Leitura de jornal
Cunha e Silva Filho
Sábados e domingos são os dois dias da semana reservados para leituras de jornal mais intensas. Deixo até meus estudos semanais específicos para me dedicar aos periódicos. No sábado, leio o JB e, no domingo, a Folha de São Paulo. Esporadicamente, leio O Globo ou um jornal menor. As leituras de jornal fazem parte do meu cronograma cultural, como acho que de muita gente amante do conhecimento e da informação. Uma vez o grande crítico Antonio Candido declarou, se não me engano, numa entrevista para a Folha de São Paulo, que, na formação intelectual, a leitura de jornais entra como um dos elementos decisivos. Compartilho também de seu pensamento.
Todos sabemos quão fortuita é a leitura de jornal, de tal forma que, deixando de ler-se um número de hoje, na manhã seguinte, essa leitura soa anacrônica, como se perdesse o sentido ou a validade.Talvez por isso é que, quando, por um ou outro motivo, deixamos de comprar um jornal e, na última hora, queremos comprá-lo na banca e não o encontramos, na manhã seguinte, se o procuramos, não o encontramos, visto que as sobras são devolvidas ao distribuidor e não sei o destino que realmente vão ter. É assim na prática o que ocorre com os jornais.Os fatos relatados nos jornais são tão dinâmicos que se não lermos o jornal do dia, no outro dia perdemos a chance do envolvimento que a notícia fresca proporciona ao leitor.
È óbvio que, rigorosamente, até podemos ler o exemplar do jornal comprado só no dia seguinte. Isso por vezes acontece por razões variadas. No entanto, o ato da leitura de um jornal fora do dia de sua edição nos dá até uma sensação de desatualidade.
A força da leitura de jornal reside no dia em que é posto na banca para a venda. É fato também que há os cadernos culturais, sobretudo a seção de literatura e de assuntos culturais diversos. Esses cadernos podem esperar por nós. Sua leitura pode ser postergada dada a sua natureza de complexidade, extensão da matéria e especificidade dos temas tratados com maior amplitude e erudição.
A leitura de jornal, guardadas as diferenças, semelha a capítulos de romances lineares (a comparação aqui não é minha, porém dela me aproveito agora).Se no romance os acontecimentos se sucedem e nos prendem a atenção, espicaçando o nosso interesse pela ordem dos fatos desencadeados pela trama, nos jornais existem os necessários desdobramentos da dinâmica social-histórica, fazendo com que essa mídia se torne uma força viva e estuante a fim de veicular novidades locais, regionais, nacionais e internacionais. Esse é o destino de qualquer periódico: manter o leitor inteirado do que acontece no mundo.
O jornal funciona como uma verdadeira radiografia de um país ou do mundo em geral. É bem provável que muita gente nele tem seu melhor meio de cultivar a inteligência e mesmo de formar sua cultura. O ideal de leitor de jornal seria aquele que diariamente lesse o jornal. Entretanto, por questões de economia, muitos leitores não leem jornal diariamente. Da mesma forma, devemos desconfiar daqueles que nos dizem ler vários jornais por dia. Puro exagero. O que se pode entender dessa situação de leitor seria que este pode ver alguma matéria ou outra em vários jornais. Não, porém, o jornal na íntegra. E a vida , como fica?
Acredito que a leitura de um jornal ainda é a melhor forma de comunicação ou de sintonia com o universo de noticias diariamente transmitidas. Nem a internet o suplanta, como o e-book não vai suplantar um livro na sua forma tradicional impressa no papel. Imenso é o prazer que se tem de sair à rua para comprar um jornal de nossa preferência. Que delícia esse ato proporciona aos aficionados dos jornais!
A leitura de jornal é um hábito democrático, porquanto não há fórmula mágica de se ler um jornal, inclusive cada leitor tem o poder de escolha na leitura das partes diferentes que constituem esse veículo de comunicação escrita. Pode o leitor começar por qualquer seção. Pode até descartar-se de outras seções. No jornal lê-se o que nos interessa e pronto.A escolha da parte que se deseja ler em primeiro lugar é um ato puramente idiossincrático.
Certa vez, escrevi uma crônica sobre o meu modo de ler jornal e sobre a minha resistência à leitura da seção de economia, que nunca achei sedutora por razões pessoais que não quero aqui levantar. Era uma implicância até insensata da minha parte, reconheço. Mais tarde, superei em parte essa ojeriza. Uma outra seção que, no meu ranking de leitor de jornal, deixava sempre por último era a dos esportes – justamente essa que é a menina dos olhos do leitor médio brasileiro.
As duas seções que mais me prendiam e ainda prendem a atenção eram a de política internacional e a dos suplementos culturais.Durante anos e anos tenho lido prazerosamente o caderno Idéias&Livros, do JB, que já passou por vários editores e o caderno MAIS! da Folha de São Paulo. Ambos ainda estão em circulação, embora o Idéias&Livros hoje tenha reduzido seu número de páginas. O Caderno Prosa & Verso de O Globo não leio com tanta assiduidade, mas o considero um bom suplemento literário e cultural.
Já possuí coleções dos três citados suplementos. Com o tempo, todavia, por falta de espaço em casa, me desfiz, com o coração partido, de centenas de números daquelas publicações. A minha vontade era de guardá-las todas. É lamentável o descarte pela simples razão de que há uma grande diferença entre a posse de matéria de pesquisa em jornal em nossa casa e a pesquisa que depende dos arquivos, bibliotecas ou instituições privadas com aquela rigorosa exigência cercando o consulente ou o pesquisador e, por vezes, até constrangendo-os. Por isso mesmo têm razão os ingleses quando dizem: “My home is my castle.”
Conheci um professor de biologia que se gabava de ler um jornal de cabo a rabo, chegando ao exagero de ler até os classificados... Isso aos domingos. Outro conhecido me confessou que, nas leituras de suplementos literários, ele fazia uma seleção de matérias e, ao longo de uma semana ou mês, ia digerindo com vagar os suplementos.
Cada leitor, por conseguinte, tem sua peculiar maneira de sentir esse prazer enorme de cultivar o espírito embalado pela sedução que é a leitura de um jornal sobretudo em fins de semana.
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