CUNHA E SILVA FILHO
O Brasil e o mundo são cheios de contradições que não deixam de
nos surpreender à medida que envelhecemos. Não quero, contudo, falar do mundo, esse “vasto mundo”
drummondiano. Quero me restringir ao meu país, do qual tenho mais conhecimento.
Dito isso, quero falar aos que me leem
de leitores de jornais e de suas idiossincrasias, preferências, aversões,
indiferença, desistências, não como resultado de pesquisas de campo ou de estudos com
estatísticas, gráficos
complicados etc. Simplesmente fazer
alguns comentários a respeito do assunto
que, aliás, sempre me fascinou.
Creio que não
estou sozinho nessa visada sobre leitura
de jornal. Vou me guiar apenas pelo que posso observar no tempo, nos anos, na minha própria
experiência como leitor da velha guarda. Vou começar dizendo que professores da
área de Letras já declararam, em diversas ocasiões, em sala de aula ou
mesmo em entrevistas, que os alunos, mesmo os de Letras, estão lendo cada vez menos. Se realmente essa
é a realidade presente, como é que vemos tantas feiras de
livros, encontros de autores com
leitores, rodas de leituras, surgimento de tantos autores nos diversos domínios da literatura, leitores-mirins,
juvenis, adultos, idosos? E isso no país todo.
Mas alguém pode
me perguntar: “Você fugiu do assunto do artigo.” Realmente, estou fugindo, mas não tanto porque há e
houve sempre uma relação íntima entre a literatura e o jornal. O próprio jornal, hoje em
dia, por vezes, tem algum espaço, ainda que magro, para a literatura.
De resto, a
literatura no país esteve sempre de mãos dadas com o jornal, desde os tempos em que se
publicavam os velhos folhetins, romance
ou “novela em folhetim” (roman feuilleton), conforme prefere
nomeá-los Massaud Moisés (Dicionário de termos literários, São
Paulo: Cultrix, 6 ed., 1992, p.231-231) com capítulos publicados semanalmente, ansiosamente
aguardados por leitores compostos
sobretudo de mocinhas
românticas do século XIX que se deliciavam com as histórias de
amantes apaixonados, no auge do Romantismo
brasileiro, narradas por Joaquim Manuel de Macedo ( 1820-1882), José de
Alencar (1829-1877) e, mais remotamente,
no início da ficção nacional, com as aventuras rocambolescas, de tipos sociais populares,
alguns marginalizados, que aparecem nos folhetins de
Teixeira e Sousa (1812-1861), autor de O
filho do pescador (1843).
Esse tipo
de modalidade literária viera da França
e teve como seu mais celebrado autor
Eugène Sue (1804-1957), estreando tal novidade com a obra Les
mistères de Paris (1842-1842), em dez volumes. Na Inglaterra, também teve
voga. Porém, foi na França que contou com seus grandes cultivadores, Honoré de Balzac
(1799-1850) e Alexandre Dumas, pai (1802-1870).
No século XX
esses folhetins encontrariam substitutos, como a telenovela, às quais o crítico
Afrânio Coutinho (1911-2000) considerou, devido às suas possibilidades estéticas e comunicativas,
amalgamando em si os gêneros do “antigo
folhetim, da ficção, do teatro e do cinema”
um novo gênero literário, uma espécie de folhetim-eletrônico (Apud SOUSA DANTAS, José Maria de. Didática da literatura. Rio de Janeiro:
Ed. Forense-Universitária,1982, p.181-183). Entre os anos 1950 e 1960, aproximadamente, caíram muito no gosto popular as revistas de conteúdo romântico,
piegas, que deliciavam as
adolescentes e até mesmo alguns rapazinhos
ávidos de todo tipo de leitura. Tornaram-se famosas revistas como “Capricho,”
“Grande Hotel,” “Ilusão” e outras em tempos em que não havia a televisão
em capitais mais atrasadas do país.
Eu mesmo, conforme
narrei no meu livro Apenas memórias (Rio
de Janeiro: Quártica, 2016), fui
leitor assíduo dessa publicações e não tenho constrangimento de
afirmar isso, já que, para mim,
até leituras consideradas subliteratura
prestam, de alguma maneira, um
serviço de aprendizagem e de experiência humana, principalmente porque essas
fotonovelas, tanto quanto os quadrinhos de Tarzan, de Super-homem, Mandrake, Homem-Aranha, Batman
e de outros grandes heróis dos
quadrinhos, não obstante usando a linguem escrita, eram
enriquecidos por belas
ilustrações, algumas coloridas, com os balões
informando o pensamento dos personagens, as tirinhas indicando as falas destes últimos, o que, de alguma forma, constituíam
complementos técnicos, gráficos, pictóricos que as aproximavam do cinema e de outras formas de comunicação
da indústria cultural.
