sábado, 22 de julho de 2017

O ASSUSTADOR NÚMERO DE FEMINICÍDIOS NO BRASIL



                                        “Deixem as mulheres amar à vontade.”

Lima Barreto (numa crônica de 1915)


                                                             Cunha  e Silva Filho


           Tenho acompanhado pela TV algo que me causa espécie: o crescente número de mulheres  assassinadas  pelo marido, companheiro ou namorado.A multiplicidade desses casos me leva a pensar  que as autoridades  responsáveis pela segurança  das mulheres não podem  relaxar   nessa questão. Não obstante já se possa contar com a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006, mas só aprovada pelo presidente da República em 2015) os cuidados  com as mulheres brasileiras, jovens ou mais velhas,  vítimas  de crimes  covardes e torpes, muitas vezes cometidos  por razões fúteis, devem ser aperfeiçoados e postos em prática   com  urgência, quer pelas ações das delegacias  da mulher, quer pela delegados de polícia civil.
          No tempo do escritor Lima Barreto (1881-1922)), os matadores de mulher eram chamados de “uxoricidas,” do latim uxor, que significa  mulher, esposa, e –cida, “que mata,” assassino. O escritor, por sinal, foi um dos primeiros  a levantar sua bandeira atacando os “valentões” covardes (permita-me o oximoro)  de crimes passionais.  Em crônicas ácidas e corajosas, criticava  os inúmeros  homicídios de mulheres desprotegidas.Portanto,  o feminicídio já vem sendo tema de crônicas desde as primeiras décadas do século passado, talvez antes.       
        Muitas mulheres que sofrem torturas dos seus companheiros comparecem a uma delegacia, fazem o registro de ocorrência e providências  não são tomadas  efetivamente pelos órgãos de segurança pública, particularmente  quando os maus tratos se repetem e novos  registros são  feitos junto  às delegacias. No caso de a justiça  determinar que o agressor   se afaste  da  ex-companheira  limitando  a distância  que ele deve manter  em relação a ela, a ordem judicial com frequência não é cumprida. Ao contrário,  o agressor começa a  fazer ameaças de morte  contra a ex-mulher, seja por telefone,  por celular ou por palavras ditas à distância.
        Essa desarmonia entre casais se inicia logo que a mulher não deseja mais manter  o relacionamento entre os dois e, nesse caso,  quem mais toma a decisão de separar-se é o lado feminino, ao passo que o companheiro, por sua vez,  é quase sempre aquele que não deseja a separação. Ora, como desejar reconciliar-se o homem que maltrata,  machuca e tortura a mulher? Somente se entenderia essa atitude  masculina   se consideramos que  o homem  é movido  por uma  patologia, uma vontade  de  não querer a ruptura do casal mesmo  continuando a torturar a companheira, a parte mas fraca fisicamente falando, presa fácil dos brutamontes ensandecidos pela rejeição que  ele mesmo  provocou no convívio a dois.
     Tenho observado que essa questão do feminicídio  se encontra com mais frequência em estratos mais baixos da vida social.  É óbvio que também podemos  encontrá-lo  nas camadas  médias  e mais altas da sociedade.
     O feminicídio, vocábulo formado de  dois termos, um grego, phemi, que significa “manifestar seu pensamento, sua opinião, e outro do latim de –cid/um, do mesmo  étimo –cida (mencionado acima),  pode embutir vários componentes da vida familiar e social e se afigura, a meu ver,  um fenômeno  maior  na vida  atual.
      O seu surgimento  também se entrelaça às condições de mudanças no seio  familiar, na cultura machista,   na falta de instrução  e na ausência de  formação  moral e espiritual  do indivíduo.
       Com o esfacelamento do antigo núcleo da família,  com a desagregação  do tecido  social e padrões de comportamento  desvirtuados  e de exagerada liberalidade  e licenciosidade dos costumes, repercutindo  negativamente  no relacionamento  amoroso, antes mais   sólido, mais saudável, a sociedade  de massa, envolta em tantos  problemas   e dificuldades de sobrevivência, sobretudo vivendo no meio da alta violência urbana, naturalmente vai contribuindo para o aceleramento  dessas  desarmonias  de casais, propiciando  desentendimentos,  desavenças e rompimento   dos laços amorosos antes mais duradouros.
