quinta-feira, 8 de setembro de 2016

NOS SEBOS DO RIO DE JANEIRO







                                                                       Cunha e Silva Filho

          Na segunda metade dos anos 1960,  época em que iniciara a graduação em Letras, comecei a frequentar os sebos  cariocas. No Rio havia, então,  muitos  e muitos sebos espalhados, principalmente  pelas ruas do Centro. O número era tão grande que dois professores da UFRJ,  publicaram duas obras  informativas  acerca desses  sebos. A primeira foi a do professor de literatura brasileira,  Wellington de Almeida Santos, que foi meu orientador no Mestrado.  O opúsculo foi  lançado justamente em 1991, quando era seu aluno.  Tem por título  Guia comentado dos sebos do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro:UFRJ, 1992, 38 p.). 
        Este Guia é precedido de uma elucidativa  “Apresentação,” na qual   aquele professor  dá as razões da organização do livrinho.  E, o mais curioso  é que,  pela primeira vez tomei conhecimento  do termo  “sebo” para significar  livro antigo destinado à venda.
        Assim, o professor Wellington, recorrendo à  informação contida no livro de Memórias do Visconde de Taunay, faz uma pequena citação que esclarece  esse ponto. Os antigos vendedores de livros usados eram  chamados de “caga-sebo.” Eles eram os mais  antigos  livreiros  desse  comércio de livros. Taunay, portanto,  registrou  esse primeiro  vendedor, entretanto, não nos falou  do nome dele, apenas acena para a data em que ocorreu  o fato histórico, que é o ano de 1856.
        Mais adiante,  o professor Wellington,  estendendo suas observações, acresce ainda que,  com o tempo,  a forma composta “caga-sebo’ reduziu-se, por eufemismo,  ao termo “sebo.” Este, sozinho, perde o sentido  pejorativo da primitiva  forma composta.
        Devo  anotar aqui  que o pequeno  livro  do meu  ex-professor teve a colaboração do professor  e hoje  membro da Academia Brasileira de Letras, Antonio Carlos Secchin, também meu ex-professor de literatura brasileira  no Doutorado..  Foi de Secchim que surgiu a ideia de organizar uma publicação dessa natureza. De resto, o próprio Secchin, posteriormente,  lançou seu  Guia de sebo das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo ( Rio de Janeiro: Nova Fronteira,  do Rio de Janeiro e São Paulo 4 ed.rev. e ampliada, 2003, 166 p.).
        A edição de Secchim inclui ainda no volume 15 cidades brasileiras. Além disso, a enriquece uma “Apresentação do Editor” que, de forma erudita,  dá novas  sentidos e origens ao termo “sebo”. E mesmo ao composto “caga-sebo.”
       O que, porém, mais me leva ao passado de, pelo menos,  4 décadas,  era o contentamento  de, naqueles  tantos anos,  entrar nos sebos,  ir até às prateleiras  c cheiro de livro  velho, ver as seções que me interessavam  mais, ou seja, as que diziam  respeito a línguas estrangeiras(algumas no original),  literatura  brasileira, teoria literária,  linguística, filologia, língua portuguesa, língua inglesa, francesa, espanhola,  latina, de outras literaturas  ocidentais,  de romances  brasileiros sobretudo, de gramáticas portuguesas.
       Ficava encantado quando me deparava com um a obra que me parecia  de grande utilidade aos meus estudos. Algumas eram verdadeiros achados. Como eram mais  baratos,  não deixava de comprar uns três ou quatro  volumes  sempre que dava uma passada naquele sebo durante anos. Ainda guardo comigo  várias obras, algumas raras de se encontrarem hoje, a não ser se contarmos com a sorte  nas chamadas  livrarias  virtuais.
      Dos muitos sebos cariocas   o que  mais  visitei foi o que se originou da Livraria  São José, do antigo proprietário, o  livreiro conhecido Carlos Ribeiro (ex-funcionário da velha Livraria  Quaresma) junto com o seu sócio, Walter Alves da Cunha, que depois se separaram.
     A Livraria   São José foi também, por algum tempo,  editora. Em tempos que não os meus,  a Livraria São José era um point famoso de encontro de altos  intelectuais cariocas e de  talentosos  escritores  vindos de outras regiões do país, sobretudo do Norte e Nordeste.
    Tempos de Manuel  Bandeira,Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles,  Gilberto Freyre  Graciliano Ramos,  José Lins do Rego, Jorge Amado,  Raquel de Queiroz, entre tantos outros.Até escritores  do porte de Ferreira de Castro,  Miguel Angel Astúrias ( prêmio Nobel de Literatura), Neruda( também Nobel de Literatura). O local  não era somente visitado por  escritores,  jornalistas,   cronistas,   críticos, mas também  por  presidentes da República,  políticos em evidência ..
   Tempos também  de memoráveis lançamentos  de livros de grandes escritores brasileiros. A instalação da livraria  São José se deu em 1939. Antes ela, abrigava a antiga Livraria Briguiet. Nos anos 1980 a Livraria São José  foi considerada como “o maior  sebo da América Latina.”   No seu apogeu(anos de 1947 a 1967),  além da loja-matriz  na Rua  São José, nº 38, a livraria dispunha de mais três  lojas na mesma rua, nos números  40, 42 e 70.s..
