quarta-feira, 12 de julho de 2017

LEITORES DE JORNAIS PARA TODOS OS GOSTOS E OS AUSENTES



                                                                                                        CUNHA E SILVA FILHO

        O Brasil e o mundo são cheios de contradições que não deixam de nos surpreender à medida que envelhecemos. Não quero, contudo,  falar do mundo, esse “vasto mundo” drummondiano. Quero me restringir ao meu país, do qual tenho mais conhecimento. Dito isso,  quero falar aos que me leem de leitores de jornais e de suas idiossincrasias, preferências,  aversões,  indiferença, desistências, não como resultado  de pesquisas de campo ou de estudos  com  estatísticas,  gráficos complicados  etc. Simplesmente fazer alguns comentários  a respeito do assunto que, aliás, sempre me fascinou.
    Creio que não estou sozinho  nessa visada sobre leitura de jornal. Vou me guiar apenas pelo que posso observar  no tempo, nos anos, na minha própria experiência como leitor da velha guarda. Vou começar dizendo que professores da área de Letras já declararam, em diversas ocasiões, em sala de aula ou mesmo  em entrevistas,  que os alunos, mesmo os de Letras,  estão lendo cada vez menos. Se realmente essa é a realidade  presente,  como é que vemos tantas feiras de livros,   encontros de  autores com  leitores, rodas de leituras, surgimento de tantos  autores nos diversos  domínios da literatura, leitores-mirins, juvenis, adultos, idosos? E isso no país todo.
   Mas alguém pode me perguntar: “Você fugiu do assunto do artigo.” Realmente,  estou fugindo, mas não tanto porque há e houve sempre  uma  relação íntima entre a literatura  e o jornal. O próprio jornal, hoje em dia,  por vezes,  tem algum espaço, ainda que magro,   para a literatura.
     De resto, a literatura no  país esteve sempre  de mãos dadas com  o jornal, desde os tempos em que se publicavam os velhos folhetins,   romance  ou “novela em folhetim” (roman feuilleton), conforme prefere nomeá-los  Massaud Moisés (Dicionário de termos literários, São Paulo: Cultrix, 6 ed., 1992, p.231-231) com capítulos publicados semanalmente, ansiosamente aguardados  por leitores compostos sobretudo  de   mocinhas  românticas  do século  XIX que se deliciavam com as histórias de amantes apaixonados, no auge do Romantismo  brasileiro, narradas por Joaquim Manuel de Macedo ( 1820-1882), José de Alencar (1829-1877)  e, mais remotamente, no início da ficção nacional, com as aventuras rocambolescas, de tipos sociais populares, alguns   marginalizados, que aparecem nos folhetins de Teixeira e Sousa (1812-1861), autor de O filho do pescador (1843). 
       Esse tipo de modalidade  literária viera da França e teve como seu mais  celebrado  autor  Eugène Sue (1804-1957), estreando tal novidade com  a obra Les mistères de Paris (1842-1842), em dez volumes. Na Inglaterra, também teve voga. Porém, foi na França que contou com seus grandes cultivadores, Honoré de Balzac (1799-1850) e  Alexandre Dumas,  pai (1802-1870).
      No século XX esses folhetins encontrariam substitutos, como a telenovela, às quais o crítico Afrânio Coutinho (1911-2000) considerou, devido às suas  possibilidades estéticas e comunicativas, amalgamando  em si os gêneros do “antigo folhetim, da ficção, do teatro e do cinema”   um novo gênero literário, uma espécie de folhetim-eletrônico (Apud  SOUSA DANTAS, José Maria de. Didática da literatura. Rio de Janeiro: Ed. Forense-Universitária,1982, p.181-183). Entre os anos  1950 e 1960, aproximadamente,  caíram muito no gosto  popular as revistas de conteúdo  romântico,  piegas, que deliciavam  as adolescentes e até mesmo alguns rapazinhos  ávidos de todo tipo de leitura. Tornaram-se  famosas revistas como  “Capricho,”  “Grande Hotel,” “Ilusão” e outras em tempos em que não havia a televisão em capitais mais atrasadas  do país.    
   Eu mesmo, conforme narrei no meu livro Apenas memórias (Rio de Janeiro: Quártica,  2016), fui leitor  assíduo dessa  publicações e não tenho   constrangimento  de  afirmar isso, já que, para mim,  até leituras  consideradas  subliteratura  prestam, de alguma maneira,   um serviço de  aprendizagem e de experiência  humana, principalmente porque essas fotonovelas, tanto quanto os quadrinhos de Tarzan, de Super-homem,  Mandrake, Homem-Aranha,  Batman   e de outros grandes heróis dos quadrinhos,  não obstante  usando a linguem escrita,   eram  enriquecidos  por belas ilustrações, algumas coloridas,  com  os balões  informando  o pensamento  dos personagens, as tirinhas  indicando as falas   destes últimos, o que, de alguma forma,  constituíam  complementos técnicos, gráficos, pictóricos que as aproximavam  do cinema e de outras formas de comunicação da indústria cultural.
    Ganhou também  a comunicação do entretenimento  de massa pelo fato de que algumas de suas modalidades  foram  acolhidas  para o corpo do jornal. No entanto,  não perdi de vista o fio condutor  que intento associar ao jornal e aos leitores  deste veículo escrito ou  virtual. Para deixar bem claro,  tomo  o sentido de jornal nesta discussão  como veículo  impresso, vendido nas bancas de praças  ou de shoppings ou mesmo  nas calçadas  de uma cidade. Ou seja, tenho em conta  a concretude, a materialidade  do jornal,  que osso usar, pegar  como as minhas mãos,  descartar partes que não me interessam e lê-lo  num dia ou  em mais de um dia, inclusive dele fazer recortes  para pastas de  arquivos.
     O que mais me chama atenção nos leitores de jornais é um fato  que tenho verificado nos últimos tempos: as pessoas  não mais leem  tanto jornais, como se fazia  habitualmente   em tempos idos. Uma vez,  uma  pessoa culta,  refinada , ainda jovem me falara  que não mais se  interessava  por ler artigos,  editoriais, cadernos de culturais,  suplementos  literários   etc. Fiquei perplexo  a ponto de falar com meus botões: “Mais é isso  mesmo o que está acontecendo, ninguém quer mais ler  aquilo  que  faz  pensar,  que  nos exige  a reflexão,  o interesse pelas grandes questões,  pelos problemas que afligem o nosso país e o mundo globalizado? Meus Deus, estamos perdidos?” Foi aí que me veio a ideia de  listar  tipos diferentes de leitores de jornais, que abaixo  relaciono:

