, entretanto, o meu orgulho de jovem que, naquela quadra da vida, teimava em ser o que não era.. Por isso, deixei de vez a minha efêmera veleidade de conquistar os favores de Hipocrene. Não pude, assim, cavalgar meu Pégaso Naquela domingo de Natal, não sei por razão, não cheguei a mandar para redação do jornal os meus arremedos de versos. Mas, não me custa trazer ao leitor aquele momento de desejo poético. Afinal, estava mal completando dezoito anos e aos jovens tudo quase se perdoa, ate mesmo a falta de talento poético. Os versos saíram assim:
Alegria que passa
Às vezes, quando passo
Por um mosteiro,
Tenho ímpetos de aço
De ser frade, padeiro.
Vejo-me a cortar pão
Fatias, faquinha na mão
A passar frugal manteiga
Como uma bolha de sabão.
Às vezes, esta vontade
É tão grande, tão forte
Qual alegria, qual sorte
De dar pão, de ser frade!
Vejo, da rua, A Última Ceia
O retrato de Cristo. Silêncio
No meio da ceia.
Vozes de monges, orando
Depois, sentados, em silêncio,
A ceia tomando
À mesma hora que Cristo.
(Para Literatura, 5ª feira, Dia de Natal,1963)
Cunha e Silva Filho
O Natal está à nossa porta e, por falar em porta, façamos como na Irlanda à véspera do Natal, quando todas as casas devem manter as portas abertas a fim de que não se repita o que aconteceu há pouco mais de dois mil anos quando Maria de Nazaré e José pediram abrigo numa das estalagens de Belém e todas elas se lhes fecharam.
De acordo com o costume irlandês – não sei se ainda hoje esse costume prevalece -, nessa data santa, as portas devem permanecer abertas, ainda que sejam nos lares mais pobres, para que a ninguém seja negado um alimento.
Este preâmbulo, por associação de ideias, me leva a um a tentativa de poesia dos meus tempos de adolescente quando mandava, aos domingos, artigos para um jornal de Teresina que mantinha uma página destinada a literatura. Era no final do ano de 1963, 25 de dezembro, um domingo. Nunca me tive como poeta, mas os jovens, no início de sua trajetória de vida literária, são afoitos, acham que podem ser tudo, inclusive, poeta. Que me desculpem, meus leitores, mas aquilo que julgava ser um poema, independente do seu nível estético, me saiu espontâneo, até rimados em parte. E sua inspiração me veio por passar muitas vezes por uma rua de Teresina onde havia um convento, creio que de capuchinhos.
Quando por lá passava, ouvia vozes, quase como se fosse um coro. Quanto ao retrato de Cristo, não sei bem se, da rua, eu avistava algum quadro de Cristo. O convento sempre me pareceu muito silencioso, místico, isolado, cheio de mistérios. Por vezes, me assombrava também. Não sei, até hoje, por quê. A fachada do convento dava para a rua Frei Serafim e, de lá se via os fundos da bela Igreja de São Benedito que, para mim, está muito ligada às minhas juvenis e românticas andanças noturnas com o meu primo, o radialista Weyden Cunha e Silva e, às vezes, sozinho.
Meu pai, um crítico severo dos meus textos, não me aprovava algum arroubo poético. Feria, entretanto, o meu orgulho de jovem que, naquela quadra da vida, teimava em ser o que não era.. Por isso, deixei de vez a minha efêmera veleidade de conquistar os favores de Hipocrene. Não pude, assim, cavalgar meu Pégaso Naquela domingo de Natal, não sei por razão, não cheguei a mandar para redação do jornal os meus arremedos de versos. Mas, não me custa trazer ao leitor aquele momento de desejo poético. Afinal, estava mal completando dezoito anos e aos jovens tudo quase se perdoa, ate mesmo a falta de talento poético. Os versos saíram assim:
Alegria que passa
Às vezes, quando passo
Por um mosteiro,
Tenho ímpetos de aço
De ser frade, padeiro.
Vejo-me a cortar pão
Fatias, faquinha na mão
A passar frugal manteiga
Como uma bolha de sabão.
Às vezes, esta vontade
É tão grande, tão forte
Qual alegria, qual sorte
De dar pão, de ser frade!
Vejo, da rua, A Última Ceia
O retrato de Cristo. Silêncio
No meio da ceia.
Vozes de monges, orando
Depois, sentados, em silêncio,
A ceia tomando
À mesma hora que Cristo.
(Para Literatura, 5ª feira, Dia de Natal,1963)
domingo, 20 de dezembro de 2009
Meu pedido a Papai Noel em 2009
Meu pedido a Papai Noel em 2009
Cunha e Silva Filho
Há muito tempo nada peço a Papai Noel como presente de Natal. Agora, por esta crônica e coluna, faço um grande e coletivo apelo a quem me possa atender ao meu presente de Papai Noel. Em geral, quando se pensa em Papai Noel pensa-se primeiro nas crianças, que são os serezinhos que mais se inclinam ao bom velhinho de barba branca, barrigudinho, vestido de vermelho e carregando nas costas aquele saco de presentes que tanto encanta a infância e mesmo o início da adolescência.
Pois é, leitor, o meu pedido é simples, mas um pouquinho difícil: eu queria recuperar meus artigos passados, aqueles artigos juvenis saídos em jornais de Teresina e datando de 1962 a 1964, que são marcos iniciais, até o final dessa década, fora outros publicados em anos posteriores, por exemplo nos anos 70 e 80 do século passado. Não são tantos assim, já que, por certo bom tempo, nada produzi. Papai, vendo essa lacuna, me estimulava a retomar com mais frequência os meus escritos. Sempre ele o meu grande incentivador.
Se algum leitor ou leitora de Teresina ou de outras cidades do Piauí me pudessem presentear com alguns dos meus antigos artigos juvenis que eu perdi, quem sabe, até aquele sobre O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde(1854-1900) de título: “Dorian Gray: personagem maldito,” publicado pelo extinto jornal Estado do Piauí, do saudoso Josípio Lustosa, este colunista muito e muito ficaria agradecido pelo achado. Ou aquele sobre uma história mal-assombrada, de cujo título não me lembro mais, ou aquele outro conto, intitulado “Inteligência precoce”, saídos, pelo menos um dos dois, na seção de Literatura de outro periódico de Teresina - matérias provavelmente de 1963. Foram escritos quando morava na Rua Arlindo Nogueira e, depois, na Rua Quintino Bocaiúva, última residência minha antes de partir para o Rio de Janeiro, em 1964. Nos anos de 1962, 1963 e 1964 e nas décadas de 70 e 80, escrevi para mais de um jornal de Teresina.Como o leitor pode perceber, não sou daqueles que renegam a obra juvenil. A esta altura da minha vida, seria um grande conforto poder saber a quantos andava meu estilo literário naquele período de vida cheio de energia e esperança.
Em março deste ano, estive em Teresina e Amarante para uma conferência sobre Da Costa e Silva e aproveitei também as minha visitas ao Conselho Estadual de Cultura, presidido, com grande competência e amor à cultura, pelo meu amigo M. Paulo Nunes, a fim de dar uma olhada na seção de jornais antigos. O Conselho de Cultura ocupa (informou-me M. Paulo Nunes que, dentro de pouco tempo, o Conselho vai ter sede própria) algumas salas do Arquivo Público. Tentei, com a ajuda de uma simpática e prestativa funcionária, a Maria de Jesus Nunes Silva, encontrar o artigo sobre o livro do Wilde mas sem sucesso, pois não havia os números referentes a toda a década de setenta.
Confesso que fui descuidado com os meus primeiros escritos, porquanto o certo seria tê-los reunidos desde o primeiro, que tratou de fazer uma homenagem ao ‘Dia do Estudante’. Me recordo de que uma leitora (onde andará minha querida leitora de Teresina?) minha daquele tempo me acompanhava os artigos e dissera, certa vez, que eles a ajudavam na preparação ao vestibular. Também quem me poderia ajudar a localizar o meu artigo sobre Dorian Gray seria o jornalista e intelectual Drumond, assim mesmo, com um “m” só, ((pseudônimo de Jeremias Abreu Pereira da Silva) infelizmente já falecido, e que também infelizmente nunca conheci pessoalmente, o qual ficou entusiasmado com artigo e até enviou a meu pai um bilhete de Brasília datado de 2 de março de 1978 e publicado no mencionado jornal Estado do Piauí fazendo um belo e inteligente comentário sobre a minha matéria.
Em homenagem a ele, o incluí na folha de Dedicatórias da minha Dissertação de Mestrado sobre Da Costa e Silva : Da Costa e Silva : uma leitura da saudade(184 fls. mimeo.) defendida na UFRJ, no primeiro semestre de 1994, trabalho posteriormente publicado em livro pela UFPI e Academia Piauiense de Letras(1996).
Por aí o leitor ou leitora pode avaliar o quanto me deixaria feliz se pudesse pelo menos ter de volta à mãos as minha primícias de adolescente, que são esses artigos mencionados nesta crônica. Eles, sim, seriam neste ano que se finda o meu presente de Natal. Que Papai Noel me atenda. Aproveito para desejar a meus leitores um Feliz Natal e um grandioso 2010.
Nota: Os leitores que por acaso tenham algum artigo meu das datas mencionadas nesta coluna, favor entrar em contato comigo pelo meu e-mail: profcunhasilvafilho@Gmail.com
Cunha e Silva Filho
Há muito tempo nada peço a Papai Noel como presente de Natal. Agora, por esta crônica e coluna, faço um grande e coletivo apelo a quem me possa atender ao meu presente de Papai Noel. Em geral, quando se pensa em Papai Noel pensa-se primeiro nas crianças, que são os serezinhos que mais se inclinam ao bom velhinho de barba branca, barrigudinho, vestido de vermelho e carregando nas costas aquele saco de presentes que tanto encanta a infância e mesmo o início da adolescência.
Pois é, leitor, o meu pedido é simples, mas um pouquinho difícil: eu queria recuperar meus artigos passados, aqueles artigos juvenis saídos em jornais de Teresina e datando de 1962 a 1964, que são marcos iniciais, até o final dessa década, fora outros publicados em anos posteriores, por exemplo nos anos 70 e 80 do século passado. Não são tantos assim, já que, por certo bom tempo, nada produzi. Papai, vendo essa lacuna, me estimulava a retomar com mais frequência os meus escritos. Sempre ele o meu grande incentivador.
Se algum leitor ou leitora de Teresina ou de outras cidades do Piauí me pudessem presentear com alguns dos meus antigos artigos juvenis que eu perdi, quem sabe, até aquele sobre O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde(1854-1900) de título: “Dorian Gray: personagem maldito,” publicado pelo extinto jornal Estado do Piauí, do saudoso Josípio Lustosa, este colunista muito e muito ficaria agradecido pelo achado. Ou aquele sobre uma história mal-assombrada, de cujo título não me lembro mais, ou aquele outro conto, intitulado “Inteligência precoce”, saídos, pelo menos um dos dois, na seção de Literatura de outro periódico de Teresina - matérias provavelmente de 1963. Foram escritos quando morava na Rua Arlindo Nogueira e, depois, na Rua Quintino Bocaiúva, última residência minha antes de partir para o Rio de Janeiro, em 1964. Nos anos de 1962, 1963 e 1964 e nas décadas de 70 e 80, escrevi para mais de um jornal de Teresina.Como o leitor pode perceber, não sou daqueles que renegam a obra juvenil. A esta altura da minha vida, seria um grande conforto poder saber a quantos andava meu estilo literário naquele período de vida cheio de energia e esperança.
Em março deste ano, estive em Teresina e Amarante para uma conferência sobre Da Costa e Silva e aproveitei também as minha visitas ao Conselho Estadual de Cultura, presidido, com grande competência e amor à cultura, pelo meu amigo M. Paulo Nunes, a fim de dar uma olhada na seção de jornais antigos. O Conselho de Cultura ocupa (informou-me M. Paulo Nunes que, dentro de pouco tempo, o Conselho vai ter sede própria) algumas salas do Arquivo Público. Tentei, com a ajuda de uma simpática e prestativa funcionária, a Maria de Jesus Nunes Silva, encontrar o artigo sobre o livro do Wilde mas sem sucesso, pois não havia os números referentes a toda a década de setenta.
Confesso que fui descuidado com os meus primeiros escritos, porquanto o certo seria tê-los reunidos desde o primeiro, que tratou de fazer uma homenagem ao ‘Dia do Estudante’. Me recordo de que uma leitora (onde andará minha querida leitora de Teresina?) minha daquele tempo me acompanhava os artigos e dissera, certa vez, que eles a ajudavam na preparação ao vestibular. Também quem me poderia ajudar a localizar o meu artigo sobre Dorian Gray seria o jornalista e intelectual Drumond, assim mesmo, com um “m” só, ((pseudônimo de Jeremias Abreu Pereira da Silva) infelizmente já falecido, e que também infelizmente nunca conheci pessoalmente, o qual ficou entusiasmado com artigo e até enviou a meu pai um bilhete de Brasília datado de 2 de março de 1978 e publicado no mencionado jornal Estado do Piauí fazendo um belo e inteligente comentário sobre a minha matéria.
Em homenagem a ele, o incluí na folha de Dedicatórias da minha Dissertação de Mestrado sobre Da Costa e Silva : Da Costa e Silva : uma leitura da saudade(184 fls. mimeo.) defendida na UFRJ, no primeiro semestre de 1994, trabalho posteriormente publicado em livro pela UFPI e Academia Piauiense de Letras(1996).
Por aí o leitor ou leitora pode avaliar o quanto me deixaria feliz se pudesse pelo menos ter de volta à mãos as minha primícias de adolescente, que são esses artigos mencionados nesta crônica. Eles, sim, seriam neste ano que se finda o meu presente de Natal. Que Papai Noel me atenda. Aproveito para desejar a meus leitores um Feliz Natal e um grandioso 2010.
Nota: Os leitores que por acaso tenham algum artigo meu das datas mencionadas nesta coluna, favor entrar em contato comigo pelo meu e-mail: profcunhasilvafilho@Gmail.com
sábado, 19 de dezembro de 2009
Os homens e o clima
OS HOMENS E O CLIMA
Cunha e Silva Filho
Há um descompasso visível e mesmo amedrontador entre o que está se vendo com a Mãe-Natureza e os desdobramentos pouco alentadores das autoridades responsáveis pelos destinos do nosso alquebrado Planeta, agora reunidas nos estertores da COP 15, em Copenhague, em meio a protestos de manifestantes e enfrentamentos do porrete da força bruta, igual em qualquer parte, e utilizando-se dos mesmos instrumentos de repressão dos governos locais. Somos iguais na repressão, o que muda é a língua. Todas as polícias são iguais, as diferenças são mínimas. Não há como retomar aqui o maniqueísmo (positivo neste caso) entre o certo e o errado. O errado tem a força e o fogo, o certo tem a consciência dos males da civilização.
Veja-se o exemplo das condições climáticas e pluviométricas no Brasil que, a bom entendedor, dá a medida da compreensão necessária para a elucidação das conseqüências do efeito estufa. Não é preciso ir muito longe no cerne do problema. Basta ver o volume de chuvas torrenciais que castigam boa parte do país e de forma nunca vista no seu conjunto: São Paulo, a região sul, parte do Rio de Janeiro, por enquanto. Aí temos regiões assoladas ainda com vendavais, tufões, que destroem tudo que encontram e deixam saldo crescentes de vítimas fatais, a par de prejuízos materiais enormes causados às habitações, ao comércio, à indústria, aos governos, diminuindo as possibilidades financeiro-econômicas dos estados e da nação no seu todo. As maiores vítimas são as populações pobres ou abaixo da linha de pobreza que, com as inundações impiedosas, perdem tudo, móveis, eletrodomésticos, alimentos, roupas etc. Tudo perdido em questão de minutos. Da noite pro dia viram sem-teto, sem nada. Restam o choro e a lamentação.Perdem, pois, sua identidade espacial. A única coisa que lhes resta é o próprio corpo e o espírito esfacelado pelas águas inclementes. Os flagelados vão engrossar o nível do pauperismo e de todos os males decorrentes dessa situação.
Enquanto isso, os Obamas, os Lulas, os demais potentados, bem postos na vida, cercados de conforto e segurança, em hoteis luxuosos, bem vestidos, bem alimentados, acompanhados de ministros, assessores e assemelhados, vão à tribuna das reuniões de cúpula para discutirem a intrincada e vital questão do aquecimento da Terra causado por milhares de toneladas de CO2 saindo das chaminés das fábricas e indústrias das grandes e poderosas nações que estão matando o que resta de vida em nosso planeta.
Não creio nas declarações mais retóricas do que genuínas desses representantes e líderes mundiais, porque, no cômputo geral, o que mais vai pesar serão os gastos bilionários que os grandes terão que desembolsar para aliviar as pequenas nações de suas menores cotas de poluição, provendo-as de tecnologia e de infraestrutura a fim de que elas avancem no seu progresso sem aumentar muito os níveis de poluição. Ora, e as grandes e gigantescas nações, pormque primeiro não se sacrificam um pouco na sua desenfreada atividade econômico-industrial sem os atuais altíssimos níveis de liberação de CO2? Como pretender ajudar as pequenas nações se esses gigantes não se policiam proporcionalmente ao seu consumo e ganância de dólares? De uma certeza estou convencido: a de que, se não sustarmos nosso avassalador envenenamento de nossa atmosfera, não haverá vivente para contar aos netos o que ficou da Terra.
Estamos mais do que técnica e cientificamente informados dos males irreversíveis ocasionados pela insânia dos homens que, pensando ser os donos do mundo, ainda não se deram conta de que a Terra está muito enferma.
Sabemos quem são os culpados pelo aquecimento terrestre. Contudo, como já aconteceu com os desígnios bíblicos do Velho Testamento, ninguém está se lixando para as vozes que parecem falar pela boca dos Céus.
Continuam poluindo, desmatando o Planeta.Teimam em consumir além das necessidades, sobretudo no “planeta” do dólar, região paradisíaca dos milionários que parecem acreditar na imortalidade da força do vil metal, com o qual compram tudo, até a consciência do que é justiça, do que é limite, do que é ser dotado de humanidade.
Na sua embriaguez dionisíaca visando à dinheirama a fundo perdido, nos seus excessos de todos os tipos, no seu hedonismo, esses multimilionários apátridas, multipátridas e ubíquos nas suas gastanças pelos quatro cantos do planeta, apenas pensam em si mesmos e o mundo da miséria que vá pras cucuias. Nunca se viu tanta ausência de integridade da pessoa humana. As águas vão rolar e aí então nem os palácios, as mansões, os castelos medievais com seus arrivistas-proprietários, nem o ouro, o euro, o real e outras invenções dos homens vão dar jeito. Os mares, os oceanos, as calotas polares, os tsunamis, os furacões, os terremotos, os maremotos, os vulcões e outros acts of God. não estão pra peixe, quanto menos para esses ínfimos seres que se chamam (deviam se envergonhar disso) humanos.
