Alegria que passa
Cunha e Silva Filho
O Natal está à nossa porta e, por falar em porta, façamos como na Irlanda à véspera do Natal, quando todas as casas devem manter as portas abertas a fim de que não se repita o que aconteceu há pouco mais de dois mil anos quando Maria de Nazaré e José pediram abrigo numa das estalagens de Belém e todas elas se lhes fecharam.
De acordo com o costume irlandês – não sei se ainda hoje esse costume prevalece -, nessa data santa, as portas devem permanecer abertas, ainda que sejam nos lares mais pobres, para que a ninguém seja negado um alimento.
Este preâmbulo, por associação de ideias, me leva a um a tentativa de poesia dos meus tempos de adolescente quando mandava, aos domingos, artigos para um jornal de Teresina que mantinha uma página destinada a literatura. Era no final do ano de 1963, 25 de dezembro, um domingo. Nunca me tive como poeta, mas os jovens, no início de sua trajetória de vida literária, são afoitos, acham que podem ser tudo, inclusive, poeta. Que me desculpem, meus leitores, mas aquilo que julgava ser um poema, independente do seu nível estético, me saiu espontâneo, até rimados em parte. E sua inspiração me veio por passar muitas vezes por uma rua de Teresina onde havia um convento, creio que de capuchinhos.
Quando por lá passava, ouvia vozes, quase como se fosse um coro. Quanto ao retrato de Cristo, não sei bem se, da rua, eu avistava algum quadro de Cristo. O convento sempre me pareceu muito silencioso, místico, isolado, cheio de mistérios. Por vezes, me assombrava também. Não sei, até hoje, por quê. A fachada do convento dava para a rua Frei Serafim e, de lá se via os fundos da bela Igreja de São Benedito que, para mim, está muito ligada às minhas juvenis e românticas andanças noturnas com o meu primo, o radialista Weyden Cunha e Silva e, às vezes, sozinho.
Meu pai, um crítico severo dos meus textos, não me aprovava algum arroubo poético. Feria, entretanto, o meu orgulho de jovem que, naquela quadra da vida, teimava em ser o que não era.. Por isso, deixei de vez a minha efêmera veleidade de conquistar os favores de Hipocrene. Não pude, assim, cavalgar meu Pégaso Naquela domingo de Natal, não sei por razão, não cheguei a mandar para redação do jornal os meus arremedos de versos. Mas, não me custa trazer ao leitor aquele momento de desejo poético. Afinal, estava mal completando dezoito anos e aos jovens tudo quase se perdoa, ate mesmo a falta de talento poético. Os versos saíram assim:
Alegria que passa
Às vezes, quando passo
Por um mosteiro,
Tenho ímpetos de aço
De ser frade, padeiro.
Vejo-me a cortar pão
Fatias, faquinha na mão
A passar frugal manteiga
Como uma bolha de sabão.
Às vezes, esta vontade
É tão grande, tão forte
Qual alegria, qual sorte
De dar pão, de ser frade!
Vejo, da rua, A Última Ceia
O retrato de Cristo. Silêncio
No meio da ceia.
Vozes de monges, orando
Depois, sentados, em silêncio,
A ceia tomando
À mesma hora que Cristo.
(Para Literatura, 5ª feira, Dia de Natal,1963)
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