1.    O leitor de política nacional;
2.    O leitor de notícias, reportagens e crônicas  de esporte, sobretudo o futebol, aqui no Brasil;
3.    O leitor de política internacional;
4.    O leitor de classificados;
5.    O leitor  de cadernos  culturais;
6.    O leitor de articulistas e de cronistas;
7.    O leitor de páginas do colunismo  social;
8.    O leitor de manchetes;
9.    O leitor da seção de economia;
10. O leitor que protela a leitura para o dia seguinte e vai protelando até que não mais consegue ler aquela edição e guarda o jornal num determinado lugar  de  sua casa;
11. O leitor que só lê  jornal duas vezes por semana, ou por três vezes,  quatro vezes, cinco  vezes, seis vezes e deixa para ler o jornal só nas edições de domingo quando  teria tempo  para  pôr  em dia algumas notícias;
12. O leitor que fila jornal  dos outros;
13.  O leitor-jornaleiro  que não lê jornal;
14. O leitor que compra  jornal ou faz uma assinatura e não lê nada nas duas situações.
15. O leitor que não lê alguns jornais por não acreditar na ideologia  imprimida ao jornal;
16. O leitor,  em geral  intelectualizado,  que afirma ler três ou quatro jornais  por dia...;
17. O leitor que não gosta de jornal;
18. O leitor que quer ler o jornal,  mas não tem  dinheiro  para comprá-lo;
19. O leitor que não  compra  alguns jornais porque  diz que não vai entender  o conteúdo  do periódico;
20. O leitor que só gosta de ler jornais em outra língua por ser um suposto  highbrow;
21. O leitor que só lê os jornais considerados  de massa, com uma linguagem  mais  palatável e sem a complexidade intelectual  dos chamados jornais  das elites, da burguesia e classe média letrada.
22.  O leitor queda um tempo  para a leitura de um certo colunista  ou mesmo  para outros, e, depois,  volta à leitura deles.
23. O leitor que não mais lê jornais impressos, mas foi conquistado pela leitura virtual.

Poderia, se o quisesse,  listar mais outros tipos de leitores de jornais, contudo,  vou terminando  aqui mesmo. Porém, antes veja o leitor em qual/quais  das situações acima se encaixaria. Não lhe estou pedindo que me revele o resultado de  sua escolha. Enquanto  isso,  fique o leitor pensando nesse assunto que me é tão caro e sério. Em antigos artigos sobre a relação  entre leitor e jornal,  já  expus o que pensava e penso sobre o tema, inclusive sobre as minhas preferências  e  desinteresses.
         Estou pensando naquela recomendação que, um dia,  li em Antonio Candido (1918-2017), segundo a qual  o grande crítico  nos aconselhava a ler jornais com constância. Só teríamos a lucrar com isso  do ponto de vista  cultural e até para melhorar a nossa própria  expressão escrita, inclusive seria saudável aos escritores. Boas leituras de jornais, pois, ó caro leitor!

      
      
      
     

   

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