Pouco ou nada sobrará, exceto as águas do mar como no exemplo paradigmático de Moby Dick de Helman Melville (1819-1891), onde as águas oceânicas, depois da tragédia, mal davam sinal de que a vida ali esteve presente e para a qual o destino se fez morte através da ação do homem. Ahab e tudo o mais que estava com ele não passavam de águas do mar que se moviam como sempre o fizeram “há cinco mil anos.”
Cunha e Silva Filho
Há um descompasso visível e mesmo amedrontador entre o que está se vendo com a Mãe-Natureza e os desdobramentos pouco alentadores das autoridades responsáveis pelos destinos do nosso alquebrado Planeta, agora reunidas nos estertores da COP 15, em Copenhague, em meio a protestos de manifestantes e enfrentamentos do porrete da força bruta, igual em qualquer parte, e utilizando-se dos mesmos instrumentos de repressão dos governos locais. Somos iguais na repressão, o que muda é a língua. Todas as polícias são iguais, as diferenças são mínimas. Não há como retomar aqui o maniqueísmo (positivo neste caso) entre o certo e o errado. O errado tem a força e o fogo, o certo tem a consciência dos males da civilização.
Veja-se o exemplo das condições climáticas e pluviométricas no Brasil que, a bom entendedor, dá a medida da compreensão necessária para a elucidação das conseqüências do efeito estufa. Não é preciso ir muito longe no cerne do problema. Basta ver o volume de chuvas torrenciais que castigam boa parte do país e de forma nunca vista no seu conjunto: São Paulo, a região sul, parte do Rio de Janeiro, por enquanto. Aí temos regiões assoladas ainda com vendavais, tufões, que destroem tudo que encontram e deixam saldo crescentes de vítimas fatais, a par de prejuízos materiais enormes causados às habitações, ao comércio, à indústria, aos governos, diminuindo as possibilidades financeiro-econômicas dos estados e da nação no seu todo. As maiores vítimas são as populações pobres ou abaixo da linha de pobreza que, com as inundações impiedosas, perdem tudo, móveis, eletrodomésticos, alimentos, roupas etc. Tudo perdido em questão de minutos. Da noite pro dia viram sem-teto, sem nada. Restam o choro e a lamentação.Perdem, pois, sua identidade espacial. A única coisa que lhes resta é o próprio corpo e o espírito esfacelado pelas águas inclementes. Os flagelados vão engrossar o nível do pauperismo e de todos os males decorrentes dessa situação.
Enquanto isso, os Obamas, os Lulas, os demais potentados, bem postos na vida, cercados de conforto e segurança, em hoteis luxuosos, bem vestidos, bem alimentados, acompanhados de ministros, assessores e assemelhados, vão à tribuna das reuniões de cúpula para discutirem a intrincada e vital questão do aquecimento da Terra causado por milhares de toneladas de CO2 saindo das chaminés das fábricas e indústrias das grandes e poderosas nações que estão matando o que resta de vida em nosso planeta.
Não creio nas declarações mais retóricas do que genuínas desses representantes e líderes mundiais, porque, no cômputo geral, o que mais vai pesar serão os gastos bilionários que os grandes terão que desembolsar para aliviar as pequenas nações de suas menores cotas de poluição, provendo-as de tecnologia e de infraestrutura a fim de que elas avancem no seu progresso sem aumentar muito os níveis de poluição. Ora, e as grandes e gigantescas nações, pormque primeiro não se sacrificam um pouco na sua desenfreada atividade econômico-industrial sem os atuais altíssimos níveis de liberação de CO2? Como pretender ajudar as pequenas nações se esses gigantes não se policiam proporcionalmente ao seu consumo e ganância de dólares? De uma certeza estou convencido: a de que, se não sustarmos nosso avassalador envenenamento de nossa atmosfera, não haverá vivente para contar aos netos o que ficou da Terra.
Estamos mais do que técnica e cientificamente informados dos males irreversíveis ocasionados pela insânia dos homens que, pensando ser os donos do mundo, ainda não se deram conta de que a Terra está muito enferma.
Sabemos quem são os culpados pelo aquecimento terrestre. Contudo, como já aconteceu com os desígnios bíblicos do Velho Testamento, ninguém está se lixando para as vozes que parecem falar pela boca dos Céus.
Continuam poluindo, desmatando o Planeta.Teimam em consumir além das necessidades, sobretudo no “planeta” do dólar, região paradisíaca dos milionários que parecem acreditar na imortalidade da força do vil metal, com o qual compram tudo, até a consciência do que é justiça, do que é limite, do que é ser dotado de humanidade.
Na sua embriaguez dionisíaca visando à dinheirama a fundo perdido, nos seus excessos de todos os tipos, no seu hedonismo, esses multimilionários apátridas, multipátridas e ubíquos nas suas gastanças pelos quatro cantos do planeta, apenas pensam em si mesmos e o mundo da miséria que vá pras cucuias. Nunca se viu tanta ausência de integridade da pessoa humana. As águas vão rolar e aí então nem os palácios, as mansões, os castelos medievais com seus arrivistas-proprietários, nem o ouro, o euro, o real e outras invenções dos homens vão dar jeito. Os mares, os oceanos, as calotas polares, os tsunamis, os furacões, os terremotos, os maremotos, os vulcões e outros acts of God. não estão pra peixe, quanto menos para esses ínfimos seres que se chamam (deviam se envergonhar disso) humanos.
Pouco ou nada sobrará, exceto as águas do mar como no exemplo paradigmático de Moby Dick de Helman Melville (1819-1891), onde as águas oceânicas, depois da tragédia, mal davam sinal de que a vida ali esteve presente e para a qual o destino se fez morte através da ação do homem. Ahab e tudo o mais que estava com ele não passavam de águas do mar que se moviam como sempre o fizeram “há cinco mil anos.”
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
O mistério dos livros
O mistério dos livros
Cunha e Silva Filho
- Não é possível, Lisandro, que tenha aparecido lá naquele sebo, aliás um sebo conhecido, frequentado por muita gente intelectualmente influente. O lançamento foi há um ano atrás,e lá já estão vendendo o livro pela terça parte do valor real. São vinte exemplares Quem os comprou? O Ivan não pode saber desse fato, ficará triste e, sabendo como ele é, já vai pensar que o livro não agradou por mil e um motivos que sua fantasia pode imaginar. Vai cair em depressão.
- E dá pra saber? Se você me diz que o autor, no lançamento, autografou os exemplares de todos os presentes, como é que apareceram no sebo tantos exemplares? É certo que, em quatro livrarias, o livro ainda está disponível.A tiragem foi limitada, reconheço. No lançamento compareceram umas quarenta pessoas.E você, Henrique, ainda me disse que conseguiu saber disso através de uma livraria virtual. O que me intriga é a celeridade com que os livros foram logo vendidos pro sebo. Há alguma coisa aí que não entendo. Vou descobrir quem pode ter vendido todos esses exemplares pro sebo. A obra mal passou de um ano de lançamento e já se encontra no sebo. Já ouvi falar de um fato igual a esse.Que falta de respeito para com o autor!
- Claro, tenho o hábito de pesquisar na internet, meu faro é bom e sempre tenho descoberto alguma coisa pra mim e pra meus amigos, aliás mais pros amigos, como foi o caso que estamos considerando. Mas tenho um plano, vou tentar saber como os livros esbarraram naquele sebo. Logo num único sebo vinte exemplares! Se não estiverem autografados é porque não foi nenhum dos presentes ao lançamento, tá na cara. Então, foram mesmo compradores anônimos que os adquiriram nas quatro livrarias em que estão à venda.Na semana que vem, vou a Botafogo tirar tudo a limpo.
Henrique e Lisandro eram velhos amigos do autor, desses amigos que estão sempre solidários nas horas difíceis. Henrique, também, era seu colega do magistério público estadual, professor de literatura brasileira e língua portuguesa (daí a maior afinidade que tinha com o autor) numa escola do subúrbio, em Coelho Neto. Lisandro era um amigo de conversas sobre a doutrina cardecista. Lecionava biologia no mesmo colégio que o amigo. Ambos tinham uma grande admiração pelo autor do livro que apareceu no sebo. Naquela manhã de verão, os dois estavam conversando à porta central do colégio no qual trabalhavam.
Como e por que os livro foram tão rapidamente descartados por quem os comprou, ninguém sabe. Certamente é bem provável que foram alguns dos presentes ao lançamento.Mas, então, só saberemos se os vinte livros estiverem autografados. Compraram e não gostaram, ou é leitor de ler e, depois, de descartar-se logo do livro lido. Agora, com a facilidade da internet para compra ou venda de livros nas livrarias virtuais, nem precisa de a pessoa sair de casa para fazer uma dessas duas transações. Ou o livro chega na casa de quem o comprou ou vai ser vendido por preço de banana e parar numa sebo virtual, ou não.
No caso do livro – era um livro de contos meio pornográficos, mas, segundo um crítico que o resenhou em conhecido jornal carioca, o livro tinha qualidades graças a seu bom nível literário. Era o acaso de dizer-se; o livro salvou-se pela linguagem, pela forma engenhosa de sua fabulação, pela trama bem urdida, pelos personagens finamente elaborados cheios de vida, daquele tipo que um velho critico que vivia no Meier definia como personagens “de carne e osso”. O livro, porém, no espaço de um ano, não vendeu muito. Não teve repercussão junto ao grande publico, mais afeito às facilidades de best-sellers importados.
--Lá está a livraria que procuro. Vou ver mesmo se os livros ali se encontram disponíveis. O vendedor, que se encontrava logo à entrada da livraria, veio ao meu encontro e me perguntou se queria uma ajuda. Sim, lhe disse e dele inquiri sobre o livro do meu autor e amigo:
--Olhe, eu não me lembro desse livro. Neste momento, uma vendedora logo deles se aproximou e falou ao colega de trabalho que o livro procurado estava, sim, à venda, inclusive com um exemplar numa das estantes de literatura.Os dezenove restantes estavam ainda guardados numa caixa no depósito. Ela retirou o exemplar de uma das estantes e me entregou. Logo vi que não estava autografado. Senti um alívio.Tive vontade de lhe perguntar se os outros estavam ou não autografados, mas me contive. Era algo que deveria investigar depois noutra oportunidade ainda que me tivesse prometido que iria pôr o mistério a limpo. Fiquei na dúvida como os agnósticos.
-- Que bom! exclamei com alegria e surpresa. Quanto custa?
--Dez reais. Foi então que percebi que, na minha carteira, estava apenas com o dinheiro da passagem de ônibus de volta, aliás, duas passagens teria que comprar, já que iria pegar dois ônibus.. Antes, porém, que desse na vista a minha situação embaraçosa, falei com o vendedor que passaria no dia seguinte a fim de levar o livro. Adiantei ainda ao vendedor que era amigo do autor e que ele deixasse reservado aquele exemplar pra mim, não o vendesse a ninguém. Observei que o vendedor ficou um tanto surpreso com a minha desistência de levar o livro.
À noite, em casa, Henrique telefonou pro amigo, o Ivã. Posto Lisandro fosse contrário a que Henrique contasse ao autor sobre a situação sui generis do livro, ainda assim terminou contando tudo que sabia. Relatou-lhe que havia encontrado os vinte exemplares do livro num sebo em Botafogo e que por isso mesmo estava indignado com o que soubera. Do outro lado da linha, Ivan, em silêncio, ouviu a história e não manifestou sequer uma reação, violenta ou não. Permaneceu em silêncio. Henrique despediu-se dele e, em seguida, foi ver o jornal preferido na televisão.
Cunha e Silva Filho
- Não é possível, Lisandro, que tenha aparecido lá naquele sebo, aliás um sebo conhecido, frequentado por muita gente intelectualmente influente. O lançamento foi há um ano atrás,e lá já estão vendendo o livro pela terça parte do valor real. São vinte exemplares Quem os comprou? O Ivan não pode saber desse fato, ficará triste e, sabendo como ele é, já vai pensar que o livro não agradou por mil e um motivos que sua fantasia pode imaginar. Vai cair em depressão.
- E dá pra saber? Se você me diz que o autor, no lançamento, autografou os exemplares de todos os presentes, como é que apareceram no sebo tantos exemplares? É certo que, em quatro livrarias, o livro ainda está disponível.A tiragem foi limitada, reconheço. No lançamento compareceram umas quarenta pessoas.E você, Henrique, ainda me disse que conseguiu saber disso através de uma livraria virtual. O que me intriga é a celeridade com que os livros foram logo vendidos pro sebo. Há alguma coisa aí que não entendo. Vou descobrir quem pode ter vendido todos esses exemplares pro sebo. A obra mal passou de um ano de lançamento e já se encontra no sebo. Já ouvi falar de um fato igual a esse.Que falta de respeito para com o autor!
- Claro, tenho o hábito de pesquisar na internet, meu faro é bom e sempre tenho descoberto alguma coisa pra mim e pra meus amigos, aliás mais pros amigos, como foi o caso que estamos considerando. Mas tenho um plano, vou tentar saber como os livros esbarraram naquele sebo. Logo num único sebo vinte exemplares! Se não estiverem autografados é porque não foi nenhum dos presentes ao lançamento, tá na cara. Então, foram mesmo compradores anônimos que os adquiriram nas quatro livrarias em que estão à venda.Na semana que vem, vou a Botafogo tirar tudo a limpo.
Henrique e Lisandro eram velhos amigos do autor, desses amigos que estão sempre solidários nas horas difíceis. Henrique, também, era seu colega do magistério público estadual, professor de literatura brasileira e língua portuguesa (daí a maior afinidade que tinha com o autor) numa escola do subúrbio, em Coelho Neto. Lisandro era um amigo de conversas sobre a doutrina cardecista. Lecionava biologia no mesmo colégio que o amigo. Ambos tinham uma grande admiração pelo autor do livro que apareceu no sebo. Naquela manhã de verão, os dois estavam conversando à porta central do colégio no qual trabalhavam.
Como e por que os livro foram tão rapidamente descartados por quem os comprou, ninguém sabe. Certamente é bem provável que foram alguns dos presentes ao lançamento.Mas, então, só saberemos se os vinte livros estiverem autografados. Compraram e não gostaram, ou é leitor de ler e, depois, de descartar-se logo do livro lido. Agora, com a facilidade da internet para compra ou venda de livros nas livrarias virtuais, nem precisa de a pessoa sair de casa para fazer uma dessas duas transações. Ou o livro chega na casa de quem o comprou ou vai ser vendido por preço de banana e parar numa sebo virtual, ou não.
No caso do livro – era um livro de contos meio pornográficos, mas, segundo um crítico que o resenhou em conhecido jornal carioca, o livro tinha qualidades graças a seu bom nível literário. Era o acaso de dizer-se; o livro salvou-se pela linguagem, pela forma engenhosa de sua fabulação, pela trama bem urdida, pelos personagens finamente elaborados cheios de vida, daquele tipo que um velho critico que vivia no Meier definia como personagens “de carne e osso”. O livro, porém, no espaço de um ano, não vendeu muito. Não teve repercussão junto ao grande publico, mais afeito às facilidades de best-sellers importados.
--Lá está a livraria que procuro. Vou ver mesmo se os livros ali se encontram disponíveis. O vendedor, que se encontrava logo à entrada da livraria, veio ao meu encontro e me perguntou se queria uma ajuda. Sim, lhe disse e dele inquiri sobre o livro do meu autor e amigo:
--Olhe, eu não me lembro desse livro. Neste momento, uma vendedora logo deles se aproximou e falou ao colega de trabalho que o livro procurado estava, sim, à venda, inclusive com um exemplar numa das estantes de literatura.Os dezenove restantes estavam ainda guardados numa caixa no depósito. Ela retirou o exemplar de uma das estantes e me entregou. Logo vi que não estava autografado. Senti um alívio.Tive vontade de lhe perguntar se os outros estavam ou não autografados, mas me contive. Era algo que deveria investigar depois noutra oportunidade ainda que me tivesse prometido que iria pôr o mistério a limpo. Fiquei na dúvida como os agnósticos.
-- Que bom! exclamei com alegria e surpresa. Quanto custa?
--Dez reais. Foi então que percebi que, na minha carteira, estava apenas com o dinheiro da passagem de ônibus de volta, aliás, duas passagens teria que comprar, já que iria pegar dois ônibus.. Antes, porém, que desse na vista a minha situação embaraçosa, falei com o vendedor que passaria no dia seguinte a fim de levar o livro. Adiantei ainda ao vendedor que era amigo do autor e que ele deixasse reservado aquele exemplar pra mim, não o vendesse a ninguém. Observei que o vendedor ficou um tanto surpreso com a minha desistência de levar o livro.
À noite, em casa, Henrique telefonou pro amigo, o Ivã. Posto Lisandro fosse contrário a que Henrique contasse ao autor sobre a situação sui generis do livro, ainda assim terminou contando tudo que sabia. Relatou-lhe que havia encontrado os vinte exemplares do livro num sebo em Botafogo e que por isso mesmo estava indignado com o que soubera. Do outro lado da linha, Ivan, em silêncio, ouviu a história e não manifestou sequer uma reação, violenta ou não. Permaneceu em silêncio. Henrique despediu-se dele e, em seguida, foi ver o jornal preferido na televisão.
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Leitura de jornal
Leitura de jornal
Cunha e Silva Filho
Sábados e domingos são os dois dias da semana reservados para leituras de jornal mais intensas. Deixo até meus estudos semanais específicos para me dedicar aos periódicos. No sábado, leio o JB e, no domingo, a Folha de São Paulo. Esporadicamente, leio O Globo ou um jornal menor. As leituras de jornal fazem parte do meu cronograma cultural, como acho que de muita gente amante do conhecimento e da informação. Uma vez o grande crítico Antonio Candido declarou, se não me engano, numa entrevista para a Folha de São Paulo, que, na formação intelectual, a leitura de jornais entra como um dos elementos decisivos. Compartilho também de seu pensamento.
Todos sabemos quão fortuita é a leitura de jornal, de tal forma que, deixando de ler-se um número de hoje, na manhã seguinte, essa leitura soa anacrônica, como se perdesse o sentido ou a validade.Talvez por isso é que, quando, por um ou outro motivo, deixamos de comprar um jornal e, na última hora, queremos comprá-lo na banca e não o encontramos, na manhã seguinte, se o procuramos, não o encontramos, visto que as sobras são devolvidas ao distribuidor e não sei o destino que realmente vão ter. É assim na prática o que ocorre com os jornais.Os fatos relatados nos jornais são tão dinâmicos que se não lermos o jornal do dia, no outro dia perdemos a chance do envolvimento que a notícia fresca proporciona ao leitor.
