Cunha e Silva
Filho
Eis algo que está sempre me
surpreendendo. Será que a amizade é semelhante a uma definição do percurso
existencial que uma conhecida me deu um
dia ao falar que a vida tem prazo de validade? Sendo assim, me pergunto: a
amizade tem também prazo de validade, como a data de fabricação de um remédio
ou do estado normal da duração de uma
fruta?
Confesso que não sou capaz de pensar numa
definição própria do que seja a verdadeira amizade. O leitor, a essa altura, me poderá perguntar
por que, de vez em quando, me
assalta essa preocupação em tentar um
explicação plausível para o sentimento
nobre da amizade.
Um poeta de minha terra, em crônica
recente, chamava a atenção do leitor para a crescente solidão que sentia
diante das amizades que teve, ou
seja, para o crescente afastamento das antigas amizades com a
chegada da velhice octogenária.
Ora, isso basta para abrir uma discussão isenta do que seja o que se chama de amizade, além de indagações outras, como saber se ela realmente existe, se depende de
fatores condicionantes do relacionamento
social, se depende da condição de riqueza ou outras motivações
inconfessáveis envolvendo a amizade entre as pessoas, se esse sentimento, tão altruísta
é inalcançável, e não passa de uma doce
ilusão dos homens que a desejam para si e julgam que são correspondidos,enfim, se ela não existe, mas o
que dela fazemos, nós mortais, é apenas um expediente, uma convenção social ou uma mentira da civilização antiga ou
moderna,
O que, nuclearmente desejo assinalar é um
ponto controverso e por mim jamais compreendido: por que, de repente, por uma
nonada rosiana, por uma simples divergência sem intenção mínima de
ferir alguém, se estremece uma
suposta amizade? Será que aquele que consideramos amigo realmente era nosso amigo ou não
era mais do que um aparente
e flutuante recuo de uma onda do mar? Assim como é fácil
muitas vezes fazer-se uma amizade, assim
é rápido o instante em que ela soçobra e escapa de nossas mãos. Amiúde intuímos
quais sejam os motivos do afastamento, mas não temos a coragem de claramente apontá-los
para o alvo certo. Preferimos deixar que o esquecimento aconteça, em tempo mais
maduro, até o seu desaparecimento total.
Podemos até recorrer à compreensão desse
sentimento lendo o tratado da amizade do grande orador, escritor, filósofo,
político romano Cícero ( 3/01 de
106 a. C -7/12 de 43 a .C.) ou até mesmo procurar,
em alguns filósofos antigos e modernos,
por uma explanação que nos faça
entender todos os
componentes implicados nesse sentimento
e no seu esfacelamento doloroso.
Sinto, no mais recôndito do meu ser, que a
amizade existe; contudo ela, como quase tudo na vida, é passageira até porque
materialmente acaba, já que estou
discutindo a amizade terrena, não a espiritual, não a transcendente, não
a dos místicos puros, dos santos, do Ser Supremo, a qual está
situada em planos mais elevados ou elevadíssimos e nada tem a ver com as misérias e as fragilidades humanas,
tomando essa expressões últimas num sentido machadiano de
perscrutar a alma humana..
O que me intriga, porém,
é a incógnita, a solução da
questão da quebra desse sentimento. O que me deixa
assustado, abismado, é a prima ratio da questão crucial. Por que somos
tão mesquinhos diante de um sentimento
que poderia ser uma das soluções
até da paz entre os homens no mesmo país,
entre países e tendo como referência magna, a Humanidade?
Por que divergências étnicas,
ideológicas, políticas, epistemológicas, linguísticas, literárias, históricas
são estopins venenosas
que redundam na pulverização da amizade e, daí em diante, pelo sofrimento ou ressentimento
provocados, não mais adquirem aquele viço alegre, gostoso,
saudável da antiga amizade que,
aqui para provocar o leitor, havia entre dois cultivadores da amizade? A ferida
resultante é praticamente não cicatrizável. O passo errado deixou
o vaso da amizade estilhaçado,
sem volta. Tudo passar a ser diferente,
ainda que seja retomada. Seremos
gatos escaldados. Uma vez aquele vaso quebrado, partido,
suas partículas mínimas, sopradas pelo vento, não mais
farão retroceder a antiga naturalidade, o antigo
afeto ainda não partido, ainda
não arranhado..
Por outro lado, sei que o pensamento cético
ainda não me invadiu de vez. Isso me consola em parte. Não quero o
socorro de Schopenhauer (1788-1860), nem o de Nietzsche (1844-1900), nem de nenhum pensador
que possa me fazer inteiramente descrente
do sentimento da amizade. Obviamente, sinto a dor imensa,
a incompreensão, o espanto
diante do fato.
O que me incomoda muito, além
da ruptura da amizade súbita ou paulatina, é a certeza de que nunca, do
me lado, a quis ver abalada, capenga,
claudicante. Não, sempre a quis saudável, viçosa, inalterável, perene,
fecunda até o final de meus dias. O mundo para mim é muito vasto (o “vasto mundo” drummonmdiano
poderia ser) e eu sou muito pequeno para enfrentá-lo da forma como ele é e não como eu desejo que
seja. O “Fiat lux" bem poderia ser a metáfora da eclosão da amizade e o seu rompimento seria o seu antípoda, i.e., a escuridão, a qual desfaz um dos mais belos sentimentos do Homem: a amizade, que deve ser duradoura, estreme, imaculada, incondicional, simples e bela como os “lírios do campo.”
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É, meu amigo Cunha Filho, esse é um terreno áspero mesmo. Mas muito bem explicado por você nesse seu texto comovente.Creio que a amizade tem seus picos de força mas com o tempo e espaço ela capenga mesmo. Espero ser sempre seu amigo. Abração.
ResponderExcluirMeu jovem poeta Luiz Filho de Oliveria:
ExcluirÉ sempre confortante, meu caro poeta das bocadas, ler o que diz do que escrevo. É um bálsamo mesmo para esse velho autoexilado no Rio de Janeiro.
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Quanto aos desejos de nossa amizade,tenho certeza de que será duradora como uma rocha.
Isso não é uma opinião apenas, é um vaticínio, não obstante não ser um vate como V. e emprego "vate" no sentido etimológico do termo.
Obrigado pela atenção.
Cunha e Silva Filho