quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

O mistério dos livros

O mistério dos livros


Cunha e Silva Filho


- Não é possível, Lisandro, que tenha aparecido lá naquele sebo, aliás um sebo conhecido, frequentado por muita gente intelectualmente influente. O lançamento foi há um ano atrás,e lá já estão vendendo o livro pela terça parte do valor real. São vinte exemplares Quem os comprou? O Ivan não pode saber desse fato, ficará triste e, sabendo como ele é, já vai pensar que o livro não agradou por mil e um motivos que sua fantasia pode imaginar. Vai cair em depressão.
- E dá pra saber? Se você me diz que o autor, no lançamento, autografou os exemplares de todos os presentes, como é que apareceram no sebo tantos exemplares? É certo que, em quatro livrarias, o livro ainda está disponível.A tiragem foi limitada, reconheço. No lançamento compareceram umas quarenta pessoas.E você, Henrique, ainda me disse que conseguiu saber disso através de uma livraria virtual. O que me intriga é a celeridade com que os livros foram logo vendidos pro sebo. Há alguma coisa aí que não entendo. Vou descobrir quem pode ter vendido todos esses exemplares pro sebo. A obra mal passou de um ano de lançamento e já se encontra no sebo. Já ouvi falar de um fato igual a esse.Que falta de respeito para com o autor!
- Claro, tenho o hábito de pesquisar na internet, meu faro é bom e sempre tenho descoberto alguma coisa pra mim e pra meus amigos, aliás mais pros amigos, como foi o caso que estamos considerando. Mas tenho um plano, vou tentar saber como os livros esbarraram naquele sebo. Logo num único sebo vinte exemplares! Se não estiverem autografados é porque não foi nenhum dos presentes ao lançamento, tá na cara. Então, foram mesmo compradores anônimos que os adquiriram nas quatro livrarias em que estão à venda.Na semana que vem, vou a Botafogo tirar tudo a limpo.
Henrique e Lisandro eram velhos amigos do autor, desses amigos que estão sempre solidários nas horas difíceis. Henrique, também, era seu colega do magistério público estadual, professor de literatura brasileira e língua portuguesa (daí a maior afinidade que tinha com o autor) numa escola do subúrbio, em Coelho Neto. Lisandro era um amigo de conversas sobre a doutrina cardecista. Lecionava biologia no mesmo colégio que o amigo. Ambos tinham uma grande admiração pelo autor do livro que apareceu no sebo. Naquela manhã de verão, os dois estavam conversando à porta central do colégio no qual trabalhavam.
Como e por que os livro foram tão rapidamente descartados por quem os comprou, ninguém sabe. Certamente é bem provável que foram alguns dos presentes ao lançamento.Mas, então, só saberemos se os vinte livros estiverem autografados. Compraram e não gostaram, ou é leitor de ler e, depois, de descartar-se logo do livro lido. Agora, com a facilidade da internet para compra ou venda de livros nas livrarias virtuais, nem precisa de a pessoa sair de casa para fazer uma dessas duas transações. Ou o livro chega na casa de quem o comprou ou vai ser vendido por preço de banana e parar numa sebo virtual, ou não.
No caso do livro – era um livro de contos meio pornográficos, mas, segundo um crítico que o resenhou em conhecido jornal carioca, o livro tinha qualidades graças a seu bom nível literário. Era o acaso de dizer-se; o livro salvou-se pela linguagem, pela forma engenhosa de sua fabulação, pela trama bem urdida, pelos personagens finamente elaborados cheios de vida, daquele tipo que um velho critico que vivia no Meier definia como personagens “de carne e osso”. O livro, porém, no espaço de um ano, não vendeu muito. Não teve repercussão junto ao grande publico, mais afeito às facilidades de best-sellers importados.
--Lá está a livraria que procuro. Vou ver mesmo se os livros ali se encontram disponíveis. O vendedor, que se encontrava logo à entrada da livraria, veio ao meu encontro e me perguntou se queria uma ajuda. Sim, lhe disse e dele inquiri sobre o livro do meu autor e amigo:
--Olhe, eu não me lembro desse livro. Neste momento, uma vendedora logo deles se aproximou e falou ao colega de trabalho que o livro procurado estava, sim, à venda, inclusive com um exemplar numa das estantes de literatura.Os dezenove restantes estavam ainda guardados numa caixa no depósito. Ela retirou o exemplar de uma das estantes e me entregou. Logo vi que não estava autografado. Senti um alívio.Tive vontade de lhe perguntar se os outros estavam ou não autografados, mas me contive. Era algo que deveria investigar depois noutra oportunidade ainda que me tivesse prometido que iria pôr o mistério a limpo. Fiquei na dúvida como os agnósticos.
-- Que bom! exclamei com alegria e surpresa. Quanto custa?
--Dez reais. Foi então que percebi que, na minha carteira, estava apenas com o dinheiro da passagem de ônibus de volta, aliás, duas passagens teria que comprar, já que iria pegar dois ônibus.. Antes, porém, que desse na vista a minha situação embaraçosa, falei com o vendedor que passaria no dia seguinte a fim de levar o livro. Adiantei ainda ao vendedor que era amigo do autor e que ele deixasse reservado aquele exemplar pra mim, não o vendesse a ninguém. Observei que o vendedor ficou um tanto surpreso com a minha desistência de levar o livro.
À noite, em casa, Henrique telefonou pro amigo, o Ivã. Posto Lisandro fosse contrário a que Henrique contasse ao autor sobre a situação sui generis do livro, ainda assim terminou contando tudo que sabia. Relatou-lhe que havia encontrado os vinte exemplares do livro num sebo em Botafogo e que por isso mesmo estava indignado com o que soubera. Do outro lado da linha, Ivan, em silêncio, ouviu a história e não manifestou sequer uma reação, violenta ou não. Permaneceu em silêncio. Henrique despediu-se dele e, em seguida, foi ver o jornal preferido na televisão.

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