È óbvio que, rigorosamente, até podemos ler o exemplar do jornal comprado só no dia seguinte. Isso por vezes acontece por razões variadas. No entanto, o ato da leitura de um jornal fora do dia de sua edição nos dá até uma sensação de desatualidade.
A força da leitura de jornal reside no dia em que é posto na banca para a venda. É fato também que há os cadernos culturais, sobretudo a seção de literatura e de assuntos culturais diversos. Esses cadernos podem esperar por nós. Sua leitura pode ser postergada dada a sua natureza de complexidade, extensão da matéria e especificidade dos temas tratados com maior amplitude e erudição.
A leitura de jornal, guardadas as diferenças, semelha a capítulos de romances lineares (a comparação aqui não é minha, porém dela me aproveito agora).Se no romance os acontecimentos se sucedem e nos prendem a atenção, espicaçando o nosso interesse pela ordem dos fatos desencadeados pela trama, nos jornais existem os necessários desdobramentos da dinâmica social-histórica, fazendo com que essa mídia se torne uma força viva e estuante a fim de veicular novidades locais, regionais, nacionais e internacionais. Esse é o destino de qualquer periódico: manter o leitor inteirado do que acontece no mundo.
O jornal funciona como uma verdadeira radiografia de um país ou do mundo em geral. É bem provável que muita gente nele tem seu melhor meio de cultivar a inteligência e mesmo de formar sua cultura. O ideal de leitor de jornal seria aquele que diariamente lesse o jornal. Entretanto, por questões de economia, muitos leitores não leem jornal diariamente. Da mesma forma, devemos desconfiar daqueles que nos dizem ler vários jornais por dia. Puro exagero. O que se pode entender dessa situação de leitor seria que este pode ver alguma matéria ou outra em vários jornais. Não, porém, o jornal na íntegra. E a vida , como fica?
Acredito que a leitura de um jornal ainda é a melhor forma de comunicação ou de sintonia com o universo de noticias diariamente transmitidas. Nem a internet o suplanta, como o e-book não vai suplantar um livro na sua forma tradicional impressa no papel. Imenso é o prazer que se tem de sair à rua para comprar um jornal de nossa preferência. Que delícia esse ato proporciona aos aficionados dos jornais!
A leitura de jornal é um hábito democrático, porquanto não há fórmula mágica de se ler um jornal, inclusive cada leitor tem o poder de escolha na leitura das partes diferentes que constituem esse veículo de comunicação escrita. Pode o leitor começar por qualquer seção. Pode até descartar-se de outras seções. No jornal lê-se o que nos interessa e pronto.A escolha da parte que se deseja ler em primeiro lugar é um ato puramente idiossincrático.
Certa vez, escrevi uma crônica sobre o meu modo de ler jornal e sobre a minha resistência à leitura da seção de economia, que nunca achei sedutora por razões pessoais que não quero aqui levantar. Era uma implicância até insensata da minha parte, reconheço. Mais tarde, superei em parte essa ojeriza. Uma outra seção que, no meu ranking de leitor de jornal, deixava sempre por último era a dos esportes – justamente essa que é a menina dos olhos do leitor médio brasileiro.
As duas seções que mais me prendiam e ainda prendem a atenção eram a de política internacional e a dos suplementos culturais.Durante anos e anos tenho lido prazerosamente o caderno Idéias&Livros, do JB, que já passou por vários editores e o caderno MAIS! da Folha de São Paulo. Ambos ainda estão em circulação, embora o Idéias&Livros hoje tenha reduzido seu número de páginas. O Caderno Prosa & Verso de O Globo não leio com tanta assiduidade, mas o considero um bom suplemento literário e cultural.
Já possuí coleções dos três citados suplementos. Com o tempo, todavia, por falta de espaço em casa, me desfiz, com o coração partido, de centenas de números daquelas publicações. A minha vontade era de guardá-las todas. É lamentável o descarte pela simples razão de que há uma grande diferença entre a posse de matéria de pesquisa em jornal em nossa casa e a pesquisa que depende dos arquivos, bibliotecas ou instituições privadas com aquela rigorosa exigência cercando o consulente ou o pesquisador e, por vezes, até constrangendo-os. Por isso mesmo têm razão os ingleses quando dizem: “My home is my castle.”
Conheci um professor de biologia que se gabava de ler um jornal de cabo a rabo, chegando ao exagero de ler até os classificados... Isso aos domingos. Outro conhecido me confessou que, nas leituras de suplementos literários, ele fazia uma seleção de matérias e, ao longo de uma semana ou mês, ia digerindo com vagar os suplementos.
Cada leitor, por conseguinte, tem sua peculiar maneira de sentir esse prazer enorme de cultivar o espírito embalado pela sedução que é a leitura de um jornal sobretudo em fins de semana.
Cunha e Silva Filho
Sábados e domingos são os dois dias da semana reservados para leituras de jornal mais intensas. Deixo até meus estudos semanais específicos para me dedicar aos periódicos. No sábado, leio o JB e, no domingo, a Folha de São Paulo. Esporadicamente, leio O Globo ou um jornal menor. As leituras de jornal fazem parte do meu cronograma cultural, como acho que de muita gente amante do conhecimento e da informação. Uma vez o grande crítico Antonio Candido declarou, se não me engano, numa entrevista para a Folha de São Paulo, que, na formação intelectual, a leitura de jornais entra como um dos elementos decisivos. Compartilho também de seu pensamento.
Todos sabemos quão fortuita é a leitura de jornal, de tal forma que, deixando de ler-se um número de hoje, na manhã seguinte, essa leitura soa anacrônica, como se perdesse o sentido ou a validade.Talvez por isso é que, quando, por um ou outro motivo, deixamos de comprar um jornal e, na última hora, queremos comprá-lo na banca e não o encontramos, na manhã seguinte, se o procuramos, não o encontramos, visto que as sobras são devolvidas ao distribuidor e não sei o destino que realmente vão ter. É assim na prática o que ocorre com os jornais.Os fatos relatados nos jornais são tão dinâmicos que se não lermos o jornal do dia, no outro dia perdemos a chance do envolvimento que a notícia fresca proporciona ao leitor.
È óbvio que, rigorosamente, até podemos ler o exemplar do jornal comprado só no dia seguinte. Isso por vezes acontece por razões variadas. No entanto, o ato da leitura de um jornal fora do dia de sua edição nos dá até uma sensação de desatualidade.
A força da leitura de jornal reside no dia em que é posto na banca para a venda. É fato também que há os cadernos culturais, sobretudo a seção de literatura e de assuntos culturais diversos. Esses cadernos podem esperar por nós. Sua leitura pode ser postergada dada a sua natureza de complexidade, extensão da matéria e especificidade dos temas tratados com maior amplitude e erudição.
A leitura de jornal, guardadas as diferenças, semelha a capítulos de romances lineares (a comparação aqui não é minha, porém dela me aproveito agora).Se no romance os acontecimentos se sucedem e nos prendem a atenção, espicaçando o nosso interesse pela ordem dos fatos desencadeados pela trama, nos jornais existem os necessários desdobramentos da dinâmica social-histórica, fazendo com que essa mídia se torne uma força viva e estuante a fim de veicular novidades locais, regionais, nacionais e internacionais. Esse é o destino de qualquer periódico: manter o leitor inteirado do que acontece no mundo.
O jornal funciona como uma verdadeira radiografia de um país ou do mundo em geral. É bem provável que muita gente nele tem seu melhor meio de cultivar a inteligência e mesmo de formar sua cultura. O ideal de leitor de jornal seria aquele que diariamente lesse o jornal. Entretanto, por questões de economia, muitos leitores não leem jornal diariamente. Da mesma forma, devemos desconfiar daqueles que nos dizem ler vários jornais por dia. Puro exagero. O que se pode entender dessa situação de leitor seria que este pode ver alguma matéria ou outra em vários jornais. Não, porém, o jornal na íntegra. E a vida , como fica?
Acredito que a leitura de um jornal ainda é a melhor forma de comunicação ou de sintonia com o universo de noticias diariamente transmitidas. Nem a internet o suplanta, como o e-book não vai suplantar um livro na sua forma tradicional impressa no papel. Imenso é o prazer que se tem de sair à rua para comprar um jornal de nossa preferência. Que delícia esse ato proporciona aos aficionados dos jornais!
A leitura de jornal é um hábito democrático, porquanto não há fórmula mágica de se ler um jornal, inclusive cada leitor tem o poder de escolha na leitura das partes diferentes que constituem esse veículo de comunicação escrita. Pode o leitor começar por qualquer seção. Pode até descartar-se de outras seções. No jornal lê-se o que nos interessa e pronto.A escolha da parte que se deseja ler em primeiro lugar é um ato puramente idiossincrático.
Certa vez, escrevi uma crônica sobre o meu modo de ler jornal e sobre a minha resistência à leitura da seção de economia, que nunca achei sedutora por razões pessoais que não quero aqui levantar. Era uma implicância até insensata da minha parte, reconheço. Mais tarde, superei em parte essa ojeriza. Uma outra seção que, no meu ranking de leitor de jornal, deixava sempre por último era a dos esportes – justamente essa que é a menina dos olhos do leitor médio brasileiro.
As duas seções que mais me prendiam e ainda prendem a atenção eram a de política internacional e a dos suplementos culturais.Durante anos e anos tenho lido prazerosamente o caderno Idéias&Livros, do JB, que já passou por vários editores e o caderno MAIS! da Folha de São Paulo. Ambos ainda estão em circulação, embora o Idéias&Livros hoje tenha reduzido seu número de páginas. O Caderno Prosa & Verso de O Globo não leio com tanta assiduidade, mas o considero um bom suplemento literário e cultural.
Já possuí coleções dos três citados suplementos. Com o tempo, todavia, por falta de espaço em casa, me desfiz, com o coração partido, de centenas de números daquelas publicações. A minha vontade era de guardá-las todas. É lamentável o descarte pela simples razão de que há uma grande diferença entre a posse de matéria de pesquisa em jornal em nossa casa e a pesquisa que depende dos arquivos, bibliotecas ou instituições privadas com aquela rigorosa exigência cercando o consulente ou o pesquisador e, por vezes, até constrangendo-os. Por isso mesmo têm razão os ingleses quando dizem: “My home is my castle.”
Conheci um professor de biologia que se gabava de ler um jornal de cabo a rabo, chegando ao exagero de ler até os classificados... Isso aos domingos. Outro conhecido me confessou que, nas leituras de suplementos literários, ele fazia uma seleção de matérias e, ao longo de uma semana ou mês, ia digerindo com vagar os suplementos.
Cada leitor, por conseguinte, tem sua peculiar maneira de sentir esse prazer enorme de cultivar o espírito embalado pela sedução que é a leitura de um jornal sobretudo em fins de semana.
Fernando Pessoa: "English sonnet XIII"
Fernando Pessoa: “English sonnet XIII”
WHEN I SHOULD be asleep to mine voice
In telling theee how much thy love’s dream,
I find me listening to myself, the noise
Of my words othered in my hearing them .
Yet wonder not: this is the poet’s soul.
I could not tell thee well of how I love,
Loved I not less by knowing it, were all
My selfn my love and no thought love to prove.
What consciousness makes more by consciousness,
It makes less, for it makes it less itself,
My sense of loçve could not my love rich-dress
Did it not for it spend love’s own love-pelf.
Poet’s love’s this ( as in these words I prove theee):
I love my love for thee more than I love thee
Soneto XIII
QUANDO SURDO FOSSE à minha própria voz.
Ao dizer-te o quanto o teu amor meu sonho é,
Vejo-me escutando, na minha própria voz, os tumultuados sons
De minhas palavras de sentido mudando ao ouvi-los.
Contudo, não te admires não: esta é a alma do poeta.
Confessar-te bem o tipo do meu amor não poderia,
Menor não ficaria o amor nem por sabê-lo, embora
Tal sentimento todo o meu ser invadisse e não pudesse eu exprimi-lo.
O que a consciência mais faz pela consciência
A desejar ela deixa, pois ainda mais diferente a torna.
Meu sentimento amoroso engrandecer meu amor não poderia
Se para tanto gastasse do amor.o próprio roubado amor.
O amor do poeta é isso ( consoante demonstro nestas palavras):
Amo o meu amor por ti mais do que te amo.
WHEN I SHOULD be asleep to mine voice
In telling theee how much thy love’s dream,
I find me listening to myself, the noise
Of my words othered in my hearing them .
Yet wonder not: this is the poet’s soul.
I could not tell thee well of how I love,
Loved I not less by knowing it, were all
My selfn my love and no thought love to prove.
What consciousness makes more by consciousness,
It makes less, for it makes it less itself,
My sense of loçve could not my love rich-dress
Did it not for it spend love’s own love-pelf.
Poet’s love’s this ( as in these words I prove theee):
I love my love for thee more than I love thee
Soneto XIII
QUANDO SURDO FOSSE à minha própria voz.
Ao dizer-te o quanto o teu amor meu sonho é,
Vejo-me escutando, na minha própria voz, os tumultuados sons
De minhas palavras de sentido mudando ao ouvi-los.
Contudo, não te admires não: esta é a alma do poeta.
Confessar-te bem o tipo do meu amor não poderia,
Menor não ficaria o amor nem por sabê-lo, embora
Tal sentimento todo o meu ser invadisse e não pudesse eu exprimi-lo.
O que a consciência mais faz pela consciência
A desejar ela deixa, pois ainda mais diferente a torna.
Meu sentimento amoroso engrandecer meu amor não poderia
Se para tanto gastasse do amor.o próprio roubado amor.
O amor do poeta é isso ( consoante demonstro nestas palavras):
Amo o meu amor por ti mais do que te amo.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2009
Por um fio
Por um fio
Cunha e Silva Filho
A História da (in) civilização já passou por várias e marcantes (positivas e negativas, mais negativas do que positivas) fases de insegurança e ausência daquela paz que há séculos almejamos todos nós mortais:Inquisição, Revolução Francesa, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Holocausto, Guerra Fria, Queda do Muro de Berlim, desintegração da Rússia comunista, Revolução Chinesa, Guerra do Vietnam, Globalização ( ainda em franco andamento, para o bem ou para o mal), terrorismo em grande escala, 11 de Setembro, 2ª Depressão ( em fase de reequilíbrio financeiro etc., etc. Não basta?Infelizmente não.
O mundo ainda está por um fio. Na América Latina, pairam sombras. Os ianques estão próximos dessa região. Cuba, ainda isolada, agora sob a batuta de Raúl Castro, irmão de Fidel Castro, dá sinais de real apreensão atinente a uma possível invasão por parte dos americanos – sempre eles! Os jornais noticiam declarações de militares americanos sobre uma possível invasão ( qual é o fundamento?) E, para resumir, o caso do Irã de Ahmadinejad (ufa, que nome difícil de pronunciar!).
E veja, leitor, que nem estou falando dos intermináveis conflitos bélicos no Afeganistão e em algumas outras regiões, como o Paquistão, a Índia, o Vietnam do Norte em relação ao do Sul.
Volto ao Irã, cujo presidente há pouco esteve em visita ao Brasil para ensejar maior aproximação bilateral, se bem que com protestos de grupos ligados a Israel e a movimentos pelos direitos de homossexuais.
A questão do Irã, neste artigo, me interessa mais, principalmente se levo em consideração o tema do programa nuclear – nó górdio – que se põe ao debate entre as potências hegemônicas, à frente delas os EUA.
Há, no entanto, uma premissa que vejo como crucial ao desdobramento da crise mundial envolvendo o governo islâmico do Irã e seu propósito de levar adiante o seu programa nuclear com a finalidade de, pelo enriquecimento do urânio, obter combustível energético ou, segundo seus adversários, conseguir, através disso, a fabricação de armas atômicas. Não vejo como absurda a possibilidade de um país ter o direito de se defender em igualdade de condições com as grandes potências. O Irã, como qualquer outro país soberano, tem o direito de se atualizar frente ao programa nuclear para fins pacíficos, e bem assim se precaver contra possíveis ataques, por motivos geopolíticos e econômicos, de potências mundiais lideradas pelos EUA. Isso é um direito líquido e certo que o país dos aiatolás tem, assim como outros países no mundo.
Uma pergunta se faz necessária: por que outros países detêm os arsenais nucleares para fins pacíficos ou belicosos e um outro país não? São, então, dois pesos para uma medida utilizados pelas grandes potências em relação a outros países periféricos? Não é justo, ó Tio Sam. E por que não desarmam os países hegemônicos no setor de armas nucleares: são eles moralmente superiores aos outros ? Creio que não. Onde fica a justiça?
Não acredito que os países adiantados do planeta sejam os únicos privilegiados na posse constante de armamentos nucleares, com capacidade de varrer a vida humana na Terra, já de si tão covardemente arrasada para atender à insaciabilidade dos lucros do capitalismo mundial.
Como pode a ONU censurar o Irã se este organismo, através do seu Conselho de Segurança, não logrou travar os delírios e a insanidade megalomaníaca do ex-presidente Bush II? Esse, sim, invadiu o Iraque e cometeu as maiores atrocidades de guerra inútil, cara, injusta e digna da execração da consciência pública mundial. O ataque ao Iraque foi, sim, em muitos aspectos, um genocídio porque os alvos das armas de alta potência letal atingiram pusilanimemente aquele país, porquanto era alvos dirigidos contra a população civil. Hoje, o país virou um a nação fantasma, destruído até no seu belo e rico patrimônio histórico.
Com respeito ao presidente Ahmadinejad, a única ressalta que lhe faço é por sua insensatez em não reconhecer os crimes do nazismo contra os judeus, culminando numa das fases mais abomináveis da humanidade, que é o Holocausto. Da mesma forma, reprovo suas idéias em equerer varrer do mapa o estado de Israel. Há para isso que se encontrar uma diálogo conclusivo acerca da paz no Oriente Médio. Isso é exequível, não é uma utopia. É uma questão de real vontade política entre árabes e judeus.
Todas as nações, ainda as pequenas e com pouco peso e poder de barganha, devem se proteger das intervenções das grandes potências.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a qual está associada à ONU, ao censurar, por votação majoritária, o Irâ por este, segundo ela, estar secretamente construindo uma usina nuclear de enriquecimento de urânio, deveria, sim, é lutar para que as nações detentoras do enriquecimento do urânio para fins pacíficos e bélicos, o fizessem, através de acordo entre os países membros do Conselho de Segurança da ONU – o chamado grupo P5+ 1 (países membro do Conselho de Segurança mais a Alemanha) - apenas para finalidades pacíficas.
A abstenção da diplomacia brasileira em não votar censura contra o Irã, mostra, a meu ver, que nosso país está aos poucos amadurecendo suas posições frente à questão nuclear. A justificativa brasileira demonstra alguma vontade de alcançar a necessária independência de decisões sobre assuntos de grande relevância no complicado xadrez da política externa. O país está realmente se inserindo numa nova fase, angariando, assim, pelo menos de alguns países, o respeito pelas tentativa de solucionar – pacificamente - os graves problemas internacionais.