Ganhou
também a comunicação do
entretenimento de massa pelo fato de que
algumas de suas modalidades foram acolhidas
para o corpo do jornal. No entanto,
não perdi de vista o fio condutor
que intento associar ao jornal e aos leitores deste veículo escrito ou virtual. Para deixar bem claro, tomo o
sentido de jornal nesta discussão como
veículo impresso, vendido nas bancas de
praças ou de shoppings ou mesmo nas calçadas
de uma cidade. Ou seja, tenho em conta
a concretude, a materialidade do
jornal, que osso usar, pegar como as minhas mãos, descartar partes que não me interessam e
lê-lo num dia ou em mais de um dia, inclusive dele fazer
recortes para pastas de arquivos.
O que mais me
chama atenção nos leitores de jornais é um fato
que tenho verificado nos últimos tempos: as pessoas não mais leem
tanto jornais, como se fazia
habitualmente em tempos idos.
Uma vez, uma pessoa culta,
refinada , ainda jovem me falara
que não mais se interessava por ler artigos, editoriais, cadernos de culturais, suplementos
literários etc. Fiquei
perplexo a ponto de falar com meus
botões: “Mais é isso mesmo o que está acontecendo,
ninguém quer mais ler aquilo que
faz pensar, que
nos exige a reflexão, o interesse pelas grandes questões, pelos problemas que afligem o nosso país e o
mundo globalizado? Meus Deus, estamos perdidos?” Foi aí que me veio a ideia
de listar tipos diferentes de leitores de jornais, que
abaixo relaciono:
1.
O leitor de política nacional;
2.
O leitor de notícias, reportagens e crônicas de esporte, sobretudo o futebol, aqui no
Brasil;
3.
O leitor de política internacional;
4.
O leitor de classificados;
5.
O leitor de
cadernos culturais;
6.
O leitor de articulistas e de cronistas;
7.
O leitor de páginas do colunismo social;
8.
O leitor de manchetes;
9.
O leitor da seção de economia;
10.
O leitor que protela a leitura para o dia seguinte e
vai protelando até que não mais consegue ler aquela edição e guarda o jornal
num determinado lugar de sua casa;
11.
O leitor que só lê
jornal duas vezes por semana, ou por três vezes, quatro vezes, cinco vezes, seis vezes e deixa para ler o jornal
só nas edições de domingo quando teria
tempo para pôr em
dia algumas notícias;
12.
O leitor que fila jornal dos outros;
13.
O
leitor-jornaleiro que não lê jornal;
14.
O leitor que compra
jornal ou faz uma assinatura e não lê nada nas duas situações.
15.
O leitor que não lê alguns jornais por não acreditar
na ideologia imprimida ao jornal;
16.
O leitor, em
geral intelectualizado, que afirma ler três ou quatro jornais por dia...;
17.
O leitor que não gosta de jornal;
18.
O leitor que quer ler o jornal, mas não tem
dinheiro para comprá-lo;
19.
O leitor que não
compra alguns jornais porque diz que não vai entender o conteúdo
do periódico;
20.
O leitor que só gosta de ler jornais em outra língua
por ser um suposto highbrow;
21.
O leitor que só lê os jornais considerados de massa, com uma linguagem mais
palatável e sem a complexidade intelectual dos chamados jornais das elites, da burguesia e classe média
letrada.
22.
O leitor queda
um tempo para a leitura de um certo
colunista ou mesmo para outros, e, depois, volta à leitura deles.
23.
O leitor que não mais lê jornais impressos, mas foi
conquistado pela leitura virtual.
Poderia, se
o quisesse, listar mais outros tipos de
leitores de jornais, contudo, vou
terminando aqui mesmo. Porém, antes veja
o leitor em qual/quais das situações
acima se encaixaria. Não lhe estou pedindo que me revele o resultado de sua escolha. Enquanto isso,
fique o leitor pensando nesse assunto que me é tão caro e sério. Em
antigos artigos sobre a relação entre
leitor e jornal, já expus o que pensava e penso sobre o tema,
inclusive sobre as minhas preferências
e desinteresses.
Estou pensando naquela recomendação que, um
dia, li em Antonio Candido (1918-2017), segundo a
qual o grande crítico nos aconselhava a ler jornais com constância.
Só teríamos a lucrar com isso do ponto
de vista cultural e até para melhorar a
nossa própria expressão escrita,
inclusive seria saudável aos escritores. Boas leituras de jornais, pois, ó caro
leitor!
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