Cunha
e Silva Filho
O locus
da crítica literária pelo menos do país
anda um tanto cabisbaixo. Longe
está dos antigos rodapés impressionistas, alguns até de grandes méritos, dos anos ferozes de 1930, 1940, 1950, até princípios dos anos
1960. São muitos os nomes, mas os mais conhecidos e afamados eram os de
Agripino Grieco (em atividade crítica
mais remota), Tristão de Athayde, Álvaro Lins,
Sérgio Buarque de Hollanda, Antonio Candido, entre muitos outros bons leitores e
analistas da obra literária.
Veio, então, o crítico Afrânio Coutinho, nos anos 1940, trazendo dos Estados Unidos, onde
estudara, novidades e promessas de
mudanças nos velhos hábitos críticos, procurando implantar entre nós o resultado de seus
estudos, naquele país, sobretudo, na Universidade de Colúmbia, de teoria literária, história literária e crítica literária, tendo como mestres, entre outros,
René Wellek e Austin Warren, Roman Jakobson (este da corrente formalista
russa), entre outros autores do new criticism norte-americano.
A mudança que Coutinho desejava para os estudos literários e críticos resumia-se no que denominava de Nova Crítica,
uma abordagem adaptada por ele, aos avanços da crítica literária, a qual tinha como seu primado na apreciação, análise e interpretação
do fenômeno literário os valores estéticos do texto, ou
melhor, os valores intrínsecos, o seu aspecto formal, mobilizando para a crítica a
contribuição dos elementos constitutivos da literatura ao contrário do Impressionismo,
pensamento crítico mais alicerçado no gosto estético, na cultura geral, na
impressão provocada no crítico pela obra
literária.
O alvo mais premente da Nova Crítica
seria desalojar o Impressionismo muito
forte ainda na vida intelectual
brasileira e que tinha como sua figura-chave o crítico Álvaro Lins,
chamado pelo poeta Carlos Drummond de Andrade de o “Imperador da Crítica.”
O Impressionismo se impregnava
da subjetividade do crítico. Interessava-lhe a questão do gosto estético
e as causas e consequências de fatores
extrínsecos (psicológicos, filosóficos,sociológico, históricos, personalidade literária do crítico).
O veículo com que contava, então, o crítico impressionista era o jornal, através de uma
coluna a que chamavam de rodapé e, daí, crítica de rodapé. Álvaro
Lins era a figura mais incensada nos anos 1940 e 1950, sobretudo.
Coutinho se opunha a esse tipo de
crítica que analisava livros no calor da hora, quer dizer, as obras que eram lançadas se tornavam logo
objeto dos críticos impressionistas em publicações semanais. Para Coutinho, que
contraditoriamente, usava o rodapé de
jornais, esse tipo de crítica não
passava do que na América se chamada de review.
Para ele, a crítica literária
teria que ser feita em outros espaços, o livro, a cátedra, a monografia, a dissertação, a tese na universidade. Por outras
palavras, Coutinho opunha a crítica de
rodapé à crítica universitária.Ele próprio alegava que a análise de uma obra
pressupunha maior tempo, maior pesquisa,
bibliografia, método crítico,
antiamadorismo.
Decerto Coutinho travou uma batalha sem
trégua contra o Impressionismo.Daí ter mantido uma “briga feia” com Álvaro
Lins. Houve exageros de ambas as partes. A crítica de rodapé, nas mãos de
um grande crítico, como foi o caso de
Lins, teve acentuada aceitação. Lins era muito conhecido e respeitado pelos seus pares. Era crítico exigente e polêmico. Além disso, fora também professor catedrático de
literatura do Colégio Pedro II e, mais tarde, lecionou
na Universidade de Lisboa e exercia o seu ofício com muita
vitalidade, com muita consciência
atual da obra literária.
Fundamentado
nas leituras profundas dos grandes
críticos franceses, como Sainte-Beuve, Anatole France, e, depois,
familiarizado-se com a crítica anglo-americana, Lins permaneceu sempre atento ao que se produziu nos grandes centros do mundo
em matéria de crítica e de autores de renome. Não foi, pois, um
crítico impressionista à la
lettre. Se não fosse pela morte prematura,
seguramente se enquadraria numa das correntes modernas do pensamento crítico
ocidental.Sua produção, nos últimos anos de atividade crítica em livro, sinalizava
mudanças e renovação de suas ideias sobre literatura e abordagens
críticas..
Coutinho,
tal como Lins, primeiro foi professor de literatura do Colégio Pedro II,
em seguida, alçou-se à cátedra
universitária, tornando-se professor titular de Literatura
Brasileira da antiga Faculdade Nacional
de Filosofia da Universidade do Brasil, depois chamada Universidade Federal do
Rio de Janeiro.
Sua atividade de crítico, depois
combinada com a de historiador literário, foi fecunda e podemos afirmar que foi a
ele que devemos hoje os avanços nos
estudos literários sob enfoques modernos, a introdução da disciplinas teoria literária, a atualização da
crítica literária e da historiografia
literária. Foi, pois, um renovador desses estudos no país nos níveis
médio e universitário.
Tendo
neste artigo feito uma digressão histórica num recorte e exposição bastante esquemáticos, quase de passagem, de
duas correntes do pensamento
crítico do passado mais recente,
devo chamar a atenção para um novo e ao mesmo
tempo velho problema com que se
defronta quem se atreve ainda ao exercício da crítica literária
atualmente.
De
resto, em obra (ver Literatura nos
jornais: a crítica literária dos rodapé às resenhas. São Paulo:
Summus, 2007) de
pouca extensão mas de profunda
reflexão, a ensaísta, Cláudia
Nina discute essa questão da antiga review
e da sua correspondente hoje resenha literária em jornais, observando ela que o
antigo tom polêmico
na crítica arrefeceu drasticamente.
Ora,
tentando explicitar as palavras dela, o que está acontecendo é a
ausência, nas resenhas críticas, da contribuição do papel do julgador, no sentido de seriedade de analista e crítico de uma obra,
o qual hoje apenas faz sua resenha (evidentemente há exceções)
de maneira a não se ater aos pontos fracos e falhos de uma livro, dando-nos a
impressão de que todos escrevem obras boas, seja na ficção, seja na
poesia especificamente.
O velho Lins (empregado o termo "velho" no sentido do
tempo histórico decorrido), numa passagem de um de seus livros, afirmou: “[...] o
ato de tudo aceitar
como de tudo negar, não é um
ato de crítica. É um ato de positiva ou negativa apologia, e só [....].” Pelo que se está vendo nos dias que correm, o que se lê, nas seções de literatura dos jornais em geral, não é crítica. Quase só elogios.
Diante de todos esses empecilhos,
travam a atividade da crítica literária. Houve já
alguns casos em nossa história
literária recente de críticos militantes desistirem, passados alguns anos
nessa atividade. Confesso, sem medo do juízo alheio, que às
vezes me dá vontade de seguir esses
desistentes e me ocupar com
outras coisas do espírito.
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