Os Estados Unidos não podem nem devem manter-se indefinidamente nessa conhecida arrogância militarista de pretender dirigir os destinos dos povos mais fracos. Há urgência de eles entenderem que o mundo não foi desenhado para cumprir ordens, desígnios e atitudes de natureza imperialista. Que se lembrem das lições da História e nelas se espelhem para o bem da humanidade.
Cunha e Silva Filho
A História da (in) civilização já passou por várias e marcantes (positivas e negativas, mais negativas do que positivas) fases de insegurança e ausência daquela paz que há séculos almejamos todos nós mortais:Inquisição, Revolução Francesa, Primeira Guerra Mundial, Segunda Guerra Mundial, Holocausto, Guerra Fria, Queda do Muro de Berlim, desintegração da Rússia comunista, Revolução Chinesa, Guerra do Vietnam, Globalização ( ainda em franco andamento, para o bem ou para o mal), terrorismo em grande escala, 11 de Setembro, 2ª Depressão ( em fase de reequilíbrio financeiro etc., etc. Não basta?Infelizmente não.
O mundo ainda está por um fio. Na América Latina, pairam sombras. Os ianques estão próximos dessa região. Cuba, ainda isolada, agora sob a batuta de Raúl Castro, irmão de Fidel Castro, dá sinais de real apreensão atinente a uma possível invasão por parte dos americanos – sempre eles! Os jornais noticiam declarações de militares americanos sobre uma possível invasão ( qual é o fundamento?) E, para resumir, o caso do Irã de Ahmadinejad (ufa, que nome difícil de pronunciar!).
E veja, leitor, que nem estou falando dos intermináveis conflitos bélicos no Afeganistão e em algumas outras regiões, como o Paquistão, a Índia, o Vietnam do Norte em relação ao do Sul.
Volto ao Irã, cujo presidente há pouco esteve em visita ao Brasil para ensejar maior aproximação bilateral, se bem que com protestos de grupos ligados a Israel e a movimentos pelos direitos de homossexuais.
A questão do Irã, neste artigo, me interessa mais, principalmente se levo em consideração o tema do programa nuclear – nó górdio – que se põe ao debate entre as potências hegemônicas, à frente delas os EUA.
Há, no entanto, uma premissa que vejo como crucial ao desdobramento da crise mundial envolvendo o governo islâmico do Irã e seu propósito de levar adiante o seu programa nuclear com a finalidade de, pelo enriquecimento do urânio, obter combustível energético ou, segundo seus adversários, conseguir, através disso, a fabricação de armas atômicas. Não vejo como absurda a possibilidade de um país ter o direito de se defender em igualdade de condições com as grandes potências. O Irã, como qualquer outro país soberano, tem o direito de se atualizar frente ao programa nuclear para fins pacíficos, e bem assim se precaver contra possíveis ataques, por motivos geopolíticos e econômicos, de potências mundiais lideradas pelos EUA. Isso é um direito líquido e certo que o país dos aiatolás tem, assim como outros países no mundo.
Uma pergunta se faz necessária: por que outros países detêm os arsenais nucleares para fins pacíficos ou belicosos e um outro país não? São, então, dois pesos para uma medida utilizados pelas grandes potências em relação a outros países periféricos? Não é justo, ó Tio Sam. E por que não desarmam os países hegemônicos no setor de armas nucleares: são eles moralmente superiores aos outros ? Creio que não. Onde fica a justiça?
Não acredito que os países adiantados do planeta sejam os únicos privilegiados na posse constante de armamentos nucleares, com capacidade de varrer a vida humana na Terra, já de si tão covardemente arrasada para atender à insaciabilidade dos lucros do capitalismo mundial.
Como pode a ONU censurar o Irã se este organismo, através do seu Conselho de Segurança, não logrou travar os delírios e a insanidade megalomaníaca do ex-presidente Bush II? Esse, sim, invadiu o Iraque e cometeu as maiores atrocidades de guerra inútil, cara, injusta e digna da execração da consciência pública mundial. O ataque ao Iraque foi, sim, em muitos aspectos, um genocídio porque os alvos das armas de alta potência letal atingiram pusilanimemente aquele país, porquanto era alvos dirigidos contra a população civil. Hoje, o país virou um a nação fantasma, destruído até no seu belo e rico patrimônio histórico.
Com respeito ao presidente Ahmadinejad, a única ressalta que lhe faço é por sua insensatez em não reconhecer os crimes do nazismo contra os judeus, culminando numa das fases mais abomináveis da humanidade, que é o Holocausto. Da mesma forma, reprovo suas idéias em equerer varrer do mapa o estado de Israel. Há para isso que se encontrar uma diálogo conclusivo acerca da paz no Oriente Médio. Isso é exequível, não é uma utopia. É uma questão de real vontade política entre árabes e judeus.
Todas as nações, ainda as pequenas e com pouco peso e poder de barganha, devem se proteger das intervenções das grandes potências.
A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a qual está associada à ONU, ao censurar, por votação majoritária, o Irâ por este, segundo ela, estar secretamente construindo uma usina nuclear de enriquecimento de urânio, deveria, sim, é lutar para que as nações detentoras do enriquecimento do urânio para fins pacíficos e bélicos, o fizessem, através de acordo entre os países membros do Conselho de Segurança da ONU – o chamado grupo P5+ 1 (países membro do Conselho de Segurança mais a Alemanha) - apenas para finalidades pacíficas.
A abstenção da diplomacia brasileira em não votar censura contra o Irã, mostra, a meu ver, que nosso país está aos poucos amadurecendo suas posições frente à questão nuclear. A justificativa brasileira demonstra alguma vontade de alcançar a necessária independência de decisões sobre assuntos de grande relevância no complicado xadrez da política externa. O país está realmente se inserindo numa nova fase, angariando, assim, pelo menos de alguns países, o respeito pelas tentativa de solucionar – pacificamente - os graves problemas internacionais.
Os Estados Unidos não podem nem devem manter-se indefinidamente nessa conhecida arrogância militarista de pretender dirigir os destinos dos povos mais fracos. Há urgência de eles entenderem que o mundo não foi desenhado para cumprir ordens, desígnios e atitudes de natureza imperialista. Que se lembrem das lições da História e nelas se espelhem para o bem da humanidade.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Aquela foto
A arte é uma fada que transmuta
E transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.
(Manuel Bandeira, A cinzas das horas)
Cunha e Silva Filho
Sim, aquela foto, olhada de hoje, não é “apenas um retrato na parede’, porque nem o coloquei na parede nem mesmo num porta-retratos, mas ficou solto, guardado em pequeno envelope junto a outras fotos do álbum de família.
Está em preto e branco e data do final da década de oitenta do século passado. Isso de falar de século passado, aos olhos dos jovens de hoje, parece associar-se à velhice, o que nem sempre é verdade porquanto muitos que nasceram até 2000 pertencem ao século passado e ainda estão na fase infantil, na adolescência, na vida adulta ou mesmo na velhice remota ou avançada. Portanto, nem sempre o século passado é sinônimo de velhice ou anacronismo. Fui eu próprio quem bateu aquela foto.
Nela aparecem meus dois filhos, Francisco e Alexandre. Ali estão juntos no gramado da Praça Marco Aurélio, na Vila da Penha, bairro da Leopoldina, no Rio de Janeiro.
Francisco, o mais velho, está sentado na grama, usando bermuda, camiseta leve estampada, sem mangas; Alexandre, em pé, ao lado do irmão, vestindo uma camisa de manga abotoada, usando um calção, parece pronto para receber o flash que marca um dia, um instante de vida. Eram dois meninos, em plena infância, sorrindo para a vida e para a inocência. Olhavam ambos para o foco da câmara. Eu era, então, apenas a ausência presente. Não podia ser diferente.
Aquele retrato, pequeno, em forma quadrada, recorda um tempo de idade e de paisagem. Fora batido naquela praça já mencionada, praça simples e sem beleza. A beleza eram aquelas duas crianças que me encantaram os olhos para sempre. Aos fundos da foto, o céu aberto descortinando o espaço formado da Estrada Vicente de Carvalho, extensa rua cujo extremo acaba em outro bairro, Vaz Lobo, sendo este precedido pelo bairro homônimo Vicente de Carvalho e um sub-bairro chamado Vila kosmos.
Concentro-me nos limites espaciais da pequena foto e vejo, recordando sempre, de um lado a calçada da Vicente de Carvalho e, do outro lado da mesma rua, a outra calçada. Esta mostra duas árvores de média altura dando boa sombra no acanto direito da foto. Neste mesmo canto, havia uma casa de móveis. Do outro lado da calçada, a foto exibe uma fieira de casas velhas, numa das quais havia uma farmácia. Hoje tudo mudou. Não há mais a fieira de casas velhas, mas sim um prédio novo de apartamentos. Do lado oposto, pouco mudou. As árvores continuam lá.
Voltando ao locus da Praça Marco Aurélio, que se forma num círculo e numa encruzilhada, por detrás da posição em que se encontravam meus filhos na foto,havia um pequeno gramado. Fora deste, um banco de cimento, naquele instante, solitário.
Sempre que lembramos fatos passados costuma-se dizer, mudando-se apenas a forma de expressão, mais ou menos o seguinte:: “Como o tempo passou rápido! Não é possível!” Recordo-me agora daquela afirmação de Roland Barthes: “Todo texto é um intertexto.” Assertiva que me leva neste instante para aquele comovente, belo e desencantado (perdoe-me o oxímoro) poema “Filhos” de Ferreira Gullar.
No poema, Gullar, na primeira parte, se didaticamente o dividir, narra a cena (no passado) em jque os três filhos do poeta, pequeninos,, álacres e buliçosos, entraram no escritório dele. Numa segunda parte do poema (poema, de resto, que primeiro vi recitado pelo próprio poeta numa conferência há anos na Faculdade de Letras da UFRJ, uma cópia do qual distribuíram aos presentes), pela boca do “eu lírico”, o poeta medita sobre a efemeridade da existência que, num pulo, parece se transportar para o futuro ( o presente da escrita do poema) e, aí, não mais tem, junto de si, aqueles meninos correndo em direção ao seu escritório, pois hoje são adultos, com mais de “trinta anos”.
Entre o passado e o presente medeia a reflexão profunda, universal e inescapável: a impossibilidade da apreensão real do passado, da perda do afeto “que poderia ter sido e não foi’ no tempo próprio. Tal tempo não aproveitado, em decorrência dos atropelos da vida, está fisicamente sepultado. Ao poeta nem vale a consolação da relembrança, porque esta se faz, no futuro, desapontamento e desconsolo, definitivo no tempo não vivido, que é o tempo perdido na voragem e precariedade existencial: “Só então/me perguntei/ por que/ não lhes dera/maior/atenção/ se há tantos/ e tantos/ anos/ não os via crianças”.
Ao meu leitor, quero asseverar que, acompanhando o universo interior do poeta do Poema sujo, me encontro, agora, na mesma posição espiritual vivenciada no futuro, que é o presente da minha a escrita desta crônica de amor e saudades.
E transfigura o mau destino.
Prova. Olha. Toca. Escuta.
Cada sentido é um dom divino.
(Manuel Bandeira, A cinzas das horas)
Cunha e Silva Filho
Sim, aquela foto, olhada de hoje, não é “apenas um retrato na parede’, porque nem o coloquei na parede nem mesmo num porta-retratos, mas ficou solto, guardado em pequeno envelope junto a outras fotos do álbum de família.
Está em preto e branco e data do final da década de oitenta do século passado. Isso de falar de século passado, aos olhos dos jovens de hoje, parece associar-se à velhice, o que nem sempre é verdade porquanto muitos que nasceram até 2000 pertencem ao século passado e ainda estão na fase infantil, na adolescência, na vida adulta ou mesmo na velhice remota ou avançada. Portanto, nem sempre o século passado é sinônimo de velhice ou anacronismo. Fui eu próprio quem bateu aquela foto.
Nela aparecem meus dois filhos, Francisco e Alexandre. Ali estão juntos no gramado da Praça Marco Aurélio, na Vila da Penha, bairro da Leopoldina, no Rio de Janeiro.
Francisco, o mais velho, está sentado na grama, usando bermuda, camiseta leve estampada, sem mangas; Alexandre, em pé, ao lado do irmão, vestindo uma camisa de manga abotoada, usando um calção, parece pronto para receber o flash que marca um dia, um instante de vida. Eram dois meninos, em plena infância, sorrindo para a vida e para a inocência. Olhavam ambos para o foco da câmara. Eu era, então, apenas a ausência presente. Não podia ser diferente.
Aquele retrato, pequeno, em forma quadrada, recorda um tempo de idade e de paisagem. Fora batido naquela praça já mencionada, praça simples e sem beleza. A beleza eram aquelas duas crianças que me encantaram os olhos para sempre. Aos fundos da foto, o céu aberto descortinando o espaço formado da Estrada Vicente de Carvalho, extensa rua cujo extremo acaba em outro bairro, Vaz Lobo, sendo este precedido pelo bairro homônimo Vicente de Carvalho e um sub-bairro chamado Vila kosmos.
Concentro-me nos limites espaciais da pequena foto e vejo, recordando sempre, de um lado a calçada da Vicente de Carvalho e, do outro lado da mesma rua, a outra calçada. Esta mostra duas árvores de média altura dando boa sombra no acanto direito da foto. Neste mesmo canto, havia uma casa de móveis. Do outro lado da calçada, a foto exibe uma fieira de casas velhas, numa das quais havia uma farmácia. Hoje tudo mudou. Não há mais a fieira de casas velhas, mas sim um prédio novo de apartamentos. Do lado oposto, pouco mudou. As árvores continuam lá.
Voltando ao locus da Praça Marco Aurélio, que se forma num círculo e numa encruzilhada, por detrás da posição em que se encontravam meus filhos na foto,havia um pequeno gramado. Fora deste, um banco de cimento, naquele instante, solitário.
Sempre que lembramos fatos passados costuma-se dizer, mudando-se apenas a forma de expressão, mais ou menos o seguinte:: “Como o tempo passou rápido! Não é possível!” Recordo-me agora daquela afirmação de Roland Barthes: “Todo texto é um intertexto.” Assertiva que me leva neste instante para aquele comovente, belo e desencantado (perdoe-me o oxímoro) poema “Filhos” de Ferreira Gullar.
No poema, Gullar, na primeira parte, se didaticamente o dividir, narra a cena (no passado) em jque os três filhos do poeta, pequeninos,, álacres e buliçosos, entraram no escritório dele. Numa segunda parte do poema (poema, de resto, que primeiro vi recitado pelo próprio poeta numa conferência há anos na Faculdade de Letras da UFRJ, uma cópia do qual distribuíram aos presentes), pela boca do “eu lírico”, o poeta medita sobre a efemeridade da existência que, num pulo, parece se transportar para o futuro ( o presente da escrita do poema) e, aí, não mais tem, junto de si, aqueles meninos correndo em direção ao seu escritório, pois hoje são adultos, com mais de “trinta anos”.
Entre o passado e o presente medeia a reflexão profunda, universal e inescapável: a impossibilidade da apreensão real do passado, da perda do afeto “que poderia ter sido e não foi’ no tempo próprio. Tal tempo não aproveitado, em decorrência dos atropelos da vida, está fisicamente sepultado. Ao poeta nem vale a consolação da relembrança, porque esta se faz, no futuro, desapontamento e desconsolo, definitivo no tempo não vivido, que é o tempo perdido na voragem e precariedade existencial: “Só então/me perguntei/ por que/ não lhes dera/maior/atenção/ se há tantos/ e tantos/ anos/ não os via crianças”.
Ao meu leitor, quero asseverar que, acompanhando o universo interior do poeta do Poema sujo, me encontro, agora, na mesma posição espiritual vivenciada no futuro, que é o presente da minha a escrita desta crônica de amor e saudades.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2009
Fernando Pessoa: "Sonnet XII"
Fernando Pessoa: “Sonnet XII”
Sonnet XII
AS THE LONE, frighted user of a night-road
Sudenly turns round, nothing to detect,
Yet on his fear-s sen se keepeth still the load
O f that brink-nothing he doth but suspect;
And the cold terror moves to him more near
Of somenting that from nothing cast a spell,
That, when he moves, to fright more is not there,
And’s only visible when invisible:
So I upon the world turn round in thought,
And nothing viewing do no courage take,
But may more terror, from no seen cause got,
To that felt corprate emptiness forsake,
And draw my sense of mystery’s horror from
Seeing no mystery’s mystery alone.
Soneto XII
QUANDO O SOLITÁRIO noturno caminheiro
Se volta de súbito, mas nada ver consegue,
O sentimento do medo, todavia, ainda dele não se afasta
Daquele tudo-nada de que por força apenas suspeita;
Como de algo que do nada um feitiço lança,
Algo que, quando ele se movimenta, não ali está para mais assustar,
E, quando visível, se mostra apenas invisível.
Sendo assim, para o mundo em pensamento, as costas dou.
E o não ver nada coragem não cria,
Contudo, ao crescer com o não visto, maior o meu terror
Se abandona àquele sentido de vazio-cheio.
E retira meu sentimento do horror do mistério por
Não ver mistério algum do mistério só.
Sonnet XII
AS THE LONE, frighted user of a night-road
Sudenly turns round, nothing to detect,
Yet on his fear-s sen se keepeth still the load
O f that brink-nothing he doth but suspect;
And the cold terror moves to him more near
Of somenting that from nothing cast a spell,
That, when he moves, to fright more is not there,
And’s only visible when invisible:
So I upon the world turn round in thought,
And nothing viewing do no courage take,
But may more terror, from no seen cause got,
To that felt corprate emptiness forsake,
And draw my sense of mystery’s horror from
Seeing no mystery’s mystery alone.
Soneto XII
QUANDO O SOLITÁRIO noturno caminheiro
Se volta de súbito, mas nada ver consegue,
O sentimento do medo, todavia, ainda dele não se afasta
Daquele tudo-nada de que por força apenas suspeita;
Como de algo que do nada um feitiço lança,
Algo que, quando ele se movimenta, não ali está para mais assustar,
E, quando visível, se mostra apenas invisível.
Sendo assim, para o mundo em pensamento, as costas dou.
E o não ver nada coragem não cria,
Contudo, ao crescer com o não visto, maior o meu terror
Se abandona àquele sentido de vazio-cheio.
E retira meu sentimento do horror do mistério por
Não ver mistério algum do mistério só.