   Sendo a Livraria situada na própria Rua São José,  desconfio de que a razão social do ramo de livros se deve também por contiguidade e aproximação física com a bela Igreja de São José, na qual  meu filho  Francisco Neto se casou.  Aquele entorno  no passado se chamava Morro do Castelo, o qual foi demolido, sofrendo, com o tempo, completa modificação  paisagístico-arquitetônica.
  As lembranças da Livraria São José são do tempo em que  conheci  um dos seus funcionários,  o Germano, que  ali  começou a trabalhar bem moço, como funcionário do Carlos Ribeiro, citado  acima. Quem me apresentou  ao Germano foi a minha  mulher, na época, minha  namorada. Era no tempo  em que iniciara o meu curso de Letras.
  Elza, que estudava química na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi), da antiga Universidade do Brasil,  uma vez foi apresentada ao Germano por outras colegas da Faculdade que já eram  compradoras  da São José e muito bem  atendidas  pelo Germano,  vendedor  da preferência  delas.
  Os áureos tempos da São José foram declinando, Carlos Ribeiro faleceu. A Livraria deu  origem, mais tarde,  ao sebo da São José.  Carlos Ribeiro, afetivamente chamado de “Carlinhos,”  com o agravamento financeiro da livraria e já com a saúde bem abalada em razão das péssimas finanças da livraria, decidiu vendê-las  a seus ex-bons funcionários, sendo o  Germano  um deles.Os outros dois eram o Carlos dos Santos Ribeiro e o Adelbino de Marins Spíndola.
  Em seguida,  a Livraria passou à condição privilegiada de ser um bom   sebo, mas não mais  funcionava na Rua São José. mudou-se, primeiro,  para a Rua  do Carmo,  bem perto do antigo endereço. Desse endereço, após algum tempo, transferiu-se para a Rua 1º de Março, igualmente no Centro.
  O sebo era mais especializado em obras jurídicas, mas tinha ainda um   acervo  de muita  importância nas seções de línguas estrangeiras, didáticas ou não, dicionários de alta relevância,  e um  número grande de obras  em várias literaturas.Em todo esse tempo,  não deixei de ir ao sebo São José.
  Uma circunstância que não deveria  esquecer de comentar. Elza, ao referir-se ao Germano, sempre  o chamava de Seu José,  levada seguramente por associação de ideias   e pela proximidade com o nome da antiga Livraria São José.  De tanto  visitar ao sebo da São José, com o tempo  estreitei amizade com o Germano que, além disso,  me fazia sempre um  bom  desconto  nas compras de livros.
  Germano me contava, nos últimos anos,  que o aluguel da loja  para o funcionamento  do sebo estava cada vez mais caro com as mudanças econômicas  havidas no país e isso ia num crescendo a ponto de atingir situação  ainda mais  delicada para destino das livrarias de sebos que começaram a  fechar as portas de forma crescente.O curioso é que não só os sebos sofreram   os embates  de crise econômica,  mas as próprias livrarias  mais conhecidas  que não vendiam  livros  usados. Do Centro  várias  boas e excelentes livrarias  fecharam as portas. 
  Germano  teve que praticamente interromper os negócios do sebo do último  endereço  na 1º de Março. A situação ficou insustentável. Vendeu o estoque quase por inteiro. Ficou apenas com  uma parte do acervo  de livros  jurídicos, obras raras nessa área. Fez sua mudança novamente. Obrigado pela crise, alugou umas salas pequenas na Rua da Quitanda,  nº 67, Sala 402.
   Germano, diante da grave crise dos sebos e mesmo  do fechamento de grandes e luxuosas livrarias do Centro,   a fim de sobreviver,teve que entrar no meio digital da venda de livros, associando-se ao conglomerado chamado de Livraria Virtual.   
  O costume de ir aos sebos é bem antigo. Escritores, estudantes, pessoas  interessadas em cultura habituaram-se às visitas   nos sebos.Acredito, porém,  que hoje, com a venda de livros usados via internet, os sebos ao vivo estão em franca decadência., com baixas sensíveis nas vendas.  
    As vendas virtuais, segundo me informaram,  estão dando mais lucros, Mudanças de tempos e de hábitos, ainda com a concorrência dos e-books, dos downloads de livros  nos tablets,  nos celulares  de alta potência e complexidade.
       Eu perguntaria a mim mesmo: “Está satisfeito com isso? Não.” Sinto nostalgia? Sim.” Sobretudo do tempo  de estudante de Letras e, depois,  mesmo do tempo  em que iniciara, muito jovem, o magistério. Comprei muitos livros. Achava-os, naqueles tempos,  mais baratos. Hoje, penso que os livros usados se valorizaram e, por isso,  são mais caros, sobretudo algumas obras que ficaram  raras.
     Não é só o prazer de comprar esses livros usados que nos faz ir aos sebos. Há o prazer de encontrar uma obra que há tempos procurávamos. Eureka!”Além disso, é agradável quando podemos travar um bom relacionamento com o livreiro, principalmente quando ele tem bom humor, é solícito, dá bons  abatimentos que nos contentam e, sem nenhuma dúvida, nos fazem ali sempre voltar com alegria.
     Nos  apegamos às vezes a um sebo como foi o meu caso e o de minha família com o do Germano. Não há como não visitá-lo a fim de verificarmos se o estoque possui o que procuramos. O ideal seria se todos pudéssemos ter o mesmo  sebo e desfrutar  do convívio com o livreiro amigo e camarada, além da felicidade de encontrar o livro desejado. Ah, velhos sebos de outrora!   
    
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