quinta-feira, 30 de junho de 2016

ALGUNS AUTORES SÓ QUEREM ELOGIOS, NÃO A CRÍTICA




                                   Cunha  e Silva Filho


         O locus da crítica literária pelo menos do país  anda um tanto  cabisbaixo. Longe está dos antigos rodapés impressionistas, alguns até de grandes  méritos, dos anos ferozes de  1930, 1940, 1950, até princípios dos anos 1960. São muitos os nomes, mas os mais conhecidos e afamados eram os de Agripino Grieco (em atividade  crítica mais remota), Tristão de Athayde, Álvaro Lins,  Sérgio Buarque de Hollanda, Antonio Candido,  entre muitos outros bons leitores e analistas  da obra literária.
       Veio, então,  o crítico Afrânio Coutinho, nos anos  1940, trazendo dos Estados Unidos, onde estudara,  novidades e promessas de mudanças nos velhos hábitos  críticos, procurando  implantar entre nós o resultado de seus estudos, naquele país, sobretudo, na Universidade de Colúmbia,  de teoria literária, história  literária e crítica literária, tendo como mestres, entre outros, René Wellek e Austin Warren,  Roman  Jakobson (este  da corrente   formalista  russa), entre outros  autores do new criticism  norte-americano.
         A mudança que  Coutinho desejava para os estudos  literários e críticos  resumia-se no que denominava de Nova Crítica, uma abordagem adaptada por ele, aos avanços da crítica  literária, a qual tinha como seu primado na apreciação, análise e interpretação do  fenômeno  literário os valores estéticos  do texto, ou melhor, os valores intrínsecos, o seu aspecto formal, mobilizando para a crítica a contribuição  dos elementos  constitutivos da literatura ao contrário do Impressionismo, pensamento crítico mais alicerçado no gosto estético, na cultura geral, na impressão  provocada no crítico pela obra literária.
           O alvo mais premente da Nova Crítica seria desalojar  o Impressionismo muito forte ainda na vida intelectual  brasileira e que tinha como sua figura-chave o crítico Álvaro Lins, chamado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade de o “Imperador  da Crítica.”
         O  Impressionismo  se impregnava  da subjetividade do crítico. Interessava-lhe a questão do gosto estético e as causas e consequências de fatores  extrínsecos (psicológicos, filosóficos,sociológico, históricos, personalidade literária do crítico).
          O veículo com que contava, então, o crítico  impressionista era o jornal, através de uma coluna a  que chamavam  de rodapé e, daí, crítica de rodapé. Álvaro Lins era a figura mais incensada nos anos 1940 e 1950, sobretudo.
           Coutinho se opunha a esse tipo de crítica que analisava livros no calor da hora, quer dizer,  as obras que eram lançadas se tornavam logo objeto dos críticos impressionistas em publicações semanais. Para Coutinho, que contraditoriamente,  usava o rodapé de jornais,  esse tipo de crítica não passava do que na América se chamada de review. Para ele,  a crítica  literária  teria que ser feita em outros espaços, o livro,   a cátedra, a monografia, a dissertação,   a tese na universidade. Por outras palavras,  Coutinho opunha a crítica de rodapé à crítica universitária.Ele próprio alegava que a análise de uma obra pressupunha maior tempo,  maior  pesquisa,  bibliografia,   método crítico, antiamadorismo.
          Decerto Coutinho travou uma batalha sem trégua contra o Impressionismo.Daí ter mantido uma “briga feia” com Álvaro Lins. Houve exageros de ambas as partes. A crítica de rodapé, nas mãos de um  grande crítico, como foi o caso de Lins, teve acentuada  aceitação. Lins era muito conhecido e respeitado  pelos seus pares.  Era  crítico  exigente e polêmico. Além disso,   fora  também  professor catedrático de literatura do  Colégio Pedro II e, mais tarde,  lecionou  na Universidade de Lisboa e exercia o seu ofício  com muita  vitalidade, com muita consciência  atual   da obra literária.  
        Fundamentado nas leituras profundas dos  grandes críticos franceses, como Sainte-Beuve, Anatole France,  e, depois,  familiarizado-se com a crítica anglo-americana, Lins  permaneceu sempre atento  ao que se produziu nos grandes centros  do mundo  em matéria  de crítica  e de autores de renome. Não foi, pois, um crítico  impressionista à la lettre. Se não fosse pela morte prematura,  seguramente  se enquadraria   numa das correntes  modernas do pensamento crítico ocidental.Sua produção, nos últimos anos de atividade  crítica em livro,  sinalizava  mudanças  e renovação  de suas ideias sobre literatura e abordagens críticas..
           Coutinho, tal como Lins,  primeiro foi  professor de literatura do Colégio Pedro II, em seguida,  alçou-se à cátedra universitária,  tornando-se   professor titular de Literatura Brasileira  da antiga Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, depois chamada Universidade Federal do Rio de Janeiro.
        Sua atividade de crítico,  depois combinada  com a de historiador literário, foi fecunda e podemos afirmar  que foi a ele que devemos hoje os avanços  nos estudos literários    sob  enfoques modernos,  a introdução da disciplinas teoria literária, a atualização  da crítica  literária e da historiografia literária. Foi, pois, um renovador  desses estudos  no país  nos níveis médio e universitário.
      Tendo neste artigo feito uma   digressão histórica num recorte e exposição  bastante esquemáticos, quase de passagem, de duas correntes do pensamento  crítico  do passado mais recente, devo  chamar a atenção para um novo  e ao mesmo  tempo  velho problema com que se defronta quem  se atreve  ainda ao exercício da crítica  literária  atualmente.
        De resto, em obra (ver Literatura nos jornais: a crítica literária dos rodapé às resenhas. São Paulo: Summus,  2007)   de  pouca extensão mas de profunda   reflexão, a ensaísta,  Cláudia Nina discute essa questão da antiga review e da sua correspondente hoje resenha literária em jornais, observando ela que o antigo  tom  polêmico  na crítica arrefeceu drasticamente.
        Ora,  tentando  explicitar  as palavras dela, o que está acontecendo é a ausência, nas resenhas críticas, da contribuição  do papel do julgador, no sentido  de seriedade de analista e crítico  de uma obra,  o qual  hoje apenas  faz sua resenha (evidentemente há exceções) de maneira a não se ater aos pontos fracos e falhos de uma livro, dando-nos  a impressão de que  todos  escrevem obras boas, seja na ficção, seja na poesia especificamente.
        O  velho Lins (empregado o termo "velho" no sentido do tempo histórico decorrido),  numa passagem de um de seus livros, afirmou: “[...] o ato de  tudo  aceitar  como de tudo negar,  não é um ato  de crítica.  É um ato de positiva  ou negativa apologia, e só  [....].”  Pelo que se está  vendo nos dias que correm, o que se lê, nas seções de literatura dos jornais em geral,  não é crítica. Quase só elogios.
      Diante de todos esses  empecilhos,  travam a atividade da  crítica literária. Houve já  alguns casos em nossa  história literária recente  de críticos  militantes desistirem, passados alguns anos nessa  atividade.  Confesso, sem medo do juízo alheio, que às vezes me dá vontade de seguir esses  desistentes e me ocupar com  outras  coisas do espírito.


        

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