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
Política e Rapinagem
Política e Rapinagem
Cunha e Silva Filho
O padre Antonio Vieira (1608-1697), o maior orador sacro da língua portuguesa do período do Barroco, escreveu um texto admirável sobre a roubalheira, a rapinagem, texto que, apesar da distância da temporalidade, mais ainda se torna atual e elucidativo para explicar esse permanente estado de corrupção da atividade político-administrativa por que está passando o país. A melhor imagem desse estado é de um câncer maligno tomando conta de todo o tecido político, de todas as nossas práticas políticas com mito poucas exceções no território nacional. Cumpre assinalar que considerável parcela dessa estado de degenerescência de nossa vida pública tem seu ponto de partida justamente na capital federal – logo ela que deveria dar o melhor exemplo de probidade com o bem público.
Não bastasse o Mensalão que, ao ser revelado pela mídia, pôs a nu as “veias abertas’ dos atos e comportamentos indecorosos de nosso políticos, com irradiações deletérias em todos os poderes da República, agora pipocou – mais um novo capítulo nessa série de escândalos nacionais. E onde? Em Brasília, como não? Desta vez, o envolvido é o governador do Distrito Federal e seus auxiliares, numa teia de aranha fétida que atingiu não só o executivo, mas o legislativo e judiciário.
A impressão que tenho, e que acredito tenham todos os cidadãos brasileiros honestos dessa pátria tão malferida e enxovalhada por mais esse descalabro, é a de que nem de longe me parece que a moralidade no trato da res publica possa ser reabilitada. Tudo conspira contra a política e os político, guardadas as devidas e clássicas exceções.
A gravidade do despudor é tamanha que mal acreditamos estarmos assistindo a esses fatos desastrosos para a imagem de nosso povo, porque, afinal de contas, o político metonimicamente considerado, é a representação do povo, dos eleitores, das aspirações populares, dos pleitos da sociedade..Essa política minúscula praticada por esses supostos cidadãos que nos representam nos dois poderes, executivo e legislativo, mas que, quando empossados e diplomados, esquecem de sua ética e passam a desrespeitar todo um projeto político através do qual, pelo menos para alguns eleitores, lutariam para implementar e, desse modo, atender ao eleitorado que a ele confiaram um mandato.
Chegamos a um limite insuportável de paciência com respeito aos desmandos e falcatruas amplamente divulgados pela mídia. Como é possível manter-se impune um governador, ou um deputado, ou mesmo um membro do judiciário que deem demonstração de prevaricar? Um governador colhido nas malhas das câmaras e gravações, expondo ao povo brasileiro o que há de pior na ética das ações humanas se afigura forte demais para que uma sociedade não reaja energicamente contra essa ignomínia. São imagens terríveis, misto de cinismo, ópera bufa e tragédia mambembe de bastidores da vida política brasileira. Demonstração de comportamento de homens que se servem de seus cargos para vilipendiar as práticas sadias da administração pública, desde as campanha para eleições até durante todo o período de mandato. O candidato a um mandato tem que provar que é probo antes e depois das eleições. Se for apanhado em atos de ilicitudes antes das eleições, ainda se torna mais grave a posição do candidato.
Se não houver punição efetiva e rigorosa para essa súcia de politiqueiros, legisladores e membros do judiciário de qualquer instância , haverá retrocesso e risco para a continuidade do regime democrático.
O povo já está saturado de políticos que se revelam tão ou mais condenáveis do que os delinqüentes das baixa camadas da sociedade.
Estamos aguardando que os culpados pelo desvirtuamento da vida pública brasileira sejam condenados após reveladas as suas culpabilidades e desídias contra a sociedade.
Cunha e Silva Filho
O padre Antonio Vieira (1608-1697), o maior orador sacro da língua portuguesa do período do Barroco, escreveu um texto admirável sobre a roubalheira, a rapinagem, texto que, apesar da distância da temporalidade, mais ainda se torna atual e elucidativo para explicar esse permanente estado de corrupção da atividade político-administrativa por que está passando o país. A melhor imagem desse estado é de um câncer maligno tomando conta de todo o tecido político, de todas as nossas práticas políticas com mito poucas exceções no território nacional. Cumpre assinalar que considerável parcela dessa estado de degenerescência de nossa vida pública tem seu ponto de partida justamente na capital federal – logo ela que deveria dar o melhor exemplo de probidade com o bem público.
Não bastasse o Mensalão que, ao ser revelado pela mídia, pôs a nu as “veias abertas’ dos atos e comportamentos indecorosos de nosso políticos, com irradiações deletérias em todos os poderes da República, agora pipocou – mais um novo capítulo nessa série de escândalos nacionais. E onde? Em Brasília, como não? Desta vez, o envolvido é o governador do Distrito Federal e seus auxiliares, numa teia de aranha fétida que atingiu não só o executivo, mas o legislativo e judiciário.
A impressão que tenho, e que acredito tenham todos os cidadãos brasileiros honestos dessa pátria tão malferida e enxovalhada por mais esse descalabro, é a de que nem de longe me parece que a moralidade no trato da res publica possa ser reabilitada. Tudo conspira contra a política e os político, guardadas as devidas e clássicas exceções.
A gravidade do despudor é tamanha que mal acreditamos estarmos assistindo a esses fatos desastrosos para a imagem de nosso povo, porque, afinal de contas, o político metonimicamente considerado, é a representação do povo, dos eleitores, das aspirações populares, dos pleitos da sociedade..Essa política minúscula praticada por esses supostos cidadãos que nos representam nos dois poderes, executivo e legislativo, mas que, quando empossados e diplomados, esquecem de sua ética e passam a desrespeitar todo um projeto político através do qual, pelo menos para alguns eleitores, lutariam para implementar e, desse modo, atender ao eleitorado que a ele confiaram um mandato.
Chegamos a um limite insuportável de paciência com respeito aos desmandos e falcatruas amplamente divulgados pela mídia. Como é possível manter-se impune um governador, ou um deputado, ou mesmo um membro do judiciário que deem demonstração de prevaricar? Um governador colhido nas malhas das câmaras e gravações, expondo ao povo brasileiro o que há de pior na ética das ações humanas se afigura forte demais para que uma sociedade não reaja energicamente contra essa ignomínia. São imagens terríveis, misto de cinismo, ópera bufa e tragédia mambembe de bastidores da vida política brasileira. Demonstração de comportamento de homens que se servem de seus cargos para vilipendiar as práticas sadias da administração pública, desde as campanha para eleições até durante todo o período de mandato. O candidato a um mandato tem que provar que é probo antes e depois das eleições. Se for apanhado em atos de ilicitudes antes das eleições, ainda se torna mais grave a posição do candidato.
Se não houver punição efetiva e rigorosa para essa súcia de politiqueiros, legisladores e membros do judiciário de qualquer instância , haverá retrocesso e risco para a continuidade do regime democrático.
O povo já está saturado de políticos que se revelam tão ou mais condenáveis do que os delinqüentes das baixa camadas da sociedade.
Estamos aguardando que os culpados pelo desvirtuamento da vida pública brasileira sejam condenados após reveladas as suas culpabilidades e desídias contra a sociedade.
Tempo e poesia em dois poetas juntos
Tempo e poesia em dois poetas juntos
Cunha e Silva Filho
Da última vez em que estive em Teresina levei comigo alguns livros de autores piauienses. Entre esses livros, havia um, Tempo contra tempo, (Edições Cirandinha, Teresina, 2007 57 p., prefácio de Altevir Alencar), reunião de sonetos, 50 ao todo, escritos por Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura. Desnecessário afirmar que a obra, pequena em número de páginas, é trabalho de dois competentes e calejados poetas, cada qual com uma considerável produção no gênero.
De caso pensado, os dois poetas quiseram, pela amizade e pelo amor ao verso, testar até que ponto a poesia podia se realizar da seguinte forma: um escreveria um soneto sobre o mesmo tema, que, no caso, é a complexa categoria do tempo, e o outro daria continuidade através de uma gancho deixado pelo parceiro poético. O resultado foi esse conjunto de sonetos bem urdidos gravitando em torno daquele tema. O fato me faz lembrar o caso de dois dramaturgos ingleses da Renascença, Francis Beaumont (1584-1616) e John Fletcher ( 1579-1625). Eram ambos tão amigos que, por escreverem juntos, o público ledor terminou por confundi-los, não sabendo, ao final, quem escrevia o quê. No caso de Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura, não há essa confusão porque cada soneto leva o nome do respectivo poeta. A única coisa que os une são o tema e o recurso intertextual que, de soneto a soneto, vão sempre ligando um poeta ao outro. Não poderíamos defini-los com poemas feitos a quatro mãos justamente por essa diferença.
Na contracapa, há esta afirmação: “Com esta obra os poetas dizem adeus ao século XX e saúdam o novo milênio”. Não há, no entanto, indicação do autor dessa assertiva, mas tudo me leva a supor que também seja da autoria dos dois poetas.
Os autores nada dizem acerca da escolha dessa forma de poema, o soneto, forma fixa tradicional que, ao que me parece, não faz parte considerável dos modos de poetar nos dois autores. Hardi Filho e Miguel de Moura são poetas que não ficaram amarrados ao passado. A poesia em ambos enveredou-se para os caminhos do verso com potencial moderno. Não são, pois, poetas passadistas. Antes, são artistas do verso com o olhar no presente e no futuro. Sã poetas, em síntese, sintonizados com o presente, sobretudo Miguel de Moura.
Mas, estabelecer em forma de soneto, um diálogo aberto e, muitas vezes, até irônico ou bem-humorado, com o tempo, não deixa de ser um salutar exercício de experimentação poética e de vigor diante do desafio a que se propuseram.
Não vou aqui adentrar considerações em torno dos vários tipos de conceituação filosófica que o tempo tem propiciado aos estudos literários no tratamento da prosa de ficção e no domínio da poético. Tempo da durée réelle bergsoniana, tempo cronológico, tempo psicológico, ucronia, tempo triádico gilbertofreiriano (um presente combinando presente, passado e futuro) etc.
O tratamento do tema propiciado pelos dois poetas piauienses (aliás, Miguel de Moura é piauiense, mas Hardi Filho o é por opção, já que escolheu viver no o Piauí embora sendo cearense de nascença) é de natureza mais simples e descomplicada., pois os poemas, em forma de soneto, não pretendem transformar-se em peças poéticas filosóficas. Nada disso.
Tampouco suponho que os dois poetas tivessem em mira apenas aprofundar a questão do tempo em versos teórico-filosóficos O livro vale é pelo seu lado dominantemente literário, pela mera experiência lúdica de demonstrar que, à semelhança de outros poeta brasileiros, à frente Manuel Bandeira, o próprio Da Costa e Silva, um poeta contemporâneo, com domínio da técnica do verso tradicional, pode muito bem criar pelo talento as várias formas do verso clássico. Basta querer. Foi o que ambos fizeram nesse livro de leitura agradável e ao mesmo tempo feito com dignidade artesanal. Sairam-se bem da empreitada.
Tanto num quanto noutro poeta a elaboração do soneto lembra até o modo dos desafios do repentista. Ou seja, de um aspecto do tema comum e constante de um soneto, mediante o gancho a que me referi atrás, passa a palavra poética para o outro, como no primeiro soneto “Retrato”(p.6). E é esse lexema-título que serve como deixa para o soneto seguinte de Miguel de Moura, “Qu é de”(p.7). O tema, sempre voltado para a auto-referência de cada poeta, se manterá inalterável até o fim do livro.
Aí então é que ambos os poetas se aproveitam do tema para circunscrevê-lo à sua individualidade de ser. Ao longo dos sonetos, os poetas, revezando-se, vão decantar uma espécie de desnudamento pessoal de cada um, com a sua visão particular de olhar para a passagem do tempo, em que a tônica são todos os sinais deixados pelo fluir do tempo em cada ser humano. Nesse sentido, os sonetos assumem uma dimensão universal e visões particulares extrapolam a subjetividade de cada poeta.
É inegável que ambos os poetas se utilizam do soneto para, além da discussão do tempo pessoal (ou universal), o tematizarem metapoeticamente, com neste exemplo de Francisco Miguel de Moura: “Antes que o tempo vença esta batalha/pela paz, pelo amor de cada dia, /vejo a forma já não me atrapalha/para expressar o ser da poesia” Soneto “Como fazer”, p. 37). Ou estoutro de Hardi Filho: ‘Pois é. Embora a escrita às vezes trema,/ é prazeroso versejar em cima/de tão profundo e interessante tema”. (soneto “Sonetear”, p. 34).
Confesso que, ora lendo, no revezamento da sequência, os dois poetas, embora sinta as diferenças de estilos e de perspectivas da visão do tema comum aos dois, sinto uma inequívoca unidade nas duas vozes poéticas que, nessa espécie de “contrato’ de criação literária, terminam por unificar diversidade de temperamentos de poeta numa unidade de harmonia de ritmos, de métrica e de rimas, dando a sensação lúdica de que estamos lendo um livro bem acabado e sobretudo realizado com seriedade e amor à Poesia.
.
Cunha e Silva Filho
Da última vez em que estive em Teresina levei comigo alguns livros de autores piauienses. Entre esses livros, havia um, Tempo contra tempo, (Edições Cirandinha, Teresina, 2007 57 p., prefácio de Altevir Alencar), reunião de sonetos, 50 ao todo, escritos por Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura. Desnecessário afirmar que a obra, pequena em número de páginas, é trabalho de dois competentes e calejados poetas, cada qual com uma considerável produção no gênero.
De caso pensado, os dois poetas quiseram, pela amizade e pelo amor ao verso, testar até que ponto a poesia podia se realizar da seguinte forma: um escreveria um soneto sobre o mesmo tema, que, no caso, é a complexa categoria do tempo, e o outro daria continuidade através de uma gancho deixado pelo parceiro poético. O resultado foi esse conjunto de sonetos bem urdidos gravitando em torno daquele tema. O fato me faz lembrar o caso de dois dramaturgos ingleses da Renascença, Francis Beaumont (1584-1616) e John Fletcher ( 1579-1625). Eram ambos tão amigos que, por escreverem juntos, o público ledor terminou por confundi-los, não sabendo, ao final, quem escrevia o quê. No caso de Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura, não há essa confusão porque cada soneto leva o nome do respectivo poeta. A única coisa que os une são o tema e o recurso intertextual que, de soneto a soneto, vão sempre ligando um poeta ao outro. Não poderíamos defini-los com poemas feitos a quatro mãos justamente por essa diferença.
Na contracapa, há esta afirmação: “Com esta obra os poetas dizem adeus ao século XX e saúdam o novo milênio”. Não há, no entanto, indicação do autor dessa assertiva, mas tudo me leva a supor que também seja da autoria dos dois poetas.
Os autores nada dizem acerca da escolha dessa forma de poema, o soneto, forma fixa tradicional que, ao que me parece, não faz parte considerável dos modos de poetar nos dois autores. Hardi Filho e Miguel de Moura são poetas que não ficaram amarrados ao passado. A poesia em ambos enveredou-se para os caminhos do verso com potencial moderno. Não são, pois, poetas passadistas. Antes, são artistas do verso com o olhar no presente e no futuro. Sã poetas, em síntese, sintonizados com o presente, sobretudo Miguel de Moura.
Mas, estabelecer em forma de soneto, um diálogo aberto e, muitas vezes, até irônico ou bem-humorado, com o tempo, não deixa de ser um salutar exercício de experimentação poética e de vigor diante do desafio a que se propuseram.
Não vou aqui adentrar considerações em torno dos vários tipos de conceituação filosófica que o tempo tem propiciado aos estudos literários no tratamento da prosa de ficção e no domínio da poético. Tempo da durée réelle bergsoniana, tempo cronológico, tempo psicológico, ucronia, tempo triádico gilbertofreiriano (um presente combinando presente, passado e futuro) etc.
O tratamento do tema propiciado pelos dois poetas piauienses (aliás, Miguel de Moura é piauiense, mas Hardi Filho o é por opção, já que escolheu viver no o Piauí embora sendo cearense de nascença) é de natureza mais simples e descomplicada., pois os poemas, em forma de soneto, não pretendem transformar-se em peças poéticas filosóficas. Nada disso.
Tampouco suponho que os dois poetas tivessem em mira apenas aprofundar a questão do tempo em versos teórico-filosóficos O livro vale é pelo seu lado dominantemente literário, pela mera experiência lúdica de demonstrar que, à semelhança de outros poeta brasileiros, à frente Manuel Bandeira, o próprio Da Costa e Silva, um poeta contemporâneo, com domínio da técnica do verso tradicional, pode muito bem criar pelo talento as várias formas do verso clássico. Basta querer. Foi o que ambos fizeram nesse livro de leitura agradável e ao mesmo tempo feito com dignidade artesanal. Sairam-se bem da empreitada.
Tanto num quanto noutro poeta a elaboração do soneto lembra até o modo dos desafios do repentista. Ou seja, de um aspecto do tema comum e constante de um soneto, mediante o gancho a que me referi atrás, passa a palavra poética para o outro, como no primeiro soneto “Retrato”(p.6). E é esse lexema-título que serve como deixa para o soneto seguinte de Miguel de Moura, “Qu é de”(p.7). O tema, sempre voltado para a auto-referência de cada poeta, se manterá inalterável até o fim do livro.
Aí então é que ambos os poetas se aproveitam do tema para circunscrevê-lo à sua individualidade de ser. Ao longo dos sonetos, os poetas, revezando-se, vão decantar uma espécie de desnudamento pessoal de cada um, com a sua visão particular de olhar para a passagem do tempo, em que a tônica são todos os sinais deixados pelo fluir do tempo em cada ser humano. Nesse sentido, os sonetos assumem uma dimensão universal e visões particulares extrapolam a subjetividade de cada poeta.
É inegável que ambos os poetas se utilizam do soneto para, além da discussão do tempo pessoal (ou universal), o tematizarem metapoeticamente, com neste exemplo de Francisco Miguel de Moura: “Antes que o tempo vença esta batalha/pela paz, pelo amor de cada dia, /vejo a forma já não me atrapalha/para expressar o ser da poesia” Soneto “Como fazer”, p. 37). Ou estoutro de Hardi Filho: ‘Pois é. Embora a escrita às vezes trema,/ é prazeroso versejar em cima/de tão profundo e interessante tema”. (soneto “Sonetear”, p. 34).
Confesso que, ora lendo, no revezamento da sequência, os dois poetas, embora sinta as diferenças de estilos e de perspectivas da visão do tema comum aos dois, sinto uma inequívoca unidade nas duas vozes poéticas que, nessa espécie de “contrato’ de criação literária, terminam por unificar diversidade de temperamentos de poeta numa unidade de harmonia de ritmos, de métrica e de rimas, dando a sensação lúdica de que estamos lendo um livro bem acabado e sobretudo realizado com seriedade e amor à Poesia.