        Vivendo numa sociedade afluente, individualista, frenética e imediatista,  pautada mais em valores  materiais e hedonistas, a que se  poderia denominar  sociedade  fundada na impessoalidade, nas desigualdades  e nas facilidades hoje franqueadas aos jovens que, bem imaturos,  principiam sua vida  sexual,  antes vigiada por pais  mais rigorosos que não admitiriam  as atuais  transformações  profundas ocorridas   nas intimidades de vida sexual dos filhos,  onde os namoros à moda antiga  praticamente estão desaparecendo entre as famílias de todas as classes econômicas, sobretudo com o advento  do uso de preservativos.
       Um olhar mais acurado sobre a questão do feminicídio nos vai permitir logo divisar outros fatores que se agregaram  ao elevado índice de violência contra a mulher,  seja adulta,  jovem, velha,  adolescente e mesmo crianças. Todas sofrem  diariamente torturas,  estupros,  lesões no corpo e na alma,  de criminosos que, destituídos de algum valores morais,  voltam-se contra elas sem dó nem piedade. Prometem assassiná-las caso  não voltem ao namoro e ao convívio, casados ou amancebados, o que é mais comum agora.
        Querem, na marra, obrigá-las a ficar com ele, elas que, de tanto padecerem em suas mãos,  já não mais os amam. O  rejeitado, quando sofrendo de algum  desequilíbrio mental, com frequência  um psicopata, um desajustado ou meramente um indivíduo  cruel,    não as  perdoa.  Persegue-as quando veem que elas não mais  o amam mais e, em alguns caso,   já até encontraram  um outro  relacionamento outro, um   amor em suas vidas. É nesse ponto,   que o criminoso, o feminicida, consegue uma maneira de  pôr fim à vida da ex-companheira.
       Fatores outros há que concorrem para essa onda de assassinios de mulheres: a impunidade das leis brasileiras. O facínora, sabendo que não  será punido  com uma longa  prisão e de forma integral,  se vê estimulado a dar cabo  de mulheres por considerá-las como  objeto de posse, dono do destino  feminino e senhor absoluto do poder machista.
       Não podemos, da mesma forma,   desprezar o fato de que tais crimes contra as mulheres se devem - cumpre  reiterar – à falta de instrução da população  masculina, desigualdades sociais,  miséria, desemprego,   ausência de formação  moral e dissolução da família.
      Por outro lado,  agrava ainda a questão do feminicídio a circunstância de que os relacionamentos não mais se sustentam  por muito tempo. As opções feitas por ambos os parceiros se dão em  clima de  improviso, de falta de orientação das mulheres, de amadurecimento maior   e de cultura.  
     As decisões sobre o sentimento amoroso são intempestivas,  não veem bem  com quem estão começando um namoro ou um projeto de vida a dois  estribado   na sinceridade,  na troca  de  conhecimento de um para outro e bem aconselhados no seio da família. Sem referências da família,  as jovens escolhem mal e, ao se portarem assim,  não demora que   desavenças comecem a irromper, com brigas,  insultos mútuos,  e agressões físicas  ou verbais. Perdendo o respeito de um para o outro,  dificilmente o casal  terminará bem sua vida amorosa.

     O feminicídio é parte substancial na escalada da violência  que toma conta  da sociedade  brasileira  e a solução a todas essas diferentes  manifestações de violência  demandam um refundação  de valores éticos,  culturais, sociais,  econômicos  educacionais  e  aos quais  não deve estar ausenta a dimensão  espiritual, a transcendência, o cultivo do humanismo adaptado aos tenebrosos  tempos  pelos quais atravessamos sob a ameaça  constante   de todos os males assinalados  linhas atrás.       

Nenhum comentário:

Postar um comentário