.
segunda-feira, 30 de novembro de 2009
Fernando Pessoa: "Sonnet XI"
Fernando Pessoa: “Sonnet XI”
Sonnet XI
LIKE TO A SHIP that storms urge on its course,
By its own trials our soul is surer made.
The very things that make the voyage worse
Do make it better; its peril is its aid.
And, as the storm drives from the storm, our heart
Within the peril disimperilled grows;
A port is near the more from port we part –
The port whereto oour driven direction goes.
If we reap knowledge to cross-profit, this
From storm s we learn, when the storm’s height doth drive –
That the black presence of its violence is
The pushing promise of near far flue skies.
Learn we but how to have the pilot-skill,
And the storm’s very might shall mate our will.
Soneto XI
Tal qual um navio por borrascas em seu curso impelido
Com mais certeza de nossos próprios sofrimentos se forma nossa alma.
Tudo o que pior torna a viagem
Pra aprimorá-la serve; sua salvação é seu perigo.
E, à medida que da borrasca a borrasca vem, nosso coração,
Frente ao abismo, menos perigosos se faz;
Fica um porto mais próximo quanto mais dele nos distanciamos –
O porto para o qual nosso impulsionado curso leva.
Com as borrascas experiência ganhamos, esta
Quando, na verdade, um ponto alto atinge, com aquelas, aprendemos –
Que a negra presença de sua violência é
A promessa que nos empurra até próximo dos longínquo ares dos céus.
Aprendemos apenas a lição do piloto,
Das borrascas a verdadeira força ao nosso querer se há de fundir.
( Tradução de Cunha e Silva Filho)
Sonnet XI
LIKE TO A SHIP that storms urge on its course,
By its own trials our soul is surer made.
The very things that make the voyage worse
Do make it better; its peril is its aid.
And, as the storm drives from the storm, our heart
Within the peril disimperilled grows;
A port is near the more from port we part –
The port whereto oour driven direction goes.
If we reap knowledge to cross-profit, this
From storm s we learn, when the storm’s height doth drive –
That the black presence of its violence is
The pushing promise of near far flue skies.
Learn we but how to have the pilot-skill,
And the storm’s very might shall mate our will.
Soneto XI
Tal qual um navio por borrascas em seu curso impelido
Com mais certeza de nossos próprios sofrimentos se forma nossa alma.
Tudo o que pior torna a viagem
Pra aprimorá-la serve; sua salvação é seu perigo.
E, à medida que da borrasca a borrasca vem, nosso coração,
Frente ao abismo, menos perigosos se faz;
Fica um porto mais próximo quanto mais dele nos distanciamos –
O porto para o qual nosso impulsionado curso leva.
Com as borrascas experiência ganhamos, esta
Quando, na verdade, um ponto alto atinge, com aquelas, aprendemos –
Que a negra presença de sua violência é
A promessa que nos empurra até próximo dos longínquo ares dos céus.
Aprendemos apenas a lição do piloto,
Das borrascas a verdadeira força ao nosso querer se há de fundir.
( Tradução de Cunha e Silva Filho)
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Tradução de um soneto de Baudelaire
Tradução de um soneto de Baudelaire
Cunha e Silva Filho
La géante
Du temps que la Nature em as verve puissante;
Concevait chaque jour des enfants monstrueux;
J’eusse aimé vivre aupré d’une jeune géante;
Comme aux pieds d’une reine um chat voluptueux;
J’eusse aimé voir son corps fleurir avec âme;
Et grandir librement dans ses terribles jeux;
Deviner si son coeur couvre une sombre flamme;
Parcourir à loisir ses magnifiques formes;
Ramper sur le versant de ses genoux énormes;
Et parfois en été, quand les soleils malsins;
Lasse, la font s’étendre à travers la campagne;
Dormir nonchalamment à l’ombre de ses seins;
Comme un hameau paisaible au pied d’une montagne.
(Fleurs du mal, XX, 1857)
A giganta
No tempo em que a Natureza, em sua verve poderosa,
Cada dia monstruosas crianças concebia,
Aos pés de uma jovem giganta viver tanto queria,
Como um voluptuoso gato aos pés de uma rainha.
Com sua alma florescer ver seu corpo tanto queria,
E no meio de suas estanhas brincadeiras livremente crescer,
Adivinhar se seu coração, em segredo, uma chama sombria oculta,
Que, nas humildes névoas, em seus olhos flutuam,
À vontade percorrer suas magníficas formas,
Pela vertente de seus enormes joelhos subir,
E, quem sabe, no verão, quando, insuportáveis, se mostram os sóis,
A fonte, cansada, pelos campos nas sombras, se estender,
Na sombra de seus seios dormir,
Como um tranqüilo vilarejo perto de uma montanha.
Cunha e Silva Filho
La géante
Du temps que la Nature em as verve puissante;
Concevait chaque jour des enfants monstrueux;
J’eusse aimé vivre aupré d’une jeune géante;
Comme aux pieds d’une reine um chat voluptueux;
J’eusse aimé voir son corps fleurir avec âme;
Et grandir librement dans ses terribles jeux;
Deviner si son coeur couvre une sombre flamme;
Parcourir à loisir ses magnifiques formes;
Ramper sur le versant de ses genoux énormes;
Et parfois en été, quand les soleils malsins;
Lasse, la font s’étendre à travers la campagne;
Dormir nonchalamment à l’ombre de ses seins;
Comme un hameau paisaible au pied d’une montagne.
(Fleurs du mal, XX, 1857)
A giganta
No tempo em que a Natureza, em sua verve poderosa,
Cada dia monstruosas crianças concebia,
Aos pés de uma jovem giganta viver tanto queria,
Como um voluptuoso gato aos pés de uma rainha.
Com sua alma florescer ver seu corpo tanto queria,
E no meio de suas estanhas brincadeiras livremente crescer,
Adivinhar se seu coração, em segredo, uma chama sombria oculta,
Que, nas humildes névoas, em seus olhos flutuam,
À vontade percorrer suas magníficas formas,
Pela vertente de seus enormes joelhos subir,
E, quem sabe, no verão, quando, insuportáveis, se mostram os sóis,
A fonte, cansada, pelos campos nas sombras, se estender,
Na sombra de seus seios dormir,
Como um tranqüilo vilarejo perto de uma montanha.
O lado podre do computador
O lado podre do computador
Cunha e Silva Filho
Alguém, em sã consciência, pode negar a importância do computador? Óbvio que não. Muito menos, eu. Como havia de? Me lembro de uma colega do magistério que me repetia sempre que a conversa levava a esse assunto: “nunca vou aprender a manipular o mouse, aquele ratinho feio cujo manuseio não foi feito pra minhas mãos inábeis e desajeitadas. Não, decididamente não. Tentei várias vezes aprender. Mas, qual nada! Sempre que tentava apontar para a tela do monitor, enquanto a minha vontade era pra direita, o ratinho me levava pra esquerda. Depois, havia aquelas inúmeras divisões na tela com vários ícones, símbolos, setas, letras com traços debaixo delas, sinais de igualdade, seqüência de xis ao quadrado que mais me pareciam uma equação algébrica. Não, não vou mesmo aprender. Você sabem, leitores (quanta presunção minha, a de colocar este vocábulo no plural, ainda bem que não sou Machado de Assis). Na época em que primeiro falei com a minha colega sobre a necessidade de aprender o bê-a--bá do computador, eu também não sabia nada do riscado. Mas, ouvia sempre gente alertando todos que, para continuar no magistério, teria o professor que dominar pelo menos o feijão com arroz no uso do computador. Ou seja, preparar provas, digitar notas, tudo isso seria preciso dominar.
Cunha e Silva Filho
Alguém, em sã consciência, pode negar a importância do computador? Óbvio que não. Muito menos, eu. Como havia de? Me lembro de uma colega do magistério que me repetia sempre que a conversa levava a esse assunto: “nunca vou aprender a manipular o mouse, aquele ratinho feio cujo manuseio não foi feito pra minhas mãos inábeis e desajeitadas. Não, decididamente não. Tentei várias vezes aprender. Mas, qual nada! Sempre que tentava apontar para a tela do monitor, enquanto a minha vontade era pra direita, o ratinho me levava pra esquerda. Depois, havia aquelas inúmeras divisões na tela com vários ícones, símbolos, setas, letras com traços debaixo delas, sinais de igualdade, seqüência de xis ao quadrado que mais me pareciam uma equação algébrica. Não, não vou mesmo aprender. Você sabem, leitores (quanta presunção minha, a de colocar este vocábulo no plural, ainda bem que não sou Machado de Assis). Na época em que primeiro falei com a minha colega sobre a necessidade de aprender o bê-a--bá do computador, eu também não sabia nada do riscado. Mas, ouvia sempre gente alertando todos que, para continuar no magistério, teria o professor que dominar pelo menos o feijão com arroz no uso do computador. Ou seja, preparar provas, digitar notas, tudo isso seria preciso dominar.
Foi então que me decidi a comprar um computador e começar a aprender do zero. Foi um luta pra aprender,. Sempre que tinha dúvida, perguntava a meus alunos sobre isso, sobre aquilo no trato com esse aparelho cujo surgimento veio pra ficar . E mais: pra ajudar em mil e uma coisas. Esse gadget viraria, com o tempo, uma preciosidade, substituindo, em qualidade e eficiência, milhões de vezes, o que faziam a máquina de escrever e a máquina elétrica. Hoje, só tenho encômios pra essa máquina de ouro Não, de diamante.
Atualmente, muitas vezes, digito diretamente do computador os meus textos, quando antes pensava que meus pensamentos, minhas idéias não me surgiriam se as digitasse direto do computador, e não segundo a grande tradição de, primeiro, escrever, à mão, e, depois, passar pro computador. Não posso, contudo, esconder que me é ainda muito caro escrever à mão os meus textos. É um prazer diferente, que não quero perder por nenhuma coisa desse mundo, inclusive, a minha antiga e habitual maneira de preparar o meu texto manuscrito, assunto ventilado há pouco tempo em artigo de Umberto Eco postado aqui mesmo no Entretextos..
Atualmente, muitas vezes, digito diretamente do computador os meus textos, quando antes pensava que meus pensamentos, minhas idéias não me surgiriam se as digitasse direto do computador, e não segundo a grande tradição de, primeiro, escrever, à mão, e, depois, passar pro computador. Não posso, contudo, esconder que me é ainda muito caro escrever à mão os meus textos. É um prazer diferente, que não quero perder por nenhuma coisa desse mundo, inclusive, a minha antiga e habitual maneira de preparar o meu texto manuscrito, assunto ventilado há pouco tempo em artigo de Umberto Eco postado aqui mesmo no Entretextos..
Mas, ao lado dessas vantagens do computador, havemos que pesar as desvantagens, como ataques dos hackers, esses grandes inimigos dos usuários do computador, e o mau uso do computador, segundo adiante ilustraremos.
O computador que possibilitou o acesso à internet. Esta, aliás, está fazendo 40 anos se tomarmos a data da sua alvorada com os computadores de Leonard Kleinrock e de Douglas Engelbert, este do Instituto de Pesquisas da Universidade de Stanford, aquele da Universidade da Califórnia, Ambos, com seus computadores, se conectaram com a Arpanet, ou seja, um sistema de quatro computadores, os quais constituíam um projeto do Departamento de Defesa americano. Com o tempo, aquela conexão ainda tão tímida, progrediu, saindo da órbita da pesquisa de Estado para o uso pelo público e, finalmente, para o que conhecemos todos sob o nome de internet.
O computador que possibilitou o acesso à internet. Esta, aliás, está fazendo 40 anos se tomarmos a data da sua alvorada com os computadores de Leonard Kleinrock e de Douglas Engelbert, este do Instituto de Pesquisas da Universidade de Stanford, aquele da Universidade da Califórnia, Ambos, com seus computadores, se conectaram com a Arpanet, ou seja, um sistema de quatro computadores, os quais constituíam um projeto do Departamento de Defesa americano. Com o tempo, aquela conexão ainda tão tímida, progrediu, saindo da órbita da pesquisa de Estado para o uso pelo público e, finalmente, para o que conhecemos todos sob o nome de internet.
Foi uma tremenda revolução nos hábitos das pessoas muito mais impactante do que a própria história da criação da imprensa. Hoje, a internet, globalizada, atinge os quatro cantos do planeta Terra. Entretanto, daí começaram a surgir problemas com o avanço da informática. Daí também surgiram inúmeras dores de cabeça para o usuário, ou não, do computador, uma vez que todos fomos influenciados pela sua disseminação. Bancos, aeroportos, fábricas, repartições, supermercados, lojas, tudo, enfim, passou a depender dessa máquina.
Por exemplo, o sistema bancário se informatizou em tal grau de sofisticação que hoje tornou-se dependente absoluto dos computadores. Mas, os inimigos dele se tornaram tão perigosos que, atualmente, estão trazendo sérios problemas para a população usuária do cartão de crédito. Formando quadrilhas, especializadas em tecnologia voltada para o mal, esses criminosos praticam ações que vêm prejudicar enormemente o cidadão comum, através da chamada clonagem, artifício técnico que penetra nos caixas eletrônicos e captam dados fundamentais do cliente para, em seguida, fabricarem falso com os quais irão lesar o cliente pelo país afora.
Dessa forma, o computador, que é a base de tudo isso, torna-se uma presa fácil para esses criminosos, sempre ávidos em conseguir dinheiro sem trabalhar. Caso de polícia. São tão ardilosos esses delinquentes que conseguem ter acesso a contas bancárias e, dessa forma, lesam os clientes dos bancos. Eu mesmo fui vítima desses facínoras recentemente. Tais crimes merecem a atenção das autoridades de segurança no país a fim de que o Estado possa ter uma infraestrutra sólida e de ponta para dar cabo dos meliantes virtuais. É um apelo que daqui faço ao governo federal: invista no contra-ataque desse tipo de crime que já se vem alastrando por toda a parte.
Os bancos também devem investir mais nas tecnologias da área da informática para que reduzam ao mínimo as possibilidades de acesso aos dados do cliente, redobrando os cuidados no uso do cartão de crédito, como , mesmo no caso de cartões dispondo de chips, exigindo do comércio de vendas, em todos os setores, que cada usuário do cartão de crédito, simples ou múltiplo, não importa, que, em qualquer compra, o cliente seja obrigado a exibir a carteira de identidade e assine a nota de compra, como fazem os bancos quando o cliente, nos “caixas-gente,” vão sacar ou receber algum dinheiro.
Por exemplo, o sistema bancário se informatizou em tal grau de sofisticação que hoje tornou-se dependente absoluto dos computadores. Mas, os inimigos dele se tornaram tão perigosos que, atualmente, estão trazendo sérios problemas para a população usuária do cartão de crédito. Formando quadrilhas, especializadas em tecnologia voltada para o mal, esses criminosos praticam ações que vêm prejudicar enormemente o cidadão comum, através da chamada clonagem, artifício técnico que penetra nos caixas eletrônicos e captam dados fundamentais do cliente para, em seguida, fabricarem falso com os quais irão lesar o cliente pelo país afora.
Dessa forma, o computador, que é a base de tudo isso, torna-se uma presa fácil para esses criminosos, sempre ávidos em conseguir dinheiro sem trabalhar. Caso de polícia. São tão ardilosos esses delinquentes que conseguem ter acesso a contas bancárias e, dessa forma, lesam os clientes dos bancos. Eu mesmo fui vítima desses facínoras recentemente. Tais crimes merecem a atenção das autoridades de segurança no país a fim de que o Estado possa ter uma infraestrutra sólida e de ponta para dar cabo dos meliantes virtuais. É um apelo que daqui faço ao governo federal: invista no contra-ataque desse tipo de crime que já se vem alastrando por toda a parte.
Os bancos também devem investir mais nas tecnologias da área da informática para que reduzam ao mínimo as possibilidades de acesso aos dados do cliente, redobrando os cuidados no uso do cartão de crédito, como , mesmo no caso de cartões dispondo de chips, exigindo do comércio de vendas, em todos os setores, que cada usuário do cartão de crédito, simples ou múltiplo, não importa, que, em qualquer compra, o cliente seja obrigado a exibir a carteira de identidade e assine a nota de compra, como fazem os bancos quando o cliente, nos “caixas-gente,” vão sacar ou receber algum dinheiro.
Esse é o lado podre do computador, quer dizer, sempre que a pessoa é prejudicada em seus direitos de consumidor por tipos de criminosos dessa espécie, o computador se transforma em inimigo potencial. Os criminosos, que o transformam nisso, devem ser perseguidos sem trégua nem piedade.
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
Dia de aposentado
Visita de um aposentado
Encontrava-me, naquela manhã, para matar um pouco a saudade. De quê? Havia mesmo saudade ou outra espécie de sentimento que me levava àquele lugar no qual trabalhei quase treze anos? Passei pela entrada com cartão magnético que me permitiu a entrada só depois de duas tentativas. Nos tempos de trabalho sempre acontecia de o cartão magnético não me liberar a entrada senão na segunda ou, às vezes, na terceira tentativa. Dizem que se a gente o coloca no bolso da calça, junto de um molho de chaves, desaparece a força magnética do cartão.
Encontrava-me, naquela manhã, para matar um pouco a saudade. De quê? Havia mesmo saudade ou outra espécie de sentimento que me levava àquele lugar no qual trabalhei quase treze anos? Passei pela entrada com cartão magnético que me permitiu a entrada só depois de duas tentativas. Nos tempos de trabalho sempre acontecia de o cartão magnético não me liberar a entrada senão na segunda ou, às vezes, na terceira tentativa. Dizem que se a gente o coloca no bolso da calça, junto de um molho de chaves, desaparece a força magnética do cartão.
Não sei se isso é verdade. Também não entendo nada dessas coisas eletrônicas. Nem sei como aprendi o feijão com arroz do computador. Puxei a papai que nem mesmo sabia como ligar um rádio, embora fosse uma pessoa culta, inteligente, bom aluno em todas as matérias, mas lidar com coisas práticas não era com ele, não. Talvez fosse pela vontade de me comunicar na Internet.
Dentro da sala de contabilidade, vendo meus colegas que ainda estavam trabalhando, senti um conforto enorme. Ah, não mais terei que obedecer a horários e a chefes imediatos. Sou livre e desimpedido. A sala era ampla com mesas distribuídas, em fileiras, formando um retângulo. Nem todas estavam ocupadas com funcionários.Um pouco afastada, encontrava-se a mesa do chefe da seção. Ele lá estava sentado, de cabeça pra baixo lendo algum relatório. Sua fisionomia denotava preocupação. Nunca fui com a cara dele depois de tantos anos enfrentando-o todos os dias úteis da semana, exceto durante os períodos de férias, o que para mim era um alívio.
Quando cumprimentei a todos, ao entrar na sala, percebi que ele levantou a vista, olhou ligeiramente pra mim e esboçou um cumprimento mais com o olhar do que com palavras. Não liguei pra isso. Já sabia que seria sempre assim. Nunca iríamos mesmo ser amigos verdadeiros nem íntimos. Nossos espíritos não combinavam. Questão - diziam meus amigos espíritas -, de reencarnação. Sei lá? Nunca aprofundei leituras espíritas. Ainda andei lendo um livro que me recomendaram, O livro dos espíritos, conjunto de princípios do que Allan Kardec (1804-1869) denominava de Filosofia Espiritualista. Preferi a versão inglesa feita por Anna Blackwell, porque gostava muito de ler no original dessa língua, só para praticar a compreensão escrita e também porque houve uma época em que procurei conhecer alguma coisa sobre essa área de conhecimento espiritual.
Dentro da seção, fui conversar com um dos colegas com quem me dava muito bem, se bem que não era uma amizade muito estreita, mas dava pro gasto. Trocávamos certas confidências, nos abríamos um para o outro em assuntos mais de problemas de saúde, pois Carlos sofria de labirintite e eu provavelmente também. Na verdade, foi ele que me sugeriu que fosse procurar um médico para ver se tinha mesmo essa doença. Nunca fui ao médico. No entanto, de vez em quando, sinto sintomas que, de acordo com a experiência de meu amigo, devem ser de crise de labirintite. Até uma vez, passando mal, tive que ser consultado por uma médica numa emergência de hospital. Ela me diagnosticara apenas subida de pressão. Era hipertenso. No entanto, a sensação que tive em casa era de que ia apagar, morrer mesmo ali em pleno lar.
Era horrível aquela sensação de que não conseguia ficar direito em pé, nem sentado. Parecia que me faltavam as pernas, a posição ereta do corpo. Aquela sensação de que fosse desmaiar era insuportável. No meio da tonteira, havia também um pouco de vontade de vomitar, sensação de náusea na boca. A médica me receitou dois remédios para que tomasse um de doze em doze horas e o outro, de oito em oito horas. Me falou que começasse pelo remédio de doze em doze horas, me recomendando que, após tomar o primeiro dos remédios, ficasse em repouso, na cama. A tonteira iria passar dentro de aproximadamente duas horas, me assegurara a médica.
Por falar em tonteira, me lembro daquela noite em que acordei estranho na madrugada, com a cabeça pesada. Da minha cama fiquei olhando para o quarto quase escuro não fosse um pouco de luz que entrava pela vidraça da janela na pequena parte da cortina afastada pro lado esquerdo, enquanto minha mulher dormia um sono tranquilo. Não a quis acordar pra não preocupá-la, pois teria um dia estafante de trabalho na escola, na manhã seguinte. Tudo passava a rodar, a rodar, a rodar... O quarto, as paredes, o teto, os armários, a estante-mesa do computador. Fiquei apavorado, com medo de que era o final dos meus dias, Segurei-me às travezinhas daquela bela e decorada cabeceira da cama. Com receio de que o rodopiar era mais forte do que eu, me mantive firme, segurando-me às travezinhas curvilíneas da cabeceira da cama.
Se não o fizesse, tinha certeza quase de que seria levado para o espaço, suspenso no ar, tragado até mesmo pra fora do quarto, cuja porta estava aberta e até mesmo ficaria rodando a esmo pelos cantos das paredes em várias direções, quem sabe, tentando esse rodopiar me levar à força, derrubando a porta que dava pra varanda e lançando-me pelo espaço na rua, no céu, sem órbita certa. Parecia um pesadelo, um sonho indesejado, mas que, nas proporções racionais da minha lucidez, me parecia mesmo enxotar-me do leito.
“Júlio, meu amigo, não aguentou a saudade, não é? “Sim é verdade, mas ... e você, como está?”. “Aqui, tudo normal. Só muito trabalho, sobretudo agora, com tanto imposto de renda a fazer pros clientes. Ainda bem que eles não sabem preparar o imposto de renda. O que seria de nossa empresa nesse período de entrega de declarações? “Dá pra tomarmos um cafezinho aqui perto, já que, agora, é horário de almoço. Vamos?” “Sim, vamos”. “Mas, não vou me demorar muito. Tenho que almoçar, na sala de refeitório aqui da empresa”.
“Júlio, preciso te contar algo. Nos dois últimos anos, não tenho aguentado as reclamações do chefe, o Eulálio, que você conhece tão bem “Não se acanhe, te abre comigo... quem sabe, posso ajudá-lo a encontrar alguma ajuda pra você. Você sabe, o quanto sofri nas mãos desse tipo, suportando sua prepotência, sua falta de educação.
Dentro da sala de contabilidade, vendo meus colegas que ainda estavam trabalhando, senti um conforto enorme. Ah, não mais terei que obedecer a horários e a chefes imediatos. Sou livre e desimpedido. A sala era ampla com mesas distribuídas, em fileiras, formando um retângulo. Nem todas estavam ocupadas com funcionários.Um pouco afastada, encontrava-se a mesa do chefe da seção. Ele lá estava sentado, de cabeça pra baixo lendo algum relatório. Sua fisionomia denotava preocupação. Nunca fui com a cara dele depois de tantos anos enfrentando-o todos os dias úteis da semana, exceto durante os períodos de férias, o que para mim era um alívio.
Quando cumprimentei a todos, ao entrar na sala, percebi que ele levantou a vista, olhou ligeiramente pra mim e esboçou um cumprimento mais com o olhar do que com palavras. Não liguei pra isso. Já sabia que seria sempre assim. Nunca iríamos mesmo ser amigos verdadeiros nem íntimos. Nossos espíritos não combinavam. Questão - diziam meus amigos espíritas -, de reencarnação. Sei lá? Nunca aprofundei leituras espíritas. Ainda andei lendo um livro que me recomendaram, O livro dos espíritos, conjunto de princípios do que Allan Kardec (1804-1869) denominava de Filosofia Espiritualista. Preferi a versão inglesa feita por Anna Blackwell, porque gostava muito de ler no original dessa língua, só para praticar a compreensão escrita e também porque houve uma época em que procurei conhecer alguma coisa sobre essa área de conhecimento espiritual.
Dentro da seção, fui conversar com um dos colegas com quem me dava muito bem, se bem que não era uma amizade muito estreita, mas dava pro gasto. Trocávamos certas confidências, nos abríamos um para o outro em assuntos mais de problemas de saúde, pois Carlos sofria de labirintite e eu provavelmente também. Na verdade, foi ele que me sugeriu que fosse procurar um médico para ver se tinha mesmo essa doença. Nunca fui ao médico. No entanto, de vez em quando, sinto sintomas que, de acordo com a experiência de meu amigo, devem ser de crise de labirintite. Até uma vez, passando mal, tive que ser consultado por uma médica numa emergência de hospital. Ela me diagnosticara apenas subida de pressão. Era hipertenso. No entanto, a sensação que tive em casa era de que ia apagar, morrer mesmo ali em pleno lar.
Era horrível aquela sensação de que não conseguia ficar direito em pé, nem sentado. Parecia que me faltavam as pernas, a posição ereta do corpo. Aquela sensação de que fosse desmaiar era insuportável. No meio da tonteira, havia também um pouco de vontade de vomitar, sensação de náusea na boca. A médica me receitou dois remédios para que tomasse um de doze em doze horas e o outro, de oito em oito horas. Me falou que começasse pelo remédio de doze em doze horas, me recomendando que, após tomar o primeiro dos remédios, ficasse em repouso, na cama. A tonteira iria passar dentro de aproximadamente duas horas, me assegurara a médica.
Por falar em tonteira, me lembro daquela noite em que acordei estranho na madrugada, com a cabeça pesada. Da minha cama fiquei olhando para o quarto quase escuro não fosse um pouco de luz que entrava pela vidraça da janela na pequena parte da cortina afastada pro lado esquerdo, enquanto minha mulher dormia um sono tranquilo. Não a quis acordar pra não preocupá-la, pois teria um dia estafante de trabalho na escola, na manhã seguinte. Tudo passava a rodar, a rodar, a rodar... O quarto, as paredes, o teto, os armários, a estante-mesa do computador. Fiquei apavorado, com medo de que era o final dos meus dias, Segurei-me às travezinhas daquela bela e decorada cabeceira da cama. Com receio de que o rodopiar era mais forte do que eu, me mantive firme, segurando-me às travezinhas curvilíneas da cabeceira da cama.
Se não o fizesse, tinha certeza quase de que seria levado para o espaço, suspenso no ar, tragado até mesmo pra fora do quarto, cuja porta estava aberta e até mesmo ficaria rodando a esmo pelos cantos das paredes em várias direções, quem sabe, tentando esse rodopiar me levar à força, derrubando a porta que dava pra varanda e lançando-me pelo espaço na rua, no céu, sem órbita certa. Parecia um pesadelo, um sonho indesejado, mas que, nas proporções racionais da minha lucidez, me parecia mesmo enxotar-me do leito.
“Júlio, meu amigo, não aguentou a saudade, não é? “Sim é verdade, mas ... e você, como está?”. “Aqui, tudo normal. Só muito trabalho, sobretudo agora, com tanto imposto de renda a fazer pros clientes. Ainda bem que eles não sabem preparar o imposto de renda. O que seria de nossa empresa nesse período de entrega de declarações? “Dá pra tomarmos um cafezinho aqui perto, já que, agora, é horário de almoço. Vamos?” “Sim, vamos”. “Mas, não vou me demorar muito. Tenho que almoçar, na sala de refeitório aqui da empresa”.
“Júlio, preciso te contar algo. Nos dois últimos anos, não tenho aguentado as reclamações do chefe, o Eulálio, que você conhece tão bem “Não se acanhe, te abre comigo... quem sabe, posso ajudá-lo a encontrar alguma ajuda pra você. Você sabe, o quanto sofri nas mãos desse tipo, suportando sua prepotência, sua falta de educação.
“Olha, Júlio, você sabe que eu não morreria de necessidade se deixasse este emprego. Minha mulher trabalha, ganha bem, se dá bem comigo. Somos felizes. Ocorre que eu trabalho na firma há muitos anos, até podia requerer aposentadoria, mas não desejo ficar sem trabalho. As coisas pioraram muito no escritório nos últimos dois anos. O chefe sempre arruma uma jeito de me chamar à atenção diante de todos os meus colegas. Isso me constrange, me humilha. Já não suporto .”Mas, Carlos, aposentar-se não é tão ruim como pensa. Olha, você tem, que eu sei, aquela casa de praia em Búzios. Em Búuuuzios, ouviu? Não é em qualquer lugarzinho aí. Pense na praia, no sol, nas caminhadas, no seu hobby de pescar, na brisa marinha que vai desfrutar. Isso não é felicidade? Além disso, você tem tua mulher, tua amiga, que, dentro em pouco, estará aposentada como você, e os dois irão curtir melhor o precioso resto de suas vidas.
“Mas, amigo, o problema é que o trabalho pra mim é o ar que respiro e, apesar de detestar aquele chefe, amo o que faço, nasci pra trabalhar em escritório, para fazer o que faço. Essa é a minha vida”. “Quem sabe, tu não tem uma novidade. Vem outro chefe, outra pessoa com quem possa fazer amizade e trabalhar em harmonia, Tudo é possível, não é?”
Olhei pro Carlos. Seu rosto oval, branco, com a barba bem feita, seu corpo avantajado, seus olhos azulados, sua barba bem feita, estava com um ar triste, os olhos lacrimosos. Quase não fixava diretamente os olhos pra mim, como que receoso de se abrir mais comigo. Não havia dúvida de que me escondia algo mais no imo do seu ser. Tentei dizer-lhe alguma coisa animadora. Ele me olhava e me parecia que isso lhe fazia bem. Tinha certeza de que ele confiava em mim e sabia que lhe queria bem, ainda que nossa amizade não fosse tão profunda quanto eu queria. Creio que nunca sabemos se alguém é mesmo nosso amigo, e nele podemos depositar total confiança. A alma humana é insondável.
Tomamos o café. Nos despedimos. Fiquei, à porta daquele barzinho em frente da firma, na qual trabalhei tantos anos e acompanhei os passos daquele colega quase amigo que não era feliz no trabalho e, contraditoriamente, gostava do que lá fazia. Seu caminhado era engraçado, parecia que andava tentando evitar pisar forte no chão tanto quanto sua pessoa não gostava de desagradar ninguém. Carlos queria ser apenas feliz (como, certa vez, lhe disse um astrólogo que lhe fez o mapa) e também desejava que o mundo fosse feliz, que todos fossem felizes, que todos se dessem as mãos e atravessassem a vida sem machucar o coração de ninguém. Era uma utopia?
Talvez sim, talvez não. Duas semanas após o nosso encontro, me telefonaram do escritório dizendo que Carlos, ao se vestir pra trabalhar mais um dia útil da semana, fora acometido de um enfarto do miocárdio. Isso foi numa sexta-feira, pela manhã, antes de tomar seu café em casa. No dia anterior, durante uma reunião na firma, Carlos teve uma crise de choro inexplicável diante dos colegas de trabalho. Chorou como uma criança.
Búzios, a praia, o sol, as caminhadas, a brisa da manhã ou da noitinha, a pesca ficaram para trás, assim também como seu trabalho na empresa, sua labirintite, seu chefe detestável. Seu rosto oval, claro, seus olhos azulados, seu porte avantajado, quase gordo, seu sorriso largo, seu andar engraçado, sua quase amizade eram tudo que dele me restou na memória.
“Mas, amigo, o problema é que o trabalho pra mim é o ar que respiro e, apesar de detestar aquele chefe, amo o que faço, nasci pra trabalhar em escritório, para fazer o que faço. Essa é a minha vida”. “Quem sabe, tu não tem uma novidade. Vem outro chefe, outra pessoa com quem possa fazer amizade e trabalhar em harmonia, Tudo é possível, não é?”
Olhei pro Carlos. Seu rosto oval, branco, com a barba bem feita, seu corpo avantajado, seus olhos azulados, sua barba bem feita, estava com um ar triste, os olhos lacrimosos. Quase não fixava diretamente os olhos pra mim, como que receoso de se abrir mais comigo. Não havia dúvida de que me escondia algo mais no imo do seu ser. Tentei dizer-lhe alguma coisa animadora. Ele me olhava e me parecia que isso lhe fazia bem. Tinha certeza de que ele confiava em mim e sabia que lhe queria bem, ainda que nossa amizade não fosse tão profunda quanto eu queria. Creio que nunca sabemos se alguém é mesmo nosso amigo, e nele podemos depositar total confiança. A alma humana é insondável.
Tomamos o café. Nos despedimos. Fiquei, à porta daquele barzinho em frente da firma, na qual trabalhei tantos anos e acompanhei os passos daquele colega quase amigo que não era feliz no trabalho e, contraditoriamente, gostava do que lá fazia. Seu caminhado era engraçado, parecia que andava tentando evitar pisar forte no chão tanto quanto sua pessoa não gostava de desagradar ninguém. Carlos queria ser apenas feliz (como, certa vez, lhe disse um astrólogo que lhe fez o mapa) e também desejava que o mundo fosse feliz, que todos fossem felizes, que todos se dessem as mãos e atravessassem a vida sem machucar o coração de ninguém. Era uma utopia?
Talvez sim, talvez não. Duas semanas após o nosso encontro, me telefonaram do escritório dizendo que Carlos, ao se vestir pra trabalhar mais um dia útil da semana, fora acometido de um enfarto do miocárdio. Isso foi numa sexta-feira, pela manhã, antes de tomar seu café em casa. No dia anterior, durante uma reunião na firma, Carlos teve uma crise de choro inexplicável diante dos colegas de trabalho. Chorou como uma criança.
Búzios, a praia, o sol, as caminhadas, a brisa da manhã ou da noitinha, a pesca ficaram para trás, assim também como seu trabalho na empresa, sua labirintite, seu chefe detestável. Seu rosto oval, claro, seus olhos azulados, seu porte avantajado, quase gordo, seu sorriso largo, seu andar engraçado, sua quase amizade eram tudo que dele me restou na memória.
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Fernando Pessoa: "Sonne tX"
Fernando Pessoa: “Sonnet X”
Sonnet X
AS A CHILD, I talked my heart asleep
With empty promise of the coming day,
And it slept rather for my words made sleep
Than from a thought of what their sense did say.
For did it care for sense, would it not wake
And question closer to the morrow’s pleasure?
Would it not edge nearer my words, to take
The promise in the meting of its measure?
So, if it slept, ‘twas that it cared but for
The present sleepy use of promised joy,
Thanking the fruit but for the forecome flower
Which the less active senses best enjoy.
Thus with deceit do I detain the heart
Of which deceit’s self knows itself a part.
Soneto X
COMO UMA CRIANÇA, falando, fiz adormecer meu coração
No dia seguinte com vãs promessas,
E antes adormeceu em face de adormecidas palavras
Do que, por um pensamento, os seus sentidos realmente afirmavam.
Pois, se ele se importasse com os sentidos, não despertaria ele
E indagaria sobre o prazer do amanhã com maior precisão?
Não se aproximaria muito mais de minhas palavras, cumprindo
A promessa na sua exata e justa medida?
De sorte que, se adormecesse, era porque se importava apenas com
O adormecido uso do presente de uma prometida alegria,
Somente o fruto agradecendo pela vindoura flor
Que os sentidos menos ativados mais apreciaram
Assim, com o logro impedir consigo o coração
Do qual o eu do logro uma parte dele bem sabe ser.
Tradução de Cunha e Silva Filho
.
Sonnet X
AS A CHILD, I talked my heart asleep
With empty promise of the coming day,
And it slept rather for my words made sleep
Than from a thought of what their sense did say.
For did it care for sense, would it not wake
And question closer to the morrow’s pleasure?
Would it not edge nearer my words, to take
The promise in the meting of its measure?
So, if it slept, ‘twas that it cared but for
The present sleepy use of promised joy,
Thanking the fruit but for the forecome flower
Which the less active senses best enjoy.
Thus with deceit do I detain the heart
Of which deceit’s self knows itself a part.
Soneto X
COMO UMA CRIANÇA, falando, fiz adormecer meu coração
No dia seguinte com vãs promessas,
E antes adormeceu em face de adormecidas palavras
Do que, por um pensamento, os seus sentidos realmente afirmavam.
Pois, se ele se importasse com os sentidos, não despertaria ele
E indagaria sobre o prazer do amanhã com maior precisão?
Não se aproximaria muito mais de minhas palavras, cumprindo
A promessa na sua exata e justa medida?
De sorte que, se adormecesse, era porque se importava apenas com
O adormecido uso do presente de uma prometida alegria,
Somente o fruto agradecendo pela vindoura flor
Que os sentidos menos ativados mais apreciaram
Assim, com o logro impedir consigo o coração
Do qual o eu do logro uma parte dele bem sabe ser.
Tradução de Cunha e Silva Filho
.
segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Estilo e ensaio
ESTILO E ENSAIO
Cunha e Silva Filho
Não sei se algum leitor ou leitores que gostem de ler ensaios literários já perceberam que atualmente o que se tem visto nas resenhas publicadas em jornais conhecidos, como o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo e O Globo, embora sejam escritas com seriedade, conhecimento do assunto e revelando boa apreensão das principais idéias do tema das obras lidas e naquela síntese necessária à natureza de uma resenha, é uma certa equalização de estilo literário, uma forma-padrão de organização do pensamento.
Cunha e Silva Filho
Não sei se algum leitor ou leitores que gostem de ler ensaios literários já perceberam que atualmente o que se tem visto nas resenhas publicadas em jornais conhecidos, como o Jornal do Brasil, a Folha de São Paulo e O Globo, embora sejam escritas com seriedade, conhecimento do assunto e revelando boa apreensão das principais idéias do tema das obras lidas e naquela síntese necessária à natureza de uma resenha, é uma certa equalização de estilo literário, uma forma-padrão de organização do pensamento.
Tal uniformização estilística me parece digna de comentário, visto que o problema que, em tal situação aí se cria muito tem a ver com a falta de estilo, e esta não me parece boa pra o bom nível do ensaísmo entre nós. Afinal, de contas a resenha está a um passo do ensaio acadêmico. A diferença entre ela e o ensaio de maior fôlego reside no aparelhamento sofisticado da fôrma de gênero literário chamado ensaio.
Ora, o que se tem como pressuposição é que a escritura ensaística, a meu ver se deve destacar, como traço fundamental,, pela originalidade, pela diferença de estilos de escrita, que faz com que, ao se ler um trabalho acadêmico, ou mesmo uma boa resenha, nele ou nela se perceba logo a marca do autor na formulação de sua estrutura sintático-estlística. Citemos, para ilustrar, ensaístas já mais antigos ou mesmo menos antigos, como Alceu Amoroso Lima, Álvaro Lins, Afrânio Coutinho, Antonio Candido, Fausto Cunha, Cassiano Nunes, José Guilherme Merquior, Eduardo Portela, Luís Costa Lima e Fábio Lucas, Roberto Schawarz, Davi Arrigucci Jr., para não alongar a lista.
Todos os autores acima, separadamente, se distinguem por uma forma de linguagem acadêmica que, se omitissem os seus nomes das suas obras, um leitor inteligente e bem lido seria capaz de identificar cada um deles. E por quê? Porque cada um escreve segundo a sua forma de estruturação da linguagem, do seu estilo, em suma, da sua maneira singular de analisar obras e de as interpretar. É claro que não estou pensando na especificidade da linha ou corrente de seu pensamento crítico. Falo do velho conceito de estilo há tempos proclamado por Buffon.
Essa individualidade que encontro em tais ensaístas e crítico é que aqui me interessa como fator determinante de diferenciação de um estilo de escrita para outro. Nem falo de valorização estética na expressão do seu pensamento crítico-teórico. Falo da peculiar forma de uso da linguagem, da inconfundibilidade de forjar o pensamento analítico de cada um. Falo , em suam do ato de escrever, que deveria, na sua forma ideal pelo menos, ser um ato identificatória e distintivo entre a linguagem literária de cada ensaísta.
É essa ausência de particularidade diferenciadora que me preocupa quando leio resenhas ou mesmo ensaios na atualidade. Será que se dá aqui o fenômeno da indiferenciação no modo de escrever da chamada pós-modernidade.? Será que os jovens e muitas vezes talentosos ensaístas de hoje sofrem de uma padronização insossa e álgida na formulação do sua escrita? Isso não é bom para o ensaísmo nem para os estudos literários.
Será tal fenômeno algo que ocorre subconscientemente na comunicação ensaística a esta altura do progresso humano e tecnológico? Não estamos nos tornando demasiadamente iguais como produto de uma época que tende a uma forma globalizada de comportamento e hábitos que já se fazem sentir nesta primeira década do século 21?
Não estou de modo algum advogando nem a clareza rasa do pensamento crítico nem tampouco a obscuridade, o estilo cifrado, circular, que, por sinal, se poderia encontrar em algum crítico acima citado. O que proporia seria uma saída para uma retomada da originalidade na construção estilístico-formal do crítico, ainda que fosse para encontrar bons modelos na crítica passada, excluindo obviamente o estilo terrivelmente arrevesado e pesado de José Veríssimo.
O que não vejo bem para o ensaísmo atual é essa uniformidade de estilo de escrita que, além do mais, não prima por um traço singularizador e que me encanta como leitor de ensaio, que é o estilo de escrita idiossincrático que, na sua objetividade de análise e interpretação das obras, deixe perceber uma espécie de alma na escrita, permeada de humanidade na exposição das ideias, no palpitar sensível pensamento que, na sua subtextualidade faça vibrar, junto ao leitor, uma visão da obra na qual não se ausente o sentimento do escritor que dela se desentranha.
Ora, o que se tem como pressuposição é que a escritura ensaística, a meu ver se deve destacar, como traço fundamental,, pela originalidade, pela diferença de estilos de escrita, que faz com que, ao se ler um trabalho acadêmico, ou mesmo uma boa resenha, nele ou nela se perceba logo a marca do autor na formulação de sua estrutura sintático-estlística. Citemos, para ilustrar, ensaístas já mais antigos ou mesmo menos antigos, como Alceu Amoroso Lima, Álvaro Lins, Afrânio Coutinho, Antonio Candido, Fausto Cunha, Cassiano Nunes, José Guilherme Merquior, Eduardo Portela, Luís Costa Lima e Fábio Lucas, Roberto Schawarz, Davi Arrigucci Jr., para não alongar a lista.
Todos os autores acima, separadamente, se distinguem por uma forma de linguagem acadêmica que, se omitissem os seus nomes das suas obras, um leitor inteligente e bem lido seria capaz de identificar cada um deles. E por quê? Porque cada um escreve segundo a sua forma de estruturação da linguagem, do seu estilo, em suma, da sua maneira singular de analisar obras e de as interpretar. É claro que não estou pensando na especificidade da linha ou corrente de seu pensamento crítico. Falo do velho conceito de estilo há tempos proclamado por Buffon.
Essa individualidade que encontro em tais ensaístas e crítico é que aqui me interessa como fator determinante de diferenciação de um estilo de escrita para outro. Nem falo de valorização estética na expressão do seu pensamento crítico-teórico. Falo da peculiar forma de uso da linguagem, da inconfundibilidade de forjar o pensamento analítico de cada um. Falo , em suam do ato de escrever, que deveria, na sua forma ideal pelo menos, ser um ato identificatória e distintivo entre a linguagem literária de cada ensaísta.
É essa ausência de particularidade diferenciadora que me preocupa quando leio resenhas ou mesmo ensaios na atualidade. Será que se dá aqui o fenômeno da indiferenciação no modo de escrever da chamada pós-modernidade.? Será que os jovens e muitas vezes talentosos ensaístas de hoje sofrem de uma padronização insossa e álgida na formulação do sua escrita? Isso não é bom para o ensaísmo nem para os estudos literários.
Será tal fenômeno algo que ocorre subconscientemente na comunicação ensaística a esta altura do progresso humano e tecnológico? Não estamos nos tornando demasiadamente iguais como produto de uma época que tende a uma forma globalizada de comportamento e hábitos que já se fazem sentir nesta primeira década do século 21?
Não estou de modo algum advogando nem a clareza rasa do pensamento crítico nem tampouco a obscuridade, o estilo cifrado, circular, que, por sinal, se poderia encontrar em algum crítico acima citado. O que proporia seria uma saída para uma retomada da originalidade na construção estilístico-formal do crítico, ainda que fosse para encontrar bons modelos na crítica passada, excluindo obviamente o estilo terrivelmente arrevesado e pesado de José Veríssimo.
O que não vejo bem para o ensaísmo atual é essa uniformidade de estilo de escrita que, além do mais, não prima por um traço singularizador e que me encanta como leitor de ensaio, que é o estilo de escrita idiossincrático que, na sua objetividade de análise e interpretação das obras, deixe perceber uma espécie de alma na escrita, permeada de humanidade na exposição das ideias, no palpitar sensível pensamento que, na sua subtextualidade faça vibrar, junto ao leitor, uma visão da obra na qual não se ausente o sentimento do escritor que dela se desentranha.
sábado, 21 de novembro de 2009
A fumante
A fumante
Cunha e Silva Filho
Estava de volta do Colégio em que lecionei durante 12 anos. Ao sair pela porta lateral, por onde passam os alunos na ida à escola ou na volta dela virei, à esquerda, na esquina da calçada. Foi nessa hora que, à minha frente, com passos firmes, uma mocinha, com uniforme escolar, e carregando uma mochila nas costas, me deu o primeiro sinal de desconforto: o cheiro de fumaça. Olhei para as mãos dela e logo percebi que numa delas estava segurando, entre dois dedos, um cigarro.
Não sei por que motivo, mas senti raiva dela. Raiva porque estava fumando e deixando atrás de si um rastro de cheiro desagradável, um cheiro forte de cigarro grosseiro. Parecia que me fazia aquilo, na minha frente, para me atazanar a paciência e sentir o dissabor de levar restos de fumaça na cara. Eu sei que ela estava fumando ao ar livre, mas, mesmo assim, julguei aquilo um desaforo. Parecia que era interminável aquela fumaça se espalhando pelo ar na longa calçada que, naqueles momentos, me parecia sem fim. Lá ia ela, indiferente ao meu protesto interior, fumando, tragando, jogando fumaça para trás, para os lados, para cima, para a frente, fumaça que ia até as minhas narinas. O pior é que os passos dela estavam sempre à minha frente. Acelerei o passo para ultrapassá-la, mas em vão. Ela, muito jovem, cheia de energia ainda, ficava ali à minha frente.
Parecia realmente que fazia aquilo de propósito, para me castigar, a mim, que não fumo e detesto fumaça de cigarro.
Dizia pra mim: puxa, essa garota está me perseguindo mesmo. Para onde vou, ela me aparece à frente, despejando pelo ar aquela maldita fumaça. E, assim foi que, por toda a outra rua, tive que aguentar o cheiro do tabaco forte nas narinas. Até parecia que ela estava fazendo tudo de caso pensado, para me chatear como não-fumante, como alguém que deplora esse vício. Então, passei a refletir sobre as leis que agora estão fazendo contra fumantes. Estão certos os legisladores: abaixo os fumantes! Mais respeito aos que não fumam, os “fumantes passivos”, os mais prejudicados, segundo dizem os médicos.
Estava tão distante daquele tempo das cenas de filmes hollywoodianos, onde belas atrizes e galãs costumavam contracenar fumando conhecidas marcas de cigarro. E, não sei por que razão naquele instante de reflexão, me veio à tona aquela gravura de um jovem de cabeleira lustrosa partida ao meio, fumando um cigarro. Era uma ilustração numa página distante do meu livro didático de inglês, o King's English, de Harold Howard Binns, conhecido professor de inglês, ele próprio, britânico, que deu aulas pelo rádio em São Paulo e se tornou autor didático de boas obras para a aprendizagem do inglês nos anos quarenta ou cinquenta, aproximadamente, do século passado. Até me lembro da frase alusiva à ilustração: "This man is smoking a cigarette". A nossa memória é engraçada, une o que está solto pelo tempo e pela distância. Eram chic, tinham charme aquelas cenas de ídolos nossos fumando. Agora, não, a realidade mudou e os cigarros viraram objeto de hostilidade, de protesto, de reclamação. Qualquer lei que venha nos ajudar a não respiramos fumaça a contragosto será bem-vinda. Abaixo os fumantes! Eles não sabem o que possa sobrevir a esse vício terrível, mas tão entranhado quanto os tóxicos infelizmente usados pelo mundo afora.
O que não suportava era o fato de que alguém, mesmo ao ar livre, espalhasse fumaça na cara dos outros sem a mínima complacência. Cheguei ao cúmulo de pensar que os legisladores deveriam também proibir o uso de cigarro ao ar livre. Sei que seria um exagero exigir-se isso das pessoas fumantes. Afinal, a rua é púbica, e quem fuma tem o direito de fazê-lo pelas calçadas, na rua, nos parques, desde que o espaço fosse a céu aberto.
Continuei caminhando em direção a minha casa. Já estava relativamente perto. Mas não é que a mocinha não me largava de mão. Prossseguia andando, passos firmes, fumando, fumando, tragando, tragando, poluindo o ar livre, a calçada, a rua, o mundo, e sempre à minha frente. De repente, me distraí e, ao procurá-la, não mais a avistei. Ela havia se embarafustado por uma das ruas transversais que ficava entre uma avenida de duas pistas e uma longuíssima rua no bairro da Tijuca.Numa dessas transversais, ficava o meu prédio.
Lá se foi a fumaça, o odor, “esse objeto abjeto” que me vinha perseguindo como se eu fosse um criminoso. O pior é que não a vi de frente, não sei como era seu rosto, seus olhos, sua boca. De costas pra mim, sabia que era morena e tinha o cabelo encaracolado, altura média. Parecia que não era bonita, porém um tipo comum de jovem, que não inspirava nenhuma sensualidade no andar. Só isso.
Finalmente, cheguei a minha casa. A fumaça ficara para trás com aquele cheiro insuportável que penetrava nas minhas narinas e me deixara irritado. Não mais vi a fumante e, se a vi, não a reconheci porque seguramente passávamos um pelo outro em direção oposta. Pela frente, as pessoas são diferentes, assim como quem está de óculos escuros e não sabemos como são seus olhos - espelho da alma e do físico.
Cunha e Silva Filho
Estava de volta do Colégio em que lecionei durante 12 anos. Ao sair pela porta lateral, por onde passam os alunos na ida à escola ou na volta dela virei, à esquerda, na esquina da calçada. Foi nessa hora que, à minha frente, com passos firmes, uma mocinha, com uniforme escolar, e carregando uma mochila nas costas, me deu o primeiro sinal de desconforto: o cheiro de fumaça. Olhei para as mãos dela e logo percebi que numa delas estava segurando, entre dois dedos, um cigarro.
Não sei por que motivo, mas senti raiva dela. Raiva porque estava fumando e deixando atrás de si um rastro de cheiro desagradável, um cheiro forte de cigarro grosseiro. Parecia que me fazia aquilo, na minha frente, para me atazanar a paciência e sentir o dissabor de levar restos de fumaça na cara. Eu sei que ela estava fumando ao ar livre, mas, mesmo assim, julguei aquilo um desaforo. Parecia que era interminável aquela fumaça se espalhando pelo ar na longa calçada que, naqueles momentos, me parecia sem fim. Lá ia ela, indiferente ao meu protesto interior, fumando, tragando, jogando fumaça para trás, para os lados, para cima, para a frente, fumaça que ia até as minhas narinas. O pior é que os passos dela estavam sempre à minha frente. Acelerei o passo para ultrapassá-la, mas em vão. Ela, muito jovem, cheia de energia ainda, ficava ali à minha frente.
Parecia realmente que fazia aquilo de propósito, para me castigar, a mim, que não fumo e detesto fumaça de cigarro.
Dizia pra mim: puxa, essa garota está me perseguindo mesmo. Para onde vou, ela me aparece à frente, despejando pelo ar aquela maldita fumaça. E, assim foi que, por toda a outra rua, tive que aguentar o cheiro do tabaco forte nas narinas. Até parecia que ela estava fazendo tudo de caso pensado, para me chatear como não-fumante, como alguém que deplora esse vício. Então, passei a refletir sobre as leis que agora estão fazendo contra fumantes. Estão certos os legisladores: abaixo os fumantes! Mais respeito aos que não fumam, os “fumantes passivos”, os mais prejudicados, segundo dizem os médicos.
Estava tão distante daquele tempo das cenas de filmes hollywoodianos, onde belas atrizes e galãs costumavam contracenar fumando conhecidas marcas de cigarro. E, não sei por que razão naquele instante de reflexão, me veio à tona aquela gravura de um jovem de cabeleira lustrosa partida ao meio, fumando um cigarro. Era uma ilustração numa página distante do meu livro didático de inglês, o King's English, de Harold Howard Binns, conhecido professor de inglês, ele próprio, britânico, que deu aulas pelo rádio em São Paulo e se tornou autor didático de boas obras para a aprendizagem do inglês nos anos quarenta ou cinquenta, aproximadamente, do século passado. Até me lembro da frase alusiva à ilustração: "This man is smoking a cigarette". A nossa memória é engraçada, une o que está solto pelo tempo e pela distância. Eram chic, tinham charme aquelas cenas de ídolos nossos fumando. Agora, não, a realidade mudou e os cigarros viraram objeto de hostilidade, de protesto, de reclamação. Qualquer lei que venha nos ajudar a não respiramos fumaça a contragosto será bem-vinda. Abaixo os fumantes! Eles não sabem o que possa sobrevir a esse vício terrível, mas tão entranhado quanto os tóxicos infelizmente usados pelo mundo afora.
O que não suportava era o fato de que alguém, mesmo ao ar livre, espalhasse fumaça na cara dos outros sem a mínima complacência. Cheguei ao cúmulo de pensar que os legisladores deveriam também proibir o uso de cigarro ao ar livre. Sei que seria um exagero exigir-se isso das pessoas fumantes. Afinal, a rua é púbica, e quem fuma tem o direito de fazê-lo pelas calçadas, na rua, nos parques, desde que o espaço fosse a céu aberto.
Continuei caminhando em direção a minha casa. Já estava relativamente perto. Mas não é que a mocinha não me largava de mão. Prossseguia andando, passos firmes, fumando, fumando, tragando, tragando, poluindo o ar livre, a calçada, a rua, o mundo, e sempre à minha frente. De repente, me distraí e, ao procurá-la, não mais a avistei. Ela havia se embarafustado por uma das ruas transversais que ficava entre uma avenida de duas pistas e uma longuíssima rua no bairro da Tijuca.Numa dessas transversais, ficava o meu prédio.
Lá se foi a fumaça, o odor, “esse objeto abjeto” que me vinha perseguindo como se eu fosse um criminoso. O pior é que não a vi de frente, não sei como era seu rosto, seus olhos, sua boca. De costas pra mim, sabia que era morena e tinha o cabelo encaracolado, altura média. Parecia que não era bonita, porém um tipo comum de jovem, que não inspirava nenhuma sensualidade no andar. Só isso.
Finalmente, cheguei a minha casa. A fumaça ficara para trás com aquele cheiro insuportável que penetrava nas minhas narinas e me deixara irritado. Não mais vi a fumante e, se a vi, não a reconheci porque seguramente passávamos um pelo outro em direção oposta. Pela frente, as pessoas são diferentes, assim como quem está de óculos escuros e não sabemos como são seus olhos - espelho da alma e do físico.
Assinar:
Postagens (Atom)